A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: HABITAÇÃO OPERÁRIA E INICIATIVAS ESTATAIS EM PORTUGAL (4)

Armando Filipe da Costa Amaro

2. HABITAÇÃO OPERÁRIA E INICIATIVAS ESTATAIS EM PORTUGAL 26

2.1 Industrialização (1850 a 1900) 26

2.2 Consolidação e expansão da indústria (1900 a 1930) 27

2.3 O Estado Novo e o corporativismo (1930 a 1950) 29

2.4 Da industrialização às políticas de habitação (Resumo) 31

2. HABITAÇÃO OPERÁRIA E INICIATIVAS ESTATAIS EM PORTUGAL

Na segunda metade do século XIX, Portugal inicia um longo processo de industrialização, cujo o consequente crescimento urbano e populacional provocou um conjunto de problemas nas cidades e nos pequenos núcleos urbanos, problemas para os quais estes não estavam preparados. Uma das causas do crescimento exacerbado foi o êxodo rural. A instalação de fábricas nos núcleos urbanos levou à movimentação e crescimento da população para e dentro desses (75% de 1864 a 1900). Perante tais alterações, a habitação começou a escassear, principalmente para as classes sociais mais pobres, devido ao reduzido salário que o trabalho operário concedia, sendo que “(…) cerca de quatro quintos do seu salário em alimentação” (Teixeira, 1992, p.67), deixando apenas uma pequena parte para restantes gastos, incluindo a renda de uma casa (Teixeira, 1992). Este panorama, criado pela industrialização, levaria ao surgimento de novas tipologias de habitação precária, com rendas baixas e, na maioria dos casos, de iniciativa privada.

Lisboa e Porto, sendo, já na altura, os principais centros urbanos, foram os primeiros a experienciar estes problemas e, por conseguinte, os primeiros a estudar potenciais soluções.

Paralelamente, Setúbal – núcleo conserveiro, de menor dimensão urbana -, irá também sentir o impacto da industrialização das atividades piscatórias, permitindo estabelecer um ponto de comparação face aos casos de estudo no Algarve, sobre os quais este trabalho incide (Teixeira, 1992; Guimarães, 1994).

2.1 Industrialização (1850 a 1900)

No século XIX, como consequência do êxodo rural, Lisboa e Porto registaram um aumento de “perto de um terço da população” (Teixeira, 1992, p.65), devido às novas indústrias que nestas cidades se instalaram. Devido ao crescimento populacional urbano, a ocupação das habitações de baixo custo foi praticamente imediata, o que rapidamente conduziu à sobreocupação das habitações existentes e à ocupação de espaços livres na malha urbana (quintais e pátios) por construções precárias, tornando-se estas as soluções mais comuns neste período. Lisboa e Porto sentiram uma ocupação mais gradual ao longo do século, com maior dimensão a partir da segunda metade, ao contrário de Setúbal, vila piscatória, que sofreu um crescimento mais acentuado e repentino a partir de 1880, com o surgimento de várias fábricas da indústria conserveira (Teixeira, 1992; Guimarães, 1994).

No Porto, a sobreocupação de edifícios antigos fez-se sentir no início do século XX, mas devido à crescente procura de habitação por parte das classes mais pobres, a partir de 1850, surgem as “ilhas”. Esta nova tipologia consistia em casas de piso térreo, em fila e de pequenas dimensões (c. 16m2), construídas nos quintais de “antigas habitações burguesas” (Teixeira, 1992, p.67). O acesso era feito pela rua principal, através de uma passagem ou corredor estreito, que dava acesso ao interior do quintal ou quarteirão. As soluções sanitárias eram partilhadas por todas as construções e a inexistência de abastecimento de água era comum nestas casas (Teixeira, 1992). Esta solução construtiva teve maior expressão junto às zonas industriais, mas era igualmente utilizada por toda a população mais desfavorecida, e não apenas pelo operariado. Prova dessa realidade será a representatividade desta tipologia, que englobava “65,5% do volume total de construções no Porto entre 1864 e 1900” (Teixeira, 1992, p.68).

Em Lisboa, a ocupação de edifícios antigos foi, também, uma realidade no início do século, principalmente nos bairros populares da cidade junto as zonas industriais. Na segunda metade do século XIX, os “pátios” tornam-se na principal solução habitacional para as classes mais pobres. Estes constituíam-se como espaços regulares, situados no interior de quarteirões, com casas de pequenas dimensões construídas viradas para um espaço vazio, partilhado pelas várias casas, em alguns casos relativamente espaçoso, enquanto que noutros apresentava-se estreito (Teixeira, 1992). Ao contrário do Porto, na capital surgem outras duas soluções devido à melhoria económica das classes baixas, através do aumento dos salários. As “vilas”, com origem na estrutura dos “pátios”, começam a construir-se em 1870. Consistiam em grupos de casas construídas em redor de uma rua privada ou outro espaço comum e representavam uma melhoria na qualidade habitacional das populações mais pobres. Estas eram construções mais integradas na cidade, com carácter mais urbano, evoluindo para pequenos bairros. Em 1880, os edifícios de habitação coletiva tornam-se também uma solução para as classes mais pobres e para a classe média-baixa, surgindo junto das zonas industriais ou em novas zonas de expansão da cidade (Teixeira, 1992).

No que respeita a iniciativas por parte dos industriais ou filantrópicas, em Lisboa são construídas cerca de 200 habitações, e no Porto cerca de 120, num período compreendido entre 1890 e 1900 (Teixeira, 1992). As “colónias operárias”, como eram conhecidas no Porto, proporcionavam melhores condições habitacionais comparativamente às “ilhas”, mas estas construções tinham como objetivo premiar os melhores trabalhadores, mais do que melhorar a vida da classe operária. Estas construções, muitas vezes, tinham rendas que iam para além das possibilidades do trabalhador comum, sendo ocupadas por famílias com mais posses (Teixeira, 1992, p.72).

As grandes cidades não foram as únicas que tiveram que procurar soluções para a industrialização.

Em Setúbal, vila piscatória, a evolução urbana andou a par com as indústrias do mar. A sua população quase duplicou, de 1890 a 1911, chegando aos 30.000 habitantes, devido à forte atividade piscatória e às fábricas de conservas, que só elas empregavam mais de 5.500 trabalhadores. Este crescimento urbano súbito levou à sobreocupação dos “bairros tradicionais”, tendo como resultado ruas mais estreitas, a utilização de sótãos e caves como habitação, tornando estes conjuntos insalubres (Guimarães, 1994). Outra solução para a população operária recairia sobre as habitações que, muitas vezes, eram para o mestre da fábrica ou outros trabalhadores, que auferiam melhores salários, ou os bairros construídos pelos industriais, como é o exemplo do Bairro Baptista. Construído no final do século XIX,  fora do centro urbano, tinha o objetivo de alojar os trabalhadores da indústria de conserveira, mas devido ao preço das rendas, posteriormente, deixou de ser acessível as classes mais pobres (Guimarães, 1994).

Assim como em Setúbal, é assinalável o crescimento urbano a partir de 1890 nos centros conserveiros do Algarve. O processo de industrialização nos centros algarvios foi mais lento, adiando assim os problemas urbanos verificados em outras cidades industrializadas.

Ainda assim, é possível fazer uma comparação de Setúbal com Portimão e Olhão, onde também se verificou a sobrelotação dos fogos existentes e onde existiram bairros de iniciativa industrial, mas apenas no século XX.

Neste período inicial da industrialização, a sobreocupação das habitações existentes foi a consequência comum do aumento da população urbana. As “ilhas” tiveram maior impacto no Porto, sendo construídas em maior número por comparação com os “pátios” em Lisboa, tendo em conta que a população na cidade mais a norte era metade da de Lisboa e ainda assim tinham uma percentagem maior dessa população a habitar nestas tipologias (Teixeira, 1992). O facto de não terem surgido outras soluções habitacionais para a classe mais pobre deveu-se sobretudo por duas razões: seria a classe média-baixa a principal promotora destas construções, que por vezes até nos seus próprios quintais construía, que tinha um capital reduzido impedindo outro tipo de construção; e a razão mais relevante é o facto de mesmo que tivessem surgido outras formas de habitação como os blocos de habitação e outros as rendas seriam mais elevadas o que não estava ao alcance da classe trabalhadora (Teixeira, 1992).

2.2 Consolidação e expansão da Indústria (1900 a 1930)

No início do século XX, a classe trabalhadora de Lisboa vivia, na sua maioria, em prédios de habitação coletiva e apartamentos. Estas novas formas de habitação tinham significado uma melhoria nas condições de vida e assumiam um carácter mais urbano que os “pátios”. Em contraste, no Porto, as “ilhas” continuavam a ser a opção mais comum. Esta diferença na evolução das tipologias construídas nas diferentes cidades deveu-se sobretudo ao desenvolvimento económico de cada uma delas (Teixeira, 1992).

Em 1910, no mesmo ano que se estabeleceu a 1º República, a Câmara Municipal do Porto tem a iniciativa da construção de quatro bairros para as classes trabalhadoras, sendo estes os primeiros bairros municipais em Portugal. Os bairros eram compostos por quatro conjuntos de habitações agrupadas, de um ou dois pisos, cada habitação com o seu jardim privado. Foram construídas no total 312 casas, um número relativamente reduzido, comparando com o número de habitações nas “ilhas” que chegavam às 12 000 em 1909 e “os milhares de casas sobreocupadas por toda a cidade” do Porto (Teixeira, 1992 p.76). Em Lisboa, o município não teve qualquer tipo de iniciativa para a construção de habitações camarárias, e as habitações das classes operárias distribuíam-se pelos “pátios”, em pequenos prédios de habitação e por barracas, que começavam a surgir (Teixeira, 1992).

Por iniciativa estatal, em 1918, um decreto de lei vem permitir melhores condições para o financiamento para a construção de habitação das classes mais pobres e definia uma renda controlada para que fosse realmente acessível. Estes bairros eram compostos por habitação unifamiliar e por blocos de habitação, revertendo a política do século XIX de construção de zonas de habitação na periferia e integrando esta população na vida da cidade.

Foram edificados dois bairros em Lisboa (733 fogos) e um no Porto (100 fogos), construídos pelo Ministério do Trabalho (Teixeira, 1992). Esta foi a primeira iniciativa, por parte do Estado, que promoveu a construção de habitações económicas, incentivando a construção de iniciativa privada e, ao contrário das iniciativas que lhe iriam suceder, não tinha um critério de atribuição, sendo que este se destinava a toda a população com baixos rendimentos (Agarez, 2020).

Em Setúbal, no início do século XX, relatava-se a perda de qualidade dos espaços públicos da cidade. Tal situação devia-se a sobrepopulação urbana e às fábricas espalhadas pela cidade, que a tornavam insalubre. A população mais pobre vivia em fracas condições de habitabilidade, em habitações sobre lotadas e/ou em barracas construídas em pátios/quintais interiores, um pouco à imagem do que acontecia em Lisboa, ou na periferia da cidade (Guimarães, 1994).

A necessidade de novas habitações, levou à construção de mais fogos e à ampliação dos existentes, por norma com o acrescento de um novo piso. Este crescimento, em altura, contribuiu ao agravamento dos problemas de salubridade existentes. O surgimento de novas edificações deu-se principalmente a partir do primeiro conflito mundial, que coincidiu com “um aumento extraordinário do número de fábricas” (Guimarães, 1994, p.532), que se instalaram sem critério, agravando os problemas urbanos da cidade. A euforia conserveira levou a um novo aumento da população e à especulação imobiliária, que se traduziu na construção de novos bairros, na periferia, aos quais se agregavam a construções de barracas em alvenaria ou madeira. O volume de novas construções, alterações ou acrescentos nas habitações, que se verificou no pós-guerra, traduz o investimento dos lucros que existiram nesse período, ainda que persistisse o problema habitacional da classe mais baixa (Guimarães, 1994).

O surgimento especulativo de novas fábricas verificou-se também nos centros conserveiros do Algarve, conduzindo ao aumento da população urbana, principalmente a partir dos anos 20. A multiplicação de fábricas e consequente aumento de operários, neste período, terá levado aos primeiros bairros abarracados e a iniciativas de habitação por parte dos industriais conserveiros – ex.: Bairro Lucas & Ventura em Olhão, inaugurado em 1925, no pico da especulação económica – e mais tarde às primeiras iniciativas publicas de habitação, construídas no Algarve. Ainda que exista um paralelo entre o centro conserveiro de Setúbal e os casos de estudo, no Algarve, só a partir da 1ª Guerra Mundial é que se registam problemas de insalubridade e falta de habitação, algo que se verificava desde o início do século em Setúbal. Não foram apenas os centros conserveiros que prosperaram neste período; o aumento de exportações e investimento estrangeiro levou ao crescimento da população portuguesa, no período de 1920 a 1930. A população do Porto aumentou em 27 500 habitantes, e a de Lisboa, em 107 300 habitantes.

2.3 O Estado Novo e o corporativismo (1930 a 1950)

A indústria tem um enorme abrandamento depois de 1925, devido à crise económica internacional. A população que tinha, até então, invadido as cidades para trabalhar nas fábricas, tinha agora dificuldades em encontrar emprego, principalmente nas indústrias mais exportadoras, como era o caso da cortiça e da indústria de conservas. Ainda que esta fosse a realidade, a população urbana em Portugal continuou a aumentar agravando os problemas de sobrepopulação já existentes, e consequentemente, os de falta de habitação condigna.

O regime transitório de 1926 a 1933 pouco iria conseguir solucionar e apenas com o Estado Novo, surge um programa que procurava uma solução alargada a todo o território nacional.

O Estado Novo assume-se como “urbanizador e promotor habitacional”, criando o Programa das Casas Económicas (Decreto-Lei nº23 052, de 23 de setembro de 1933), que promovia a ideia da casa própria e independente. Os bairros eram construídos nas zonas periféricas, num prolongamento das zonas urbanas existentes, inspirando-se nas cidades-jardim e no arquétipo da Casa Portuguesa. Estes bairros procuravam manter a ideia de ruralidade, não só pela sua localização e dimensão, mas também pelos jardins e quintais de cada moradia, lembrando por vezes pequenas aldeias rurais (Pereira, Queirós, Silva & Lemos, 2018).

O novo regime assumidamente corporativista utilizaria as diversas organizações que tinha criado, grémios, sindicatos e casas do povo, para promover a construção de habitações para determinados grupos operários (Pereira, Queirós, Silva & Lemos, 2018).

No que respeita à atribuição das habitações, o processo era feito segundo critérios restritos, destinando-se a famílias e grupos sociais específicos, que estivessem inseridos no sistema corporativo, funcionários do Estado ou aqueles que estivessem moral e politicamente salvos de qualquer suspeita. Por estas razões, aqueles que tinham menos recursos financeiros ou tivessem um trabalho precário, estavam afastados do programa, que se destinava apenas para aqueles que pudessem pagar as rendas (Pereira, Queirós, Silva & Lemos, 2018).

A primeira fase do programa (1933-1938) caracteriza-se pela total centralização do processo no Ministério das Obras Publicas e das Comunicações, chefiado por Duarte Pacheco.

O MOPC, através da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), era responsável pela aprovação e orçamentação dos projetos, promoção do programa público de habitação, escolha dos terrenos a construir e urbanizar e da fiscalização de todo o processo. Devido à centralização dos processos, é difícil definir com certeza a autoria dos projetos urbanos e arquitectónicos, mas, nesta primeira fase, foi utilizado um projeto tipo para as habitações do Arquiteto Raul Lino. Nesta fase, apenas as habitações de “classe A” seriam construídas. Por sua vez, as de “classe B”, para famílias com mais poder económico, seriam  apenas aplicadas na fase seguinte do programa (Pereira, Queirós, Silva & Lemos, 2018).

Um dos primeiros bairros a ser edificado ao abrigo deste programa foi construído em Portimão, tendo sido comparticipado pelo C.P.C.P., sendo por isso exemplo da promoção de habitação em conjunto com os diversos órgãos corporativistas. O Bairro Operário ficaria terminado em 1934 e, no ano seguinte, seria concluído em Olhão um outro, também com o apoio do C.P.C.P. Além do Algarve ser local de experimentação deste novo programa, os bairros promovidos pela indústria conserveira seriam pioneiros na região, tendo sido iniciados depois o estudo de mais dois, em Setúbal e Matosinhos (I.P.C.P., 1938; Agarez, 2020 ).

Em 1938, com o Programa de Casas Desmontáveis (Decreto Lei nº 28 912, de 12 de agosto), inicia-se a segunda fase, que é compreendida de 1938 até 1956. O novo programa tinha como objetivo realojar as populações muito desfavorecidas que viviam nos “bairros de lata” da capital (Pereira, Queirós, Silva & Lemos, 2018). As habitações construídas no âmbito deste programa seriam de cariz temporário, e funcionavam por arrendamento, não tendo por  isso, assente a ideia de propriedade e morada definitiva das famílias, ao contrário das “Casas  Económicas”. Além de Lisboa, foram construídas, ainda, no Porto e em Coimbra, habitações através do mesmo programa (Decreto Lei nº 33 278, de 24 de novembro de 1943).

Em 1945, surge o programa de “Casas Para Famílias Pobres” (Decreto Lei nº 34 486, de 6 de abril). Este seria o mais abrangente programa de habitação que, até então, procurava alojar em bairros de maior dimensão, famílias que não tinham acesso as Casas Económicas. 

Este programa veio, de certa forma, substituir o das “Casas Desmontáveis”, alojando populações que viviam em “bairros de lata” ou noutras condições de habitação precária e desalojados.

Foi comum, ao longo do tempo, existirem zonas onde Bairros Económicos, Casas Para Famílias Pobres e Bairros Camarários, eram construídos, mas sempre com uma distinção entre classes por zonas, diferenciados também pelo tipo de habitações construídas, Classe A e B, que se evidenciavam pelo preço das rendas e pelo espaço habitável (Pereira, Queirós, Silva & Lemos, 2018).

A dimensão do programa é demonstrada pela intenção de construir 5000 casas em cinco anos, objetivando ainda que este programa fosse aplicado, também, fora dos principais centros urbanos do país. As primeiras construções seriam concluídas em Santo António das Areias (Marvão), em 1946, seguindo-se várias iniciativas espalhadas pelo país com destaque para o Algarve. Em Portimão, Olhão, Lagos e Vila Real de Santo António, no ano de 1946 é iniciada a construção de bairros ao abrigo deste programa, reforçando assim o Algarve como uma região onde se reuniam as condições para a aplicação das iniciativas do Estado Novo, muitas vezes utilizados para a experimentação do próprio programa (Tavares & Duarte, 2018).

Estes bairros teriam características diferentes, nomeadamente em termos da sua localização e dimensão, com destaque para os bairros de Portimão, onde se construíram cerca de 130 fogos junto a uma zona de industrial, e Olhão, onde foram edificados 300 fogos, numa tentativa de resolver, não só o problema de falta de habitação digna, mas também os problemas de salubridade do centro urbano da cidade – em ambos os casos as novas construções estavam junto a bairros de iniciativas anteriores e foram projetados com equipamentos públicos de apoio às habitações.

Na sequência do programa de “Casas Para Famílias Pobres” surge, em 1946, o diploma (Decreto Lei nº 35732), que permitiria a Junta Central de Casas dos Pescadores (JCCP) contrair empréstimos para a promoção de habitação apoiada. A partir de 1950, a JCCP ganha maior autonomia, podendo construir por si, ou em conjunto com o Estado, casas para os sócios das Casas dos Pescadores (Decreto Lei nª 37750, de 1950), garantindo as mesmas condições de conceção das habitações e as mesmas vantagens fiscais do programa de “Casas Para Famílias Pobres”. Associados a estes bairros estavam alguns equipamentos como “escolas ou postos de ensino para instrução profissional, dispensários, lactários, creches e asilos para velhos e crianças, entre outros equipamentos de apoio cultural e recreativo” (Tavares & Duarte, 2018, p. 218), que eram construídos de acordo com as necessidades locais e a disponibilidade económica.

A primeira fase de promoção habitacional da JCCP, com início em 1946, construiu bairros na Póvoa de Varzim, Matosinhos, Espinho, Caparica, Sesimbra, Setúbal, Portimão, Ferragudo, Olhão e Fuzeta. Destes dez bairros, quatros foram construídos no Algarve, confirmando a tendência dos programas anteriores, que a região reunia as características necessárias para a aplicação experimental (estando muitas vezes na dianteira da aplicação das iniciativas) destes programas, por ali existirem não só as condições urbanas de cidades em expansão, mas também das populações alvo dos programas de apoio á habitação.

A terceira fase do programa de “Casas Económicas” têm o seu enquadramento de 1956 a 1974 e, por isso, já está fora do espaço temporal em estudo (Pereira, Queirós, Silva & Lemos, 2018).

Ao abrigo do Programa de Casas Económicas foram construídas mais de 15 mil habitações, em cerca de 73 bairros, de dimensões variáveis entre as dezenas e centenas de habitações. O programa defendeu uma ideia clara de habitação própria e rural, rejeitando a habitação coletiva, pelo menos até 1950. Foi utilizado como forma de expansão urbana e como solução para a sobrelotação dos centros urbanos, bem como contenção de problemas sociais daí provenientes (Tavares & Duarte, 2018).

O programa das “Casas de Renda Económica” (Lei nº 2007, 1945), que surge em 1944, foi também ele importante, abrindo novas possibilidade de habitação pública, e tendo como população alvo a classe média. Este tinha muitos aspetos idênticos ao programa de casas económicas, mas estas habitações seriam, apenas, para aluguer, com uma renda acessível e poderiam ter até rés-do-chão e mais três pisos (em casos excepcionais previa-se a construção de blocos de habitação). Apesar de se exigirem condições mínimas de salubridade, acessos independentes a cada habitação e controlo na atribuição dos fogos, este programa contradizia as ideias do Estado Novo nos programas anteriores, sendo visto, ainda assim, como necessário para um controlo do problema de falta de habitação existente. Com a aprovação deste programa termina, em definitivo, o programa de casas desmontáveis, que tinham um maior custo de manutenção e, desta forma, para populações desalojadas, os programas existentes cobriam todas as classes sociais, desde os mais pobres (com os bairros de “Casas para Famílias Pobres”) até à classe media (com os bairros de “Casas Económicas” e os de “Casas de Renda Económica”) (Tavares & Duarte, 2018). Segundo a discussão sobre o tema na Assembleia Nacional, este programa deveria ser considerado de forma diferente nos grandes núcleos urbanos, onde seria possível admitir a concretização de blocos de habitação coletiva em casos específicos, e as pequenas cidades, onde a solução seria através de moradias independentes, seguindo a filosofia do programa de casas económicas.

O primeiro local onde se aplicou o programa foi em Alvalade, que teve início em 1946 e foi concluído em 1950, tendo-se seguido Famalicão (1950), Matosinhos e Évora (1951) e Guimarães (1952). Apesar das diretrizes de construir habitação coletiva apenas nos grandes centros urbanos os primeiros projetos citados foram todos de habitação coletiva, tendo em comum o projeto tipo do arquiteto Miguel Jacobetty (Tavares & Duarte, 2018).

Este diploma que promovia o arrendamento teve implementação em três dos casos de estudo, segundo a base de dados “Mapa de Habitação”: Lagos em 1955, Portimão 1964 e em Vila Real de Santo António com a construção de dois bairros, um em 1964 e outro em 1968, todos fora do intervalo temporal em estudo.

2.4 Da Industrialização às Políticas de habitação (Resumo)

O processo de industrialização que começou, em Portugal, no século XIX, levou ao início de um processo de transformação dos centros urbanos do país. O acentuado êxodo rural, levou à rápida escassez de habitação acessível à classe operária, que não teve outra hipótese se não habitar em locais adaptados, sem as mínimas condições de salubridade. A iniciativa privada fez proliferar “pátios” e “ilhas”, em Lisboa e no Porto, respetivamente surgindo habitação patrocinada por industriais para os seus trabalhadores. Estava, assim, dado mote para o problema urbano e social que foi a falta de habitação condigna para a classe trabalhadora.

No início do século XX, já com indústrias instaladas fora dos grandes centros urbanos e a multiplicar os seus números, assistimos ao replicar do mesmo problema fora de Lisboa e Porto.

Surge então a primeira iniciativa estatal para a promoção de habitação acessível, em 1918. Ainda que não se conheça a total extensão do seu impacto, a sua aplicação evidenciou-se principalmente em Lisboa e no Porto e, com efeitos diminutos.

Após a 1ª Guerra Mundial e devido à crise económica, surge a ditadura militar que daria lugar ao Estado Novo. Devido aos ganhos da guerra, proliferaram fábricas de alguns setores industriais, que agora enfrentavam grandes dificuldades, levando muitos trabalhadores ao desemprego. A crise económica e a falta de emprego agravaram a situação de falta de habitação para as classes mais pobres, não só em Lisboa e Porto, como anteriormente, mas agora por todos os centros urbanos que, de uma forma mais ou menos acentuada, tinham passado por um processo de industrialização.

O programa de Casas Económicas de 1933, que poderia responder de forma mais abrangente ao problema habitacional, rapidamente se percebe que não corresponde às reais necessidades das classes mais baixas, tornando-se inacessível a muitos devido ao preço das rendas. Ainda assim, o novo programa promoveu a construção de vários bairros, muitos em conjunto com as associações corporativas criadas pelo Estado, como foi o caso dos Bairros Operários do C.P.C.P.

A partir do programa de 1933, os programas que se seguiram tornaram-se mais acessíveis aos que mais precisavam como o programa de “Casas paras as Famílias Pobres”, verdadeiramente acessível à maioria da população e muito mais disseminado pelo país que o anterior, mas sempre nos centro urbanos de maior ou menor dimensão. Seguiram-se outros programas tornando o espectro social abrangido para o acesso aos programas cada vez maior, sempre tendo em conta a população alvo do regime, com o objetivo de controlar e atenuar as possíveis tensões sociais. Exemplo disso mesmo é a colaboração com os vários sindicatos corporativos, com destaque para a JCCP, que promoveu a construção de vários bairros nos centros piscatórios do país, para uma população significativa que via facilmente a sua situação económica comprometida, devido à crise da indústria conserveira, à falta de peixe ou aos períodos de crise económica, sendo por isso caracterizada como população alvo dos programas de habitação do Estado Novo.

Entre 1933 e 1950, foram vários os diplomas que promoveram e incentivaram à construção de habitação e, apesar do esforço do Estado que assumiu o papel de construtor, financiador e regulador da maioria destas iniciativas (por se ver a isso obrigado), a verdade é que continuaram a existir e a contruirem-se formas de habitação precárias, seja no formato das tipologias do século XIX, “pátios” e “ilhas”, ou outras, como bairros abarracados, casas de autoconstrução ilegal, adaptação de espaços em prédios ou em armazéns industriais. Os primeiros planos de urbanização, que se tornaram obrigatórios a partir de 1944, demonstram, como veremos nos casos de estudo, a existência dessas construções e a sobre ocupação nos centros urbanos para o qual os planos apontam soluções.

As soluções para o problema de falta de habitação ou de habitação condigna acessível para todos, continuou a ser tema após 1950 e é, ainda hoje, tema atual, após 100 anos de políticas públicas de habitação.

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