A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: CONSIDERAÇÕES FINAIS e BIBLIOGRAFIA
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: CONSIDERAÇÕES FINAIS e BIBLIOGRAFIA
Armando Filipe da Costa Amaro
3.3 Lagos 105
3.3.1 Cais da Solaria 109
3.3.2 Rossio de S. João 112
3.3.3 Linha de caminho de ferro 113
3.3.4 Planta “Capitão Raul Frederico Rato” 1924 114
3.3.5 Fábricas de conserva em 1924 116
3.3.6 Avenida da Guiné (1940) 120
3.3.7 Lagos antes do Anteplano 122
3.3.8 Bairro de casas para famílias pobres (1945-1958) 126
3.3.9 Primeiro plano de urbanização – Avenida dos Descobrimentos 130
3.3.10 Cronologia industrial 136
3.3.11 Lagos: do Cais da Solaria às novas avenidas 4 0 1
O território onde, hoje, se encontra a cidade de Lagos terá sido lugar de passagem e de fixação de vários povos desde o neolítico, devido à sua localização geográfica e à sua topografia (Veloso, 1997).
De entre os vários povos que passaram pelo território que hoje conhecemos como a cidade de Lagos, foram os romanos que, de forma mais visível, marcaram a sua presença.
A ponte, recentemente denominada, D. Maria I (fig.77) assume-se como um dos maiores testemunhos visíveis deixados, pelo povo romano, sendo a mais antiga comunicação entre as duas margens da ribeira de Bensafrim, junto à povoação lacobrigense, enquanto parte da antiga via romana que conectava o litoral desde Castro Marim até Sagres (Pereira, 2017; Paula, 1992).
A malha urbana atual tem a sua origem provável “no período medieval cristão” (Pereira, 2017. p.17), sendo que o núcleo que data deste período, inclui a muralha e o castelo dos Governadores. Esta define a mais antiga zona da atual cidade, conhecida como núcleo histórico. Considerando que a cidade de Lagos se constituía como “um dos principais centros da expansão e comércio ultramarino” (Pereira,2018, p.18), a povoação ganha uma marcada importância, assistindo-se a um aumento de população para o espaço extramuros, na zona da ribeira. Devido à crescente necessidade de defender o litoral Algarvio e o porto de Lagos de ataques de piratas e corsários, D. João III manda construir um pano de muralha (1454/56) que cercasse toda a vila, algo inédito no resto do Algarve (Pereira, 2017).
Na figura 77 é possível observar as duas cercas amuralhadas que definiam a cidade, bem como os acessos existentes. De ressalvar que a sul, a ocupação da zona da ribeira entre a muralha e o Forte da Ponta da Bandeira, correspondia à localização da principal zona de atividade marítima.
Este novo limite, vem definir a área de expansão da cidade até ao século XIX, uma vez que a prosperidade então registada sofre um interregno, devido aos efeitos do terramoto de 1755.
76 – Baía de Lagos no início do séc. XX – Autor: António Crisógono dos Santos. Fototeca de Lagos
Lagos beneficiou de um período prospero em que o seu porto tinha, tanto a nível comercial e económico, grande importância para o reino, bem como na manobra marítima defensiva da região. A presença militar sempre foi assinalável, concretizada no regimento de Artilharia e Marinha do Reino do Algarve, pelo pano de muralha e os fortes do Pinhão, da Meia-Praia e da Bandeira; existia também uma presença religiosa e administrativa importante, sendo residência dos governadores do Algarve (Pereira, 2017).
Devido ao terramoto de 1755, chefes militares e párocos abandonam a cidade, e parte da população sobrevivente desloca-se para junto da Ermida de S. Amaro, criando uma aldeia provisória de barracas. O sismo, seguido de um marmoto, destruiu grande parte da malha urbana, e contribuiu para os estragos e vítimas mortais registadas, desalojando perto da totalidade da população e destruindo ou danificando igrejas e a muralha da cidade. Os principais edifícios religiosos foram os primeiros a serem noticiados como “reedificados” e reparados, dois anos depois do acontecimento natural, devido a importância militar de Lagos; seguiu-se a reconstrução dos edifícios militares e da fortificação da cidade que, ainda assim por falta de pessoas especializadas, concretizou-se a um ritmo lento, sendo que em 1767 ainda se realizavam reparações nestas estruturas (Pereira, 2017; Paula, 1992).
Na reconstrução das casas e a limpeza das ruas da cidade, o processo foi significativamente mais lento, tendo vindo militares de Castro Marim para auxiliar na limpeza do entulho que ainda ocupava as ruas, vinte anos passados e o cenário descrito era: “como se tivesse acontecido dias antes” (Pereira, 2017, p.105). Eram os próprios proprietários que, consoante a sua disponibilidade económica, iam refazendo as suas casas e ajudando na limpeza das vias, até as duas primeiras décadas do século XIX, devido a exigência da manutenção das fachas posteriores ao sismo. “Assistiu-se em Lagos a uma recomposição no pós-terramoto” (Pereira, 2017, p.107) procurando, pouco a pouco, voltar a ganhar a importância que tinha perdido para outras vilas Algarvias, bem como a fluidez comercial do seu porto (Pereira, 2017).
77 – Ponte Dona Maria I, em 1913 – Autor: António Crisógono dos Santos. Fototeca de Lagos.
78 – Planta da cidade de Lagos [c.1621]. Por Alexandre Massai. Arquivo do Museu da Cidade de Lisboa. Documento cedido por Rui Paula.
80 – Anúncio na Revista Internacional, 1936. Onde está indicado o ano de fundação, em 1889, da empresa “Aliança Fabril Lacobrigense, L.”
Já no século XIX, a cidade volta a consolidar zonas no exterior da muralha, no seguimento da Porta dos Quartos, junto à estrada, na proximidade das habitações precárias que foram erguidas no pós-terramoto, sendo que o novo conjunto de fogos surge em direção a ermida de Sto. Amaro. Igualmente, no lado de fora da Porta do Postigo, formou-se o “bairro denominado Aldeia, na zona compreendida entre as Portas do Postigo e Portugal” (Jacobetty, 1957), uma nova zona de habitação que iria acolher a maioria dos operários da cidade (Veloso, 2018). Ainda neste século, surgem os primeiros edifícios ligados à conservação de peixe, primeiro pelo sal, dentro das muralhas e junto a porta da ribeira, e no final do século, as primeiras fábricas de conserva modernas, em lata. Este surgimento industrial é apontado como principal responsável pelo retorno da prosperidade – “num marasmo, do qual só viria a sair com a implementação e o incremento da indústria de conservas de peixe” (Veloso, 1997, p.40).
Na figura 79, é possível observar alguns indícios da expansão fora do recinto amuralhado.
A oeste, a partir da Porta dos Quartos podemos observar três volumes: a norte pela Porta do Postigo, zona onde já estaria localizada a “Aldeia”, podemos observar o contorno da zona ocupada. Ressalvar, ainda, que a sul se mantem a ocupação da zona da ribeira, com destaque para um volume junto a muralha que poderá ser a Fábrica da Ribeira. Infelizmente, este levantamento termina pouco depois da muralha da cidade, não permitindo tirar mais conclusões.
No que diz respeito à indústria conserveira moderna, esta chega a Lagos no final do século XIX. Apesar de no inquérito de 1881 não existir qualquer referência à presença de fábricas no concelho. Em 1890 estão quatro fábricas: “Frederico Delory”, localizada na Rua da Ribeira, que empregava “o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 72, e 1 aprendiz”. Esta será a fábrica dos Établissements F. Delory, com a data de abertura em 1882. Acredita-se que esta seja a mais antiga de Lagos (Rodrigues, 1997); J. Labrouche, localizada na Porta de Portugal, tendo “o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 86”. Este edifício sofreu um incêndio em 1915 (Vasquez, 2008) e foi construído, no seu lugar, o mercado municipal, em 1924; S. João, localizada na Estrada de Molião, com “o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 102 e 11 aprendizes”; Polier Fréres, localizada no rossio de S. João, com “o número medio por dia de operários de todos os ofícios de 78” (Cf. INQUERITO INDUSTRIAL DE 1890, Vol. III, p.527 a 529).
Ainda antes do final do século, no ano de 1889, foi constituída a empresa Aliança Fabril Lacobrigense, Ltd (Rodrigues,1997. p.67) que poderia não ter, ainda, a fábrica a trabalhar durante o inquérito industrial de 1890, pois não consta do mesmo.
A partir do século XX, a cidade sofre um conjunto de melhoramentos nas estruturas portuárias. Com a chegada da linha férrea, torna-se uma das cidades mais importantes da indústria conserveira e concretizam-se algumas transformações na sua relação com a Ribeira de Bensafrim, sendo este o período que iremos analisar em seguida.
79 – Esboço da Planta Geral de Lagos [1870-1890]. Levantamento coordenado pelo major Henrique dos Santos Rosa. link imagem original
81 – Fábrica da Ribeira, anos 60. Cedida por Fototeca de Lagos.
82 – Planta de evolução da cidade de Lagos, por zonas consolidadas. Elaborado pelo autor.
A ribeira de Bensafrim, que passa junto a cidade, permitia que pequenos barcos aportassem em quase todo o seu limite, sendo que o “cais antigo” ou “cais da alfândega” era a principal zona de chegada de barcos com mercadorias. À frente da Porta da Ribeira existia a lota, armazéns e fábricas ligadas a pesca, pelo que, de ambos os lados do Forte da Bandeira, era comum os barcos atracarem pelas mais diversas razões, pois a maioria da população estava ligada as atividades marítimas. Um dos problemas que esta zona, onde se concentravam a maioria da atividade piscatória, enfrentava eram as marés e tempestades (Veloso, 2018).
Já no final do séc. XIX, existia a intenção de melhorar as condições portuárias da cidade, a fim de corresponder as necessidades comerciais e marítimas, como comprovadas por um relato que acompanhava uma das propostas. Entre outros factos citava que “(…) em 14 de novembro de 1893 (…) afluindo ali o peixe de 12 armações de pesca e de 2 cercos americanos para servir 7 fabricas de conserva de sardinha, 2 de salga, e 1 de guano, bem como todos os géneros agrícolas de três concelhos para exportação, e os de consumo de importação, tudo isto era altamente prejudicado pelo Estado da barra e do porto (…) sucedia terem aquelas embarcações de esperar ocasião asada para o seu negócio e, não tendo no porto lugar seguro para fazê-lo, tinham de esperar na baía, o que as expunha a grandes perigos” (Loureiro, 1909).
Lagos dispunha de um cais interior, que estava ligado à Praça da Constituição, onde se encontrava o edifício da alfândega, bem como um porto exterior, “um verdadeiro porto marítimo e oceânico, onde os navios podem chegar e fundear” (Loureiro, 1909), que se localizava na Praia da Solaria, mas que não disponha de um cais nem oferecia qualquer proteção às embarcações contra os temporais.
Existiram, devido a este facto, algumas propostas com o objetivo de definir um cais e/ou uma doca, mas nenhuma se concretizou, por falta de recursos financeiros (Cruz, 1903; Loureiro, 1909). Com destaque para um projeto da autoria do Eng. João Francisco Ramos, que chegou a ter a sua execução aprovada em 1896, resultando na demolição do baluarte da Porta de Portugal, para redesenho daquela zona da cidade e a construção de um molhe, aproveitando uma série de rochedos junto ao Forte da Ponta da Bandeira. O início das obras do molhe, em 1896, “foi solenemente inaugurado (…) com a assistência de Sua Majestade El Rei e Rainha de Portugal, governador Civil do distrito, Câmara municipal da cidade, funcionários e muito povo, que festejava o começo do que seria uma regeneração completa para a sua cidade, e um grande benefício para o seu comercio e navegação” (Loureiro, 1909).
83 – Antigo Cais ou Cais da Alfandega. Cedida por Fototeca de Lagos.
84 – Projeto do cais e doca do porto de Lagos. Eng. João Francisco Ramos, 1896. Loureiro, 1909.
O projeto (fig. 86) é aprovado e, em 1904, inicia-se a sua construção, tendo sido iniciado o talude antes do molhe. Contudo, este foi arruinado por não ter proteção, iniciando-se, de seguida, a construção do molhe para proteger as obras para o aterro da zona de acesso à solaria. Estes contratempos contribuíram para que a construção terminasse apenas em 1908, tornando-se este o novo cais da cidade. Esta nova estrutura ficou conhecida como “Cais dos Ingleses”, talvez devido às “visitas frequentes das esquadras inglesas à baia de Lagos” (Loureiro, 1909); a regularidade destas manobras foi um dos motivos pelo qual era necessário solucionar a falta de condições portuárias da cidade (Loureiro, 1909).
Interessante, ainda, foi a intenção deixada pelo responsável do projeto, sugerindo uma comunicação junto à ribeira entre o novo cais e a cidade, para evitar os inconvenientes da porta da ribeira e, prevendo uma solução futura, como a Avenida da Guiné: “Acrescia que o molhe da Solaria poderia comunicar-se com a terra por uma bela avenida exterior às muralhas, fugindo à arcada infecta, e à rua estreita e pouco agradável, por onde então se entrava na cidade.” – Eng. Henrique Moreira (Loureiro, 1909)
86 – Projeto do molhe-cais da Solaria, pelo Eng. Henrique Moreira, 30 de setembro de 1903. Loureiro, 1909
85 – Construção do Cais da Solaria, 1905. Autor: Edições Lima. Cedida por Fototeca de Lagos.
87 – Desembarque do Ministro da Marinha em 1906, durante a construção do Cais da Solaria. Autor: Henrique Mendonça. Cedida por Fototeca de Lagos
O rossio de S. João foi a alteração seguinte, localizado numa zona de pântano, devido a proximidade da ribeira, foi promovido um aterro que permitiu que este deixasse de ser utilizado como local de feira, para passar a local de expansão construída da malha urbana.
No seu limite é construído um novo acesso, que ligava a Porta de Portugal com a ponte D. Maria I e com o antigo acesso à cidade. Desta forma, o rossio estava delimitado por uma estrada secundária a oeste e pela nova via, Estrada Real nº 78 (hoje Nacional 125), que ligava a cidade ao sotavento algarvio e que se tornava, assim, um novo limite com a Ribeira de Bensafrim (Paula, 1992).
Em 1920, o rossio foi dividido em talhões (Paula, 1992), que demoraram a ser ocupados, contrariando a expetativa de ali se fixarem edifícios industriais. Tal deveu-se , provavelmente, às características dos solos arenosos, que encareciam e dificultavam as construções (Veloso, 2018).
88 – Feira de gado, no Rossio de S. João no início do séc. XX. Autor: António Crisógono dos Santos. Cedida por Fototeca de Lagos.
89 – Novo acesso junto à ribeira, Estrada Real nº78. Entrada da cidade pela Porta de Portugal, anos 20. Cedida por Fototeca de Lagos.
91 – Casas para habitação dos trabalhadores da C.P. Revista: Ilustração Portuguesa nº589, junho de 1917.
90 – Estação de Caminho de Ferro de Lagos nos anos 30.
A conclusão do ramal da linha férrea, na margem oposta à cidade, a 30 de julho de 1922, veio facilitar o transporte de mercadorias pela Europa, tal como a chegada de matéria prima ou o escoamento dos produtos produzidos, assim como as trocas comerciais no nosso país. Surgiu, ainda, como uma alternativa de meio de deslocação entre as várias regiões do país, sendo que, até aqui, o percurso por via terrestre era moroso e a única outra alternativa era a deslocação por barco.
Assim, devido à tardia chegada do comboio a Lagos torna-se difícil afirmar que tenha tido grande impacto no crescimento da cidade. O troço que ligava a estação de Parchal (Lagoa) a Lagos foi concluído trinta e três anos depois da chegada do comboio a Faro. E, mais significativo ainda é o facto de Portimão já usufruir dessa estrutura dezanove anos antes de Lagos, garantindo lhe uma vantagem, concentrando em si as trocas comerciais do barlavento Algarvio.
Ainda assim, parte da exportação da indústria conserveira continuou a fazer-se por via marítima e, excluindo a folha-de-flandres que era importada, as matérias primas necessárias à indústria localizavam-se por perto: o sal vinha das salinas que se localizavam a norte, à saída da cidade, na ribeira de Bensafrim, ou de aldeias/cidades vizinhas; o azeite, que alguns industriais exportavam de Itália, foi perdendo terreno para o produto nacional; todos as outros elementos – caixas de madeira, chaves, pregos, etc. – eram produzidos na cidade (Veloso, 2018).
Não é possível afirmar, que se a chegada do comboio tivesse sido mais célere, o crescimento urbano tivesse sido diferente. No entanto, a divisão do rossio em talhões parece querer prever um crescimento industrial que ficou aquém da expectativa. Para isso, terá contribuído a demora na conclusão do ramal de Lagos e a perda de importância comercial/industrial para Portimão. Segundo Duarte Abecasis (1926), existiu um estudo para uma ligação ferroviária entre Sines e Lagos que nunca se concretizou, o que poderá ter contribuído para esta expetativa da administração da cidade. Sobre esta ligação, Abecasis especula sobre a importância que Lagos poderia vir a ter reunindo no seu porto e estação ferroviária; a produção agrícola, minéria e piscatória do barlavento Algarvio e de uma parte do Alentejo, atravessada por essa potencial linha, colocaria assim, Lagos como o centro comercial do oeste algarvio em detrimento de Portimão.
A estação terminal de Lagos estava equipada com 4 linhas, uma plataforma giratória para locomotivas, um armazém, uma garagem industrial (única na região) e habitações para os trabalhadores do caminho de ferro. Este conjunto de equipamentos de apoio a linha férrea demonstram a importância desta estação terminal.
92 – Levantamento da estacão ferroviária de Lagos. Redesenhado pelo autor com base em Paula (1992).
Através da planta (fig.94), levantada em 1924 pelo exército, é possível fazer um ponto de situação da cidade de Lagos. Já incluídos neste levantamento estão o molhe da Solaria e a linha de caminho de ferro, sendo possível observar que existe um novo acesso para a estação de comboio, com a legenda “(em construção)”, em cima da ponte que permitia a continuidade da ribeira até ao mar. A primeira estrutura foi construída em madeira e, posteriormente, substituída por uma ponte de carácter industrial, após a adjudicação da obra, em 1926.
É, ainda, possível observar a divisão por talhões do Rossio de S. João, que já tem, nos talhões nº 1, 2 e 6, construções e um espaço que estará destinado a um jardim, bem como a nova estrada que delimita esta nova área da cidade.
A planta original tem a toponímia da cidade, os rossios (S. João e Trindade), baluartes e Portas da Muralha, Forte da Ponta da Bandeira, Forte do Pinhão, praias, edifícios de maior relevância – alfândega, Câmara Municipal, mercado municipal, mercado de peixe, quartel do Regimento 33 e as suas estruturas, hospital militar, hospital civil, Teatro Gil Vicente, lavadouros públicos, Cineteatro Ideal, cadeia, GNR, Socorro a náufragos, compromisso marítimo, matadouro municipal, igrejas e edifícios religiosos. Existem alguns elementos “em projeto”, como um jardim entre o rossio e a Ermida de S. João, uma avenida entre a nova ponte (acesso ao caminho de ferro) e a ponte D. Maria I, bem como uma rua, no quarteirão do Teatro Gil Vicente, que iria originar a “Rua dos Combatentes da Grande Guerra”. Algumas estruturas, como os moinhos, o “cano” (aqueduto) que trazia água à cidade, o “caes novo”, o “caes velho”, são também observaveis, assim como, outros dois pequenos pontões junto ao mercado de peixe e outro a seguir à Porta de Portugal. Um viveiro de peixe do lado oposto à cidade, campo de futebol e o cemitério, estão igualmente identificados, a par dos edifícios industriais, Nova Moagem Lacobrigense, Sociedade Industrial de Moagem, o arraial de armações de Júdice Fialho, onze fábricas e dois armazéns de salga.
94 – Acesso à estação de caminho de ferro, ponte em betão. Foto cedida por Frederico Paula.
93 – Estrutura provisória em madeira. Revista: Ilustração Portuguesa Nº 888, fevereiro de 1923.
95 -Planta da Cidade de Lagos em 1924, levantamento efetuado pelo exército português. Redesenhado pelo autor com base no documento original produzido sobre tecido, com as dimensões 2.18m x 1.39m. Arquivo do Museu de Lagos.
Em 1924/25, regista-se o maior número de fábricas em funcionamento simultâneo, o que nos permite ter uma perspetiva das zonas industriais e da dimensão que teve esta indústria na cidade de Lagos. Estes números devem-se, provavelmente, à recuperação económica que se foi efetuando desde o primeiro confronto mundial, a perspectiva de futuro pela chegada do comboio à cidade e do investimento feito com alguns dos ganhos que se tinham realizado no período de conflito, culminando em cerca de 30 instalações espalhadas pela cidade.
Segundo Duarte Abecasis (1926) “No ano fiscal de 1924-1925 estavam registadas trinta e uma fábricas de conserva de peixe, das quais duas não funcionaram, duas preparavam também salmoura, três faziam também a salga e a preparação do peixe (estiva) e uma se entregava exclusivamente a salga do peixe. [uma das quais na luz]”. Tal significa que, em Lagos, tínhamos 30 instalações, sendo que 2 não estariam a funcionar e uma se dedicava, exclusivamente, à salga de peixe. Portanto, o número total de fábricas de conserva de peixe a funcionar, na cidade de Lagos, seria de 27.
No levantamento efetuado sob o comando do Capitão Raul Rato, estão indicadas as seguintes 11 fábricas:
“Fábrica Delory (Ribeira)” e a “Fábrica Mercantil de S. João” – ambas identificadas no inquérito de 1890-,
a “Fábrica Veiga” (alvará de 1923),
a “Fábrica Piedade” (alvará 1923),
a “Fábrica Canelas e Marreiros”,
a “Fábrica Canelas”,
a “Fábrica do Consórcio” (Comércio Português de Pesca e Conserva – alvará 1924),
a Fábrica “Conservas Molião” (alvará 1923),
a Fábrica “Jorge e Cª”,
a “Fábrica Batalim” (alvará 1924),
a “Fábrica de S. Roque”.
Existiam ainda duas instalações, sendo que uma praticava a conservação por salmoura, a “Fábrica Papaleonardos”, e a “Estiva Novak”.
Através dos registos industriais (incompletos) e outros, foi possível obter um conjunto de dados (datas de alvará, moradas e plantas) que possibilitaram localizar um conjunto de empresas, no tempo e no espaço, que também estariam a funcionar neste período:
Aliança Fabril Lacobrigense, Ltd , fundada em 1889 ( Rodrigues,1997);
Fábrica Fialho, a funcionar desde 1904 ( Serra, 2007);
Paulo Cocco & Cª (alvará 1924);
Companhia Industrial de Conservas, Lda (alvará 1919);
Lucas & Ventura, Lda (alvará 1924);
Fábrica de Francisco Sebastião Marreiros (alvará 1922);
Benjamin Tanniou (alvará 1924);
Convento da Srª da Glória, Lda (alvará 1924);
Freitas & Cª,Lda (Jornal da Europa, Janeiro de 1924);
Fábrica Mecânica de Conservas (Jornal da Europa, Janeiro de 1924);
Établissements F. Delory, Palmeira (Planta do museu de Portimão);
Fábrica de Luís Nunes (Planta do museu de Portimão);
Fábrica Januário (Planta do museu de Portimão) e, através de recorte de um jornal não identificado,
Silva, Oliveira & Cª e Manuel António Cristiano.
Assim, totalizam-se 26 instalações.
Destas, não foi possível determinar a localização da empresa Mecânica de Conservas.
Existe, ainda, a empresa Alpapito, Martinheira, Arez & Cª Lda, que terá iniciado atividade em 1917 (alvará 1932), que poderia estar registada e ser uma das que não estaria a funcionar, pois o seu alvará data de 1932. Permanece a dúvida. Não tendo informação suficiente para determinar as 30 instalações que Abecassis refere, para a cidade de Lagos, as que foi possível escrutinar ajudam-nos a perceber em que zonas a maioria se localizou.
Através da figura 97, é possível observar várias zonas onde existiram grupos de fábricas, mas também casos de instalações isoladas.
A norte da cidade, na margem direita da ribeira, temos um núcleo composto pelos números 1, 2, 3 e 4. Ainda na mesma margem, mas mais a sul, temos o número 19 que surge isolado da cidade e de todas as outras instalações. As fábricas desta margem beneficiavam da proximidade à linha de caminho de ferro. A maior parte destas instalações, encontram-se ao redor do Rossio de S. João.
A norte deste, junto à ponte D. Maria I, temos outro conjunto de instalações dispostas lado a lado, identificadas com os números 5, 6, 7, 8 e 9. No outro lado da estrada, temos uma firma de salmoura A, e uma estiva, B.
Mais a sul, temos os números 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17 e 18 em redor ao rossio, localizadas numa zona de serviços, pequenas indústrias e habitação operária, que se enquadravam na denominada “Aldeia”. Mais a oeste, temos os números 13, 20 e 21, que se localizam no limite desta zona e, por isso, enquadradas com a mesma de carácter industrial.
O número 22 aparece completamente isolado das restantes zonas, sem ligação direta ao mar, apresentando apenas uma ligação aparente com o principal centro cívico da cidade.
Por fim, um pequeno núcleo de fábricas a sul, na zona da ribeira junto à muralha, que foi o primeiro núcleo ligado às atividades marítimas, onde se encontram os números 23, 24 e 25.
Torna-se, assim, claro que é em redor do Rossio de S. João que gravita a vida industrial da cidade neste período. Com a chegada da indústria à cidade, as fábricas instalam-se fora da muralha, ao longo da principal estrada de acesso a Lagos, onde existia espaço disponível e os terrenos, seriam mais baratos junto ao Rossio de S. João. A ocupação destes terrenos a norte da cidade, originou a construção de habitações junto à Porta do Postigo, formando um aglomerado de habitações conhecido como “Aldeia”, onde morava a maioria dos operários da indústria conserveira. Mas, apesar do loteamento realizado pelo município em 1920, este não mostrar grandes sinais de ocupação. Não sabemos se o aterro do rossio foi imediato ou se demorou a realizar-se, mas a explicação da demora na ocupação daqueles terrenos pode dever-se ao seu custo, ao valor da construção em zona pantanosa ou mais provavelmente, relacionar-se com a conjuntura que se verificou a partir de 1925, em que o sector entraria numa acentuada crise, da qual só iria recuperar, verdadeiramente, com o aproximar da 2ª Guerra Mundial.
96 – Recortes de anúncios de fábricas de conserva. Suplemento do Jornal Europa, ano IV, janeiro de 1924. Cedido pelo Museu de Lagos.
97 – Recortes de anúncios de fábricas de conserva. Cedido pela Biblioteca Municipal de Lagos.
98 – Fábricas de conservas em azeite e molhos, em Lagos, no ano de 1924.Elaborado pelo autor com base figura 94
A. Firma Demosthenes A. Papaleonardos
B. Estiva Novak
C. Fábrica S. Vicente
1. Conservas Molião (Rosendo & Cª Lda)
2. Jorge & Cª
3. Fábrica Mercantil de S. João
4. Fábrica Batalim
5. Fábrica Canelas Marreiros
6. Fábrica Canelas (Algarve Exportador, Lda)
7. Fábrica do Consórcio (Comércio Português de Pesca e Conserva)
8. Lucas & Ventura, Lda
9. Companhia Industrial de Conservas, Lda
10.Établissements F. Delory (Palmeira)
11.Aliança Fabril Lacobrigense, Ltd
12.Fábrica de Luís Nunes
13.Fábrica Convento da Senhora da Glória, Lda
14.Júdice Fialho & Cª
15.Fábrica de Benjamin Tanniou
16.Silva, Oliveira & Cª
17.Freitas & Cª, Lda
18.Fábrica de Manuel António Cristiano
19.Fábrica de S. Roque
20.Fábrica Piedade, Lda
21.Fábrica Januário
22.Fábrica de Francisco Sebastião Marreiros
23.Paolo Cocco & Cª
24.Établissements F. Delory (Ribeira)
25.Viegas (S. Gerardo, Lda)
26.Fábrica Mecânica de Conservas (Localização desconhecida)
Em 1940, a construção da avenida da Guiné, veio permitir um novo acesso à zona da ribeira. Através de elementos gráficos, podemos determinar que existiram alguns estudos prévios até à construção da avenida.
A necessidade desta ligação derivou das dificuldades de circulação rodoviária entre a cidade e a zona da ribeira. Onde, no cais da Solaria, se realizavam as cargas e descargas de mercadorias e a lota, que alimentava as várias fábricas de conserva. Já em 1904, esta mesma solução teria sido apontada, aquando da construção do novo cais. Será, por essa razão, de estranhar a demora em executar uma solução para um problema que já era conhecido (Loureiro, 1909; Veloso, 2018).
Na figura 102, da Junta Autónoma do Porto Comercial de Lagos, observa-se uma continuação da via de circulação através da Praça da República, passando junto à ruína do castelo dos governadores e continuando, em linha reta, até à ligação do Forte da Bandeira.
Esta solução, estudada em 1933, permite que a circulação seja efetuada junto à ria, até a zona exterior da porta da ribeira, de forma mais direta. Esta nova via passaria por cima do cais velho, ou cais da alfândega e, por essa razão, poderá concluir-se que o aportamento dos barcos deixaria de se fazer junto ao cais, passando, possivelmente, a fazer-se ao longo da nova via ou, seria ainda estruturada outra solução, que não consta deste documento.
Na figura 103, que data de 30 de Agosto de 1934, podemos constatar que, a tracejado, está representado o limite da avenida da Guiné, que parte da aresta do hospital militar, numa linha reta, até à aresta do Forte da Bandeira.
Este estudo, que daria origem a nova estrutura da cidade, apresenta “sondagens Geológicas”, além de medições e toponímia referente aos edifícios – incluindo a fábrica de Paulo Coco– e estruturas envolventes.
Na figura 104, podemos constatar que o antigo percurso era feito da praça da República, passando junto à igreja de Santa Maria, percorrendo as ruas estreitas da zona histórica da cidade, atravessando o pano de muralha pelo arco de S. Gonçalo, saindo na zona ribeirinha. Já finalizado o novo acesso (fig.105), o percurso pelo interior da cidade continuou a ser possível, mas a circulação passou a ser feita da praça da República, através da nova avenida, até à ribeira. Este novo acesso permitia um maior fluxo, sem problemas de circulação, assegurando a proteção da zona de muralhas e do bairro que se localizava na zona da ribeira, junto as muralhas. Os barcos passaram a ter uma zona de atracagem ao longo da avenida, substituindo a função do cais da alfândega, apesar de continuarem a estar sujeitos à força do mar, na altura de intempéries.
À direita, foto 101 – Avenida da Guiné em finais dos anos 49. Ao lado direito, em primeiro plano, algumas barcaças usadas no transporte de produtos de Lagos (cortiça e conservas p. ex.). Ao lado esquerdo a chaminé e o edifício em que se integra corresponde a fábrica de conservas de peixe de Paolo Coco. Foto de: autor desconhecido, colecção de Álvaro de Oliveira.
99 – Lagos antes da construção da Avenida da Guiné, c. 1936. Fotografia aérea cedida por Fototeca de Lagos
100 e 101 – Avenida da Guiné anos 50. Cedidas por Fototeca de Lagos.
102 – Planta de uma estrada para a Solaria. Centro de Documentação do Museu de Portimão
103 – Estudo geológico para um possível traçado para a ligação à solaria. Centro de Documentação do Museu de Portimão
104 – Linha de costa, antes da construção da Avenida da Guiné, sinalizando o percurso até à zona da Ribeira. Elaborado pelo autor.
105 – Linha de costa, já com a Avenida da Guiné 1951, sinalizando o percurso até à zona da Ribeira. Elaborado pelo autor.
No fim da primeira metade do século, Lagos não apresentava mudanças significativas na sua malha urbana, comparativamente a 1924. O rossio continuava com a maioria dos seus lotes por ocupar, ao contrário do expectável. Após quase três décadas e já com a obra da Avenida da Guiné concluída, não se registavam alterações estruturais assinaláveis.
Através da figura 108 (VooRAF47), podemos observar que, em comparação com a planta (fig.109) anteriormente analisada, datada de 1924, poucas são as diferenças a assinalar.
No Rossio de S. João podemos constatar que a zona a sul, mais próxima da cidade, já estaria mais consolidada, correspondendo aos talhões nº 1, 2 e 6, já ocupados em 1924.
Junto à estrada nacional nº 78, temos os talhões nº 10 (onde estava a central elétrica), e nº 14 ocupados e, do outro lado, junto à ribeira, temos o talhão nº5, onde se construiu um posto da Junta Autónoma das Estradas. A norte, temos já concluído o jardim, que estava assinalado em fase de projeto na planta de 1924 e, junto à estiva Novak, surge os armazéns de cereais da E.P.A.C. Além destes exemplos, o resto do Rossio continuava vazio em 1947, continuando a ser local de feira, não correspondendo desta forma às expetativas deste ser um espaço ocupado por indústria e serviços. Segundo o Arquiteto José Veloso, o terreno do Rossio de S. João, por ter sido um sapal antes de ser aterrado, apresentava uma grande dificuldade para construir, sendo que as fundações teriam de ser em estacaria de madeira, o que encarecia a construção naquela zona. Talvez isso explique, em parte, o facto desta zona ter permanecido tanto tempo como um espaço expectante da cidade.
“Os lotes destinavam-se fundamentalmente a indústria e/ou a serviços, mas aquilo era de uma enorme dificuldade construir, por causa, exatamente de ser um sapal.” (Veloso, 2018)
É possível, ainda, observar que a obra da Avenida da Guiné estava já concluída, resultando na ligação da principal praça da cidade ao porto, o que alterou por completo as dinâmicas daquela zona da cidade. Na figura 107 é possível observar o desafogo que resultara desta obra, permitindo maior eficiência de circulação, embora pela estagnação da estrutura urbana, esta solução tenha chegado tarde para ser relevante, em termos de competitividade com o porto de Portimão.
106 – Vista parcial da cidade de Lagos. Fotografia aérea c. 1947. Cedida por Fototeca de Lagos.
107 – Forte da Bandeira e Avenida da Guiné.Fotografia aérea c. 1947. Cedida por Fototeca de Lagos.
108 – Rossio de S. João 1947. Parte do voo RAF47
109 – Rossio de S. João em 1924. Parte da Planta de 1924 Capitão Raul Rato.
No que respeita à indústria conserveira, 10 fábricas estariam em funcionamento, um número bastante díspar das três dezenas de 1924/25, o que representaria um abrandamento do investimento industrial na cidade. Eram elas:
Paolo Cocco & Cª,
Aliança Fabril Lacobrigence, Ltd e
Freitas & Cª, Lda – que já funcionavam em 1924 -,
Algarve Exportador (AEL), que terá comprado a Fábrica Canelas entre os anos 20 e 30 (Cerqueira, 2009, p.259-259), mas que se expandiu ocupando o espaço de outras 3 fábricas.
E ainda a União Conserveira do Algarve (UCAL),
a Aldite,
José Abreu Pimenta,
Reinaldo Assunção,
que ocuparam a instalações já existentes e por fim,
Alpapito,
Martinheira,
Arez & Cª, Lda, que surge no rossio de S. João no mesmo quarteirão da fábrica Freitas.
Podemos concluir, assim, que a maior parte das instalações referidas continuaram a trabalhar, mesmo que com nome ou empresa diferentes. Tal que prossupõe que a única alteração assinalável é a redução para um terço, no que respeita ao número de instalações, como espelha o caso da empresa Algarve Exportador, que expandiu as suas instalações, ocupando espaços de outras. Através da figura 112, é possível constatar que as zonas de fixação desta indústria se mantiveram, mesmo com o surgimento de uma nova instalação, identificada com o nº 5, a Alpapito, Martinheira, Arez & Cª Lda. Esta surge numa zona onde existiam outras fábricas, sendo a sua localização neste mapa meramente representativa, por não se saber, exatamente, em que edifício funcionaria. Contudo, sabe-se que funcionaria a norte da fábrica Freitas e no mesmo quarteirão que esta (Castelo, 2018).
Em 1951, existem duas situações relevantes, por comparação com o ano de 1947, nomeadamente a do Rossio de S. João e o estado do Bairro para as Famílias Pobres. A fotografia aérea de 1951 (fig. 113), apesar de não nos mostrar a mesma área que o voo RAF47, permite averiguar a evolução da cidade, até ao final da primeira metade do século XX.
No Rossio de S. João, é possível observar que os talhões nº 8 e nº12 estão ocupados, com uma instalação de transformação de cortiça, bem como o talhão nº 15, ocupado com um novo edifício. Para se perceber melhor a evolução da ocupação, foram definidos dezassete talhões no Rossio de S. João em 1920 (Paula, 1992), sendo que passados trinta e um anos, apenas noves estariam ocupados, sendo que três deles foram ocupados entre 1947 e 1951.
Na figura 111, os 80 fogos aparentam estar já construídos, ainda que não estivessem terminados, assim como o primeiro edifício da escola, que serviria principalmente a população do bairro.
110 – Bairro de Casas para Famílias Pobres, em construção em 1947. Voo RAF47.
111 – Bairro de Casas para Famílias Pobres e Escola, em construção em 1951. Voo SPLAL.
Fabricas de Conservas em Azeite e molhos:
1. U.C.A.L. – União Conserveira do Algarve, Lda
2. AEL – Algarve Exportador, Lda
3. Aliança Fabril Lacobrigense, Ltd
4. Júdice Fialho & Cª
5. Alpapito, Martinheira, Arez & Cª Lda
6. Freitas & Cª, Lda
7. Sociedade de Conservas Aldite, Lda
8. Paolo Cocco & Cª
9. Reinaldo Assunção
10. José Abreu Pimenta
112 – Fábricas de conserva em azeite e molhos, em Lagos, no ano de 1947. Elaborado pelo autor com base na fotografia aérea Voo RAF47. Fotografia aérea do Instituto Geográfico do Exército, C.M.L.
113 – Voo SPLAL, sobre a cidade de Lagos, 1951. – Fotografia aérea do Instituto Geográfico do Exército, C.M.L.
O bairro, conhecido na cidade como “Bairro Operário” foi, na verdade, construído através do Decreto-Lei nº 34 486, de 6 de abril de 1945, que pretendia a construção de “conjuntos de casas destinadas (…) ao alojamento de famílias pobres nos centros populacionais do continente e das ilhas adjacentes” (Agarez, 2018), recebendo a designação de “Bairro de Casas Para Famílias Pobres”. O projeto deste bairro data de 1945 e terá demorado mais de 10 anos a ser concluído, tendo sido construído por fases. A primeira foi de 1946 a 1950, sendo que a partir de 1948, a Câmara Municipal declara enormes dificuldades económicas, estando endividada pelos gastos da construção do bairro. A construção teve um hiato até 1953, e durante esse período, a C.M.L. tentar alienar o bairro à Junta central das Casas de Pescadores, por forma a que esta pagasse as dívidas e recebesse também o resto dos apoios do Estado, para a conclusão do bairro que, consequentemente, passaria a chamar-se “Bairro dos Pescadores de Lagos”. No entanto, as negociações acabaram por falhar. Entre 1953 e, 1954, são concluídas 21 habitações e, entre 1956 e 1958, são construídas as últimas 56 casas, apesar das várias dificuldades económicas em encontrar construtor, através de concurso público. A inauguração oficial ocorreu em 1958 “nas vésperas do 28 de maio” (C.M.L., s.d.; Proc. 341/MU/45, UALG).
A localização do bairro foi escolhida em “acordo com o técnico encarregado do estudo do plano de Urbanização da Vila” (C.M.L., s.d.), embora não existissem ainda elementos para o arranjo do local de implantação. As tipologias eram as usadas nos bairros construídos sob o Decreto-lei das “Casas para as Famílias Pobres” e, inicialmente, distribuía-se da seguinte forma: tipo A, 16 casas, tipo B, 56 casas e tipo C, 8 casas. As tipologias tinham em comum a entrada direta para a sala de estar, bem como, apenas, uma cozinha e uma casa de banho.
A tipologia “C” era a única com dois pisos, e tinha quatros quartos, um no rés-do-chão e três no primeiro andar, enquanto que a tipologia “B” tinha três quartos e a “A” apenas dois.
No decorrer do processo, mais concretamente em 1953, fica definido que serão construídas 78 habitações, em vez das 80 inicialmente previstas, sendo que um bloco de duas casas do tipo B, localizado a Este, não seria construído, provavelmente por se irem implantar sobre acesso que o limitava, a Este do bairro, a Estrada Senhora da Glória (atualmente Rua Ilha Graciosa). Através da figura 115, podemos ver a divisão dos terrenos anterior à construção do bairro, tendo a C.M.L. adquirido apenas os dois terrenos a Oeste, numa primeira fase, tendo assim como limite a Estrada da Senhora da Glória, e apenas na fase de urbanização do bairro procedeu a expropriação da parte necessária dos outros dois terrenos, para urbanizar acessos ao bairro (Proc. 341/MU/45, UALG).
Na planta de implantação (fig. 114), podemos ver que existe uma primeira fase e edifícios que completam a urbanização do terreno, fazendo parte de uma “sugestão”. A primeira fase foi totalmente concluída, com a exceção do bloco de casas do tipo B, incluindo a construção de dois edifícios escolares, que foram construídos mais próximos da estrada de acesso do que estava previsto, com uma cantina de apoio. A urbanização complementar que é sugerida não foi concretizada, nem tida em conta, devido à situação financeira da C.M.L.
114 – Planta de Urbanização do Bairro de Casas para as Classes Pobres. PT DGPC DGSU:RMU do Bairro de 80 Casas para as Classes Pobres em Lagos.
115 – Divisão dos terrenos e respetivos proprietários, onde se implantaria o Bairro. Proc. 341/MU/45, UALG.
No que diz respeito ao nome pelo qual é conhecido, “Bairro Operário”, este poderá ter a ver com duas questões: a sua localização e a sua génese, sendo que estes bairros seriam para as “classes trabalhadoras”. O Bairro surge numa zona expectante, de campo, rodeado a norte pelo cemitério municipal e pela fábrica de conservas Piedade, a oeste pela fábrica de conservas Aldite e pela ermida de Stº. Amaro, a sul pela estrada nacional 125 (que ligava a cidade pela porta dos quartos) e a Este, por uma zona de campo, (aproveitada para cultivo) e, pela muralha da cidade. Apesar da sua implantação parecer, de certa forma, aleatória, é possível aferir um conjunto de relações com a malha urbana consolidada. Em primeiro lugar, o bairro surge numa zona com boas características de salubridade, para as quais contribuía também o seu plano de urbanização; segundo, o bairro mantém, de certa forma, a continuidade expansiva da malha urbana existente. A Aldeia era a única zona de habitação, de dimensão significativa, fora das muralhas, surgindo como a zona de habitação do operariado.
Esta zona habitacional surge a norte da muralha e expande-se para oeste, em direção ao cemitério, sendo que para norte surge o Rossio de S. João que era, por definição, uma zona de serviços e indústria; faria, então, mais sentido a continuidade da zona habitacional para oeste e não para norte. Por último, ainda que surgisse na continuação da zona de habitação do operariado, não deixava de estar perto da cidade, encontrando-se entre estas duas realidades, a do trabalho industrial e do centro social, apesar de estar, indiscutivelmente, mais próximo da primeira.
Tendo em conta que as duas maiores classes trabalhadoras na cidade eram os pescadores/marítimos e os operários, e sendo que os primeiros viviam, na sua maioria, junto a zona da ribeira, é possível que a maior parte dos habitantes originários deste bairro tenham sido operários, o que terá dado origem ao seu nome. Não se exclui, com isto, que outras classes de trabalhadores não tivessem habitado o bairro, pois este não foi construído exclusivamente para o operariado.
“Na minha opinião, uma vez pensei sobre isto, esta localização não foi por este acesso (à cidade, porta dos quartos) foi por causa desta ligação (à Aldeia). Era mais um prolongamento da Aldeia, do que um prolongamento da cidade. Se era para ser um prolongamento da cidade então porque era tão afastado? Não havia razão nenhuma para isso, porque não era nestes terrenos (junto à porta dos quartos e muralha). Na minha opinião isto aparece por prolongamento da zona operária…”. Excerto da conversa com o Arq. José Veloso (Veloso,2018).
Ainda sobre os habitantes do bairro, o Decreto-Lei onde está enquadrada a construção deste prevê dar prioridade a famílias desalojadas, devido às alterações urbanas ou de interesse público, oferecendo uma solução imediata ou célere, por exemplo, no caso de demolição devido aos planos urbanos desenvolvidos pela Direção-Geral dos Serviços de Urbanização (DGSU) (Tavares; Duarte, 2018).
116 – Alçado principal, tipo C e B. Proc. 341MU45, UALG.
117 – Alçado posterior, tipo C e B. Proc. 341MU45, UALG.
118 – Alçados, tipo A. Proc. 341MU45, UALG.
119 – Planta de implantação das habitações por tipologia, 1945. Proc. 341/MU/45, UALG.
Em 1944, passa a ser obrigatório que as câmaras municipais de todo o país executem um estudo do seu território, que consistia num levantamento das condições e características do mesmo – Decreto-Lei nº33:921, de 5 de setembro de 1944. Tal passaria, necessariamente, pela produção de um conjunto de elementos gráficos, que eram acompanhados de uma memória descritiva, analisando o atual estado da cidade e o desenho de um “Ante-Plano de urbanização”, que incluía uma proposta para o território, prevendo a expansão dos núcleos existentes (Diniz, 2015).
A proposta para a cidade de Lagos, da autoria do arquiteto Miguel Jacobetty Rosa, data de 1957 e tinha como base uma avenida marginal à cidade, constituindo parte integral da Estrada Nacional 125. “Avenida Marginal, verdadeiro elemento gerador do plano da nova cidade de Lagos” (Jacobetty, 1957, p.71). Esta nova avenida ligava a atual estrada nacional, que chegava a norte da cidade, passando, na proposta, pela frente rio contornando a cidade e que iria encontrava a atual ligação até Sagres a oeste de Lagos, como se pode ver na figura 127 (Jacobetty, 1957).
“…em estreita correlação com as modificações portuárias, prever as alterações no sistema rodoviário em condições de – como frisou Sua Excelência o Ministro das Obras Públicas, no seu despacho de 21/VII/55, – que simultaneamente atendam às necessidades rodoviárias e às exigências urbanas da travessia de Lagos pela E.N. 125.” (Jacobetty, 1957, p.66).
Segundo a memória descritiva, pretendia-se resolver todos os problemas viários existentes, como solucionar os problemas de tráfego da zona portuária, facilitar o acesso às praias a sul da cidade e resolver os congestionamentos nos pontos mais centrais, desviando o trânsito que passava pelo interior da cidade, como se constata na Planta do Estado Atual da Cidade, com o acessos principal marcado a azul e secundários a amarelo (Jacobetty, 1957).
“A indústria de pesca continuou, porém, a representar nesta cidade uma das principais ocupações da sua população e o esteio (sustento) mais forte da sua economia. Outras atividades da pesca derivadas, tais como as conservas de peixe, estiva, transporte e exportação do pescado, etc., foram-se desenvolvendo, atingindo certo nível que veio a ser prejudicado pelo assoreamento progressivo do porto e mais moderadamente pela criação do porto de Portimão, com desvio de atividades e frota mercantil.” (Jacobetty, 1957, p. 39).
Na análise efetuada, além dos problemas viários é, ainda, referido que a pesca e o fabrico de conserva foram, ao longo do tempo, o principal sustendo da população; que existe uma crescente falta de alojamento, que se iria agravar pela necessidade de realojar habitantes devido as demolições previstas no plano; enumera várias razões para que se melhorem as condições portuárias e esclarece ainda que o “Bairro económico (foi) estudado à margem do mesmo plano, mas integrado nele” (Jacobetty, 1957, p.62).
A execução do plano teve um conjunto de consequências na organização da cidade. Uma delas foi a restruturação das atividades industriais e portuárias. A zona da ribeira uma das que foi primeiramente intervencionada devido à construção da avenida, sendo profundamente alterada, localizava-se a sul da cidade, junto à muralha. Onde estavam localizados armazéns de apoio às atividades marítimas, a lota, três fábricas de conservas, uma de gelo entre outros edifícios. Nas partes escritas do plano é referido que, todas as construções junto à muralha e todas as atividades ligadas à pesca e a produção de conservas “devem desaparecer, libertando o troço da muralha a que se encosta e permitindo uma melhoria apreciável do conjunto arqueológico aí existente, cujo aspeto atual é deplorável” (Jacobetty, 1957). O objetivo era claro, valorizar este espaço como património da cidade, desimpedindo todo o pano da muralha, melhorar a salubridade e a imagem, para os habitantes e visitantes. Sendo que seria libertado todo o espaço em cerca de vinte metros, em toda a largura da muralha, tal permitiria que um conjunto de arranjos paisagísticos substituísse as construções a demolir (Jacobetty, 1957).
120 – “Bairro Económico” (Bairro de Casas para as Famílias Pobres) integrado na planta geral. Anteplano da cidade de Lagos.
121 – Planta do Estado atual da cidade. Elemento Gráfico nº8 da memória descritiva, do ante-Plano de Lagos. Arquiteto Jacobetty, 1957. Cedido pela C.C. D.R. de Faro.
Na figura 123, podemos ver que estava previsto um equipamento público à frente do arco de S. Gonçalo, identificado com o número “38”, que seria para funcionar como lota, segundo os registos camarários, mas que nunca chegou a ser concretizado, tendo a lota passado a funcionar mais tarde, na outra margem, junto à doca. O mesmo sucede com o edifício com a letra A, “Atividades Portuárias”, que nunca saiu do desenho, tendo dado lugar, mais tarde, no mesmo lugar, a uma pequena doca junto ao Forte da Bandeira.
“A desobstrução das Muralhas e do Palácio do Governantes na zona ribeirinha é de efetuar, embora lentamente por ser obra onerosa, sendo feliz a circunstância da previsão da variante para Sagres da E.N. 125, acarretar o desaparecimento de alguma velhas casas sem interesse na Avenida da Guiné e na Rua da Ribeira. Também as Fábricas de conservas de Peixe e de Gelo, devem desaparecer, libertando o troço da Muralha a que se encosta e permitindo uma melhoria apreciável do conjunto arqueológico aí existente, cujo aspeto atual é deplorável.” (Jacobetty, 1957 p.99)
O zonamento expresso no plano (fig.127) indicava que a zona industrial se devia concentrar a norte da cidade, devido à proximidade ao caminho de ferro e às principais estradas, onde já se localizava a maior parte das atividades indústrias. Era para aí que as atividades industriais existentes na zona da ribeira deveriam retomar atividade, após a construção da avenida. Ainda assim, a fábrica da Ribeira foi uma exceção e permaneceu a funcionar no mesmo local.
Quanto às atividades marítimas, o cais da Solaria continuou a servir o seu propósito, mas a ideia seria que apoiasse, principalmente, atividades de recreio, sendo visível no plano, junto ao mesmo, a seguinte legenda: “Desportos Náuticos” e “Mocidade Portuguesa”. Constava do pano o objetivo de criar as condições para o tráfego comercial, industrial e turístico da cidade, oferecendo ainda proteção contra as intempéries, com a construção de uma doca interior, assoreando a ribeira e definindo um canal protegido por um novo molhe. Junto à nova doca, um conjunto de armazéns previa a concentração das atividades piscatórias, para onde se deveriam transferir aquelas que antes se realizavam junto a zona da ribeira. Na figura 124, podemos ver a nova doca de pesca, com os armazéns de apoio e um edifício para “reparações navais”.
Quanto à referida necessidade de habitação, são visíveis e projetados no plano alguns conjuntos habitacionais (fig.125), dos quais um Bairro de Casas Económicas, a sul da cidade, identificado na planta de utilização do solo como “Moradias Citadinas”, mas nenhum bairro de casas económicas foi ali construído.
Quanto à habitação operária, a memória descritiva dizia o seguinte: “As zonas industriais, por exemplo, devem ser tanto quanto possível segregadas na periferia, mas convém que as habitações a construir para os operários lhe fiquem tanto possível próximas.” (Jacobetty, 1957, p.81). Traduzia, assim, o elemento gráfico (fig. 127), esta intenção, em duas zonas: a norte, junto às fábricas existentes, e do outro lado da ribeira, para lá do caminho de ferro, previstas como habitações operárias.
Podemos concluir que, nem tudo no plano foi executado mas, que este teve um grande impacto na organização da cidade e na sua estrutura. A primeira parte a ser executada incluia a contrução da Avenida dos Descobrimentos e, para isso, a limpeza da zona da ribeira, tendo a sua inauguração ocorrido em 1960 (Veloso, 2018; Paula, 1992). Tal levou à transferência de um conjunto de atividades para outras zonas da cidade, incluindo a Fábrica Pimenta, que se transfere para a zona norte, junto à ponte D. Maria I, após 1960. Ao mesmo tempo, os trabalhos portuários evoluíram com a extensão do cais da Solaria, a construção do novo molhe, na margem oposta e o assoriamento da Ribeira de Bensafrim. Apesar de estar definido no projeto uma doca de pesca na outra margem, ao invés foi construída uma pequena doca junto ao Forte da Bandeira, este conjunto de alterações vieram garantir à cidade, as condições portuárias pelas quais a população ansiava desde o inicio do século. Apesar de estas chegaram já tarde para a industria conserveira, e até para outras, a cidade virava-se agora, definitivamente, para o turismo.
127 – Planta de utilização do solo. Elemento Gráfico nº10 da memória descritiva, do Anteplano de Lagos. Jacobetty, 1957. Cedido pela C.C.D.R. de Faro.
122 – Bairro da Ribeira, antes do anteplano. Cedida por Fototeca de Lagos.
123 – Zona da ribeira integrado na planta geral. Ante-plano da cidade de Lagos. Anteplano da cidade de Lagos.
124 – Doca de Pesca e Armazéns de apoio, integrado na planta geral. Anteplano da cidade de Lagos.
125 – Zona prevista para casas económicas, a Sul. Anteplano da cidade de Lagos.
126 – Avenida dos descobrimentos 1960. Cedida por Frederico Paula.
A cidade de Lagos viu a indústria conserveira instalar-se no final do séc. XIX e estender-se até ao final da primeira metade do séc. XX. Tendo sido, várias as instalações a funcionar neste território. Através do resumo das várias fábricas, encontradas durante este estudo e as suas localizações na malha urbana, é possível fazer uma análise paralela da evolução entre a cidade e a indústria em análise, apontando as várias zonas industriais aos longo do tempo e a sua importância para o crescimento urbano.
A figura 129 resume, em si, a localização das várias fábricas, que resulta da recolha de elementos gráficos, orais e escritos, sobre esta indústria.
A conservação industrial de peixe, em Lagos terá começado pelo processo de salga, onde o processo era feito, ainda, dentro das muralhas da cidade. Pensa-se que a Estiva Paolo Cocco (A) e a D. N. Charalampopolus (B) sejam prova desse facto, de uma indústria que chega através de italianos e gregos, com um processo seria já conhecido pela população da cidade.
No final do séc. XIX, surgem as primeiras “fábricas de conserva em azeite e molhos” (conserva em lata) em Lagos. Devido às necessidades desta indústria, os industriais procuram terrenos maiores e, também, mais baratos para erguer as suas instalações, surgindo estas já fora do recinto amuralhado. Os Établissements F. Delory (1), surgem junto à muralha da cidade, perto do mar. Esta poderá ter sido a primeira fábrica de Lagos, pois esta empresa, segundo alguns autores, terá sido das primeiras em Portugal, com várias fábricas no país incluindo em Setúbal. A fábrica J. Labrouche (2) poderá considerar-se que estaria dentro do recinto da cidade, mas já no seu limite junto à ribeira, na zona da porta de Portugal. Terá sofrido um incêndio em 1915 e, assim deu lugar ao atual mercado municipal (Vasques, 2005).
Sobre a empresa Pelier Fréres, apenas se sabe que a sua instalação estaria localizada no rossio, através do inquérito de 1890. A última fábrica referida no inquérito, Sociedade Mercantil S. João (3), é a única destas que se afasta completamente da cidade, instalando-se na outra margem, à entrada da cidade. Tem, a par com a fábrica Delory, uma dimensão assinalável, para o início da indústria em Portugal e por comparação com as outras instalações da cidade. A Aliança Fabril Lacobrigense, Ltd (4) surge ainda no séc. XIX, instalando-se numa zona de campo perto do Rossio de S. João, afastada da cidade. No início do séc. XX, surge a fábrica do industrial Júdice Fialho (5), um dos maiores industriais nacionais, ocupando uma grande área da malha urbana, junto a zona habitacional, operária, chamada “Aldeia”.
Através da planta das instalações podemos afirmar que é a única fábrica, que se conhece em Lagos, com habitação para operário integrada na propriedade da fábrica, como era prática nas instalações deste industrial.
Até aos anos trinta, Lagos assiste a um crescente número de fábricas de conserva, que continua a impulsionar a expansão da cidade para fora da muralha, principalmente com a ocupação, a norte da cidade, na zona do Rossio de S. João, chegando quase às três dezenas de fábricas a funcionar em simultâneo. De entre estas, nomeiam-se: Paolo Cocco & Cª (6), já instalada na cidade com uma estiva, passa a fabricar conservas em lata, numa instalação adoçada à muralha na zona da ribeira. Ainda nesta zona, Junto à Praia da Solaria, surge a S. Gerardo, Lda (7), da família Veiga que, com as fábricas Delory e Paolo Cocco, formavam um pequeno núcleo industrial (Núcleo da Ribeira), que tinha acesso ao cais marítimo da cidade, localizando-se junto ao local onde se realizava a lota.
No Rossio de S. João surge o maior número de fábricas. A sul temos: as firmas Manuel António Cristiano (8), Freitas & Cª, Lda (9); Benjamin Tanniou (10); Silva, Oliveira & Cª (11), todas no mesmo quarteirão; Luís Nunes (12) e a segunda fábrica dos Établissements F. Delory (13), bem como, Convento da Senhora da Glória, Lda (14); Piedade, Lda (15) e Januário (16), que surgem localizadas na continuação da expansão extramuros, para oeste, dispersas ao longo da “Estrada dos Moinhos” (planta Rato, 1924). A Francisco Sebastião Marreiros (17), surge também a oeste da cidade, mas distante das restantes fábricas, na Porta dos Quartos, junto à estrada nacional nº 78 – futura nacional nº 125 (planta Rato, 1924).
A norte, já no limite do Rossio, temos um conjunto de fábricas lado a lado, formado pelas Fábricas Canelas Marreiros (18), Canelas (19), que seria comprada nos anos 20/30 pela Algarve Exportador, Lda (Cerqueira, 2015); Consórcio (20), que tinha sido propriedade de António Parreira Cruz e vendida ao Comércio Português de Pesca e Conserva, de quem seria a propriedade em 1924 (5ª Circunscrição industrial); Lucas & Ventura, Lda (21), que teria comprado a fábrica à Sociedade Mercantil de Conservas, Lda (5ª Circunscrição Industrial), e a Companhia Industrial de Conservas, Lda (22). Estas cinco instalações formaram um núcleo que se localizava junto às principais vias de comunicação terrestre, as duas estradas nacionais e com rápido acesso ao caminho-de-ferro.
Assim como as fábricas que surgem na outra margem da ribeira, Jorge & Cª (23), Conservas Molião ou Rosendo & Cª Lda (24) e José Batalim, tempera, Silva & Cª (25) formam um núcleo (Núcleo do Molião) com a Sociedade Mercantil de S. João. Na mesma margem, a sul, isolada, surge a Fábrica S. Roque (26).
Até ao final dos anos quarenta, a cidade vê o número de Fábricas diminuir para, apenas, dez. Em 1947, continuam a funcionar Paolo Cocco & Cª (6), Aliança Fabril Lacobrigense, Ltd (4), Freitas & Cª, Lda (9) e Júdice Fialho & Cª (5). Surgem, ainda, a Alpapito, Martinheira, Arez & Cª Lda (27), que ficaria localizada no quarteirão em frente à fábrica Júdice Fialho (Castelo, 2018), Reinaldo Assunção (1), que tinha adquirido a fábrica a um industrial Belga (Veloso, 2018), José Abreu Pimenta (7), que compra a fábrica a Joaquim Marques Bexiga Júnior (5ª Circunscrição industrial), Sociedade de Conservas Aldite, Lda (16), que teria adquirido a fábrica Januário (Castelo, 2018), U.C.A.L. – União Conserveira do Algarve, Lda (18), na mesma localização da Canelas Marreiros, e a Algarve Exportador, Lda.
A empresa Algarve Exportador, de Agostinho Fernandes, que tinha começado por adquirir a Fábrica Canelas (19), nesta data, teria já a propriedade dos terrenos da Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lda (20), Lucas & Ventura, Lda (21) e Companhia Industrial de Conservas, Lda (22). Ocupava todo o quarteirão, tornando-se, a par da propriedade de Júdice Fialho, uma das maiores fábricas da cidade, sendo reestruturada pelo projeto do Arquiteto António Varela, datado de 1942. Tornava-se, assim, um edifício industrial de organização funcional racional, considerado modernista por essa razão, dos poucos no Algarve, devido à perda da importância para o Norte do país (Cerqueira, 2000).
Do surgimento da indústria de conservas em Lagos, até 1950, é possível identificar 4 núcleos: na zona da Ribeira, no Rossio (a sul e a Norte) e um outro a norte, na margem oposta, zona do Molião. Temos, ainda, duas fábricas isoladas e um conjunto de fábricas dispersas ao longo da “Estrada dos Moinhos”.
Em 1957, no projeto do Anteplano, existe identificada a Fábrica Baía (28), na zona do Rossio, junto à fábrica da Freitas & Cª, Lda (9), sobre a qual não existe qualquer referência na memória descritiva. Com a construção da Avenida dos Descobrimentos em 1960, o núcleo da ribeira é demolido e a fábrica de José Abreu Pimenta é expropriada (5ª circunscrição), a fábrica de Paolo Cocco demolida e a Fábrica da Ribeira, de Reinaldo Assunção, mantém a sua localização, desconhecendo-se a razão para tal, pois na memória descritiva é referido que todas estas instalações deveriam cessar as suas funções naquele local (Jacobetty, 1957). Mais tarde, José Abreu Pimenta abre uma fábrica em nova localização (29), na outra margem, onde tinham existido um núcleo de fábricas mas onde já nenhuma laborava.
129 – Resumo das zonas industriais e localização das fábricas de conserva, assim como armazéns de salga, em Lagos. Elaborado pelo autor
Através do estudo da cidade de Lagos, podemos aferir que a indústria conserveira foi importante para o desenvolvimento da sua malha urbana. Contudo, a longo prazo, regista-se um menor impacto no crescimento da malha urbana, comparativamente com os outros casos estudados, para o período em análise. Ainda assim, não deixa de assumir uma maior relevância nos primeiros vinte cinco anos do século XX.
A importância da indústria conserveira na cidade de Lagos começa logo no séc. XIX, aquando do surgimento das primeiras fábricas neste território, contribuindo para a recuperação da cidade após terramoto de 1755 e incentivando a expansão urbana da cidade (Veloso, 1997). Resultante disso é o primeiro núcleo habitacional que surge devido ao crescimento populacional, decorrente da indústria, denominado “Aldeia”. Este, ao longo do tempo, foi densificando-se com o aumento da população que, maioritariamente, era operária. A existência deste núcleo, à volta do qual se desenvolverão diversos serviços e se construíram várias fábricas, pode justificar o facto da inexistência de iniciativas habitacionais, públicas ou filantrópicas (industriais). Não parece ter existido um excedente de população devido à indústria, ao qual a cidade não tenha conseguido dar resposta naturalmente; e se existiu foi no séc. XIX, dando origem à “Aldeia”, fora da muralha. Tal pode dever-se o facto de a cidade ter andado na vanguarda da indústria, apenas até à primeira guerra mundial. Neste seguimento, assim, perdeu, cedo, espaço para outras cidades no Algarve, por diversas razões.
De entre essas, destacam-se as condições portuárias e o facto de ter sido a última cidade do Algarve onde chegou o comboio.
As várias obras do início do século XX, para uma doca, nunca se concretizaram, tendo sido apenas, construído o Cais da Solaria, em 1904. A comunicação deficitária entre a cidade e o cais só ficariam resolvidas em 1940, com a construção da Avenida da Guiné. Apesar de no anteplano constar uma doca proporcional às necessidades da cidade, com a construção da Avenida dos Descobrimentos apenas é concretizada numa doca de pequena escala. Devido ao insucesso de aplicar uma solução que correspondesse aos problemas portuários da cidade, como evidenciado em relatos mencionados anteriormente, a cidade de Lagos perde importancia para Portimão, como afirma Miguel Rosa Jacobetty, na sua memória descritiva.
Apesar destes problemas, a cidade vê o seu número de fábricas atingir cerca de três dezenas, ainda no primeiro terço do século, sendo o Rossio de S. João a zona de maior concentração industrial. Ainda assim, a ocupação do espaço, loteado pela câmara municipal, junto à ribeira, arrasta-se ao longo do tempo, consolidando uma ocupação, quase total, deste espaço apenas com o anteplano da cidade.
A importância da indústria conserveira na construção da malha urbana da cidade, fez-se notar, principalmente, até 1925. A ocupação a norte e na margem oposta à cidade, acabaram por definir as zonas industriais da mesma, e a crescente ocupação industrial fez com que a zona habitacional surgisse, a norte, fora da muralha e se desenvolvesse para oeste. De 1925 a 1950, a malha urbana não cresceu significativamente, apenas há a apontar o surgimento do “Bairro para as Famílias Pobres”, que ficou conhecido como “bairro operário”, mas que não tinha qualquer ligação direta com o operariado ou com as iniciativas de habitação entre o Estado e o C.P.C.P./I.P.C.P.
O anteplano de urbanização marca, em definitivo, a transição do desenvolvimento apoiado no ímpeto industrial, para se focar na importância que o turismo já vinha a conquistar no litoral algarvio, com cuidado para a valorização arqueológica do pano das muralhas.
A demolição do bairro da ribeira é prova disso; uma limpeza estética no principal acesso às praias, a sul, da cidade e a transferência das atividades que ali se realizaram durante largos anos, como é referido na memória descritiva do anteplano, são prova irrefutável desta mudança de paradigma na estrutura e organização da cidade de Lagos.
130 – Situação da cidade de Lagos com a execução parcial do Ante-plano do Arquiteto Jacobetty. Fotografia área de 1968, C.M.L.
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: CONSIDERAÇÕES FINAIS e BIBLIOGRAFIA
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: PORTIMÃO (8)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: LAGOS (7)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: OLHÃO (6)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO (5)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: HABITAÇÃO OPERÁRIA E INICIATIVAS ESTATAIS EM PORTUGAL (4)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: A INDÚSTRIA CONSERVEIRA AO LONGO DO TEMPO (3)
A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: INTRODUÇÃO (2)
2020 – A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve: Das Estruturas Produtivas à Habitação Operária (1900-1960) – Armando Amaro
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