A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: OLHÃO (6)

Armando Filipe da Costa Amaro

3. OS PRINCIPAIS CENTROS CONSERVEIROS DO ALGARVE 34

3.2 Olhão 69

3.2.1 Caminho de ferro 72

3.2.2 Olhão durante a 1ª Guerra Mundial 1916 73

3.2.3 Fábricas de conserva no início do século XX 75

3.2.4 Sobrepopulação e o número máximo de fábricas antes da crise 76

3.2.5 Bairro operário do arquiteto Carlos Ramos 78

3.2.6 Olhão nos anos 30 79

3.2.7 Bairro de casas económicas do C.P.C.P. 82

3.2.8 Sede do Grémio dos Industriais de Conservas de Peixe do Sotavento Algarvio 84

3.2.8 Anteplano geral de urbanização da Vila de Olhão da Restauração 86

3.2.9 Habitação 90

3.2.10 Bairro da Horta da Cavalinha de casas económicas em 1945-50 92

3.2.11 Bairro de casas económicas para pescadores em 1945-49 93

3.2.12 Bairro de casas para as classes pobres 94

3.2.13 Cronologia industrial 96

3.2.14 Olhão: da industrialização à problemática urbana 102

42 – Vista aérea sobre a cidade de Olhão, c. 1980. Arquivo Municipal de Olhão

3.2. OLHÃO

O território onde se localiza Olhão terá sido local de passagem para vários povos, desde o neolítico até à formação de Portugal. A prova dessa passagem são as cetárias romanas, encontradas no local onde existiu, também, uma fábrica de conservas, local este que daria origem à doca pesca. Tal comprova a permissa de que este foi, desde a antiguidade, um local propício à prática conserveira, pela abundância de matérias-primas (Oliveira, 1906).

A ocupação que originou a malha urbana atual, terá ocorrido de forma similar a outras vilas piscatórias algarvias: Ferragudo, Quarteira, Fuzeta e Monte Gordo. A zona costeira é ocupada na época das pescas, sazonalmente, por pescadores de vilas próximas e/ou de outros pontos do país que, de forma gradual, se vão fixando, ainda nas cabanas de junco, até formar um aglomerado significativo. No caso especifico de Olhão, são apontadas duas razões principais para a fixação populacional naquele local: em primeiro lugar, as condições naturais, que para além do sustento que o mar oferecia e que tinha atraído a população, oferecia, igualmente, água em abundância, como comprova a exploração de poços nas primeiras fases de expansão da vila; em segundo, a possibilidade de ali ser possível fugir aos impostos e praticar o contrabando, dada a inexistência de “governo”, sendo que vários autores defendem ser essa a razão pela qual vários pescadores de Faro procuraram ali fixar-se, dando volume à povoação (Romba, 2008).

Não se sabe, exatamente, quando se deu a fixação de população na Praia de Olhão, mas acredita-se que terá sido entre o final do século XVI e o início do século XVII, datando de 1614 a construção da capela (atual igreja da Soledade). O número de cabanas continuou a aumentar sendo que em 1695 a Praia de Olhão passou a freguesia. Em 1689 inicia-se a construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário. Com a contrução destes importantes edifícios, Olhão dava passos largos para ser um local de permanência e não de sazonalidade (Nobre,1984; Romba, 2008).

Em 1715, a Igreja Matriz abre ao culto e é autorizada, pela rainha, a construção de um conjunto de casas. Pensa-se que, até aqui, apenas os edifícios religiosos seriam de pedra e cal, sendo o resto cabanas de colmo. Este é, marcadamente, o fim do período de ocupação do sítio de Olhão e inicia-se um período se consolidação e de expansão da povoação, agora com uma construção mais segura e duradora, ainda que continuem a existir cabanas (Nobre, 1984; Romba, 2008)

Era notório o crescimento progressivo da freguesia, sendo que em 1722 é definido um novo limite, extendendo-se a norte, até ao Poço Velho, para nordeste e noroeste, em direção às hortas que ali existiam. Aumentam, então, os pedidos para a construção de casas, devido à prosperidade que traziam as práticas da pesca e a agricultura, que era praticada como complemento. Este período de bonança foi apenas interrompido pelo terramoto de 1755, que arruinou a cobertura da Igreja Matriz, parte da capela e causou estragos nas habitações existentes. Ainda assim, não se verificou um abrandamento significativo, como aquele que se verificou em outras vilas, tendo Olhão recuperado do desastre como alguma celeridade.

Prova disso são os números registados em 1758, de 500 casas e 300 cabanas, que aos poucos de transformavam em edifícios. Em 1771, é estabelecido o Compromisso Marítimo adossado, à capela, e em 1790 a povoação já não era constituída por qualquer cabana (Nobre, 1984; Romba, 2008).

No início do século XIX, mais precisamente em 1808, Olhão passa de sítio a vila, nomeada Vila de Olhão da Restauração, passando a ter Câmara Municipal a partir de 1826.

Consolidada a malha central da vila, junto aos dois edifícios religiosos, e seguida de uma expansão para norte, o foco da vila vira-se para sul, para a sua zona portuária. Olhão afirma-se como o mais importante centro piscatório da região; bem como o mais especializado em pesca do alto. Esse estatuto era reflexo das movimentações do seu porto. Em 1842 instala-se a Alfândega na zona central junto à ria.

A economia da vila, que se desenvolveu devido à pesca, é alavancada neste período, pelo negócio da conserva de peixe salgado e seco. Enquanto que o peixe fresco alimentava as zonas interiores do Algarve e baixo Alentejo, o peixe conservado e os produtos agrícolas da região alimentavam o mercado nacional e internacional. Com o desenvolvimento económico deu-se a expansão urbana, com novos bairros a sul e o surgimento de uma zona industrial e comercial junto à ria, composta por armazéns, atividades artesanais e estaleiros de construção naval. A Câmara Municipal mandou construir um cais público em 1857, e um mercado de peixe em 1866. À medida que novos edifícios privados se instalavam na zona junto ao porto, os proprietários eram incentivados a aterrar a zona de rio em frente à sua propriedade, sendo que aqueles que tinham atividades ligadas ao mar aproveitavam para construir cais privados. A frente rio da vila foi ganhando, assim forma, ao ritmo possível do investimento privado, aterrando as zonas que, nas décadas passadas, eram alagadiças ou de pântano, servido estes aterros, também, para proteção dos avanços do mar vila dentro (Nobre,1984; Oliveira, 1906; Romba, 2008).

43 – Planta de Olhão de 1873. Romba, 2008

44 – Planta de evolução da cidade de Olhão, por zonas consolidadas. Elaborado pelo autor

Na segunda metade do século XIX, surgem as primeiras fábricas de conservas entre as quais a Fábrica Velha, como era conhecida, por ser a mais antiga da vila, dos Ètablissements F. Delory, que terá iniciado a sua atividade entre 1881 e 1882. Antero Nobre afirma que, em 1882, havia já duas fábricas a funcionar, sendo a segunda possivelmente de Arthur Alèno Père, cuja localização se desconhece. Em 1890, no inquérito industrial desse ano consta apenas o nome da empresa Alberto L. Verdeau Freire & Cª, não fazendo o documento qualquer referência à sua localização. Sobre Verdeau, Antero Nobre faz, igualmente, referência dizendo que se incompatibilizou com os operários olhanenses e foi dos primeiros industriais a deixar a vila (Nobre, 1984; Rodrigues, 1997; Serra, 2007)

Olhão teve um crescimento contínuo desde a sua fundação atravessando um período de maior crescimento entre 1730 e 1830. O terramoto de 1755, não lhe sendo alheio, não teve o efeito nefasto, sentido noutras povoações do barlavento algarvio e, apesar, dos efeitos da crise em 1830, recuperou o crescimento nos anos seguintes. Talvez por ser uma povoação pequena, tinha mais margem de progresso, apoiando o seu desenvolvimento na pesca e comércio de peixe, teve um desenvolvimento ainda mais acentuado aquando da chegada da indústria de conserva moderna, no século XIX. Com um grande incremento de todas as atividades a esta ligadas, como a pesca e a construção naval, o movimento comercial do seu porto e da sua economia em geral é alavancada pela indústria conserveira e da pesca. A população da vila aumentou, acentuadamente, como consequência da chegada da indústria, atraindo gentes do campo, das povoações mais próximas e até de outros pontos do país (Nobre,1984).

3.2.1 CAMINHO DE FERRO

No início do século XX, a chegada do caminho de ferro à vila de Olhão viria a ser um dos mais importantes acontecimentos, contribuindo gradualmente para o seu desenvolvimento.

O processo inicia-se em 1898, com o projeto do engenheiro Pedro Inácio Lopes, que colocava a nova estação a Noroeste, junto da malha urbana da vila, com a possibilidade de uma ligação ao cais (Gazeta dos caminhos de ferro, Nº364, 16 de fevereiro de 1903, p.58) O primeiro troço desta proposta foi aprovado no mesmo ano, apesar do Conselho Superior de Obras ter mandado estudar a viabilidade da linha passar mais próximo do cais, como acontecia no caso de Faro. A Câmara Municipal defendeu a alternativa ao projeto inicial, afirmando “que não só embelezará aquele porto; como evitará grandes despesas em transportes de pescarias”, mas o parecer do Ministério das Obras publicas foi desfavorável dizendo, em 1899, que a alternativa “torna-se muito dispendiosa porque atravessa importantes propriedades rústicas, bem como a avenida em construção” (Gazeta dos Caminhos de Ferro, N1206, 16 de março de 1938, p.154).

Em 1902, o segundo troço do projeto para a linha de caminho de ferro foi aprovado.

Este mantinha as características originais, incluindo a estação junto à vila e a possibilidade de uma ligação ao cais. Contudo, a autarquia manteve-se relutante, apontando para uma nova localização da estação, propondo então que esta ficasse a norte da vila, entre as estradas municipais nº9 e nº3, “alegando-se exigências estéticas e melhor acesso da povoação”.

As opiniões da direção do Sul e Sueste e do Conselho de Administração, das obras publicas, dividiram-se quanto à proposta, o que levou o ministro a nomear uma comissão para decidir sobre o assunto, uma vez que em Olhão parte da população apoiava a iniciativa camarária e outra defendia a localização original (Gazeta dos caminhos de ferro, Nº364, 16 de fevereiro de 1903, p.58).

O parecer da comissão foi favorável à proposta da Camara Municipal de Olhão, tendo os trabalhos sido iniciados em 1903 e terminados no mesmo ano. No entanto, a inauguração da estação aconteceu apenas a 15 de maio de 1904 (Marques, 1999).

A linha de caminho de ferro definiu um novo limite para a vila, separando esta do seu cemitério mais a norte, transpondo-se através das passagens de nível e de um viaduto. A malha urbana que crescia junto das principais vias de acesso à cidade começou a ocupar os espaços entre a vila, a linha férrea e a estação, que se encontrava mais afastada das construções existentes. Olhão atraiu para si novas construções, principalmente armazéns comerciais, para retenção de produtos agrícolas e algumas fábricas de conservas que se viriam a instalar nos anos seguintes (Nobre, 1984).

3.2.2 OLHÃO DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 1916

Na viragem do século, a população rural foi atraída pelo trabalho industrial, da mesma forma que pescadores de outras povoações se mudaram para Olhão, devido à crescente procura de peixe por parte das fábricas de conserva. Como consequência imediata, surge o crescimento da população, que obrigou à construção de mais habitações, o que, aliado ao espaço ocupado pela implantação das fábricas de conserva e das indústrias subsidiárias, obrigou a Câmara Municipal a pedir a revisão dos limites da freguesia de Olhão, acabando estes por se estender até à Estrada Real nº 78 (atual Estrada Nacional nº 125). Devido à crescente procura espaço, foi necessário aterrar zonas pantanosas e expropriar terrenos periféricos, para acomodar a crescente expansão da malha urbana da vila. Exemplo disso são os casos da Horta do Padre Tomaz ou dos aterros da zona conhecida por “Os Charcos”, ainda no final do século XIX, bem como dos “alagadiços das Praínhas” (Nobre, 1984).

Este crescimento exacerbado tornou-se avassalador, para a pequena vila com a Primeira Guerra Mundial. O conflito fez disparar a procura de conservas alimentares por parte dos países envolvidos, o que se refletiu no número de fábricas que abriam devido à especulação.

Em Olhão, relatam-se várias fábricas improvisadas, em espaços reduzidos, sem organização ou sem o suporte financeiro necessários, desaparecendo tão depressa como tinham aparecido, devido ao fim do conflito. A identificação e contabilização destas fábricas, fruto da especulação, torna-se uma tarefa difícil pela falta de registo obrigatório e pela falta de regulamentação necessária, sendo apontado pela tradição oral o número de oitenta fábricas até ao final do conflito, o que parece bastante exagerado se apenas contabilizar as fábricas de conserva em azeite e molhos (Nobre, 1984).

Ainda assim, é inegável a importância deste período para Olhão, tendo ultrapassado o mais numeroso centro conserveiro em número de fábricas, Lagos, e mantendo essa posição até ao final do século. A estatística disponível reflete isso mesmo; em 1908 Lagos tinha dez unidades fabris, contra sete de Olhão. Em 1916, tinha dezassete, contra treze em Lagos e, em 1917, são já apontadas trinta e quatro em Olhão, enquanto Lagos manteve o anterior número de fábricas. Esta duplicação de instalações comprova a dificuldade em contabilizar o seu número, assim como a enorme especulação existente neste período, que trouxe consequências urbanas a Olhão (Rodrigues, 1997).

O crescimento populacional foi demasiado acelerado, comparado com a capacidade de absorção e construção de novas habitações por parte da vila de Olhão. São, por isso, referidos casos de sobrelotação de habitações existentes no centro da vila, bairros improvisados de cabanas ou barracas, que foram sendo empurrados cada vez mais para longe do centro da cidade, à medida do crescimento da malha urbana. Identificado está um bairro conhecido como “Barraquinhas”, localizado a norte da linha férrea e do Campo das Prainhas, que continuou clandestino e, mais tarde, começou a reconstruir-se em alvenaria, igualmente de forma clandestina. Alguns industriais contruíram pequenas filas de casas modestas para alguns dos seus trabalhadores, o mais perto possível da fábrica (Nobre, 1984).

O levantamento efetuado em 1916, figura 45, a meio da 1ª Guerra Mundial permite-nos fazer uma análise do crescimento urbano neste período desde o século XIX, bem como identificar alguns elementos urbanos importantes do mesmo. Um elemento evidente é a linha de caminho de ferro, na sua relação com a malha urbana da cidade podendo constatar-se que, desde a sua construção em 1903, até 1916 esta expandiu-se e consolidou-se até à linha férrea, principalmente para Noroeste onde antes existia a Horta do Júdice, assinalada na planta de 1873 (fig. 43). Não é possível visualizar na sua plenitude, o espaço a norte da linha e até à Estrada Real nº78, mas, ainda assim, é possível identificar o Cemitério, bem como as construções existentes a Oeste do mesmo.

A sul, a vila apresenta um alargado porto em toda a sua frente de mar, com alguns cais sobre a água. A este, identifica-se junto a “Fábrica Velha”, podendo ler-se na legenda “Estaleiro”, que para ali se tinha mudado desde o início do século XX. No centro desta zona portuária é possível identificar dois edifícios lado a lado, que correspondem aos novos mercados, um de verduras e outro de peixe, edificados em 1915, substituindo o mercado coberto que ali existia e considerado pequeno para as necessidades da vila.

É, ainda, possível identificar várias salinas em redor da vila, o matadouro municipal, construído em 1893, (sendo o edifício mais a sul no Campo das Prainhas), a Oeste da vila e, ainda, a Este, identifica-se a Fábrica Fialho, isolada do resto da vila e com cais próprio.

45 – Plano hidrográfico da barra e cais de Faro e Olhão, levantado em 1916. Documento cedido pela B.N.P.

3.2.3 FÁBRICAS DE CONSERVA NO INÍCIO DO SÉCULO XX

Quanto às fábricas de conserva durante as primeiras décadas do século XX, temos a informação que, em 1906, existiam sete fábricas segundo Ataíde Oliveira:
Ètablissements F. Delory,
Miguel Migone,
Feu & Hermanos e Manuel António Soares, todas na Rua de D. Carlos,
Carlos, Christina & Quintas na Rua de S. Bartholomeu,
Goso Amâncio na Praia do Levante e
João Viana Cabrita, Rua das Lavadeiras (Oliveira, 1906).

Em 1916, seriam já dezassete, pela informação disponível e, de acordo com as datas de fundação das empresas, estariam as seguintes em laboração:
(1) Ètablissements F. Delory;
(2) J. A. Pacheco;
(3) Gio Batta Trabucco, lda;
(4)Honrado & Honrado, Lda;
(5) Sociedade de Conservas Algarve, Lda;
(6) Nicolló Lazarra;
(7) Ramirez & Cª, Lda;
(8) Augusto Bruno;
(9) Quinta, lda;
(10 e 11) Saias Irmãos & Cª, Lda com duas fábricas;
(12) Júdice Fialho;
(13) Guerreiro & Cª, Lda;
(14) Baganha, Correia & Cª. Lda;
(15) Domingos Lourenço Baêta;
(16) União Industrial de Conservas, Lda e,
(17) na localização onde mais tarde funcionaria a Conservas Unitas, Lda, estaria já, neste período uma fábrica a funcionar, mas não foi possível precisar a empresa (Rodrigues, 1997; Arquivo Municipal de Olhão; 5ª Circunscrição Indústria).

No ano seguinte, segundo Duarte Abecasis, existiam 34 fábricas de conserva de peixe, com 2.638 operários, o dobro dos registados em Lagos, Portimão e Vila Real de Santo António. Existem algumas possibilidades que podem explicar esta diferença de números, num espaço curto de tempo (de 1916 para 1917). Uma delas seria que nem todas seriam fábricas de conservas em azeite e molhos, como acontece, por vezes, em algumas fontes.

Neste caso, Duarte Abecasis, em 1926, apresenta duas tabelas, diferenciando as fábricas dos armazéns de salga, indicando, ainda, o número de trabalhadores, e considerando que, para estes dados a informação parece sólida. Assim sendo, a duplicação dos números poderá dever-se à falta de rigor em 1916, sendo possível existirem mais fábricas a funcionar do que as que apontam os números.

No entanto, a hipótese mais forte, será esta diferença poder, se explicar, pela enorme procura de alimentos conservados durante os últimos dois anos da 1º Guerra Mundial, surgindo então inúmeras fábricas que poderão ter funcionado apenas até ao fim do conflito. Pela informação disponível, nas diferentes fontes consultadas, existem somente quatro novos registos de novas fábricas, identificados entre 1917 e 1918 (Figueira & Cª, lda/J. Reis Silva/Aliança Fabril, Lda/Francisco Alves), o que poderá ser explicado pela falta de obrigatoriedade de registo fabril e pela pouca regulação do sector neste período. Não parece existir qualquer outra informação destas fábricas, que terão sido instaladas, aproveitando a especulação do conflito, e desaparecido quando este terminou (Abecasis, 1926; Rodrigues, 1997).

3.2.4 SOBREPOPULAÇÃO E O NÚMERO MÁXIMO DE FÁBRICAS ANTES DA CRISE

O primeiro conflito mundial impulsionou as indústrias da pesca e das conservas, em Olhão, e a sua população não só conseguiu manter-se como cresceu, apesar das baixas e problemas trazidos pelo conflito.

Em 1920 era o centro conserveiro com maior número de fábricas e maior população do Algarve, com 24 574 habitantes no seu concelho, apenas com menor população do que Silves e Loulé, dois concelhos com áreas significativamente maiores (Nobre, 1984; Cosme, 1999). Estes números revelam a dimensão que tinha ganho a vila de Olhão, apresentando uma grande densidade populacional que, aliada à falta de infraestruturas urbanas, causou graves problemas de insalubridade e focos de doenças endémicas (Nobre, 1984).
O aumento da população operária, devido ao crescente número de fábricas que se instalavam na vila, levou à densificação de população no centro urbano, ao crescimento dos bairros improvisados no limite da cidade e junto ao caminho de ferro. Ainda que alguns industriais tenham construído casas para os seus trabalhadores, verificava-se um esforço vão, em relação à real necessidade de habitação por parte desta população. O número de pescadores vindos de outros pontos do país, que se instalaram na vila devido à procura de peixe por parte da principal indústria da vila, também contribuiu para o aumento da população.
Ainda que, em certo, período o número de habitantes se tenha mantido, estes não eram, na sua maioria, descendentes da população Olhanense e, por essa razão, era difícil a absorção e distribuição desta população pelas habitações existentes e/ou em novas habitações (Nobre, 1984).
No que diz respeito às infraestruturas da vila, estas eram quase inexistentes. A maioria da água para a população, neste período, era obtida através de poços. Os esgotos eram valas abertas nas ruas até à Ria, e quase todos os despejos domésticos, industriais e pluviais eram feitos para estas, em valas a céu aberto. Ainda que existisse uma recolha de parte destes despejos pelas “carroças pipas”, e mesmo que em outras localidades as condições fossem iguais ou similares, a densidade populacional de Olhão e a dimensão da sua atividade industrial espalhada pela vila, que incluía fábricas de guano, originaram manifestações de protesto em 1926, (pois utilizavam os restos de peixe das restantes fábricas para fazer farinhas e óleo de peixe) escalavam o problema de salubridade da vila (Nobre, 1984).
Estes problemas não foram solucionados de imediato, mas a instalação pública e privada de rede elétrica, inaugurada em 1924, e a instalação de três grandes esgotos coletores ligados à ria, foram o início do melhoramento da salubridade e qualidade de vida da vila, que iria culminar em 1931, com o fim das “carroças pipas” e coletores de despejos nas vias públicas (Nobre, 1984).

Ainda neste período, devido à crise do escudo (1915-1928), a indústria conserveira conseguiu colocar melhor os seus produtos no estrangeiro, devido à desvalorização da moeda portuguesa. Infelizmente não existem números concretos para as fábricas em Olhão, entre 1917 e 1930, mas é referido, pelo Instituto Português de Conservas de Peixe (IPCP), que estariam a funcionar 400 fábricas em 1926, embora com uma produção mais baixa que em 1918 (IPCP, 1969).

Por essa razão, a contabilização de fábricas para o ano de 1924, antes da crise de escassez de peixe, é apenas um exercício de exposição dos dados disponíveis, sem certezas do número exato de fábricas a funcionar na vila de Olhão:
(1) Ètablissements F. Delory, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(2) J. A. Pacheco, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(3) Gio Batta Trabucco, lda, a fábrica funcionou antes, funcionava em 1921, segundo o arquivo de Olhão, e depois desta data;
(4) Honrado & Honrado, Lda, a fábrica funcionou antes, funcionava em 1923, segundo o arquivo de Olhão, e depois desta data;
(5) Sociedade de Conservas Algarve, Lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924; 
(6) Nicolló Lazarra, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(7) Ramirez & Cª, lda, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(8) Augusto Bruno, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(9) Quinta, lda, segundo o arquivo de Olhão estava a funcionar neste ano;
(10 e 11) Saias Irmãos & Cª, Lda, as fábricas funcionavam antes e depois desta data; 
(12) Júdice Fialho & Cª, lda, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(13) Guerreiro & Cª, lda, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(14) Baganha, Correia & Cª. Lda, com alvará de 1924 (5º Circunscrição Industrial);
(15) União Industrial de Conservas, lda, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(16) Domingos Lourenço Baêta, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(17) Figueira & Cª, lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924; 
(18) J. Reis Silva, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(19) Aliança Fabril, Lda, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(20) Sardinha do Algarve, lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924;
(21) Sociedade de Conservas “Madrugada”, lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924;
(22) Empresa de Conservas Nereida, Lda, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(23) Gian Battista Parodi, a fábrica funcionou antes e depois desta data; 
(24) Lucas & Ventura, lda, terá iniciado atividade em 1922 e constrói casas para os seus operários em 1925;
(26) J. P. Leonardo, lda, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(27) Henrique & Cª, lda, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(28) Marques, Vaz Velho & Caiado ,lda , a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(29) Martins Baptista & Cª, Lda, a fábrica funcionou antes e depois desta data;
(30) Mendonça, Loureiro & Almodover, Lda, com alvará de 1924 (5º Circunscrição Industrial);
(31) J. N. Pité, Lda, com alvará de 1923 e a funcionar depois (5º Circunscrição Industrial);
(32) Anglo-Lusa, Lda, com alvará de 1923 e a funcionar até 1926 (5º Circunscrição Industrial)
(33) Sociedade Comercial Farense, com alvará de 1923 e a funcionar até 1930 (5º Circunscrição Industrial);
(34) Torres & Sousa, Lda, com alvará de 1923 e a funcionar até 1937 (5º Circunscrição Industrial);
(35) Mascarenhas, Carmo, Lda., com alvará de 1924 e funcionou até 1927 1924 (5º Circunscrição Industrial); 
(36) Manuel de Jesus Santos, com alvará de 1924 (5º Circunscrição Industrial);
(37) Sociedade de Conservas Belmonte, Lda, com alvará de 1924 (5º Circunscrição Industrial);
(38) Feliciano A. Pereira, com anúncio no Jornal Europa em 1924;
(39) Pacheco & Larião, Lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924;
(40) Fábrica de conservas de Brito & Madeira, lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924;
(41) Rodrigues & Cunha, Lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924;
(42) “A Salvadora”, Lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924.

Ainda neste período, as fábricas J.M. Cabeçadas, que terão iniciado laboração em 1920, sem alvará; Sociedade de Pescarias e Conservas, lda, que terá iniciado laboração em 1920, com alvará de 1925 e a Parceria Industrial de Conservas, lda, que terá iniciado laboração em 1920, foi registada em 1922 em Olhão, e com alvará de 1928; estando todas identificadas como Fábricas de Guano na 5º Circunscrição Industrial, permanece a dúvida se foram, em algum período, produtoras de conservas de peixe ou se foram apenas Fábricas de Guano. Seriam estas as fábricas a funcionar durante este período, ainda que sem plenas certezas que todas as indicadas estivessem em funcionamento, e sem números concretos que seriam apenas estas.

Os anúncios no Jornal Europa de 1924, os dados da 5º Circunscrição e o fundo Documental do Arquivo de Olhão, permitem-nos conferir que muitas destas fábricas estariam, realmente, a laborar neste período temporal. Foi nele que existiu maior número de fábricas a funcionar simultaneamente, sendo que, mais tarde, a regulamentação da atividade e as suas restrições iriam controlar o aparecimento exponencial de novas fábricas.

46 – Recortes de anúncios de fábricas de conserva. Suplemento do Jornal Europa, ano IV, janeiro de 1924.

Cedido pelo Museu de Lagos e Arquivo Municipal de Olhão.

(3) Gio Batta Trabucco, lda, a fábrica funcionou antes, funcionava em 1921, segundo o arquivo de Olhão, e depois desta data;

(5) Sociedade de Conservas Algarve, Lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924; 

(10 e 11) Saias Irmãos & Cª, Lda, as fábricas funcionavam antes e depois desta data; 

(19) Aliança Fabril, Lda, a fábrica funcionou antes e depois desta data;

(17) Figueira & Cª, lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924; 

(20) Sardinha do Algarve, lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924;

(21) Sociedade de Conservas “Madrugada”, lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924;

(30) Mendonça, Loureiro & Almodover, Lda, com alvará de 1924 (5º Circunscrição Industrial);

(38) Feliciano A. Pereira, com anúncio no Jornal Europa em 1924;

(39) Pacheco & Larião, Lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924;

(40) Fábrica de conservas de Brito & Madeira, lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924;

(41) Rodrigues & Cunha, Lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924;

(42) “A Salvadora”, Lda, com anúncio no Jornal Europa em 1924.

3.2.5 BAIRRO OPERÁRIO DO ARQUITETO CARLOS RAMOS

A iniciativa privada teve um papel importante na construção de habitação operária, no Algarve. É possível identificar alguns casos de construção de habitações, por parte de industriais conserveiros, para os seus operários, quer seja na mesma propriedade das instalações fabris, seja nas proximidades. Nem sempre as habitações disponíveis apresentavam as melhores condições de habitabilidade, sendo estas construções improvisadas na periferia ou casos de sobrelotação de fogos e, até, de bairros ou zonas inteiras de algumas vilas, como se verificou em Olhão (Agarez, 2013).

O bairro operário, encomendado pelo industrial Cândido do Ó Ventura, ao arquiteto Carlos Chambers Ramos é, no entanto, diferente dos demais pela suas preocupações sociais e técnicas, aliada a uma construção económica. Este foi implantado em frente à fábrica Lucas & Ventura, nome que é também atribuído ao bairro. Eram constituído por quinze fogos, com um ou dois quartos e cozinha, que partilhavam um pátio central que dava acesso a todas habitações, sendo que algumas tinham, ainda, um terraço virado para a Rua Almirante Reis ou para a Rua Manuel Martins Garrocho. A grande diferença para as habitações comuns de Olhão estava na organização e espacialidade do bairro, que permitia iluminação e ventilação naturais do espaço, tendo uma rede privada de esgotos, o que não era comum, assim como os lavadouros e sanitários coletivos (Agarez, 2013).

Esta é a primeira iniciativa, registada, na construção de um bairro económico ou de habitação operária, com um projeto de arquitetura e todas as preocupações estéticas e técnicas que lhe são inerentes, tendo sido concluído por volta de 1925. Este surgiu muito antes das iniciativas públicas, sejam camarárias ou estatais, dos bairros operários, bairros de pescadores, bairros camarários ou económicos, e a sua importância está, também, nesse facto e por partilhar, com esses futuros bairros, de uma forma geral, todas as qualidades da habitação planeada.

47 – Foto do Bairro Operário Lucas & Ventura, tirada na Rua Manuel Martins Garrocho. Autor desconhecido. Retirado da revista Monumentos nº 33, p.152.

48 – Planta do bairro desenhado pelo Arquiteto Carlos Ramos. Retirado da revista Monumentos nº 33, p.151 (Carlos Chambers Ramos, “Alguns Problemas de Arquitectura: Soluções Concretas”. Arquitectura, 1927, ano 1, n.º 9, p. 132.)

3.2.6 OLHÃO NOS ANOS 30

Nos anos 30, assistimos à estabilização do número de fábricas da indústria de conservas em Olhão. Terminada a crise da moeda e mesmo com crise mundial a fazer-se sentir na Europa, a vila de Olhão mantém, como motor da sua economia a indústria de conservas e pescas. A sua população continua a crescer e, com esta, também a malha urbana. Porém, a falta de peixe, em 1933, contribui para a escassez de trabalho, com enormes repercussões para a população operária desta década (Rodrigues, 1997).

Através da figura 49, podemos fazer uma análise da malha urbana de Olhão, em 1936, no que respeita à sua expansão. É notório o crescimento entre o caminho de ferro e a Estrada Nacional 125, junto às principais vias rodoviárias de acesso à vila. A Noroeste temos, próximo do cemitério, uma ocupação consolidada e densa, constituída por habitações e fábricas de conserva que ali se foram instalando; por sua vez a Nordeste, junto as ramificações da Avenida Dr. Bernardino da Silva, surge uma menor densidade construtiva, ainda que ali se identifiquem edifícios industriais, a maioria eram de habitação, serviços e comercio. Acima da Estrada Nacional 125, a densidade construtiva é ainda menor, sempre concentrada junto às via rodoviárias, com destaque para alguns edifícios industriais junto à estrada nacional e para o Bairro Operário do C.P.C.P., que ainda não estava terminado, ainda que esteja representado a Noroeste, já no limite do desenho.

49 – Planta da Vila de Olhão da Restauração, levantada em 1936, C.M.O.

A Sul, junto ao núcleo da vila, é possível observar a consolidação da zona, principalmente industrial, a Este, junto ao Moinho do Sobradinho, até ao caminho de ferro; e a Oeste, da zona das Prainhas, onde estava o Campo da Feira, formou-se um bairro composto por indústrias e habitação junto ao caminho de ferro. As duas zonas mencionadas a Sul junto à vila, terão tido a sua formação nos anos vinte, sendo que o único documento desse período é uma fotografia aérea de c.1926 (fig. 50), onde podemos observar a zona a Este, já mencionada, idêntica ao que se observa neste documento de 1936. Outra pista para essa origem, num período anterior é o facto do surgimento de inúmeras fábricas antes dos anos trinta, que se instalaram nestas duas zonas, um como o facto destas serem, maioritariamente, industriais, pelo que tiveram, provavelmente, a sua origem com a instalação de fábricas de conserva.

Quanto às fábricas de conserva, em 1936, importa referir que entra em vigor nesse mesmo ano a política de condicionamento industrial, que iria restringir o aparecimento de novas fábricas pela recusa de novos alvarás e pela extinção de fábricas inativas por mais de dois anos, fixando, assim, o numero de fábricas de Olhão em menos de quatro dezenas a partir deste período, não permitindo especulação durante a 2ª Guerra Mundial (Cavaco,  1976).

50 – Fotografia aérea, c.1926. Arquivo Municipal de Olhão.

No ano de 1936, João Villares indica o número de 37 fábricas de conservas a funcionar na vila de Olhão, e que seriam as seguintes:
(1) Établissements F. Delory;
(2) Júdice Fialho;
(3) J.A. Pacheco;
(4) Ramirez & Cª, lda;
(5) Gio Batta Trabuco;
(6) Nicolo Lazzara;
(7) Cristovão Martins Viegas Junior;
(8) Augusto Bruno;
(9 e 10) Saias & Ca. Lda, com duas fábricas;
(11) Quinta, Lda;
(12) Guerreiro & Cª;
(13) Domingos Lourenço Baeta;
(14) Aliança Fabril;
(15) Figueira & Cª, lda;
(16) Honrado & Honrado, lda;
(17) J. Reis Silva;
(18) Sardinha do Algarve, lda;
(19) Sociedade de Pescarias e Conservas, lda;
(20)Parceria industrial de Conservas, lda;
(21) Empresa de Conservas Nereida, lda;
(22) Gian Baptista Parodi;
(23) Henrique & Cª, lda;
(24) J. P. Leonardo, Lda;
(25) Lucas & Ventura, lda;
(26) Martins Baptista, lda;
(27) Sociedade de Conservas Belo Monte;
(28) Francisco Lourenço Castelo;
(29) Tomé, lda;
(30) Santos Simões & Cª, lda;
(31) Martins & Pereira, Lda;
(32) União Industrial, lda;
(33) Soares Viegas, lda;
(34) Lazaro & Cª, lda;
(35) Vasconcelos & Guerreiro, lda;
(36) Empresa Mercantil de Pesca, lda e
(37) J.M. Cabeçadas (Villares, 1997).

A Empresa Mercantil de Pesca, lda funcionou, pelo que se sabe, na Rua José F. Leonardo Nº2 (onde funcionou a Soares Viegas, lda), na Praça João de Deus Nº 86/90 (onde funcionou a Figueira & Cª, lda) e na Avenida 5 de Outubro, onde funcionava neste período (1924/1925). De referir, ainda, que as empresas Sociedade de Pescarias e Conservas, lda e J.M. Cabeçadas, aparecem aqui identificadas como fábricas de conservas de peixe em azeite e molhos, mas estão identificadas, na 5º Circunscrição Industrial, como fábricas de guano.
No entanto, devido à falta de informação, não se sabe se as empresas produziam conservas e guano ou se produziram conservas e mais tarde se transformaram em Fábricas de Guano.

3.2.7 BAIRRO DE CASAS ECONÓMICAS DO C.P.C.P.

Em 1935, o arquiteto Eugénio Correia projeta um bairro de casas económicas para a vila de Olhão, na Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em Lisboa, que seria o primeiro a surgir de uma iniciativa estatal, na região do Algarve. A construção do novo bairro estava integrada no Decreto-Lei nº 23.052, de 23 de setembro de 1933, referente às casas económicas, tendo sido comparticipado pelo ministério das obras públicas e pelo Consórcio Português de Conservas de Peixe, destinando-se aos operários da indústria de conservas de Olhão (Agarez, 2016; Pereira, Queirós, Silva & Lemos, 2018).

O bairro localizado a Noroeste da vila foi inaugurado em 1938, detendo sessenta e seis moradias térreas, diferenciadas em duas tipologias, com dois ou com três quartos (Rodrigues, 1997). O seu distanciamento do centro urbano da vila deve-se, principalmente, à ideologia do Estado Novo, que defendia o direito à propriedade pela família, recusando as ideias de habitação coletiva para os trabalhadores, justificando, por isso, a necessidade de terrenos maiores para implementar este bairro, que funcionava como conjunto autónomo no contexto urbano, sem ligação à malha urbana existente da vila de Olhão no momento da sua edificação (Carvalho, 2013).

As habitações, elogiadas pelo seu modernismo, eram consideradas como o melhor conjunto habitacional da vila, pelo arquiteto João António Aguiar (autor do anteplano de Olhão). Estavam, no entanto, enquadradas com o estilo de vida da região pela açoteia, utilizada para secagem de diversos alimentos, e pelo seu quintal posterior, que permitia a sua utilização como horta (Agarez, 2016).

A propaganda corporativista do Estado Novo e da indústria de conservas, utilizou os bairros de Olhão e Portimão para promover as suas iniciativas sociais na publicação “O livro de Ouro das Conservas Portuguesas de Peixe”, do IPCP, onde é referido o hábito de oferecer uma habitação ao operário que se destacasse pelo seu trabalho e que fosse o mais antigo em idade e na profissão (IPCP, 1938).

A autorização da construção do bairro surge no seguimento de desacatos, tentativas de roubo e assaltos a fábricas e a industriais, noticiado em 1933, ano em que, como já referido, se registou um pico de falta de trabalho para a população operária. No entanto esta iniciativa era, francamente, escassa para resolver o problema da habitação em Olhão, que não afetava apenas a população da indústria de conserva, o que levaria a outras iniciativas  públicas de habitação em Olhão (Agarez, 2016).

52 – Planta de implantação do Bairro Operário, de Casas Económicas do CPCP em Olhão. Redesenhado pelo autor com base em Carvalho (2013).

53 – Bairro Operário, de Casas Económicas do CPCP em Olhão. IPCP, 1938

54 – Bairro Operário CPCP. Artur Pastor, entre 1943 e 1945. Arquivo Municipal de Lisboa, cota: PT/AMLSB/ART/050293.

55 – Bairro Operário CPCP. Artur Pastor, 1950. Arquivo Municipal de Lisboa, cota: PT/AMLSB/ART/050303.

56 – Bairro Operário, de Casas Económicas  do CPCP em Olhão. Agarez, 2016, p.155.

3.2.8. SEDE DO GRÉMIO DOS INDUSTRIAIS DE CONSERVAS DE PEIXE DO SOTAVENTO ALGARVIO

O Grémio dos Conserveiros do Sul tinha instalações em Olhão, no nº9 da Avenida da República, desde a criação do Instituto Português de Conserva de Peixe, em 1936. A par de Portimão, Olhão era um dos centros conserveiros responsável por registar e fiscalizar a atividade na região do Algarve, assim como prestar auxílio e apoio, tanto aos industriais como aos trabalhadores.

Devido à sua relevância regional e até nacional, em 1942, o Arquiteto Fernando Coruche e o Engenheiro Costa Ritto, projetam o edifício da nova sede do Grémio dos Conserveiros do Sotavento Algarvio (Agarez, 2016; Viegas, 2017).

A construção seria concluída em 1945, localizando-se no largo da Rua General Humberto Delgado. Este novo edifício tinha diversos propósitos, além de acomodar a estrutura diretiva, administrativa e delegados, tinha, ainda, espaços de assistência médica aos operários, biblioteca e arquivo (Agarez, 2016; Viegas, 2017).

Na planta do edifício podemos observar a organização dos espaços, na ala oeste: arquivo, sala de assistência e sala do chefe de secretaria e contabilidade; no corpo central: secretaria, sala das assembleias, espaço do porteiro e sala de espera; na ala este: a biblioteca,  sala para o delegado, sala de reuniões da direção e a sala da direção.

A construção deste edifício é, por si só, o reflexo da prosperidade e importância da indústria de conservas em Olhão e na região, tendo sido caso único no Algarve, pois o projeto da nova sede de Portimão não chegou a concretizar-se.

57 – Planta de implantação da Sede do Grémio dos industriais de conservas de peixe do sotavento algarvio. C.M.O.

58 – Planta de organização dos vários espaços Sede do Grémio dos industriais de conservas de peixe do sotavento algarvio. C.M.O.

59 – Alçados principal e posterior do edificio, Sede do Grémio dos industriais de conservas de peixe do sotavento algarvio. C.M.O.

60 – Alçados esquerdo e direito do edificio, Sede do Grémio dos industriais de conservas de peixe do sotavento algarvio. C.M.O.

61 – Corte A.B e C.D do edificio, Sede do Grémio dos industriais de conservas de peixe do sotavento algarvio. C.M.O.

3.2.9 ANTEPLANO GERAL DE URBANIZAÇÃO DA VILA DE OLHÃO DA RESTAURAÇÃO

Os primeiros planos urbanos municipais em Portugal derivam, na sua generalidade, do Decreto-Lei nº 33:921, de 5 de setembro de 1944. No entanto, em Olhão, o desencadear do processo para a planificação urbana não partiu da obrigação de cumprir a lei, mas sim da exposição dos problemas da vila, pelo seu presidente da Câmara ao Ministro da Obras Públicas, Duarte Pacheco. Este sugeriu então um plano de urbanização para solucionar os problemas. Esta é a informação que consta do Prefácio do “Plano Geral de Urbanização da Vila da Restauração de Olhão”, assinado pelo arquiteto responsável, João António Aguiar, a 7 de setembro de 1944.

Refere-se, ainda, que após a data em que lhe foi atribuída a tarefa de realizar um anteplano para a vila, este o realizou em trinta dias, tendo sido aprovado. Após a aprovação, o arquiteto deu continuidade ao trabalho para realizar um plano definitivo. Segundo estas informações, podemos assumir que o Anteplano de Olhão terá sido pioneiro (admitindo-se não ser caso único), tendo sido pedido antes da publicação do Decreto-lei e cuja versão final se encontrava disponível para aprovação a 7 de setembro do mesmo ano.

As principais preocupações no plano de Aguiar recaíam sobre os problemas de salubridade da vila, as condições de habitabilidade da população, a falta de espaços livres, a desorganização da indústria e a inexistência de um porto/doca para todas as atividades marítimas da vila.

A falta de uma rede de distribuição de água, eficiente e generalizada, em toda a vila criava diversos problemas de higiene, não só nas habitações mas, também, nas próprias ruas. A maioria dos habitantes recorria a poços com água insalubre e o depósito que existia e servia algumas casas, era insuficiente para fazer face ao problema. Quanto aos esgotos, a rede existente que remontava aos anos trinta, servia para as águas pluviais, à qual se tinham feito ligações para o desperdício doméstico. As casas que tinham esgotos representavam uma pequena percentagem da totalidade das habitações na vila. No que dizia respeito à iluminação, quase metade da vila já tinha iluminação elétrica, considerando António Aguiar uma situação razoável. Associado a estes problemas que em muito agravavam a salubridade da vila, estava a dimensão das ruas do centro da mesma e a falta de espaços livres nos quarteirões, principalmente nos bairros mais antigos. O mesmo acontecia por toda a vila, que  tinha apenas dois pequenos jardins sem qualquer outro espaço livre para uso público.

A origem de alguns destes problemas era atribuída à enorme densidade populacional, causada pela afluência para trabalhar na indústria de conserva de peixe. Importa mencionar que a vila sofria de flutuações de população, conforme o volume de trabalho na referida   indústria. A gravidade do problema traduzia-se nas 7.130 pessoas que não tinham casa, ou habitavam em locais sem quais quer condições, que surgiram da ilegalidade ou do aproveitamento das classes trabalhadoras. No elemento nº 21 da documentação do plano, estão identificados os “Núcleos Miseráveis”, entre eles o já referido bairro das “Barraquinhas”, de autoconstrução, com uma média de área coberta de 1m2 por habitante, a oeste, junto ao caminho de ferro; o Bairros da Barreta, Bairro do Moinho, Bairro do Manuel Lopes, Bairro do Gaibéu, parte do Bairro dos Sete Cotovelos, Bairro do Pelourinho e Bairro dos Arménios, assim como as habitações construídas nas extensão mais próxima destes bairros, que representavam o núcleo mais antigo da vila (Aguiar, 1944).

Documentados estão ainda espaços industriais que tinham sido adaptados como “habitações” que eram conhecidos como “ilhas”, imitando um fenómeno da habitação operária do Porto no início do mesmo século. No solo dos armazéns industriais, muitas vezes de terra, eram erguidos compartimentos de “tijolos ou caliço (calcário branco que se encontra na região e é utilizado na construção pobre)” (Aguiar, 1944), que se acediam por corredores  centrais. Estes compartimentos não tinham qualquer acesso a luz, água ou esgotos, sendo a ventilação e iluminação do espaço feita pela entrada (Aguiar, 1944).

62 – Planta de núcleos miseráveis, 1944. Anteplano de Olhão. UALG

65 – Planta de instalações industriais, 1944. Anteplano de Olhão. UALG

A descrição de uma “ilha” numa antiga fábrica de conservas, no Beco do Russo, entre  a Estada Nacional 125 e a Rua M. Martins Garrocho é, por si só, demonstrativa das parcas condições em que muitos habitantes da vila viviam.

“Nesta ilha vivem 24 famílias totalizando 90 pessoas! Encontra-se à entrada da vila, com frente para a E.N. 23-1ª. O corpo central encontra-se dividido em pequenos cubículos, com 2.50m de altura e sem portas interiores. Não tem qualquer forro ou cobertura, a não ser o telhado do armazém que serve de cobertura comum a todos eles. Devido à pequena altura das paredes divisórias, é fácil ver e ouvir o que se passa nos habitáculos vizinhos. A área coberta é de 500m2 e as rendas destes habitáculos eram dentre 25$00 a 35$00 mensais” (Aguiar, 1944, p.49).

Assim como a descrição do Beco da Baeta, na Rua Manuel de Oliveira Nobre nº22:

“É constituído por 14 moradias das mais miseráveis, sendo 3 de um só único compartimento  e as restantes de 2. As rendas mensais são respetivamente de 20$00 para as  primeiras e entre 30$00 e 40$00 para as segundas. Os compartimentos têm em média 5m2 cada um. Apesar da miséria das habitações, exige o senhorio que os inquilinos depositem nas suas mãos, no 1º mês a quantia de 200$00 e a renda de 2 meses” (Aguiar, 1944, p.49).

Estes são apenas dois exemplos das descrições que constam na memória descritiva, demonstrativas daquilo que se passavam noutros locais sinalizados pelos autores do plano: Rua Patrão Joaquim Lopes, Travessa do Gaibéo, Beco do Cavaleira, Bairro do Brás, Quinta do Galuppo (Galinheiros e Coelheiras) e Outro Quintal do Galuppo (adaptação de armazém).

As soluções apresentadas no plano de urbanização, para resolver os aspetos de insalubridade urbana, passavam pelo alargamento de algumas ruas, generalizar o acesso à água, luz e esgotos. Quanto à falta de espaço livre urbano, como a inexistência de pátios, quintais e outros em zonas já construídas, o plano propunha modificar, pouco a pouco, estes espaços até adquirirem o desafogo necessário. A criação de espaços como jardins, parques e novas avenidas arborizadas era, também, parte intrínseca do novo plano.

O grande ponto de discordância entre o autor do plano, a Câmara Municipal e as restantes entidades avaliadoras do mesmo, foi a proposta para os “Núcleos Miseráveis”. “Estas zonas ficarão isoladas pelas novas artérias, e subordinar-se-ão a normas regulamentares  especiais, que preveem a sua desvalorização. A saída dos atuais moradores destas zonas depende da construção de novos bairros. Contribuirá para a sua desvalorização, a proibição de reparar, restaurar ou reconstruir os edifícios ali existentes, sendo permitindo nos que se encontrem habitados, pequenas reparações sempre autorizadas a título precário. Fixa-se o prazo de 20 anos para a completa desvalorização desta zona, podendo então, se o município o entender, à sua urbanização” (Aguiar, 1944, p.113).

Como esta zona incluía os bairros históricos da vila, os pareceres das várias entidades foram negativos para esta intenção de desvalorização do centro de Olhão, destacando o valor das chaminés, açoteias e do conjunto arquitetónico único de “típicas características locais” (Aguiar, 1944). Foi proposto que a demolição de habitações pontuais, para o desafogo do conjunto, acesso a canalizações de água e esgotos, arranjo dos pavimentos e o controlo do número de famílias a viver sobre o mesmo teto, realizada de forma faseada e de acordo com as possibilidades, seria o suficiente para garantir as condições de salubridade necessárias aos bairros históricos. A necessidade de resolver o problema de falta de habitação, acessível à generalidade da população traduziu-se no espaço reservado para habitação no zonamento do anteplano (fig. 63). A “Zona Residencial Económica”, destacada a azul escuro, é a maior parcela desta planta, evidenciando a necessidade de habitação acessível neste período. Esta zona divide-se em duas: a zona do centro cívico, que se estende para noroeste onde já viviam a maioria dos operários e uma nova zona a nordeste, mais próxima da Zona Industrial (destacada a amarelo), onde seriam construídos um bairro económico e um bairro para os pescadores. A “Zona Residencial Geral”, destacada a azul claro, está afastada das zonas produtivas, mas próxima dos novos edifícios e espaços públicos.

Na planta de urbanização (fig. 64), é possível ver a zona histórica da vila esbatida, como uma zona a modificar, os vários espaços para novos equipamentos necessários à vila estão definidos, assim como as zonas para jardins e parques. Faz ainda, referência às zonas definidas para novos Bairros Económicos, estabelecendo, a memória descritiva, que os bairros operários ou de pescadores deveriam ser o mais próximo possível da zona industrial e portuária, respetivamente.

Duas alterações estruturais ainda não referidas, são o desvio da Estrada Nacional  125 para norte, no novo limite da vila, em Quelfes, e a modificação da linha do comboio a uma cota mais baixa em relação às estradas, para evitar passagens de nível, propondo ainda a deslocação da estação para Este e uma ligação férrea à nova zona portuária.

Junto ao antigo porto da vila, podemos ver a inclusão da nova Doca Pesca que era, já há muito, um desejo, mas também uma necessidade para a população piscatória da vila.

Olhão, ao contrário dos outros centros conserveiros, não tinha sofrido quaisquer obras portuárias desde a construção de um cais, pelo município, e do incentivo da regularização da frente da vila, por privados. As novas instalações incluíam construção naval, armazéns e oficinas de apoio, que iriam ajudar a organizar o setor. Por sua vez a localização da nova doca iria proteger as embarcações, oferecia mais espaço para os barcos, eficiência e rapidez para efetuar as cargas e descargas necessárias ao porto. A nova zona portuária foi orientada pela Direção Geral dos Serviços Hidráulicos e Elétricos, que deu o aval final para a sua construção em 1950, sendo necessário expropriar a fábrica de conservas de Júdice Fialho.

O novo arranjo portuário iria, também, beneficiar as condições da chegada de peixe à indústria conserveira, apesar desta se encontrar espalhada por todo o território de Olhão.

Para tentar solucionar o incómodo da laboração das várias indústrias de peixe junto às zonas de habitação, definia o plano, a zona a Este da nova doca como zona industrial, para a instalação de novas indústrias de pesca, pelo que as já instaladas deveriam desaparecer, pouco a pouco, incidindo sobre elas a proibição de reparação e manutenção das suas instalações.

Desta forma, transferir-se-ia, definitivamente, toda a indústria para a nova zona industrial, onde beneficiaria da proximidade ao porto e ao caminho de ferro.

Na figura 65, onde estão localizadas todas as instalações industriais da vila em 1944, é possível ter a perceção da dimensão industrial presente e da sua localização. A memória descritiva do plano indica, ainda, que estariam a funcionar 31 fábricas de conserva, 2 fábricas de guano, 21 estivas e 18 armazéns de salga.

63 – Planta de zonamento, 1944. Anteplano de Olhão. Arquivo Municipal de Olhão.

64 – Planta da proposta de urbanização, 1944. Anteplano de Olhão. UALG.

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3.2.10 HABITAÇÃO

A população de Olhão, a partir da chegada da indústria conserveira à Vila da Restauração, variou em função da economia da vila, que dependia da pesca e da indústria de conserva de peixe. Mas foi a partir da 1ª Guerra Mundial, com a especulação do número de indústrias na vila, que os problemas urbanos, habitacionais e de salubridade da vila atingiram uma dimensão que não podia ser ignorada. Se durante os períodos de falta de peixe prolongados, a população procurava trabalho fora da vila, nos períodos de maior trabalho, parte da força de trabalho provinha de vários ponto do país, obrigando a vila a receber uma significativa população flutuante, como aconteceu na 2ª Guerra Mundial, onde o número de fábricas não aumentou, por oposto à população da vila, que aumentou significativamente (Aguiar, 1944).

O aumento da população permanente da vila, associado à variação imprevisível de uma população operária flutuante, resultou numa sobre ocupação das habitações existentes, a criação de “ilhas”, descritas no anteplano de urbanização da vila, e ao surgimento de bairros de barracas, construído pelos proprietários com materiais derivados das indústrias locais, como o bairro das “Barraquinhas”. Os industriais mais endinheirados construíram habitações  para alguns dos seus trabalhadores, como as habitações da Saias Irmãos & Cª, Lda e da Gio Batta Trabucco, lda ou, ainda, as casas construídas no quintalão de Manuel Ventura Frade (A.M.O.). Estas iniciativas eram insuficientes para o número de trabalhadores existentes na vila, sendo que muitas vezes não apresentavam as melhores condições devido ao baixo custo de construção, e albergavam, em espaços pequenos, famílias numerosas ou múltiplas famílias na mesma habitação. Existe, ainda, o caso dos “conventos”, casas de habitação, alugadas ou pertencentes a industriais para alojar mulheres que trabalhavam nas suas fábricas,  provenientes do campo, de outros pontos do país, ou sem alojamento próprio em Olhão.

Eram assim conhecidos pelas similaridades entre as trabalhadoras que saíam de lenço branco na cabeça e as freiras dos conventos. Ficaram assim conhecidos estes locais, entre a população de Olhão, existindo hoje um hotel chamado “Convento”, que se pensa ter sido  um dos locais habitado por mulheres da indústria conserveira, havendo ainda notícia de ter existido outro na Rua Almirante Reis. Esta prática deve-se ao facto da maioria da força de trabalho da indústria de conservas ser feminina e a pretensão de evitar a mistura de homens e mulheres no mesmo espaço por questões morais. Desconhece-se quando surgiu esta forma de alojamento da população operária, mas o costume perdurou. A empresa Conserveira do Sul, lda “alugou em Olhão quatro casas para albergar as raparigas e mulheres de Quarteira, que não conseguiam arranjar alojamento, na vila e trabalhavam na fabrica” (Villares, 1997, p.69). Neste exemplo, posterior a 1955, seriam já habitações com outro tipo de condições de habitabilidade, estando o “convento” identificado no centro de Olhão, inserido na zona de “núcleos miseráveis”, identificados no anteplano de António Aguiar.

Podemos, assim, afirmar que o Bairro Lucas & Ventura, em 1925, surge como uma exceção de iniciativa de um proprietário industrial, no que diz respeito às questões de habitabilidade e salubridade, comparando com a realidade do seu tempo.

Em 1938, a inauguração do Bairro de casas económicas do CPCP surge como a primeira iniciativa estatal e como exemplo da ideologia de habitação do Estado Novo. Este abrindo caminho a novas iniciativas na Vila de Olhão, que necessitava de mais habitações para a população trabalhadora, por forma a resolver os seus problemas de salubridade, sobrelotação e bairros ilegais. Nos anos seguintes, surgiram três novos bairros: o Bairro  da Horta da Cavalinha de casas económicas, em 1945-1950; o Bairro dos Pescadores, em 1945-1949 e o Bairro de casas para as classes Pobres, em 1946-1949 (Nobre, 1984).

66 – Resumo da localização de habitações para as classes trabalhadoras e de “Núcleos Miseráveis”, em Olhão. Elaborado pelo autor.

3.2.11 BAIRRO DA HORTA DA CAVALINHA DE CASAS ECONÓMICAS EM 1945-50 [BAIRRO ENGENHEIRO DUARTE PACHECO]

No ano seguinte à aprovação do Plano de Urbanização da Vila de Olhão, o município sabendo do problema da falta de habitação da vila e aproveitando as áreas previstas no mesmo para novos bairros económicos, pediu assistência à DGEMN para construção de um novo bairro de 100 fogos.

O projeto do novo bairro, localizado a Nordeste da vila, na Horta da Cavalinha, ficou entregue a Eugénio Correia, em 1945, que poderia dar seguimento ao seu trabalho em Olhão, depois do Bairro de Casas Económicas do CPCP, em 1936. O arquiteto manteve os traços do primeiro bairro, bem como as características icónicas, incluindo as açoteias com platibanda e as escadas exteriores com uma passagem em arco, assim como a intenção de oferecer espaços ajardinados no exterior da habitação. Diferente do anterior era a introdução de fogos com dois pisos, que eram caracterizados por uma pérgula na entrada da habitação, e o esquema de ruas, obedeceu ao previsto no Plano Geral de Urbanização da vila. O bairro ficou concluído em 1950. Assim como todas as construções dos programas de Casas Económicas, tinham de ser, obrigatoriamente, de baixo custo, com matérias e técnicas regionais (Agarez, 2016; Arquivo UALG).

67 – Postal do Bairro de Casas Económicas da Cavalinha. Agarez, 2016, p.157

68 – Planta de Urbanização do conjunto de 100 casas económicas em Olhão. Redesenhado pelo autor com base em Carvalho (2013).

3.2.12 BAIRRO DE CASAS ECONÓMICAS PARA PESCADORES EM 1945-49

Devido falta de habitação sentida em todo o país, surge uma iniciativa conjunta do Estado, através do gabinete da Direção Geral dos Serviços de Urbanização, com a Junta Central das Casas dos Pescadores, para a construção de Bairros de Casas Económicas nos principais centros piscatórios, sendo, no caso do Algarve, Portimão e Olhão, assim como nas suas vilas satélite, Ferragudo e Fuseta (Agarez, 2013).

O bairro localizava-se a Noroeste da vila, onde tinha lugar reservado no Plano de Urbanização, a Norte da nova zona portuária e industrial da vila, para permitir uma proximidade entre habitação e local de trabalho, para os seus habitantes. Parte dos arruamentos e outras características tiveram de obedecer as diretivas já definidas no plano (Arquivo UALG).

O arquiteto responsável foi Inácio Peres Fernandes – tal como para os outros três bairros de pescadores do Algarve. Encarregue de desenhar um enorme bairro em Olhão, projeta, em 1945, a instalação de 2480 famílias em 1240 habitações, apoiadas por uma igreja, escolas, Casa dos Pescadores e zonas de comércio. No entanto, foram construídas apenas 120 habitações, com quatro tipologias, que variam entre um e três pisos. Partilhavam, nos seus traços gerais, características com os bairros de Portimão e Ferragudo, diferenciando-se pelas açoteias com platibanda, chaminés de inspiração mourisca e pelas escadas em arco que marcavam a entrada das habitações – o que levou à confusão com o Bairro Municipal de Carlos Ramos, que nunca foi construído (Agarez, 2013; Arquivo UALG).

69 – Bairro dos Pescadores – Casas Económicas – em Olhão. Autor Desconhecido

70 – Bairro de Casas para Pescadores, desenhada por Inácio Peres Fernandes, 1945. Agarez, 2013 In Monumentos 33, p.158

71 – Planta de urbanização do Bairro de Casas para Pescadores em Olhão. Agarez, 2013 in Revista Monumentos 33 p.157.

3.2.13 BAIRRO DE CASAS PARA AS CLASSES POBRES

O “Bairro 28 de Setembro” surge através do Decreto-Lei nº 34.486, que propunha a construção de 5000 casas para famílias pobres, por todo o país. As habitações destinavam-se à população que não tinha acesso às “Casas Económicas”, aos habitantes de bairros de lata, como o bairro “Barraquinhas” em Olhão, àqueles que teriam sido desalojados por trabalhos de urbanização ou de interesse público, onde se inserem os afetados pela demolição de algumas casas no centro de Olhão, no cumprimento do anteplano. No caso específico de Olhão, era destinado a toda a população que vivia em habitações sobrelotadas ou insalubres, como acontecia nas “ilhas” e outros locais já referidos (Tavares & Duarte, 2018).

O projeto foi entregue aos arquitetos António Gomez Egea e Luís Guedes, e foi aprovado em 1946, ano do início da construção do bairro. Este constitui-se por 300 habitações térreas, 60 do tipo A e 240 do tipo B mas, no conceito original, estavam previstos três tipos de habitações: tipo A, com dois quartos, tipo B, com três quartos e o tipo C, com quatros quartos.

Este último representava 10% das habitações – 30 fogos -, não passando do formato de papel devido aos custos, (por ser de dois pisos), tendo sido substituído por casas do tipo B. Outra alteração ao projeto inicial foi a inclusão de chaminés “Balão”, por pedido Câmara Municipal, cumprindo, assim, o bairro o uso de elementos regionais, sendo que já incluía desde o projeto inicial as açoteias com platibanda e outros elementos regionais, de inspiração retirada do trabalho de Eugénio Correia (Agarez, 2016; Arquivo UALG).

O bairro localizava-se a Noroeste da vila, junto ao Bairro de Casas Económicas do CPCP (1938). Na planta de implantação (fig. 74), podemos ver as habitações já existentes do “Bairro Operário”, bem como a implantação do novo bairro em forma de losango, definida por estradas. Os arruamentos eram arborizados, pelo que o espaço livre entre habitações e disponível em todo o bairro fazia grande contraste com centro da vila, cuja densidade era de 180 habitantes por hectare. No cruzamento viário a sul existia, na proposta, uma zona destinada ao comércio com edifícios a ocupar os limites dessa zona, abrindo uma praça para o bairro. Nesta seria, mais tarde, construído, o edifício da Santa Casa da Misericórdia.

Ao longo da estada municipal, que segue em direção a Estoi, estavam previstos edifícios de habitação coletiva, que também nunca foram concretizados. O único equipamento de apoio ao bairro que foi construído foi o edifício escolar previsto no lado oeste do mesmo, tendo o projeto sido adaptado às características regionais por Inácio Peres Fernandes, mais uma vez a pedido da Câmara Municipal.

O bairro foi oficialmente concluído em fevereiro 1949 e inaugurado, apenas, em 1951, provavelmente devido a trabalhos de impermeabilização, pequenas reparações, caiação e pinturas efetuados depois de 1949 e, ainda, pelo facto de em 1950, das 300 habitações apenas 25 disporem de água canalizada e acesso à rede elétrica. Outras 4 tinham apenas acesso a água e mais 45 dispunham apenas de eletricidade, isto é, 226 habitações ainda não tinham acesso a qualquer rede pública.

72 – Alçado tipo A, do Bairro para Classes Pobres de Olhão. Arquivo da DGSU da UALG

73 – Alçados tipo B e tipo C – não construído-, do Bairro para Classes Pobres de Olhão. Arquivo da DGSU da UALG

74 – Planta de implantação do Bairro para as Classes Pobres em Olhão. Arquivo da DGSU da UALG

3.2.14 CRONOLOGIA INDUSTRIAL

A indústria conserveira em Olhão surge em 1882, com os Ètablissements F. Delory (1), conhecida como a “Fábrica Velha”, situada no porto da vila. Seguiram-se fábricas de Arthur Alèno Père e Alberto L. Verdeau Freire & Cª – referida no inquérito de 1890 -, que estão entre as primeiras a laborar em Olhão, mas para as quais se desconhece a localização, que provavelmente ocuparia espaço próximos ao porto da vila, na Avenida 5 de Outubro ou a norte da “Fábrica Velha” onde se formou uma zona industrial (Nobre, 1984; Inquérito Industrial de 1890).

Ainda no século XIX, temos a empresa de João António Pacheco (2), localizado junto ao Bairro da Majuca, no limite da vila, em 1893, e a Gio Batta Trabucco, lda (3), localizada no lado oposto, junto da vila, na zona das Prainhas, também no limite construído da vila, em 1896 (Rodrigues, 1997; Aguiar, 1944).

Em 1906, Ataíde Oliveira refere as seguintes fábricas: Miguel Migone, na Rua de D. Carlos (atual Avenida 5 de Outubro), Feu & Hermanos, na Rua de D. Carlos, Manuel António Soares (4), na Rua de D. Carlos, Christina & Quintas (5), na Rua de S. Bartholomeu, Carlo Ilari, na Praia do Levante e João Viana Cabrita, na Rua das Lavadeiras (Oliveira, 1906; Cativo, 2001).

Antes da 1ª Guerra Mundial temos, Honrado & Honrado, Lda (6), Sociedade de Conservas Algarve, Lda, de localização desconhecia, que terá sido fundada em 1906, segundo o anúncio no Jornal Europa de 1924; Nicolló Lazarra (7), Ramirez & Cª, lda (8), Augusto Bruno (9), Quinta, lda (10), Saias Irmãos & Cª, Lda (11), Judice Fialho & Cª,Lda (12) e Guerreiro & Cª, lda (13).

As fábricas deste período reforçaram os núcleos de fábricas existentes, com a exceção de Nicolló Lazarra, localizada numa zona rural neste período, a fábrica de Júdice Fialho que se localiza depois da zona pantanosa da Praia do Levante, e a Saias Irmãos & Cª, Lda que se iria fixar junto à, hoje, Estrada Nacional 125.

Durante o primeiro conflito mundial, a especulação, devido à demanda por pelos produtos conservados, iria despontar inúmeras fábricas na vila, até à escassez de peixe em 1925: Baganha, Correia & Cª. Lda (14), Conservas Unitas, Lda (15), União Industrial de Conservas, lda (16), Domingos Lourenço Baêta (17), Figueira & Cª, lda (18), J. Reis Silva, lda (19), Aliança Fabril, Lda (20) e Francisco Alves, Lda (2), Sardinha do Algarve, lda (21), Sociedade de Conservas “Madrugada”, lda (22), J. M. Cabeçadas & Cª que, segundo Luciano Cativo, teve fábrica na Avenida 5 de Outubro e posteriormente, na documentação da 5ª Circunscrição, está identificada como fábrica de guano na Estrada Nacional 125; Sociedade de Pescarias e Conservas, lda, também identificada como fábrica de guano na 5ª Circunscrição Industrial, assim como a Parceria Industrial de Conservas, lda (5), Empresa de Conservas Nereida, Lda (23), Gian Battista Parodi (24), Lucas & Ventura, lda (25), J. P. Leonardo, lda (26), Henrique & Cª, lda (4), Marques, Vaz Velho & Caiado ,lda (27), Martins Baptista & Cª, Lda (28), Mendonça, Loureiro & Almodôver, Lda (29), J. N. Pité, Lda (30), Anglo-Lusa, Lda, no Bairro da Majuca, com Alvará de 1923, Sociedade Comercial Farense no sitio das Prainhas, Torres & Sousa, Lda (32), Manuel de Jesus Santos (33), Francisco Lourenço Castelo, na Estrada Nacional 125, com alvará de 1923, Artur Honrado, em Brancanes, com alvará de 1923, Mascarenhas, Carmo & Cª Lda (34), Empresa de Conservas Anglo-Hispano-Portuguesa, Lda (35), Feleciano A. Pereira (36) e Tomé, Lda (38), Com anúncio no Jornal Europa de 1924, a Pecheco & Larião, Lda, Fábrica de conservas de Brito & Madeira, lda, Rodrigues & Cunha, Lda e a “A Salvadora”, Lda (37). As empresas deste período laboraram por toda a vila, ocupando instalações de antigas empresas, funcionando em pequenos espaços e até em prédios no centro da vila como é o caso da fábrica de Manuel Jesus dos Santos. Outras instalaram-se para lá da linha de caminho de ferro, ocupando novos espaços, sempre junto das principais estradas da vila e da ferrovia, formando, a noroeste, um núcleo entre o caminho de ferro e a Estrada Nacional 125.

Após esta data, a falta de peixe e a crise mundial vão impedir que surja um grande número de novas fábricas e com o Estado Novo, a regulamentação da indústria vai fixar o número de fábricas em cerca de trinta e sete, coexistindo a venda e revenda dos alvarás:

José António Vieira, registada como fábrica de guano na 5ª Circunscrição, Santos Simões & Cª, Lda, que apenas se sabe que funcionava em 1936, na Rua nº3 da Av. Dr. Bernardino da Silva; Romão Artur Gonçalves e João Aires de Mendonça, registadas como fábricas de guano, Martins & Pereira, lda (39), Soares & Viegas, lda (40), Lazaro & Cª, Lda (41), Sociedade Exportadora, Lda, na Avenida 5 de Outubro, com alvará de 1931, a Empresa Mercantil  de Pesca, Lda (42), Vasconcelos & Guerreiro, lda (43), José de Aragão Barros & Cª, lda, de localização desconhecida, apenas se sabe que estaria a laborar em 1932; Sociedade de Conservas “Belo Monte”, lda (44); Francisco Adraga, terá começado a funcionar em 1934, desconhece-se a localização, Giuseppe Galupo fu Carlo Estrada Nacional 125 , nº de porta 159, seria portanto fora de Olhão, Lacasta, lda (20), Sociedade Comercial Algarve, Ltd (27), Centro Industrial e Comercial de Conservas, lda (28), João Henrique da Cruz Sobrinho, localização desconhecida, em laboração em 1940, José Correia Pontes, lda (9), Conservas Belamar, lda (25), Carlo Ilari (7), C. M. Viegas Junior, lda (45), Manuel Ventura Frade (27), José António Ritta (2), Produtora Nacional de Conservas, Lda (28), Francisco José dos Santos Carapucinha (27), Lourenço Mendonça, funcionou em 195, instalado na E.N. 125, Irmãos  Serrano, Limitada, em 1952 na Rua Almirante Reis, Conserveira do sul, Lda (1), João Cruz Gargalo, Herdeiro, Lda (30), Sociedade de Conservas Luso-América (9), Cruz & Afonso (irmãos), Lda (46), Salvatore Cocco (9), Oliveiros de Sousa Cristina (27), António & Henrique Serrano, Lda (46), José de Aragão Barros e António Valentim (41) e Conservas Renato, Ltd (24).

Outros, cujo período de laboração se desconhece, tal como: Joaquim Belchior, Dora – Fábrica Exportadora de Conservas, Lda, Pedro Netto Madeiro, na Praça João de Deus nº86/90.

Numa fase posterior, surge a mudança de algumas fábricas da vila para o novo espaço industrial, definido pelo anteplano. São exemplo a Francisco José dos Santos Carapucinha (47) e Conserveira do Sul (48).

As fábricas foram localizando-se nos locais disponíveis e mais ajustados às suas necessidades. Numa primeira fase, o mais próximo do porto junto à avenida 5 de Outubro, sendo que depois, devido ao tamanho das instalações, procuraram os locais limite da malha urbana, sendo os dois primeiros locais a sul; o núcleo do moinho do levante e o núcleo das Prainhas. De seguida, com a 1ª Guerra Mundial, existiu uma difusão das indústrias por toda a cidade sem restrição de zonas industriais definidas. Existe, para este período, pouca informação devido ao parco controlo da atividade, e à ausência de registo obrigatório. Contudo podemos afirmar que as instalações que sobreviveram à crise pós-guerra, se localizaram nos limites da cidade, densificando os núcleos já referidos ou fixando-se tendencialmente ao longo das estradas que saiam da vila. Surge, então, um núcleo a noroeste, a cima da linha de caminho de ferro, onde se densificou a presença de instalações de atividade industrial. Após este período de crescimento, existiu uma estabilidade no número de fábricas, mas os alvarás eram vendidos e revendidos, funcionando na mesma localização ao longo do tempo, várias empresas. À medida que a indústria perdia o seu ímpeto, sobraram apenas as empresas melhor equipadas e que souberam fazer melhor gestão dos seus recursos, sendo que ainda hoje funcionam empresas de conservas em Olhão, embora a indústria tenha evoluído e a produção se faça de outros produtos, que não a clássica conserva de sardinha em molhos.

As fábricas em Olhão acabaram por se dispersar pelo território mas, ainda assim, é possível identificar algumas zonas de maior concentração de fábricas. A zona a que chamamos Núcleo Sul Moinho do Levante, era uma verdadeira zona industrial não pelas fábricas de conserva mas, também, por ali existiram vários armazéns de salmoura e outras atividades;

no lado oposto, o Núcleo Sul da Prainhas, era uma zona de menos concentração fabril que a anterior, mas além das fábricas de conserva, foi neste local onde se fixaram fábricas de guano, salmoura e onde surgem habitações de operários e o bairro de lata “Barraquinhas”.

Estes dois núcleos foram os primeiros a ter expressão na vila. Estavam inseridos em zonas pantanosas que foram sendo aterradas e que estavam sujeitas a alagar em algumas épocas do ano, o que pode explicar a desvalorização dos terrenos e o surgimento de edifícios industriais nestas zonas.

A partir da 1ª Guerra Mundial forma-se o núcleo mais numeroso em fábricas conserveiras, o Núcleo Noroeste. Neste várias fábricas inseriram-se ocupando os espaços expectantes de uma vila em crescimento urbano. Ali localizaram-se, ainda, habitações operárias como o Bairro Lucas & Ventura, armazéns de salga entre outras atividades. Todas as outras fábricas detinham a sua localização em vários locais da vila, fixando-se tendencialmente junto às estradas principais que ligavam à vila de Olhão, junto à Estrada Nacional 125 e junto à linha de caminho de ferro.

A planta de resumo da localização das instalações em estudo resulta da recolha efetuada neste trabalho, de elementos gráficos, escritos e orais sobre a cidade de Olhão. A destacar entre estes, a planta de trabalho do anteplano de António Aguiar que localiza uma série de edifícios fabris (que estariam em ruína), e os seus proprietários, sendo o único levantamento gráfico da localização das várias fábricas da indústria conserveira de Olhão.

3.2.15 OLHÃO: DA INDUSTRIALIZAÇÃO À PROBLEMÁTICA URBANA

A chegada da industrialização ao litoral do Algarve, através da indústria das conservas de peixe, operou enormes mudanças no território de Olhão. O crescimento populacional acelerado, a demanda de peixe e todas as estruturas necessárias para corresponder às exigências da época, levaram a um crescimento desorganizado, tornando Olhão numa vila piscatória industrial.

A influência da indústria conserveira começa ainda no século XIX, com o surgimento das primeiras fábricas junto ao porto, que ajudaram a definir a frente da vila e desde logo aceleraram o ritmo económico da vila. No entanto as grandes mudanças iniciam-se a partir da 1ª Guerra Mundial, com Olhão a ultrapassar os restantes centros conserveiros do Algarve, e mantendo essa posição de destaque até ao declino da indústria uma posição de destaque.

É no período entre 1914 e 1925 que se registaram o maior número de fábricas em funcionamento simultâneo, ainda que faltem dados para este período. Foi possível identificar cerca de quatro dezenas de fábricas de conservas de peixe em molhos, um número que ultrapassa os registos para o período em estudo. Fica claro que, em Olhão, a especulação da venda de conservas, disseminou fábricas por toda a vila, em diversas condições, desde grandes a pequenas instalações, que se localizaram em terrenos de menor valor, junto a zonas alagadiças, até às fábricas instaladas em vários pisos de edifícios, no centro urbano.

A elevada produção que se registou na vila atraiu uma população trabalhadora, não só das zonas rurais mais próximas, como de vários pontos do país criando, não só, uma enorme pressão na oferta de habitação e no consequente crescimento urbano da vila, como também criando uma população flutuante que se instalava na vila apenas nas épocas de maior produção. A necessidade de abrigar uma grande população originou graves problemas na salubridade da vila, pois não era só a população operária que ia aumentando, mas também a que praticava a pesca, verificando-se uma sobrelotação nos bairros mais antigos, bem como, a criação de bairros de lata, construídos com restos de materiais industriais e na ilegalidade. Os próprios industriais teriam conhecimento da dificuldade em alojar a população trabalhadora, construindo por vezes algumas casas para os seus trabalhadores ou pequenos bairros. Contudo, existiram aqueles que se aproveitavam da falta de soluções e capacidade financeira da população trabalhadora, alugando espaços que não se podem considerar casas, numa disposição estrutural idêntica às “ilhas” já estudadas na região norte do país, ou em outros espaços insalubres e sem quaisquer condições.

A resposta a este problema, causado pela indústria conserveira, surge com a construção de bairros financiados, parcialmente, pelo Estado, através dos programas públicos de habitação. O Bairro do Consórcio Português de Conservas de Peixe, é um exemplo da necessidade de resposta ao problema de Olhão, tendo este sido o único bairro projetado de raiz, comparticipado pelo consórcio no Algarve (sendo que o de Portimão tem a sua construção iniciada por Cayetano Feu e só depois é finalizado pelo Estado). Seguiram-se o Bairro da Cavalinha e o Bairro dos Pescadores, todos eles no programa de “Casas Económicas”, tendo o bairro dirigido aos pescadores ficado aquém do seu projeto. Será o Bairro de Casas para as Classes Pobres a ter maior impacto no problema da vila, pela sua dimensão e por ser acessível à população que não estava abrangida ou não tinha capacidade financeira para habitar os outros bairros. Um dado não menos importante é o facto da imagem de todos os bairros ter sido adaptada às características locais, ou por vontade dos arquitetos que se inspiraram nas características do centro da vila ou, ainda, por pedido da Câmara Municipal, procedendo-se a adaptação de projetos base, desenhados em Lisboa e aplicados em vários locais do país, mas que assumiram uma adaptação regional em Olhão.

A indústria conserveira assumiu uma enorme importância na vila, não só pelo surgimento dos edifícios fabris, mas por ser responsável pela expansão da malha urbana da cidade, que crescia à medida que o número de fábricas e habitações se multiplicavam no território. Um fator importante é o anteplano de João António de Aguiar, apesar de ter sido o primeiro a ser aprovado dos centros em estudo. A indústria conserveira mantinha a sua importância nesse período, perspetivando-se a criação de uma zona industrial junto à doca pesca. A doca pesca vem trazer novas condições ao porto da vila, que se dispunha de condições naturais, tendo prosperado sem grandes intervenções, ao contrário de outros centros conserveiros, com exceção de dragagens referidas por alguns autores para manter a ria navegável. Esta é a primeira grande intervenção estrutural no porto de Olhão, e é em redor deste espaço que se vão manter fábricas de conserva a funcionar, até ao século XXI.

Como nota final, importa referir ainda que Olhão, ao contrário dos outros centros conserveiros, não apresenta preocupações com o turismo no seu anteplano, talvez pela insalubridade do seu centro, pela falta de praias ou até pela quantidade de instalações industriais que ainda laboravam na vila em 1944 a 1950. Olhão perspetiva-se “apenas” como uma vila industrial e piscatória, não procurando apelar ao turismo.

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