A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: CONSIDERAÇÕES FINAIS e BIBLIOGRAFIA
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: CONSIDERAÇÕES FINAIS e BIBLIOGRAFIA
Armando Filipe da Costa Amaro
3.4 Portimão 143
3.4.1 O desenvolvimento urbano e industrial até 1917 148
3.4.2 A importância do caminho de ferro 150
3.4.3 Portimão elevada a cidade em 1924 152
3.4.4 Estruturas fluviais das fábricas de conserva 1 5 5
3.4.5 Aterro da zona ribeirinha 1930’s 158
3.4.6 Bairro operário CPCP (1934-1936) 161
3.4.7 Ante-plano de urbanização 163
3.4.8 Habitação 167
3.4.9 Bairro Pontal (1941-1951) habitações para as classes pobres 170
3.4.10 Bairro dos Pescadores (1948-1951) 173
3.4.11 Sede de Portimão – Grémio dos Conserveiros do Sul (não construído) 174
3.4.12 Cronologia industrial 176
3.4.13 Portimão: centro conserveiro com duas margens 8 01
O concelho de Portimão localiza-se, hoje, num território que atraiu vários povos ao longo do tempo, e que aí se fixaram e deixaram os seus vestígios, principalmente junto aos cursos de água. Entre estes, destacam-se os fenícios, romanos e árabes (Ventura e Marques, 1993).
A estrutura urbana que hoje conhecemos, teve a sua fundação no século XV, primeiro numa pequena povoação chamada São Lourenço da Barrosa e, alguns anos depois, batizada de Vila Nova de Portimão. A nova vila teve como prioridade a construção de uma muralha defensiva, pois estava sujeita a ataques, dada à localização junto ao Rio Arade. A expansão desse núcleo urbano, fora de muralhas, começou junto à Porta da Ribeira, mas limitada pelo Rio Arade, as próximas fases de expansão foram na direção da Porta da Serra e pela Porta de S. João, crescendo para o interior do território (Ventura & Marques, 1993).
Vila Nova de Portimão tinha uma importante atividade na indústria naval, nas salinas da região, na pesca e na agricultura, exportando pelo seu porto os excedentes das suas culturas. A prosperidade da vila levou a sua expansão extramuros, surgindo a possibilidade de se construir um novo pano de muralha que protegesse as novas zonas da vila. Em 1621, Alexandre Massaii faz uma proposta para o novo troço amuralhado, mas a prioridade era a defesa da barra do Rio Arade e, como tal avançou-se com a construção do Forte de Santa Catarina e o Forte de S. João, sendo que as muralhas da vila tinham sido reparadas em 1616 (Ventura & Marques, 1993).
A região entra, então, numa crise económica que é agravada pelo terramoto de 1755, que afeta particularmente Vila Nova de Portimão, danificando as muralhas, os seus edifícios religiosos e a maior parte das habitações, não só pelos tremores de terra, mas também pelas “ondas gigantes que entraram rio acima” (Ventura e Marques, 1993, p.56). A população, sem meios económicos para reconstruir o que perdera, abandonou a vila, ajudando ao despovoamento parcial desta, ao qual já se assistia desde o início do século. O Bairro do Sapal, localizado a norte da vila, desapareceu por completo devido ao marmoto, o que é visível nos elementos gráficos antes e depois da catástrofe (Ventura & Marques, 1993).
A vila recompôs-se lentamente até ao século XIX, começando novamente a prosperar economicamente devido aos produtos provenientes do mar, à agricultura e ao seu porto, ainda que continuasse uma vila isolada, no que dizia respeito às ligações terrestres. Por sua vez, o porto, precisava de obras para melhor acomodar a troca de mercadorias que realizava, assim como a necessidade de desassorear o Rio Arade, de forma que a vila tivesse ligação a Silves. Será a resolução destes aspetos, até ao final do século, que vai impulsionar a urbe e permitir que esta se torne um centro industrial e portuário importante (Ventura & Marques, 1993).
O porto de Vila Nova de Portimão, apesar de estar abrigado das intempéries e ter tido em conta a potencialidade da sua localização, teve desde o início do século, problemas crónicos causados pela acumulação de areias. A variação da barra e a falta de profundidade impedia as embarcações de maior porte de chegar junto da vila, e dificultavam a navegação no rio, prejudicando a sua conexão a Silves. Em 1800, é feito o primeiro levantamento detalhado do porto e barra da vila onde, além dos problemas já enunciados, é referida a necessidade de oferecer outras condições ao porto devido à afluência de barcos. Seguem-se, então, uma série de projetos que tentam oferecer uma solução para a vila, propondo diversas opções para o controlo das zonas navegáveis do Rio Arade, a manutenção da barra e para um novo cais (Loureiro, 1909).
O projeto do engenheiro Pézerat, datado de 1852, destaca-se pela proposta da continuação da estrada litoral que ligava Sagres a Vila Real de Santo António (atual E.N. 125) através de uma ponte, que foi concluída em 1876. Esta nova estrutura viária permitiu, não só maior facilidade na ligação da vila com o resto da região mas, principalmente, maior facilidade na travessia do rio e ligação à outra margem, o que teve enorme importância para o porto e para as indústrias que se instalaram em ambas as margens e que faziam parte do mesmo centro portuário e industrial, no século seguinte (Loureiro, 1909; Ventura & Marques, 1993).
No que respeita ao cais, vigorou o projeto de Augusto Fidié, de 1862, que previa uma estrutura desde a (futura) ponte até à zona de pântano, a sul da vila, terraplanando essa área permitindo uma regularização da margem. Isto proporcionaria um local que correspondesse as necessidades das embarcações e, prevendo já a ocupação parcial da nova zona com ruas e edifícios. Em 1875, o aterro sobre o rio para acomodar o novo cais estava pronto, mas ali estava projetada também a construção da alfândega, um mercado de peixe e uma alameda ajardinada entre o limite construído da cidade e o novo cais. A conclusão deste espaço e dos vários edifícios iria arrastar-se até 1907 (Loureiro, 1909).
Foi, ainda, construído em 1872, um dique a sul do novo cais, na zona das marinhas, com o objetivo de ajudar a regularizar o porto, mas sem os resultados desejados, uma vez que a barra continuou a modificar-se, persistindo parte dos problemas de navegação, tendo ainda ocorrido várias obras de desassoreamento, ao longo do tempo, para garantir a navegabilidade desde a foz até Silves (Loureiro, 1909).
Vila Nova de Portimão, no final do século XIX, era um movimentado centro portuário, exportador de frutos secos, da produção agrícola de Silves, Albufeira, Monchique e do seu próprio concelho, bem como de peixe salgado e de conservas de peixe, das primeiras fábricas que se instalaram ainda neste período. O crescimento urbano acompanhou, por isso, o volume económico da vila e os melhoramentos viários e portuários, crescendo pelas Portas da Serra em direção ao sapal de São Pedro (Largo Gil Vicente), e para norte, junto da Rua Infante D. Henrique, que ligava à nova ponte, sendo que a sul o crescimento urbano foi mais modesto (Ventura & Marques, 1993).
Através da figura 137, podemos fazer um ponto de situação urbano da vila, já com a ponte construída e, no seu seguimento para sul, a nova zona de aterro onde estava o “cais de peixe” e o “cais da Alfândega”, equipados com um guindaste de ferro e outro de madeira como nos informa a legenda do documento. No seguimento, podemos ver o dique construído em frente às salinas. Estão, ainda, identificadas no mapa algumas chaminés de indústria, localizadas nas duas margens. Infelizmente, por ser um levantamento hidrográfico, não foi registada a malha urbana das povoações.
No que diz respeito às fábricas de conserva, ainda no século XIX, a primeira instalação mencionada estaria localizada na margem pertencente ao concelho de Lagoa, em Estômbar, no sítio da Estrada da Passagem, que corresponderia à (e seria da) empresa “Parceria Mercantil do Cabo Carvoeiro”, como indica o Inquérito Industrial de 1890, uma vez que não refere qualquer instalação na outra margem (Inquérito Industrial de 1890, vol. III: 528/ Serra, 2007). Portanto, a primeira fábrica a instalar-se na Vila Nova de Portimão foi do industrial Júdice Fialho, localizando-se a norte da vila, ficando conhecida pela Fábrica S. José, que começa a laborar em 1892 (Duarte, 2003).
Seguia-se a Fábrica dos “Ètablissements F. Delory”, instalando-se entre 1892 e 1894, na margem oposta, localizada onde antes tinha estado instalada uma fábrica de Álcool, que esta assinalada na figura 137, nome pelo qual ficou conhecida, segundo Edite Tavares (1999) (Rodrigues, 1997; Duarte, 2003).
137- Antigo mercado de peixe junto ao Rio Arade. Retirado do livro Portimão, 1993
132 – Reconstituição do traçado das muralhas de Vila Nova de Portimão. Autor: J. Palhinha. Museu de Portimão, cota AD8-2-37.
133 – Projeto do traçado de uma nova muralha para a Vila Nova de Portimão. Alexandre Massaii, 1621. Retirado do livro Portimão, 1993.
135 – Vila Nova de Portimão, pós-terramoto, em 1773. Museu de Portimão, cota AD8-2-35.
136 – Vila Nova de Portimão, 1818. Museu de Portimão, cota AD8-2-36.
134 – Mapa da Vila Nova de Portimão e território envolvente antes do terramoto de 1755. Museu de Portimão, cota AD4-2-33.
138 – Plano Hidrográfico do Porto e Barra de Vila Nova de Portimão, 1894. Biblioteca Nacional.
139 – Planta de evolução da cidade de Portimão, por zonas consolidadas. Elaborado pelo autor.
No início do século, Vila Nova de Portimão beneficiava do seu movimento portuário e da fixação de novas fábricas de conserva, que a tornavam um importante centro económico da região. As novas infraestruturas, contribuíram para este desenvolvimento, tal como a nova ponte viária que conectava ambas as margens do rio, que eram servidas e serviam o porto de Portimão.
A malha urbana, neste período, desenvolve-se principalmente para norte e noroeste, junto à Estrada Nacional 125. A norte, temos principalmente a formação de uma zona composta por fábricas, habitação que acolhia os trabalhadores das indústrias, armazéns e que, futuramente, iria receber a estação de caminho de ferro. O início do século foi próspero, com o surgimento de algumas fábricas de conserva em ambos os lados do Rio Arade mas, com o início da 1ª Guerra Mundial, assistiremos a um crescimento mais acentuado e com maior peso para o desenvolvimento urbano e económico de Portimão (Ventura & Marques, 1993).
No que diz respeito à indústria conserveira, funcionaram de 1904 a 1908 três fábricas em Portimão, duplicando o número em 1917, época em que existem seis em laboração. Maria Duarte (2003) identifica as seis empresas como: Júdice Fialho, com duas fábricas S. José e a do Estrumal, que tinham começado a funcionar em 1904; Feu Hermanos, com a fábrica S. Francisco de 1902; União Industrial Portimonense, lda, 1916; M.B. Caleça e Filho, 1917 e Penna Peralta, lda, 1917, sendo que para as últimas três empresas indica apenas a data em que teriam iniciado funções, desconhecendo-se a localização exata das suas instalações (Duarte, 2003).
Além das fábricas instaladas em Vila Nova de Portimão, consideram-se também as instalações na margem oposta, concelho de Lagoa, que faziam parte, na prática, do espaço económico de Portimão. Assim, iremos identificar e localizar estas instalações sempre que possível. Para o ano de 1917, Duarte Abecasis indica que existiriam nove fábricas no concelho de Lagoa, que pensamos que seriam as seguintes:
(1) Ètablissements F. Delory, Fábrica do Álcool;
(2) Júdice Fialho, 1904, que compra a Fábrica “Frito Velho”;
(3) Nova Sociedade de Conservas, lda, 1915, Fábrica “do Mexilhão”;
(4) António Judice Magalhães Barros, 1915, Fábrica St. António;
(5) Costa & Carvalho, Lda, em 1917 no Parchal, desconhece-se a localização exata;
(6) Mascarenhas Júdice, Limitada, 1917, Fábrica do Júdice;
(7) Belchior Irmãos, lda, 1917.
140 – Plano Hidrográfico da Barra e Porto de Vila Nova de Portimão, 1916. Biblioteca Nacional
Ficam por identificar duas instalações fabris, sendo que uma estaria longe do centro económico de Portimão, localizando-se em Carvoeiro (Abecasis, 1926; Rodrigues, 1997; Duarte, 2003; 5ª Circunscrição Industrial).
Analisando o Plano Hidrográfico da Barra e Porto de Vila Nova de Portimão de 1916 (fig. 140), podemos identificar quatro fábricas de conserva: Fábrica S. Francisco, da Feu Hermanos e Fábrica do Estrumal, de Júdice Fialho, na margem de Vila Nova de Portimão;
na margem oposta, a Fábrica Júdice, da Mascarenhas Júdice, Lda; a Fábrica “Frito Velho”, de Júdice Fialho. É ainda, possível ler a referência “antiga fábrica de Álcool”, junto à identificação de uma chaminé, que se refere à localização da fábrica dos Ètablissements F. Delory. No entanto, pouco é possível concluir sobre a evolução urbana através deste documento; a malha urbana parece ter sido consolidada a sul e junto ao porto, e terá crescido tendencialmente para norte em direção à estação de caminho de ferro. Podemos, ainda, ver um dique a sul do porto para a regularização da barra, que protegia também as salinas ali existentes.
A chegada da linha de caminho de ferro a Vila Nova de Portimão foi um processo longo, que teve início no final do século XIX, com o planeamento da linha para o Algarve, tendo chegado primeiro à margem esquerda (concelho de Lagoa) e só mais tarde abre a estação a norte do centro da vila.
O primeiro projeto para a ligação Silves a Portimão seria aprovado a 8 de abril de 1900, onde estaria incluída a estação que se iria edificar no Parchal, Lagoa (atual apeadeiro de Ferragudo) e outra ainda, na outra margem em Portimão. Ficava, no entanto, em aberto qual a solução definitiva para a estrutura de ligação entre as duas margens, sendo que não constava no orçamento a construção de uma nova ponte, colocando-se a possibilidade de adaptar a ponte existente para a linha de caminho de ferro (Silves a Portimão, 1903).
A construção da estação do Parchal seria aprovada, então, em 1903, ano da sua inauguração. O seu projeto incluía uma cocheira para locomotivas, um edifício para habitação do pessoal da estação e de um cais com canal de acesso para serviço fluvial da estação (Linhas Portuguesas, 1902). Esta estação ficaria conhecida como Portimão-Ferragudo até 1922, ainda que não ficasse junto a Vila Nova de Portimão, mas sim na outra margem. A estação em Portimão demorou a concretizar-se, mas em 1915, o processo voltou a ganhar folgo com a construção da ponte para a linha férrea, concretizada pela Empresa Industrial Portuguesa. Mas levaria até 1922 a ser concluído o ramal até Lagos, sendo inauguradas as estações de Portimão e de Lagos nesse mesmo ano (Ventura & Marques, 1993; De Portimão a Lagos, 1917).
Apesar da linha do comboio só alcançar Portimão em 1922, a sua chegada em 1903 à margem oposta deve ser tida em conta, pela importância para a economia da vila. No litoral, os centros portuários, serviam como zonas de exportação e venda dos produtos das zonas do interior, com destaque para os frutos secos, frutas e outros produtos agrícolas. Parece ser genérico esta permuta entre interior e litoral, beneficiando os principais portos, como o de Portimão, da proximidade de grandes áreas interiores que produziam produtos que tinham de ser escoados, sendo vendidos nos centros económicos mais próximos. Era essa a relação que Portimão mantinha com o seu território envolvente, com destaque para Monchique e Silves, chegando os produtos de carroça ou até de barco pelo rio. A relação com Silves teve, ainda, uma dimensão industrial, com as instalações de fábricas que exportavam os seus produtos através do porto de Vila Nova de Portimão. Em sentido contrário, a pesca e a conserva de peixe salgado eram transportadas e vendidas no interior. O caminho de ferro surge como uma alternativa importante para as populações, mas traz consigo a possibilidade do fornecimento de matérias primas para as indústrias, o transporte de produtos até ao litoral para exportação, o transporte de peixe para o interior e a exportação das conservas para outros países, surgindo como uma alternativa a navegação marítima e permitindo comunicação, transporte e comércio entre litoral e o interior (Duarte, 2003; Cavaco, 1976).
Nas décadas do século XX, temos uma perceção que existe uma ideia generalizada de que seria o porto de Lagos o mais importante do Barlavento Algarvio. Defendendo esta ideia em 1926, Duarte Abecasis refere que, com a possível ligação de Lagos a Sines por linha férrea, este se tornaria um centro portuário e comercial de relevo, exportando toda a produção do interior do país pelo seu porto. Esta ideia, de futura importância, parece ser partilhada, antes, em 1917, na publicação nº589 da revista Ilustração Portuguesa, onde se pode ler “não tarda a cumprir-se a profecia. Lagos ainda há de ser um grande porto da Europa”.
Mas hoje sabemos que Lagos nunca sofreu as obras portuárias necessárias e a ligação a Sines nunca foi uma realidade, ainda que Lagos se mantenha relevante, perderá a sua importância para Portimão e para outros centros algarvios (Abecasis, 1926; De Portimão a Lagos, 1917).
A questão que se coloca perante estes dados é, se o facto da linha férrea ter chegado ao centro económico de Portimão dezanove anos mais cedo do que a Lagos, terá contribuído de forma decisiva, para a sua afirmação no Barlavento Algarvio.
141 – Estação de Vila Nova de Portimão, c.1917. Ilustração Portuguesa, N.º 589, 4 de junho de 1917
142 – Estação de Vila Nova de Portimão, c.1917. Ilustração Portuguesa, N.º 589, 4 de junho de 1917, p.454.
A 1ª Guerra Mundial trouxe, ao mercado internacional, uma enorme procura por alimentos conservados. Por esse motivo, entre 1914 e 1923, assistimos à proliferação de novas fábricas ao longo do Rio Arade. Como já referimos, em 1917, tínhamos cerca de quinze fábricas em ambas as margens, mas o número iria aumentar para cerca de 25 até 1921, continuando a aumentar até 1925, ano em que se começa a sentir os efeitos negativos da crise económica mundial e a falta de peixe na costa portuguesa (Duarte, 2003).
Estudando a planta de 1924 de Portimão (fig. 143), podemos verificar que a malha urbana se continua a concentrar junto ao núcleo histórico, densificando a sua expansão para norte, encontrando a linha de caminho de ferro como limite para a sua expansão. Segundo Maria Ventura e Maria Marques (1993), nos anos vinte, surgem dois bairros modestos, o Bairro dos Fumeiros e o Bairro da Cruz de Pedra, este último junto à fábrica S. José. Por contraste junto ao principal eixo viário (Estrada Nacional 125), surgem construções mais nobres (Ventura & Marques, 1993). Não se pode afirmar, com plena certeza, que estes novos bairros seriam de operários da indústria conserveira, mas sendo bairros das classes trabalhadoras, podemos assumir que acolhiam também operários conserveiros, até pela dimensão da população operária neste período e, ainda, pela proximidade às fábricas que ali existiam. Ainda, a norte, existia um bairro operário no sítio da Boa Vista, junto à Empresa de Conservas “Boa-Vista”, lda, pertencente à mesma empresa.
“O primeiro bairro foi o do Feu, em frente à fábrica, eram uns armazéns sem qualquer divisão. Com os panos faziam-se as divisões, chegaram a morar cinco ou seis casais. Mais tarde o D. Caetano resolveu fazer o bairro operário” (Coelho, 1999).
A sul, está identificado o dique, que ajudava a controlar a barra do Rio Arade e protegia os terrenos mais próximos de alagar, o que permitiu, neste período, o surgimento de fábricas naqueles terrenos junto à estrada que seguia para sul (hoje Rua Dom Carlos I) (Ventura & Marques, 1993). Devido à fixação de fábricas longe do núcleo urbano de Portimão, principalmente junto ao convento de S. Francisco, surgem dois núcleos de habitação.
O primeiro seria junto à fábrica da Feu Hermanos, segundo informação do Museu de Portimão.
De acordo com o que foi recolhido através de entrevista a antigos operários, existiu um aglomerado de casas conhecido como “Aldeia do Feu”, localizado do lado oposto a estrada, junto à secção de vazio da fábrica, descrito como um local sem condições de habitabilidade e de promiscuidade, construído toscamente com materiais industriais e sem casas de banho (Entrevista a Vidaul José Ventura, 2002). Provavelmente, estes espaços existiam dentro de um armazém, considerando que Vidaul Ventura refere que os espaços não tinham cobertura e que se conseguia ouvir tudo entre as várias divisões, podendo imaginar-se que não seria muito diferente do que acontecia em Olhão.
O outro conjunto de habitações estava localizado ao longo da Estrada da Rocha, em ambos os lados desta, com habitações térreas, modestas, que pertenciam às fábricas Facho e à do Estrumal, de Júdice Fialho.
Na margem oposta, é possível verificar o surgimento de edifícios, que sabemos que eram fábricas de conserva (fig. 143), junto à Estrada Nacional 125 e à estação de comboios do Parchal, surgindo ainda algumas fábricas mais a norte, com pontões privados para o Rio Arade.
A proliferação de instalações industriais teve, como consequência, a necessidade de alojamento para os novos trabalhadores da indústria, o que justifica os surgimentos dos bairros e habitações, com mais ou menos condições, que descrevemos anteriormente. O “boom” industrial, levou ao aumento da importância de Portimão, que é elevada a cidade em 1924, crescimento este que iria alterar as dinâmicas existentes. A produção de conservas esteve concentrada em algumas fábricas, na sua maioria bem equipadas, com maquinaria moderna para a época, algumas autossuficientes em quase todos as matérias primas necessárias à produção de conservas, como era o caso de Júdice Fialho e da Feu Hermanos. Mas a partir da 1ª Guerra, assistimos ao surgimento de fábricas em instalações, mais ou menos, improvisadas que procuravam aproveitar a especulação existente, algumas funcionando apenas durante alguns anos. O grande número de fábricas levou à ocupação e densificação de novos espaços no território junto ao Rio Arade, sendo que anteriormente a população se concentrava no centro de Portimão e nas vilas e aldeias mais próximas, assistindo se a uma ocupação mais alargada do território.
O número máximo de fábricas em funcionamento simultâneo terá sido no ano de 1925, com aproximadamente três dezenas, que seriam as seguintes (em Portimão):
(1) Fábrica S. José, de Júdice Fialho;
(2) Fábrica do Estrumal, de Júdice Fialho;
(3) Fábrica S. Francisco, da Feu Hermanos, lda;
(4) Sociedade de Conservas Stª. Catarina, lda, que começou a funcionar em 1920, funcionando pelo menos até 1924;
(5) Fábrica Boa-Vista, da Empresa de Conservas “Boa-Vista”, lda, terá funciona entre 1920 e 1924;
(6) Pacheco, Pereira & Cª Lda, inscrita na 5ª Circunscrição Industrial, funcionou de 1922 a 1924, no largo da estação de caminho de ferro;
(7) Fábrica Esperança/ Esmeralda, da Cristovão Brito & Gomes, Lda, faz publicidade em 1924 no Jornal Europa;
(8) Fábrica Facho, da Facho, lda, inicia funções em 1922 e continuará a funcionar depois de 1924;
(9) Fábrica Liberdade, da Empresa de Conservas “Liberdade”, Lda, inicia funções nos anos vinte e funcionará, pelo menos, até 1948;
(10) Fábrica Mercantil, da Bivar & Cª, lda, inicia funções em 1922 e funcionará pelo menos até 1948;
(11) Fábrica A Portuguesa, da Empresa Fabril de Conservas, lda, inicia funções em 1923 e funcionará pelo menos até 1948;
(12) Manuel Ojeda Martins, registado na 5ª Circunscrição Industrial entre 1924 e 1925, na estrada para Lagos;
(13) Frederico da Paz Mendes, lda, faz publicidade em 1924 no Jornal Europa;
(14) Algarve Industrial e Comercial, lda, faz publicidade em 1924 no Jornal Europa;
(15) Fábrica Encarnada, da Portugália Industrial, lda, faz publicidade em 1924 no Jornal Europa;
(16) Sociedade de Conservas S. Pedro, lda, registada na 5ª Circunscrição Industrial de 1924 a 1927;
(16) Ibéria Industrial, Lda, registada na 5ª Circunscrição Industrial de 1924 a 1930
(17) Anello & Fernandes, Lda, registada na 5ª Circunscrição Industrial de 1925 a 1927;
(18) D. N. Charalampopoulos, registada na 5ª Circunscrição Industrial de 1925 a 1970.
Por sua vez, margem oposta (no concelho Lagoa):
(1) Fábrica do Alcool, dos Ètablissements F. Delory;
(2) Fábrica do Frito Velho, de Júdice Fialho;
(3) Fábrica Mexilhão, Nova Sociedade de Conservas, lda, iniciou funções em 1915 e funcionou pelo menos até 1948;
(4) Fábrica St. António, António Júdice Magalhães Barros, iniciou funções em 1915 e terá funcionado até à sua compra pela Feu Hermanos;
(5) Costa & Carvalho, Lda, registada na 5ª Circunscrição Industrial de 1917 a 1929;
(6) Fábrica Júdice, adquirida pela empresa Consórcio Português de Pesca e Conserva, registada na 5ª Circunscrição Industrial de 1919 a 1928;
(7) Belchior Irmãos, lda, registada na 5ª Circunscrição Industrial de 1917 a 1950;
(8) Fábrica St. Isabel, da empresa Consórcio Português de Pesca e Conserva, registada na 5ª Circunscrição Industrial de 1919 a 1930;
(9) Empresa de Conservas “Atlântica”, lda, iniciou funções em 1919/1920 e terá funcionado, pelo menos, até 1948;
(10) Aliança Industrial de Conservas, Lda, registada na 5ª Circunscrição Industrial, de 1922 a 1930;
(11) Belchior, Cabrita & Cª, Lda, registada na 5ª Circunscrição Industrial, de 1923 a 1925;
(12) Patrício, Lapa & Belchior, Lda, registada na 5ª Circunscrição Industrial, de 1925 a 1937;
(13) Cardoso & Azevedo, Lda, registada na 5ª Circunscrição Industrial, de 1925 a 1937 (Rodrigues, 1997; 5ª Circunscrição Industrial; Conservas de Peixe,1948; Duarte, 2003).
143 – Planta da Cidade de Portimão em 1924. Museu de Portimão, cota AD4-2-34.
144 – Recortes de anúncios de fábricas de conserva. Suplemento do Jornal Europa, ano IV, janeiro de 1924. Cedido pelo Museu de Lagos.
Ao longo do Rio Arade, assim como em outras zonas fluviais, era comum o uso de estruturas que permitiam a atracagem de embarcações e a troca de mercadorias. A necessidade destas estruturas deve-se à natural diferença de caudal ao longo do ano e às marés, pela proximidade ao mar. Nos diferentes elementos gráficos de Portimão, é possível identificar pontões ou cais, ao longo do Rio Arade. Na figura 143 e 146, são evidentes as várias estruturas que estariam, na sua maioria, associadas a fábricas de conserva, existindo em maior número na margem Este do rio. A multiplicação destas estruturas, nos anos 20 (séc. XX), deveu-se ao aumento significativo do número de fábricas, que pela à falta de terrenos disponíveis ou a preço acessível junto a vila de Portimão e do seu porto, preferiram instalar-se ao longo do rio, em ambas as margens. O porto de Portimão era única estrutura pública que permitia a atracagem de embarcações, não existindo uma estrutura equivalente na margem oposta, o que levou à necessidade da criação de estruturas próprias, na maioria dos casos, das fábricas que ali se instalavam. Era comum que as empresas que detinham frotas próprias ou que pagavam embarcações pela exclusividade da sua carga, instalassem este tipo de estruturas junto das suas fábricas.
145 – Vista parcial do estaleiro de S. José. Autor José Gameiro. Cedido pelo Museu de Portimão cota: MP-D- 8-37A.
146 – Pontões e instalações industriais da zona norte de Portimão. Cedido pelo Museu de Portimão, cota: MP-D6-57A
A norte do centro de Portimão, existia um conjunto de fábricas e estaleiros junto à ponte, que reúne um conjunto destas estruturas usadas para manutenção das embarcações e para a chegada do peixe às fábricas (S. José e Severo Ramos). Encontramos, também, estas estruturas na margem oposta, a norte, na zona de Parchal e Estômbar, mas dispersas ao longo do rio e pertencentes a diferentes fábricas (Portugal, Mexilhão, St. António, etc). A Sul, temos a fábrica do Estrumal, que detinha vários pontões, pois ali concentrava-se não só a produção de conservas e litografia, mas também os estaleiros da frota da empresa.
Destaque para as fábricas S. Francisco da Feu Hermanos e Fábrica Velha de Júdice Fialho, que têm as suas estruturas bem documentadas através de fotografias, desenhos e filmes (Cosme, 1946; Miranda, 1938).
O tipo de construção dos pontões variava consoante a capacidade económica e dimensão da fábrica. Existiam estruturas mais rudimentares, de madeira e, até estruturas em alvenaria, com equipamentos que facilitavam o transporte do peixe ou da mercadoria, para exportação.
A Fábrica Velha tinha um pontão robusto em alvenaria, à imagem dos molhes modernos, embora mais arcaico, que foi intervencionado em c.1936, para a instalação de uma estrutura para transportar o peixe para o interior da fábrica. Esta era constituída por madeira e cabos, que rodavam através de um motor. Nestes onde se encontravam ganchos que suportavam os cestos onde era colocado o peixe. Este mecanismo evitava a deslocação entre a embarcação e o interior da fábrica, concentrando a atividade dos trabalhadores nas extremidades do sistema automático. Neste caso particular, parece ser bastante vantajoso, devido ao comprimento do pontão privado da fábrica, com mais de 180 metros. Este comprimento devia-se à distância da costa até à profundidade navegável do rio, pois naquela zona acumulava-se uma grande quantidade de areia que, na maré baixa, emergia da água.
A Fábrica S. Francisco tinha um sistema similar instalado, que conectava o seu cais diretamente à sala de processamento do peixe. No entanto, a estrutura do cais era diferente, sendo as fundações em alvenaria e o pavimento percorrível em madeira, sobre o qual foi instalado o mecanismo de transporte de peixe até ao interior da fábrica. Além deste, o cais tinha, ainda, incorporada uma linha de carris, que fazia a ligação entre o mesmo e vários espaços da fábrica. Estes serviriam para agilizar o transporte do produto finalizado, que teria um peso considerável, entre os espaços da fábrica e as embarcações.
É possível que outras empresas tenham adotados sistemas similares nos seus cais privados, embora este tipo de equipamento fosse mais relevante para fábricas com maior volume de produção, agilizando o transporte de grandes quantidades de matéria prima, evitando que esta se estragasse ou perdesse a sua qualidade. Estes equipamentos teriam custos que não seriam possíveis de suportar por todas as empresas, além de que o investimento na melhoria de equipamentos não era comum, sendo levado a cabo principalmente pelas grandes empresas. As alternativas comuns a estes sistemas eram o transporte em cestos, pelos operários, ou em carroças e zorras.
147 – Descarga de peixe no cais da fábrica S. Francisco da Feu Hermanos. Cedido pelo Museu de Portimão cota: MP-D2-1B-G.
148 – Entrada do sistema automatico, de transporte de peixe, na fábrica S. Francisco da Feu Hermanos. Cedido pelo Museu de Portimão cota: MPD29- 19.
149- Operários empurrando um “carro“ sobre carris, na fábrica S. Francisco da Feu Hermanos. Cedido pelo Museu de Portimão cota: MP-D2-10B-B.
150 – “Zorra” para o transporte de mercadorias, de uma fábrica de Júdice Fialho. Cedido pelo Museu de Portimão cota: MP-D2A-3G-C.
151 – Entrada da sala de processamento de peixe da Fábrica S. Francisco da Feu Hermanos. Cedido pelo Museu de Portimão cota: MP-D29-15.
152 – Descarga de peixe no pontão da Fábrica Ferragudo, de Judice Fialho. Cedido pelo Museu de Portimão cota: MP-D2-27C.
153 – Planta da Fábrica Ferragudo de Júdice Fialho. Cedido pelo Museu de Portimão cota: AD2-25.
154 – Corte da Fábrica Ferragudo, de Júdice Fialho. Cedido pelo Museu de Portimão cota: AD2-25.
No final dos anos vinte, após a escassez de peixe que se fez sentir no país e devido à crise mundial, procuravam-se soluções para revitalizar a economia. Em Portimão, a Associação Comercial e Industrial de Portimão manifestava a necessidade da intervenção do Estado no porto da cidade, procurando, assim, resolver os problemas de longa data que prejudicavam as atividades piscatórias e comerciais. A associação defendia o seu melhoramento, pela crescente importância do porto entre 1919 e 1924, a nível regional e nacional, sendo, a nível de receitas, o 4º do país e 1º do Algarve (Duarte, 2003).
Esta luta por melhores condições terá levado a Junta Autónoma do Porto de Portimão a elaborar um projeto de melhoramentos para o porto e barra da cidade, com vista a melhorar as condições de navegação de forma permanente e, ao mesmo tempo, oferecer mais espaço para instalação de indústrias e armazéns, ligados às atividades portuárias. Não foi possível obter uma memória descritiva que explique, exatamente, os objetivos das obras do porto ou o que levou às mesmas. Mas, pela leitura da figura 156, podemos perceber quais as alterações propostas para local. Uma das intervenções, que se consegue facilmente identificar, é o aterro da zona alagadiça onde existiam salinas e que era já definido pelo “dique regulador”, onde se pode ler “zona destinada a armazéns, oficinas, escritórios, etc”. Esta zona passaria a ter lotes maiores, na zona interior, junto à Rua D. Carlos I, onde se instalariam fábricas e lotes de menor dimensão, mais perto do rio. No seu limite, projetava-se uma avenida marginal, que permitia alargar a zona de atracagem de barcos e onde se projetavam quatro pontes-cais acostáveis. No extremo Sul da zona do aterro, estava prevista uma zona de reparação de redes junto à fábrica da Feu Hermanos e, a seguir a esta, onde existia um estaleiro, estava prevista a manutenção das funções existentes. Pode ler-se numa zona “varadouro” e noutra “depósito”. Junto ao rio, estava previsto outro cais acostável e uma zona de cais seco. As obras da barra previam a dragagem de um canal do porto até ao mar, bem como dois diques ou molhes ao nível da preia-mar de águas vivas, para prevenir o assoreamento e permitir uma navegabilidade constante para embarcações de maior porte. Segundo Maria Duarte (2003), em 1931 a Associação Comercial e Industrial de Portimão, continuava a reivindicar por melhorias das condições portuárias da cidade, o que nos leva a crer que as obras não teriam sido ainda autorizadas, pelo menos na sua totalidade.
Em 1934, pelo que é possível estudar através do Plano Hidrográfico do Porto e Barra de Portimão (fig.155), sabemos que o aterro tinha sido já concretizado, ou estava a ser concretizado, pois nenhum dos novos lotes estava ocupado e a marcação dos mesmos não é evidente. Não existem quaisquer cais acostáveis junto ao porto, no desenho, assim como também não constam os molhes junto ao mar. A intervenção do porto poderá ter ficado pelo aterro, devido a necessidade de novos lotes para indústria e comércio e, pela dragagem do canal até ao mar, adiando assim uma solução mais definitiva para os problemas do porto.
No que diz respeito à malha urbana, podemos ver o continuar da expansão para noroeste junto à Estrada Nacional 125, como até aqui se constatou, sendo que restante núcleo urbano apenas se terá consolidado sem diferenças assinaláveis nos últimos dez anos, provavelmente devido à crise mundial e à escassez de peixe que se senti-o nesse período, provocando o abrandamento do crescimento urbano. A sul da cidade a estrutura urbana que consistia, maioritariamente, de edifícios industriais, manteve-se, com a exceção de alguns edifícios que surgem junto a Rua D. Carlos I, no limite da zona de aterro. Estes terão sido ali instalados às suas custas dos proprietários, pois aparecem no plano do porto de 1929 como edifícios existentes, o que pode ser indicador da procura de terrenos, e ter, consequentemente contribuído para o aterro daquele espaço.
155 – Plano Hidrográfico do Porto e Barra de Portimão, 1934.
156 – Plano Geral de Obras a fazer no Porto e Barra de Portimão, c.1930. Torre do Tombo. PT-TT-EPJS-SF-001-001-0014-1396D
O primeiro Bairro Operário do Algarve a ser comparticipado pelo Estado, surge em Portimão, nos anos trinta, integrado no Decreto-Lei nº 23.052, de 23 de setembro de 1933, referente às casas económicas. Este foi comparticipado pelo Ministério das Obras Públicas e pelo Consórcio Português de Conservas de Peixe, e destinando-se aos operários da indústria de conservas de Portimão (Pereira, Queirós, Silva & Lemos, 2018). Caetano Feu Marchena, industrial proprietário da Feu Hermanos, teve como objetivo construir um bairro para os seus operários, pressupondo que ao oferecer-lhes habitação, acabaria com a realidade que alguns dos seus trabalhadores enfrentavam na “Aldeia do Feu”. Além dos que vivam em pobres condições, nos armazéns cedidos por si, existiam alguns trabalhadores que viviam em casas próximas da fábrica, com o aluguer pago pelo industrial. Não sabemos ao certo quando terá iniciado a construção; sabemos, apenas, que em 1934, Caetano Feu terá manifestado a sua preocupação a Duarte Pacheco, então Ministro das Obras Publicas, para a conclusão do seu bairro, que já contava com arruamentos e vinte e quatro casas quase concluídas, mas que, devido à crise, não dispunha de fundos para o concluir (Rodrigues, 1997). O bairro é, então, vendido ao Estado, apenas pelo preço que Caetano Feu tinha pago pelo terreno, ficando o projeto sob a alçada do Ministério das Obras Públicas que, em 1934, inicia as obras para a sua conclusão. O bairro seria inaugurado a 7 de junho de 1936, com visita de Estado (A Inauguração do Bairro Operário de Portimão, 1936).
O Estado Novo defendia o direito à habitação própria, promovida através de programas públicos de habitação, sendo a construção deste bairro razão para propaganda das ideias corporativistas, como se constata na publicação “O livro de Ouro das Conservas Portuguesas de Peixe” do IPCP. A marca do Estado era deixada, ainda, em nomes de ruas e no nome dos bairros. Exemplo foi o de Portimão, nomeado “Bairro Oliveira Salazar” (IPCP, 1938). O bairro seria implantado entre Portimão e a Praia da Rocha, e a sua localização definida por Caetano Feu, por proximidade à sua fábrica. No entanto servia os propósitos de um bairro para toda população operária, pela proximidade com outros edifícios fabris. A sua localização periférica em relação ao núcleo urbano de Portimão acaba por ser característica comum noutros bairros da mesma génese, como o Bairro Operário construído em Olhão.
Foram construídas, no total, 100 habitações térreas, de três tipologias diferentes, 32 com três quartos, 48 de dois quartos e 20 com um quarto. Todas as habitações dispunham de uma sala, cozinha e casa de banho, bem como de quintal e foram construídas com características tradicionais, e cobertura de telha. Os fogos T3, com 65m2, localizavam-se mais a norte, na zona mais plana; os T2, com 50m2, estavam implantados nos limites do bairro e os T1, com 40m2, encontravam-se no centro deste, sendo que uma das casas era do fiscal do mesmo. As habitações dispunham de água, luz e esgotos, desde a sua construção, o que representava uma melhoria de condições habitacionais para a maioria da população operária, sendo que nem todas as habitações de Portimão, na época, dispunham destas condições (Ramos, 2010).
Ainda assim, muitos operários não quiseram mudar-se para o novo bairro, pois existiam casas com rendas mais acessíveis fora do bairro. Alguns preferiram manter as suas habitações. Outros, vendo gorada a ideia inicial de Caetano Feu, de oferecer aos seus operários, habitações sem quaisquer custos, sentiam que em nada beneficiavam, não querendo pagar renda, mesmo que se tornassem proprietários da casa, ao fim de vinte anos.
Quem não pudesse pagar a mensalidade, perdia direito ao que já tinha pago e tinha que abandonar a habitação. Sendo provável que as rendas não fossem a acessíveis para algumas famílias e, por essa razão, o bairro não fosse opção para todos, a sazonalidade da indústria também terá contribuído para a dificuldade em suportar os custos, nos meses de inverno. Tal levou há ocupação de algumas casas por outros que não os operários da indústria de conservas (Toponímia de Portimão: Rua Operários Conserveiros, 1987; Carmo & Carmo, 1999).
157 – Bairro Operário de Portimão, 1936. (IPCP, 1938)
158 – Construção do Bairro Operário de Portimão, em 1934. Com chaminés de fábricas de conserva no horizonte. SIPA
159 – Bairro Operário, Tipologia T1, alçado e planta. (Rodrigues, 1999, p.247)
160 – Bairro Operário, Tipologia T2, alçado e planta. (Rodrigues, 1999, p.248)
161 – Bairro Operário, Tipologia T3, alçado e planta. (Rodrigues, 1999, p.249)
O anteplano de Urbanização de Portimão data de 1948, e enquadra-se no Decreto-Lei nº 33:921, de 5 de setembro de 1944, sob responsabilidade do arquiteto José Costa Silva.
Este projeto urbano, era vasto e abrangente no seu levantamento, bem como no inquérito da situação que a cidade apresentava, por volta de 1948. Quanto à solução apresentada, esta focou-se no zonamento das diversas atividades da cidade, dividindo o território em zonas (norte, centro e sul) e procurando resolver os percursos viários, bem como garantir a salubridade da cidade, com a criação de espaços livres.
Na zona norte que, segundo o anteplano, corresponde à área entre a Estrada Nacional 125 e a linha de caminho de ferro, previa-se a extinção das duas passagens de nível existentes (apenas uma foi executada), e a resolução do nó de chegada a Portimão pela ponte sobre o Rio Arade, com o alargamento das vias, o que teria como consequência a demolição de casas de um dos bairro mais antigos, o Bairro dos Fumeiros, junto à fábricas S. José. Se o Bairro dos Fumeiros tinha previsto o seu fim pela sua desorganização e construção pobre, o Bairro da Boa Vista tinha planeada a sua expansão com a construção de casas muito económicas e o Bairro de S. Pedro, que era o bairro da estação de comboios, tinha também prevista a ampliação, com casas com até dois andares. Toda a zona norte ficaria, no plano, definida como a área industrial da cidade, onde se deveriam concentrar todas as fábricas, que segundo o documento, estariam desorganizadas e algumas longe do rio. Citando a Lei da Reorganização Industrial, o autor do anteplano afirma que a indústria deve optar por uma “concentração de fábricas e oficinas em unidades fabris de maior rendimento económico e perfeição técnica ”, prevendo ainda uma zona de pequena indústria.
A zona centro, compreendida entre a Estrada Nacional 125, e os Largos do Dique e Heliodoro Salgado, era constituído pelo núcleo central da malha urbana, onde se localizavam os núcleos cívico e cultural, face aos quais o autor mostrou preocupação na adequação os edifícios e serviços públicos ao aglomerado populacional “em franco progresso como é atualmente Portimão” (Silva, 1948, p.42). A proposta para este espaço central passaria por, resolver a sobre população, que se observava nas partes mais antigas da cidade, aumentar os espaços livres e arborizados onde possível, assim como a criação de dois parques um de recreio e outro de repouso. Propunha-se, ainda, a definição de um espaço para edifícios de ensino público e respetivas habitações para os funcionários, com a construção de 90 casas económicas
A zona sul, entre os largos já referidos do centro urbano e até a zona do estrumal, era caracterizada pela presença de várias fábricas, estaleiros de construção naval, com destaque para o núcleo industrial junto ao convento de S. Francisco. Este úlimo conduziu ao surgimento de pequenos bairros de casas para operários, bem como e a iniciativas estatais de habitação, como o Bairro do Consórcio Português de Conservas de Peixe. O anteplano relata o surgimento de habitações junto ao Bairro do CPCP, de construção e aspeto pobres.
Além destas, surgem três novos bairros: o primeiro, por iniciativa da Câmara Municipal, seria um bairro de casas económicas, denominado Bairro Pontal; o Bairro dos Pescadores e um Bairro de Casas Para Pobres. Aponta o autor que a construção de vários bairros (que ainda não estavam terminados), teve como consequência um aspeto desordenado, que se devia à falta de um plano regulador, à falta de capacidade municipal em resolver os aspetos urbanos técnicos e estéticos e à existência de várias entidades responsáveis pelos diferentes bairros, o que dificultava a coordenação do planeamento daquela zona. O autor conclui não existir uma solução do ponto de vista urbano e, como tal, deve ficar o espaço livre em redor dos bairros existentes para a construção de mais habitações económicas, conforme a necessidade, sendo indispensável o surgimento de espaços comerciais junto destes, devido ao afastamento do centro cultural e cívico já estabelecidos. A zona habitacional de casas económicas e muito económicas era servida por uma Escola Jardim, uma construção financiada pelo Instituto Português de Conservas de Peixe.
O anteplano previa, na zona sul, o redesenho da frente de rio, regularizando-a através da conquista de espaço ao curso de água, passando em frente ao rochedo do convento de S. Francisco, continuando até ao forte de St. Catarina, na Praia da Rocha. Desta forma criar-se-ia uma avenida marginal, com duas docas, prevendo a transferência dos estaleiros e da zona de reparação de redes, para a margem oposta. O porto comercial estaria localizado na zona do Estrumal, podendo os seus funcionários morar nos bairros económicos que ali estavam a ser construídos. Na possível concretização desta avenida marginal, o documento afirma que seria esta a ideal ligação à Praia da Rocha, tendo em conta o turismo, contudo refere também, que esta solução não é a mais representativo dos interesses do porto da cidade, por ter naquela margem instalados todos os seus equipamentos. A concretização desta avenida marginal, em toda a costa, seria de concretização gradual; primeiramente até ao estrumal com a implantação do porto comercial, sabendo que a sua continuação se executaria de acordo com o crescimento urbano. Estas alterações tinham como consequência a mudança das fábricas que existiam na zona ribeirinha e no núcleo do convento de S. Francisco, para a zona norte, passando toda a área a ser zona comercial com habitação, destinando-se o espaço junto ao rio; maioritariamente; para o ócio da população e como cartão de visita para os turistas. Em relação ao turismo, o foco recaia sobre a Praia da Rocha, prevendo-se, além do acesso pela zona ribeirinha e a Estrada da Rocha, uma ligação pelo interior desde a estação à Praia da Rocha, facilitando o seu acesso.
Em termos gerais, o plano era equilibrado; a indústria mantinha ainda o seu peso, partilhando a sua importância com o turismo, que se concentrava na zona da Praia da Rocha.
No que respeita a salubridade, as redes de esgotos, eletricidade e água por toda a cidade, significavam uma melhoria das condições de habitação, em toda a malha urbana. Observando, comparativamente, as plantas do “Estado Atual” (fig. 164) e da “Proposta” (fig. 166), podemos verificar que, tendo a cidade sido consolidada a norte, é na expansão para sul que o anteplano se foca em planear, procurando oferecer à cidade mais espaços arborizados que quase não existiam.
Na documentação do anteplano, no que diz respeito ao “Estado Actual”, através do levantamento/inquérito realizado na cidade de Portimão, são retiradas conclusões sobre o número de instalações industriais e quanto aos locais onde habitavam os operários da indústria conserveira.
163 – Mapa da distribuição dos operários que residiam fora da cidade de Portimão. Anteplano de 1948. UALG
162 – Planta de zonas da cidade de Portimão. Anteplano de 1948. UALG
164 – Planta do Estado Atual – rede elétrica. Anteplano de 1948. UALG
165 – Localização de Comercio e Indústria, na planta do Estado Actual. Anteplano 1948. UALG
166 – Proposta urbana para a cidade de Portimão. Anteplano de 1948. UALG
Quanto ao número de fábricas da indústria conserveira, existiam, na altura do inquérito, onze em funcionamento (cinco na zona norte e seis na zona sul), com um total de 972 operários. Segundo o mapa de localização dos edifícios industriais, as fábricas em funcionamento seriam:
Empresa de Conservas “Boa-Vista”, lda;
Fábrica da Sociedade de Conservas Stª. Catarina, lda;
Fábrica S. José, de Júdice Fialho;
Severo Ramos, lda
e Empresa Fabril de Conservas, lda, na zona norte.
A sul,
Bivar & Cª, lda;
Portugália Industrial, lda,
Empresa de Conservas “Liberdade” lda;
Feu Hermanos, Lda;
Facho, lda,
Fábrica do Estrumal, de Júdice Fialho (Duarte, 2003; Conservas de Peixe,1948).
O surgimento de várias fábricas de conserva atraiu população para trabalhar na cidade de Portimão. Surgem alguns bairros construídos pelos industriais ou de iniciativa estatal, mas, ainda assim, não conseguiram absorver toda a população operária. O anteplano faz um levantamento sobre qual a distribuição geográfica das habitações dos operários afetos as fábricas de Portimão. Esta informação traduz-se num documento gráfico do território (fig. 163), onde se localizavam vários locais espalhados por todo o território próximo a Portimão, com maior concentração em Ferragudo, Montes d’ Alvor, Alvor, Estômbar, Parchal (junto à estação de comboio). Podemos, ainda, destacar a quantidade de operários a viver em zonas rurais, como por exemplo, a norte de Portimão, com alguma concentração perto da Penina e ao longo da estrada em direção a Monchique; ou, ainda, o facto de alguns viverem a grandes distâncias, como em Lagoa, na Praia de Carvoeiro ou num pequeno sítio chamado Porto de Lagos, sensivelmente a 9 quilómetros de distância do centro de Portimão.
No início do século XX, Vila Nova de Portimão tinha uma população que se encontrava em fase de crescimento, alavancada pela indústria conserveira, o que teve como consequência a expansão da malha urbana da vila e o surgimento de bairros pobres, na zona norte, junto às fábricas de conservas (Ventura & Marques, 1993).
Portimão foi disputando o espaço e a importância, como principal centro conserveiro no Barlavento Algarvio, com Lagos, que esteve na dianteira até ao início da 1ª Guerra Mundial.
Esse período traria uma mudança significativa para Vila Nova de Portimão. A população operária, que era atraída pelo anormal volume de trabalho deste período, terá tido dificuldade em encontrar habitação na vila, o que levou os industriais mais endinheirados a construir habitações para os seus operários, muitas vezes com poucas condições de salubridade e habitabilidade.
São os casos da Empresa de Conservas “Boa-Vista”, lda; Facho, lda; as fábricas de Júdice Fialho e Feu Hermanos, lda (com o caso da “Aldeia Feu”), que surgem até 1924, ano em que Portimão é elevado cidade. A partir deste período, a multiplicação das fábricas fará com que o aumento da população seja mais significativo, tornando-se o mais importante centro económico do Barlavento, muito devido ao movimento do seu porto (Duarte, 2003; Ventura, 2002).
Após o período de bonança, a crise económica e de falta de peixe trouxe consigo dificuldades à população mais pobre, nomeadamente em termos de habitação, o que levou ao surgimento, em 1934, do Bairro do Consórcio Português de Conservas de Peixe, que partiu da iniciativa do industrial Caetano Feu, mas que a mesma crise obrigou a ceder ao Estado.
No texto “Toponímia de Portimão: Rua Operários Conserveiros”, do jornal “O Barlavento”, afirma-se que, na altura da construção do bairro, não havia praticamente falta de casas em Portimão. Não temos outra fonte para confirmar esta afirmação, mas é possível que na altura da crise, a falta de trabalho na indústria tenha refreado a movimentação da população para o centro urbano de Portimão. É preciso ter, ainda, em conta que parte da população vivia fora de Portimão e se deslocava para trabalhar. Ferragudo, Alvor, Estômbar Parchal, absorviam parte da população, possivelmente por serem perto de locais de atividade piscatórias a segunda maior fonte de trabalho da região. Ainda assim, os operários chegavam a morar a 10km de distância, em aldeias rurais perto de Monchique ou em Silves, como nos mostra a documentação do anteplano e corroborada pelas entrevistas do Museu de Portimão. Apesar de não sabermos a real falta de habitação em Portimão, podemos, no entanto, afirmar que em 1930, Portimão passa a ser o segundo concelho mais populoso dos centros conserveiros do Algarve, com 21.419 habitantes, a seguir a Olhão, com 29.553 habitantes (Museu Portimão, 2004; O Barlavento, nº554, 1987; Marques, 1999).
No período da 2ª Guerra Mundial, a falta de habitação parece ser evidente pelas várias iniciativas da Câmara Municipal, a custo próprio ou com subsídio do Estado, levando à construção do Bairro do Pontal (1941-1951), do Bairro dos Pescadores (1948-1951) e de um Bairro de Casas Económicas (1951-1955) (fig.168). Existiu ainda, um outro Bairro Económico previsto no anteplano e que teve planta de implantação, mas que nunca foi construído (fig. 167). Sobre o Bairro Económico, sabemos que foi construído perto do Bairro do Consórcio, num terreno que a Câmara Municipal adquiriu e terá pedido a assistência do estado para a construção de 90 habitações: 50 do tipo A2, 30 do tipo A3 e 10 do tipo B2, como se pode ler na planta de implantação (fig. 168). O bairro terá sido construído, na sua totalidade, entre 1951 e 1955, embora a implantação não seja exatamente igual ao projeto inicial (Museu Portimão, 2004; SIPA).
167 – Bairro de Casas Económicas de Portimão. Não construído. SIPA
168 – Bairro de Casas Económicas II de Portimão. SIPA
169 – Localização das habitações para operários, Bairros camarários e Bairros estatais em Portimão. Elaborado pelo autor.
Em 1941, os moradores das barracas do sítio denominado “Ponta da Areia”, ficaram desalojados devido a um violento ciclone que passou na costa portuguesa. Esta catástrofe terá levado à iniciativa da Câmara Municipal de Portimão de edificar um conjunto de habitações para os mais pobres e para acolher os desalojados.
Numa primeira fase da construção do Bairro do Pontal, foram edificadas 60 moradias, sendo que as primeiras a erguer, subsidiadas pelo Governador Civil de Faro e com donativos da Comissão Nacional para socorro às vítimas do ciclone, se destinavam a realojar os moradores da “Ponta da Areia”. No primeiro ano, em 1941, foram construídas 10 habitações de duas divisões, para os desalojados; no ano seguinte, foram construídas 26 habitações, 18 com três divisões e 8 com cinco divisões e, em 1943, foram construídas 24 habitações com três divisões, e ainda 1 habitação para a visitadora e outra para o vigilante do bairro.
Além das habitações, foram construídos um marco fontanário, um balneário, casas de banho e lavadouro, em 1942, para apoio aos habitantes do Bairro do Pontal, devido ao facto que a maioria das casas não dispunha de casas de banho ou acesso a água canalizada.
Nesta fase, todo o processo ficou à responsabilidade da Câmara Municipal de Portimão, que construiu fogos com as condições mínimas de habitabilidade, com o objetivo de serem construções de baixo custo, acessíveis aos mais pobres. Contudo, tiveram, ainda assim, um elevado custo na sua execução. Este primeiro conjunto habitacional ficou conhecido como “Bairro Amarelo”, tendo sido totalmente concluído e ocupado em 1943 (Museu de Portimão, 2004).
A Câmara Municipal de Portimão, após a conclusão da primeira fase, defendia que o problema de falta de habitação para as classes pobres ainda não estava resolvido. Desta forma, procedeu à compra de dois terrenos junto ao bairro já construído, com o objetivo de aumentar o número de casas. Em 1946, é realizado o pedido de apoio estatal, sobre a alçada do Decreto-Lei nº 34.486, para a construção de 90 “Casas para as Famílias Pobres”, num período de dezoito meses, distribuídas da seguinte forma: 20 do tipo A, 58 do tipo B e 12 do tipo C. As tipologias eram as mesmas aplicadas em outros locais, através do mesmo programa de habitação, sendo apenas ajustadas ao terreno, no processo de execução. A tipologia
A tinha dois quartos, a tipologia B tinha três quartos e a tipologia C, a única com dois pisos, tinha quatro quartos.
Através da planta de implantação do bairro, podemos ver que este estava planeado para ser erguido a sul, junto às habitações da primeira fase, numa continuação ortogonal do Bairro Amarelo. Contudo, a construção do bairro arrastou-se no tempo. Em 1947, é referido, por um técnico de fiscalização, em visita à obra, que esta se realizava a um ritmo lento, encontrando-se quase paralisada. Prova da demora é que, em 1950, apenas estavam concluídas 28 habitações, com outras 8 quase terminadas. Apesar da demora que se verificava, a câmara procedeu ao pedido de subsídio para a construção de mais 110 casas, que foi aprovado em 1949. Não foi possível determinar, pela correspondência disponível no processo da DSGMU, em que altura e qual a razão para a mudança do plano de implantação do bairro, mas o desenho final é estruturalmente diferente do primeiro, com apenas 90 habitações. A alteração poderá estar relacionada com a topografia do terreno ou, com o atraso da construção, com a iniciativa de construir outras 110 habitações. Desta forma, ter-se-á reformulado, então, a implantação de todo o bairro, de acordo com os terrenos, para garantir a uniformização e a harmonia do conjunto.
A totalidade dos terrenos adquiridos pela Câmara Municipal correspondia a 220 lotes, cujo objetivo era erguer 210 habitações, uma escola e edifícios comerciais. No entanto, em 1951, apenas 120 estavam concluídas, com outras 12 quase terminadas. Ainda no mesmo ano, começam as obras da 1ª fase de urbanização do bairro, com pavimentação, arborização, rede de água e esgotos, sendo que as obras de urbanização continuaram até 1958, ao mesmo tempo que se continuava a construir mais habitações (Proc. 489/MU/47 – UALG).
A falta de fundos impediu que o bairro fosse completamente concretizado. O último registo indica 134 habitações concretizadas, em 1953, tendo sido apontados vários problemas à forma como todo o processo foi gerido pela Câmara Municipal. A Direção de Urbanização de Faro criticou a entrega de 75 habitações do bairro, que não reuniam as mínimas condições de habitação, ao que a Câmara ripostou que, dado o elevado número de população que vive em promiscuidade e sem quaisquer condições higiénicas, as casas entregues seriam uma melhoria qualitativa nas condições de habitabilidade. Estas informações permitem perceber que o nível de qualidade a atingir por este bairro, ficou aquém de outros do mesmo programa, embora as casas fossem de construção económica. No pedido para o subsídio por parte do Estado, a Câmara Municipal considerava não concretizar o acesso elétrico a todas as casas, por forma a reduzir os custos e considerando que alguns dos seus habitantes não teriam capacidade financeira para pagar o valor da utilização elétrica. Tal verificou-se em algumas habitações que, em 1960, ainda não tinham instalação elétrica. Por outro lado, o esforço em construir um bairro desta dimensão, mesmo em dificuldade financeira, leva a crer que o problema de falta de habitação ou de habitação precária, que se agravou nos anos 40, manteve-se em Portimão.
Quanto aos habitantes deste novo bairro, importa referir que grande parte eram trabalhadores da indústria conserveira, Sendo que este foi, primeiramente, concebido a pensar na população mais pobre (e que em Portimão, o operariado representava uma parcela significativa da mesma), não será de estranhar a proximidade da construção, ao núcleo industrial do Convento de S. Francisco. Outra parte dos ocupantes deste conjunto habitacional era constituída por aqueles que viram as suas habitações demolidas, aquando da execução do anteplano.
170 – Planta de implantação de 90 casas do Bairro de Casas Para Classes Pobres em Portimão. SIPA
171 – Planta de geral do Bairro de Casas Para Classes Pobres, em Portimão. Proc. 241-MU-45 – UALG
172- Fotografia aérea de 1985, sobre os vários bairros económicos de Portimão. Museu de Portimão: MP-D19-4A (Autor: Instituto Geográfico e Cadastral -b1985)
Em 1942, a Câmara Municipal cede, à Casa dos Pescadores, um terreno para a construção de um bairro para os seus associados, com a condição de que os habitantes prioritários seriam os pescadores que moravam nas cabanas do sítio do Estrumal. Este terá sido o início do processo para a construção do Bairro dos Pescadores em Portimão, que passou pela aquisição de mais terrenos e já se encontrava em construção em 1948, segundo o anteplano de Portimão (Museu Portimão; 51/MU/45 – UALG).
O arquiteto responsável pelo projeto foi Inácio Peres Fernandes, que projetou o modelo base dos Bairros de Pescadores do Algarve, em 1945, aplicado em Portimão, em Ferragudo, em Olhão e na Fuseta. Nestes dois últimos, ajustou a composição arquitectónica à indentidade local. Foram projetadas 100 habitações, a construir junto do Bairro do CPCP, numa estrutura urbana ortogonal, com um jardim central a um conjunto de casas. As casas eram de um ou dois pisos, com sala, casa de banho, cozinha e, até, três quartos. A entrada era feita por um arco, que apresentava um espaço comum de acesso a duas habitações, tinham quintal próprio e foram construídas com telhado de Telha de Loulé (Museu Portimão; Agarez, 2013).
Em 1950, o bairro tinha já 92 habitações concluídas, tendo as restantes sido terminadas até 1951. Iniciou-se o processo de urbanização do bairro, até 1955, garantindo a pavimentação, rede de esgotos e água e, mais tarde, acesso à rede elétrica.
173 – Planta de Implantação do Bairro dos Pescadores. Redesenhado pelo autor com base em Base de Dados: Mapa de Habitação, Universidade do Porto.
A indústria de conservas de peixe em Portugal passou, a partir de 1932, a ter um sistema corporativista, com a criação do Consórcio Português de Conservas de Peixe, que mais tarde passa a Instituto Português de Conserva de Peixe. Ao mesmo tempo, são criados grémios nas regiões Norte, Centro, Setúbal e Sul. Na região sul, existiam duas sedes, uma no barlavento, em Portimão e outra no sotavento, em Olhão, que tinham como função fiscalizar, regulamentar e promover a indústria conserveira, prestar auxilio burocrático aos industriais e, ao mesmo tempo, garantir algumas condições sociais aos operários da indústria de conservas (ex.: garantir o cumprimento dos contractos coletivos, proteger na doença, invalidez e desemprego involuntário, bem como garantir pensão de reforma) (Decreto-lei nº 26777, de 10 de julho de 1936; Duarte, 2003).
Em 1959, o arquiteto Hermínio Beato de Oliveira realiza um projeto para a nova sede de Portimão, para o Grémio dos Industriais de Conserva do Barlavento, que pertencia ao “Sindicato Nacional dos Operários da Indústria de conservas do Distrito de Faro”. Pretendia construir, num terreno pertencente ao grémio (Proc. 216-MU-59 – UALG), cujo lote estaria hoje na Rua José António Marques, onde existe um estacionamento entre a Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Portimão e um supermercado.
O projeto consistia em duas construções: um edifício principal, com dois pisos e um anexo, apenas com um piso. O programa do edifício principal era constituído por um gabinete do I.N.T.P., sala de espera, salão nobre, sanitários, gabinete da direção, secretaria e arquivo, no primeiro piso. No segundo piso, estava programado um salão de festas, foyer, sanitários, biblioteca, sala de arquivo e sala de ficheiros. O edifício principal, com traçado mais elaborado, assumia as funções nobres e institucionais, enquanto o edifício anexo, mais simples, pretendia servir de apoio, tendo um carácter apenas funcional. Este era composto por sala de refeições, cozinha, copa, dispensa e balneários com casas de banho, chuveiros e vestiários (Proc. 216-MU-59 – UALG).
Na documentação não é referido se o projeto tinha sido chumbado ou se por desistência do próprio grémio. Em 1959, a indústria em Portimão já não apresentava a mesma força que nas décadas anteriores, mas ainda tinha cerca de uma dezena de fábricas. Fica por saber se foi por falta de fundos ou se por outra qualquer razão, que a sede do barlavento não foi construída, ao contrário da sede do sotavento, construída em Olhão na década anterior.
175 – Planta de implantação da nova Sede do Grémio dos Conserveiros do Sul, em Portimão, 1959. Proc. 216-MU-59 – UALG
174 – Perspetiva do corpo principal (1º Estudo). Proc. 216-MU-59 – UALG
176 – Planta do rés-do-chão, edifício principal. Sede do Grémio dos Conserveiros do Sul, em Portimão, 1959. Proc. 216-MU-59 – UAL
177 – Planta do 1º andar, edifício principal. Sede do Grémio dos Conserveiros do Sul, em Portimão, 1959. Proc. 216-MU-59 – UALG
178 – Planta do edifício anexo. Sede do Grémio dos Conserveiros do Sul, em Portimão, 1959. Proc. 216-MU-59 – UALG
179 – Alçado Nascente do edifício principal. Sede do Grémio dos Conserveiros do Sul, em Portimão, 1959. Proc. 216-MU-59 – UALG
180 – Alçado Poente do edifício principal. Sede do Grémio dos Conserveiros do Sul, em Portimão, 1959. Proc. 216- MU-59 – UALG
181 – Alçado Norte do edifício principal. Sede do Grémio dos Conserveiros do Sul, em Portimão, 1959. Proc. 216-MU-59 – UALG
182 – Alçado Sul do edifício principal. Sede do Grémio dos Conserveiros do Sul, em Portimão, 1959. Proc. 216-MU-59 – UALG
As margens do Rio Arade foram local privilegiado para a instalação de fábricas de conserva desde o fim do século XIX, até ao século XX. A proximidade de salinas, o fácil acesso ao mar e, consequentemente, à matéria prima principal da indústria (o peixe), aliada à proteção das forças do mar garantida pelas zona mais interiores do rio, justificam, em grande parte, o número de fábricas que ali surgiram ao longo o tempo, aliadas às condições portuárias e importância do porto de Portimão, assim como a cultura piscatória presente.
A primeira fábrica neste território terá sido, segundo o Inquérito Industrial de 1890, da empresa “Parceria Mercantil do Cabo Carvoeiro”, no sítio da Estrada da Passagem em Estômbar, concelho de Lagoa.
Seguiu-se a primeira fábrica em Portimão, de (1) Júdice Fialho, a S. José, em 1892; depois a Fábrica dos (2) Ètablissements F. Delory, na margem oposta, entre 1892 e 1894, que ocuparia as instalações da antiga fábrica de Álcool (Inquérito Industrial de 1890, vol.III: 528; Rodrigues, 1997; Tavares, 1999; Duarte, 2003).
No início do século XX, surgem a (3) Fábrica do Estrumal, de Júdice Fialho, que começa a ser construída no século XIX, mas só começa a laborar em c.1904;
a (4) Feu Hermanos, lda, Fábrica S. Francisco em 1902, ambas em Portimão, sendo que Júdice Fialho compra a (5) Fábrica “Frito Velho” em 1904, instalada em Ferragudo. Até ao início da 1ª Guerra Mundial, o número de instalações irá manter-se, assim como a concentração económica, sendo que alguns industriais apostavam em instalações de tamanhos generosos e na renovação e no progresso da tecnologia usada (Duarte, 2003). Com a guerra, o paradigma inverte-se, multiplicando-se o número de fábricas, com instalações de todos os tamanhos e condições, num período que se prolongaria até 1924/1925. Devido à falta de informação neste período, não foi possível localizar todas as fábricas mas, ainda assim, aquilo passível de apurar, é revelador que este foi o período em que mais surgem instalações, e em que as quais de mantêm a funcionar ao mesmo tempo. As novas fábricas são: (6) Nova Sociedade de Conservas, lda; Fábrica Mexilhão, em 1915;
(7) António Judice Magalhães Barros, Fábrica St. António, 1915; União Industrial Portimonense, lda, Portimão, 1916; Penna Peralta, lda, Portimão, 1917; M.B. Caleça & Filho, Portimão, 1917; Costa & Carvalho, Lda Parchal, 1917;
(8) Consórcio Português de Pesca e Conserva, 1917, instalada em Ferragudo na fábrica Judice que tinha pertencido à Mascarenhas Judice, Lda;
(9) Belchior Irmãos, lda, Ferragudo, 1917;
(10) António do Carmo Provisório, Fábrica do Rato, Portimão, que terá surgido durante a 1ª Guerra Mundial;
(11) Consórcio Português de Pesca e Conserva, Estombar , 1919, onde terá laborado a firma G. Sant’Ana & Cª, Lda;
(12) Empresa de Conservas “Atlântica”, lda, 1919, Parchal;
(13) Sociedade de Conservas Stª. Catarina, lda, Portimão 1920;
(14) Empresa de Conservas “Boa-Vista”, lda, Portimão, 1920;
(15) Empresa de Conservas “Liberdade” lda, Portimão, 1920; Pacheco, Pereira & Cª Lda, têm processo na 5ª Circunscrição industrial de 1922 a 1927, mas não terá sobrevivido à crise e terá encerrado pouco depois de 1924. Estava instalada no largo da estação de comboios de Portimão; Aliança Industrial de Conservas, Lda, Ferragudo, 1922; a
(10) Cristóvão Brito & Gomes, Lda em 1922, passa a funcionar na antiga fábrica do Rato e passa a ficar conhecida como Fábrica Esmeralda;
(16) Facho, lda, Portimão, 1922;
(17) Bivar & Cª, lda, Portimão, 1922; Belchior, Cabrita & Cª, Lda, na travessa do Calhau em Estômbar, 1923;
(18) Empresa Fabril de Conservas, lda, Portimão, 1923; Manuel Ojeda Martins, que terá instalado uma fábrica na “Estrada de Lagos”, que funcionou um par de anos e que mais tarde terá ocupado a fábrica
(13) Stª. Catarina;
(20) Sociedade de Conservas S. Pedro, lda, Portimão, 1924 que tinha frente para a Estrada Nacional 125; Ibéria Industrial, Lda, 1924, Estrada da Rocha Portimão; Anello & Fernandes, Lda 1925, Sítio da Malata, Portimão; D. N. Charalampopoulos, 1925, Estrada da Rocha, Portimão; Patrício, Lapa & Belchior, Lda, 1925, Estrada Funda, Estômbar; Cardoso & Azevedo, Lda, 1925, Mexilhoeira da Carregação, Estômbar.
Existem, ainda, para o ano de 1924, três fábricas que aparecem no Jornal Europa: a Frederico da Paz Mendes, lda; a Algarve Industrial e Comercial, lda e a
(19) Portugália Industrial, lda, que foi a única que foi possível localizar (5ª Circunscrição Industrial; Jornal Europa, 1924; Rodrigues, 1997; Duarte, 2003; Arquivo do Museu de Portimão).
Após este período de maior especulação, a crise económica mundial afetará a indústria, que se vê obrigada a reagir, dando origem a legislação estatal que regulamentará o surgimento de novas instalações fabris para a conserva de peixe, tendo como consequência o surgimento de novas empresas, na sua maioria a funcionar em instalações já existentes com antigos alvarás: a Feu Hermanos, Lda terá comprado a
(7) fábrica St António a António Júdice Magalhães Barros, em altura de crise; pensamos que tenha sido por volta de 1924/1925;
(21) Severo Ramos, lda, 1926, Portimão;
(22) União Industrial, lda, 1928, Mexilhoeira da Carregação, Estômbar; a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes,Lda, em 1928, adquire as duas fábricas do (8 e 11) Consórcio Português de Pesca e Conserva;
Araújo & Bastos, lda, compra o alvará à Costa & Carvalho, Lda em 1929 (Parchal);
(11) Sociedade Comercial Algarve, lda, Fábrica St. Isabel a funcionar no mesmo local que a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lda, em 1929/1930, Mexilhoeira da Carregação, Estômbar;
(23) Sociedade Peninsular de Importação e Exportação, lda, 1931, Parchal; a Saupiquet, em 1937, passa a funcionar nas instalações dos Ètablissements F. Delory; a
(14) Fábrica da Boa Vista, volta a funcionar com Luís Gonçalves Nunes e João Marques Martins e António em 1939; Viegas & Lopes compra o alvará à Araújo & Bastos, lda, em 1940 (Parchal). Foram ainda possíveis localizar, através da informação disponibilizada pelo Museu de Portimão, as seguintes fábricas:
(24) SIPOF, fábrica de guano; duas fábricas de António Aleixo, uma de (25) conservas e outra de (26) guano; (27) Marques e Neves, lda; (28) Fábrica S. Pedro e (29) Martins e Pereira, lda.
Esta informação recolhida, foi traduzida num mapa resumo da localização de todas as fábricas de conserva (fig. 183), em redor ao Rio Arade, que nos permite identificar os núcleos industriais que se foram formando ao longo do tempo. Permite confirmar que ainda, as fábricas se localizaram preferencialmente junto à margem do rio, onde muitas vezes tinham pontões privados e, também que algumas conjugavam essa proximidade à margem com a proximidade com a linha de caminho de ferro. Em Portimão, as primeiras fábricas dividem-se entre o núcleo norte e o núcleo sul, junto ao convento de S. Francisco. A instalação de fábricas a sul sugere a procura de terrenos mais baratos e maiores, junto ao rio. Na margem contrária, as primeiras fábricas surgem isoladas, procurando terrenos baratos e espaçosos e/ou compram antigas fábricas que funcionavam para outras atividades. As que procuram a proximidade à matéria prima (o peixe), fixaram-se junto ao “porto” da vila piscatória de Ferragudo.
No período de especulação da 1ª Guerra Mundial, as fábricas espalharam-se pela margem do Rio Arade. No lado de Portimão, concentraram-se entre o núcleo Norte e Sul, sendo claro que a zona entre estas duas era alagadiça, o que dificultava a instalação de fábricas.
Ainda assim, as que o fizeram, aterraram o espaço onde se instalaram, encarecendo o preço de construção. Algumas fábricas optaram, ainda, por se instalar junto à linha de caminho de ferro, mais precisamente no largo da estação. Na margem oposta, existia mais espaço junto ao rio, menos construção, sendo que os núcleos urbanos mais pequenos, abrindo espaço para a ocupação em toda a costa. Existia maior de edifícios industriais concentração a norte, entre a salinas na zona de Estômbar, junto aos principais acessos e à estação de caminho de ferro, no que consideramos o núcleo do Parchal. Mais a sul, mantiveram-se as mesmas fábricas junto a Ferragudo. Após este período as restantes fábricas irão juntar-se aos núcleos existentes, reforçando que o período de 1914 a 1925 é, de facto, o mais importante para a indústria. Foi neste que se definiram as zonas industriais que persistiram até à execução do anteplano, que por sua vez, definiu a concentração das indústrias a norte, do lado de Portimão, ainda que esse planeamento não tenha impedido a permanência de várias fábricas a sul, principalmente na zona ribeirinha que tinha sido aterrada pela Câmara Municipal de Portimão.
Em resumo, do lado de Portimão, temos a concentração da indústria em dois núcleos, a norte, junto à estação de caminho de ferro e do rio, e a sul, que dá origem a habitações operárias e a diversos bairros. Na margem do concelho de Lagoa, embora seja possível identificar núcleos de fábricas, é mais evidente que estas se espalharam ao longo da costa, aproveitando todos os espaços disponíveis junto ao rio, servindo-se de cais privativos para fazer chegar a matéria prima diretamente as suas fábricas.
183 – Resumo das zonas industriais e localização das fábricas de conserva junto ao Rio Arade. Elaborado pelo autor.
No início do século XX, Portimão era uma pequena vila. A chegada da indústria nas décadas anteriores tinha, já, iniciado uma mudança positiva para o crescimento económico da mesma. A princípio, ao contrário do que aconteceu em outros casos, as primeiras fábricas que se instalaram na vila eram já de considerável dimensão, sustentadas por industriais que tiveram a capacidade de investir, não apenas nas fábricas, mas em frotas próprias e em outros setores complementar às indústrias, dependendo menos do mercado. O exemplo máximo desta política industrial vertical é Júdice Fialho, seguido pela empresa Feu Hermanos. Para o crescimento da vila foi, também, muito importante o seu porto. A localização geográfica de Portimão permitiu que beneficiasse da escoação dos variados produtos para concelhos vizinhos, com destaque para a produção de frutos secos e a indústria corticeira de Silves, o segundo maior valor de exportação do porto, a seguir às conservas de peixe.
As populações vizinhas foram também importantes, por providenciarem mão de obra para a indústria de conserva, bem como pela pesca, principalmente as vilas piscatórias de Alvor e Ferragudo. A chegada do comboio ao Parchal, trouxe ao centro económico de Portimão um fator de progresso, sendo um veículo importante na movimentação da população e produtos para exportação, principalmente vindos do interior, como era o caso de Silves.
A 1ª Guerra Mundial veio amplificar todo o processo existente. Trouxe a multiplicação do número de fábricas, pondo fim à produção e lucro concentrado em algumas empresas.
Teve, ainda, consequências no crescimento urbano da vila e no aumento do número de operários, que se estendeu até 1924/1925. Devido à especulação trazida pela crise do escudo, Portimão atingiu o maior número de fábricas em funcionamento simultâneo na vila. O mesmo aconteceu na margem oposta do rio, com fixação de fábricas ao longo desta. Este aumento trouxe, também, o aumento da população das pequenas aldeias ou vilas que existiam em torno de Portimão e que acolhiam os operários das duas margens. Esta dispersão dos trabalhadores por outros locais fez com que os problemas de sobre população em Portimão não fossem acentuados, pelo que foi possível apurar.
Os anos trinta foram ser anos difíceis e de crise, trazendo consigo os primeiros problemas habitacionais assinaláveis, consequências da falta de emprego que se fazia sentir principalmente na população mais pobre, o que levará a iniciativas estatais de habitação. O bairro iniciado por Caetano Feu, parado devido também a crise económica, é vendido então ao Estado e integra a primeira iniciativa de habitação pública no Algarve, – o Bairro Operário, comparticipado pelo Consórcio Português de Conservas de Peixe. Neste período, inicia-se a intenção de aterrar a zona ribeirinha, para o crescimento da cidade, algo idêntico ao que tinha acontecido, na década anterior, em Lagos, com o aterro do rossio da cidade. Mas será com o aproximar da 2ª Guerra Mundial que se voltará a ver modificações assinaláveis, nomeadamente a conclusão do aterro da zona ribeirinha e sua ocupação, bem como a construção de mais habitações para as classes pobres (bairros económicos, bairro dos pescadores e o bairro pontal).
O anteplano de Portimão descreve-nos a situação da cidade e os seus problemas.
Refere a importante lei da organização da indústria, que propõe a transferência da indústria toda para Norte, uma avenida marginal – assim como aconteceu em Lagos, mas sem automóveis.
A valorização do turismo na estrutura urbana é atenuada pela distância da Praia da Rocha (onde estava o foco do turismo), à cidade de Portimão. Existe, ainda, preocupação em garantir as condições necessárias à indústria existente, o que comprova a sua vitalidade em c.1948.
“As maiores densidades de população no Algarve são consequência de concentração industrial e por isso o concelho de Portimão acusa uma notável concentração demográfica para a qual a cidade concorre com parte importante.” (Anteplano de Portimão, 1948).
A indústria conserveira foi, sem dúvida, importante para o crescimento e desenvolvimento urbano e económico de Portimão, tendo influenciado o seu território envolvente, que funcionava numa economia complementar com a cidade portimonense. Os núcleos industriais foram definidos pelos espaços disponíveis e pela proximidade ao rio, de uma forma mais organizada, do que na margem oposta. Em Portimão, a análise e localização dos bairros e habitações industriais que conhecemos, levam-nos a crer que, na zona norte, estes estavam integrados na malha urbana existente. Apesar de difícil de identificar, sabemos, ainda assim, que a Júdice Fialho e a Severo Ramos tinham habitações para os seus operários, enquanto que a sul, a presença industrial originou uma pequena vila industrial em redor do convento de S. Francisco, devido a presença, desde cedo, de várias habitações junto das fábricas de conserva.
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: CONSIDERAÇÕES FINAIS e BIBLIOGRAFIA
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: PORTIMÃO (8)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: LAGOS (7)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: OLHÃO (6)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO (5)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: HABITAÇÃO OPERÁRIA E INICIATIVAS ESTATAIS EM PORTUGAL (4)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: A INDÚSTRIA CONSERVEIRA AO LONGO DO TEMPO (3)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: INTRODUÇÃO (2)
2020 – A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: Das Estruturas Produtivas à Habitação Operária (1900-1960) – Armando Amaro
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