A Indústria conserveira e a evolução urbana de Setúbal (1854 - 1914)

Trabalho de Ana Alcântara de 2008

2010  –  “A indústria conserveira e a  evolução urbana de Setúbal, (1854 –  1914)” in  MUSA – Museus, Arqueologia & Outros Patrimónios, vol. 3, pp. 237-247
 

 

RESUMO

Neste artigo procurou-se fazer um retrato de Setúbal, na segunda metade do século XIX e transição para o século XX (1854/1914), através do estudo da evolução da indústria conserveira e do crescimento urbana da cidade.

Usando metodologia própria da Arqueologia Industrial, fez-se a comparação de cartografia da época, permitindo identificar áreas e momentos de grande crescimento urbano. Inventariaram-se as fábricas de conserva fundadas durante este período, o que possibilitou a análise das transformações e permanências ocorridas nestas estruturas que marcam definitivamente a paisagem urbana.


ABSTRACT

The goal of this paper is to present a portrait of Setubal at the second half of the nineteenth century and transition to the twentieth century (1854/ 1914) through the study of the evolution of canning industry and city’s growth.

Using the methodology of Industrial Archaeology, maps of that period were compared allowing the identification of areas and moments of great urban growth. All factories established during that period were inventoried, which made possible the analysis of the changes and permanence occurred in these structures.

Até há relativamente pouco tempo, as cidades eram olhadas pela Arqueologia como o “estrato” sob o qual se encontrava o objecto da sua investigação e do seu desejo tinha-se a sua História como algo que terminava no seculo XVIII. A Arqueologia Industrial veio alterar esta ordem de ideias ao permitir, através da sua metodologia, a recolha de informações que

não estão contempladas em documentos escritos ou na memória. “O documento [que um monumento industrial] constitui é tão importante quanta muitos dos que a Torre do Tombo guarda, em idêntica raridade. E não deve ser a sua proximidade no tempo que lhe tirará valor pois os tempos correm depressa, e 80 ou 50 anos é já passado remoto, ainda se dele não ficarem vestígios que nos forneçam a indispensável informação” (Nabais, 1999, p.181).

Consideramos, portanto, essencial estudar os vestígios da cultura material das sociedades contemporâneas e, através deles, chegar a cultura intelectual e simbólica, com o mesmo empenho e sistematização científica com que investigamos formas de cultura há muito desaparecidas.

Apesar do longo caminho que a Arqueologia Industrial tem conquistado nos últimos trinta anos em Portugal, é urgente proceder-se a uma inventariação e análise sistemática do património industrial existente. Só assim se poderá garantir a salvaguarda de aspectos históricos, arquitectónicos, técnicos e artísticos que, por se encontrarem em zonas maioritariamente urbanas, correm o risco de desaparecer.

A cidade de Setúbal é um destes casos, onde a Arqueologia Industrial assume importância incontornável para o conhecimento da evolução desta cidade na transição do século XIX para o século XX.

Pretende-se, com este artigo, contribuir para a caracterização da implantação e desenvolvimento da indústria conserveira em Setúbal entre 1854 e 1914.

Para tal considerámos que a investigação se deveria concentrar em dois vectores: análise da relação entre a introdução da indústria conserveira moderna e as modificações registadas no tecido urbano de Setúbal; inventario de fábricas de conservas de sardinha, fundadas nesta cidade durante este período.

A historiografia portuguesa aponta a data de 1865 como o ano da instalação da primeira unidade de produção de conservas de sardinha pelo método de esterilização em Portugal (Barbosa, 1941; Barro, 1938; Cordeiro, 1989; Duarte, 2003; Faria, 1950; Justino, 1989 1998; Rodrigues, Mendes, 1999), em Vila Real de Santo António.

O advento desta indústria em Setúbal é, pelos mesmos autores, apontado como tendo acontecido por iniciativa de industriais franceses, no ano de 1880. No entanto, alguns estudos dedicados a História da indústria conserveira setubalense (Alho, Mouro, 1988; A Indústria conserveira em Setúbal, 1996) depararam-se com documentos que apontavam para o ano de 1854, como a data de fundação da primeira destas fábricas em Setúbal.

Confirmamos formalmente este dado historiográfico no Catálogo dos Productos da Agricultura e Indústria portuguesa mandados a Exposição Universal de Paris em 1855 (p.23) e na “Lista de recompensas concedidas aos expositores que concorreram à exposição universal de Paris” (Boletim do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, n°11, p.276).

No Catálogo dos produtos da (. . .) Exposição Universal de Paris encontramos a referência ao ”producto nº 1181 – sardinhas em conserva de azeite, de Setúbal, distrito de Lisboa, expositor Feliciano António Rocha” (p.23).

Podemos afirmar que, em Portugal, a indústria de conservas de peixe, pelo método da esterilização, foi introduzida em Setúbal, no ano de 1854, por iniciativa de Manuel José Neto e Feliciano António da Rocha – a primeira fábrica do nosso inventário.

O enfoque cronológico escolhido possibilita uma investigação sistemática no momento histórico que enforma uma viragem definitiva – que é técnica, social e cultural – da sociedade setubalense.

Sendo que, 1854 foi o ano de fundação da primeira fábrica de conserva e 1914, o ano do início da Iª Guerra Mundial, que significou para a indústria conserveira portuguesa um grande “boom” de produção – em resposta à grande procura provocada pela guerra de 1914-1918 – o que se traduziu na multiplicação do número de fábricas em Setúbal e, logo, na entrada numa lógica de produção em larguíssima escala.

Setúbal desenvolveu-se ao longo da margem Norte do rio Sado. As ruas principais – Av. Luísa Todi, antiga Rua da Praia, e Av. 5 de Outubro, antiga Rua da Conceição – dispõem-se paralelas ao litoral, sendo atravessadas por ruas mais estreitas que definem os quarteirões da cidade.

“Um aglomerado de pequenos núcleos primitivamente separados: no centro a urbe principal, cercada pela primitiva cerca, onde residia a burguesia mais abastada; a Oeste, Troino, residência de pescadores; a Este, os agrupamentos de diversa origem histórica e etnográfica das Fontainhas, Palhais, Arengues, onde habitavam pescadores artesanais vindos do norte do pais, trabalhadores das salinas e dos campos, entre outras profissões” (Quintas, 1993, p.30).

A partir da comparação cartográfica, tendo como fontes um mapa da cidade levantado em 1804 (Planta da Praça e Vila de Setúbal, 1820) e outro datado de 1900 (Planta da cidade de Setúbal, 1900), foi possível traçar as principais manchas de evolução da urbe sadina – tendo como base do estudo somente as freguesias urbanas: Santa Maria da Graça, S. Julião, S. Sebastião, Nossa Senhora da Anunciada.

À semelhança de muitas outras urbes, as tendências evolutivas de Setúbal estão intimamente relacionadas com a transferência “de mão-de-obra, que vivia dispersa nas áreas rurais, em direcçãoo a pontos selecionados do território, as cidades. Esta mobilidade geográfica foi acompanhada de uma mudança na ocupação, com passagem do exercício da actividade no sector primário para o secundário” (Salgueiro, 1992, p.343).

As marcas que estas transformações foram deixando apreendem-se facilmente no modo como foi produzida a organização espacial da sociedade, produto final duma construção demorada e duradoura, mas também reflexo de uma multiplicidade de relações sociais que moldaram o espaço e com ele se transformaram.

O investimento na indústria portuguesa ao longo da segunda metade do século XIX privilegiou as zonas litorais, essencialmente as regiões próximas de Lisboa e do Porto. Por outro lado, também não se registou neste período um incremento da produtividade agrícola nem, tão pouco, uma modelização deste sector. Foram, assim, favorecidos os movimentos migratórios do interior rural em direção ao litoral. A relação causa/efeito que existe entre a emergência do modo de produção fabril num determinado local e o crescimento desse aglomerado urbana é muito bem representado por Setúbal.

Nesta cidade a implantação e disseminação de fábricas de conserva estabeleceu um ponto de viragem em relação a um padrão de crescimento lento que a caracterizara até então. Consequentemente, também a evolução oitocentista do traçado urbano da cidade foi fortemente marcado pelas zonas de concentração das infraestruturas fabris e habitacionais ligadas a indústria conserveira e, não poderíamos deixar de referir, pela política de Obras Públicas fomentada por volta do ano de elevação de Setúbal a cidade (1860).

De acordo com a comparação numérica dos efetivos populacionais que podemos retirar dos censos de 1864 e 1911, as freguesias de Nossa Senhora da Anunciada e de S. Sebastião são as mais populosas (1) e com mais capacidade de atracção demográfica.

1 – Em 1864 e 1911 a freguesia de Nossa Senhora da Anunciada contava com 4.466 e 9.701 habitantes, respectivamente, e a freguesia de S. Sebastião com 3.638 e 9.549 habitantes (População Censo no 1° de Janeiro de 1864, 1864; Censo da população de Portugal, no 1° de Dezembro de 1911 , 1913).

É nestas freguesias periféricas, em relação ao centro histórico da cidade, que se instalam grande parte das fábricas. Nas freguesias do centro da cidade, Santa Maria e S. Julião, verifica-se um acréscimo muito mais modesto da população (2) que, embora seja atraída por um conjunto de actividades geradoras de emprego que Setúbal oferecia (comércio, serviços, etc. .. . ), não se podia instalar nestas zonas sem área possível de crescimento geográfico – por estarem rodeadas pelas freguesias periféricas em expansão.

2 – Entre 1864 e 1911 a freguesia de Santa Maria vê os seus efectivos populacionais passarem de 1.621 para 2.394 habitantes. A freguesia de S. Julião conhece urn crescimento populacional, mais significativo, de 3.409 para 8.702 habitantes, no mesmo período de tempo (Recenseamento da população do Reino de Portugal, no 1° de Dezembro de 1900, 1905; Censo da população de Portugal, no 1° de Dezembro de 1911 , 1913).

O crescimento da cidade, no seu todo, é marcado pelo transpor da linha de muralhas, edificada em meados do século XVII, que abraçava as quatro freguesias urbanas que aqui analisamos. As linhas de expansão territorial correspondem, grosso modo, as zonas de implantação das fábricas de conservas (freguesias da Anunciada – na extremo ocidental da cidade – e de S. Sebastião – extremo oriental), ao caminho de ligação entre o centro da cidade e a Estação de Caminhos-de-Ferro – zona que vai sendo progressivamente ocupada por casas e palacetes da burguesia comercial e industrial – e a marginal – construída sobre as praias que anteriormente existiam em todo o comprimento da cidade ganha ao rio, onde surge a Avenida Luísa Todi.

Através do estudo do crescimento urbano, evidenciado pela comparação cartográfica e pela datação das infraestruturas, edifícios e espaços urbanos que surgiram em Setúbal ao longo da segunda metade do século XIX, observamos que o desenvolvimento da cidade verificado neste período pode ser dividido em três momentos.

Num primeiro período, compreendido entre as décadas de 50 e 60, surge o Campo do Bonfim. Após o terramoto de 1858, que afectou substancialmente a zona ribeirinha, acontece o maior esforço urbanizador e transformador que vai marcar definitivamente a cidade. Entre 1858 e 1860 processam-se as obras da conquista da faixa ribeirinha à praia que vão resultar na construção da Avenida Luísa Todi, que se vai transformar na principal avenida da cidade plataforma de acesso a várias novas infraestruturas: a Doca dos Pescadores, o Passeio do Lago – o passeio público do centro da cidade, o Mercado do Livramento – que veio substituir o mercado ao ar livre que acontecia no Largo das Couves (parte da atual Praça do Bocage) – e o Teatro D. Amélia.

Numa segunda fase, o crescimento urbano e marcadamente fomentado pelo desenvolvimento industrial. E entre as décadas de 60 e 90 (3) que se dá o primeiro grande impulso de fixação fabril em Setúbal. A construção da maior parte das unidades fabris nos extremos ocidental e oriental da cidade resulta num alargamento dos limites de urbanização.

3 – Durante este período a população residente nas quatro freguesias urbanas da cidade passou de 13.134 habitantes (1864) para 17.581 (1890) (População Censo no 1º de Janeiro de 1864, 1864; Censo da população do Reino de Portugal, no 1º de Dezembro de 1890, 1896).

Outro fenómeno que muito vai contribuir para o alargamento dos limites da cidade, mas em direcção a Norte, é a chegada, em 1860, do caminho-de-ferro e a abertura da via de acesso entre o centro da cidade (Rua da Conceição) e a Estação do Caminho-de-Ferro – Rua Nova de São João.

 

Fig. 1 – Fábrica Sociedade Parisienne, fundada em 1886 por Firmin Julien (Ilustração Portuguesa, 11 de Julho de 1910, p.57).

A terceira mancha de evolução, na última década do século XIX (4), caracteriza-se pelo crescimento a Nordeste com a edificação do Bairro Batista o primeiro bairro operário da cidade – e da Praça de Touros (1898). É também neste período que surge a construção das primeiras casas do Bairro Salgado – na Rua Nova de São João, que liga a Estação do Caminho-de-Ferro ao centro.

4 – No recenseamento de 1890 contaram-se 17.581 habitantes na cidade de Setúbal, sendo este número aumentado para 21.222 no censo de 1900 (Censo da população do Reino de Portugal, no 1º de Dezembro de 1890, 1896; Censo da população do Reino de Portugal, no 1º de Dezembro de 1900, 1905).

As populações migrantes, que se deslocaram para trabalharem nas fábricas ou no mar, fixaram-se preferencialmente nas freguesias periféricas de Nossa Senhora da Anunciada e de S. Sebastião, enquanto que a nova burguesia comercial e industrial instalou-se ( e/ou manteve-se) inicialmente nas freguesias do centro da cidade, S. Julião e St. Maria.

Com a grande aglomeração de moradores nos bairros das freguesias periféricas, estas populações vão, progressivamente, ao longo do final do século XIX e início do século XX, deslocando-se para o centro da cidade. Este movimento vai provocar, ou potenciar, a deslocação das classes mais abastadas para o novo Bairro Salgado.

A tendência para a concentração “de volumes crescentes de proletários atraídos pelo trabalho industrial” (Salgueiro, 1992, p.191) nas zonas antigas das cidades e para a consequente deslocação das famílias de classe mais abastadas para zonas recém-constituídas afastadas do centro, percorre a maior parte das cidades que veem crescer os seus efectivos populacionais neste período. “A explicar; ao mais simples e [dada] pela tendência dos trabalhadores para morarem próximo do local de trabalho, ou (. . .) pela maior valorização dada ao factor transporte pelas classes mais baixas, face a maior valorização do factor espaço nas mais altas” (Salgueiro, 1992, p.198).

A comparação cartográfica revela que a indústria conserveira se tornou, ao longo da segunda metade do século XIX e grande parte do século XX, o principal factor de crescimento demográfico e urbano desta cidade, a condicionante do desenvolvimento ou decadência económica e financeira e, mais que tudo, o “centro dominador de todas as manifestações sociais” (Quintas, 1993, p.257), culturais e políticas da população setubalense.

A indústria conserveira setubalense, desde o seu surgimento até 1914, manteve um ritmo de crescimento, mesmo vivendo períodos cíclicos de crise e de fomento. Apesar deste movimento industrializador ter sido um dos factores primordiais de mudança no tecido urbano, social e cultural da cidade, na transição entre o século XIX e XX, nunca foi efectuado um levantamento das estruturas fabris.

Este inventário pretende ser um primeiro passo para colmatar essa lacuna.

Com base num levantamento das firmas empresariais registradas nos arquivos notariais de Setúbal, (5) na consulta de jornais da época e em pesquisas relativas a outras fontes sempre citadas ao longo do inventário – procuramos construir um inventário, o mais exaustivo possível, das fábricas fundadas na cidade de Setúbal ao longo deste período.

5 – As informações referentes às fábricas cuja referência se situa no Arquivo Distrital de Setúbal, Fundos Notariais de Setúbal, que citaremos por: * A.D.S., F.N.Set., n° pasta/no livro, fólio, foram trabalhadas a partir do levantamento das Sociedades Industriais Setubalenses, feito por Carlos Mouro. Agradecemos, desde ja, o contributo deste investigador, ao ceder para consulta este exaustivo arquivo, fundamental para a constituição deste inventário. Nos restantes casos, é indicada a referência bibliográfica ou arquivo de onde foram retiradas as informações.

Privilegiámos, tendo em conta os objectivos da presente investigação, os dados relativos as datas de fundação e dissolução, a identificação de proprietários e a localização.

As informações recolhidas permitem-nos dividir este período em duas etapas.

As fábricas que surgem entre 1854 e 1880 aparecem num ritmo muito mais lento, são em muito menor número (6), que as fundadas na etapa seguinte (79), e pertencem a um ou dois proprietários, as da fase seguinte (1880-1914) são construídas ou alugadas por sociedades formadas por um grande número de indivíduos.

Existem, porém, características que se mantêm inalteráveis ao longo a época analisada. Grande parte das sociedades que exploram as fabricas fazem-no durante curtos períodos, sendo que algumas estruturas laboraram durante muito tempo mudando frequentemente de donos como foi o caso da fábrica Fragoso. Nesta regra há excepções, fabricas que se mantiveram em funcionamento durante largas décadas sob a alvada dos mesmos industriais – temos como exemplos as fábricas Costa & Carvalho e Saupiquet.

Nem sempre as informações, que nos permitiram a elaboração deste inventário, surgiram nas fontes com o detalhe e a precisão que desejaríamos, nomeadamente no que toca a localização e sabemos que muitas das pequenas fábricas que funcionaram em Setúbal, durante esta época, não possuíam licenciamento algum. Assim, queremos salvaguardar que algumas fábricas que consideramos como diversas poderão ter sido uma só estrutura, funcionando em períodos distintos sob uma diferente denominação, e que, provavelmente, muitas outras terão existido sem que disso reste qualquer informação documental.

Fig. 2 – Fabrica Alegria, na Praia da Saboaria (Ilustração Portuguesa, 11 de Julho de 1910, p.60).

A transição para o século XX deixou em Setúbal a marca indelével da industrialização, esta cidade deixou de depender exclusivamente de uma economia rural e piscatória e transformou-se num centro fabril de grande importância. A proximidade da matéria-prima, a existência de portos marítimos, de comunidades piscatórias fortemente implementadas, o saber-fazer e a tradição secular da salga e da fabricação de preparados de peixe tornaram Setúbal, a par de algumas localidades costeiras algarvias, numa zona privilegiada para a instalação de unidades conserveiras. Foi, realmente, nesta cidade que se instalou a primeira fábrica de produção de conserva de sardinha pelo método da esterilização, em Portugal, corria o ano de 1854.

Entre 1854 e 1914 são plantadas as sementes que prefiguram o grande desenvolvimento que esta indústria irá ter nesta cidade, que chegará a ser o maior centro produtor de conservas do pais. As estruturas fabris vão-se instalar ao longo da zona ribeirinha da cidade, concentrando-se, na sua maioria, nos extremos ocidental (Rua da Praia actual Av. Luísa Todi, Estrada da Rasca, Cais dos Pescadores, etc.) e oriental (Fontainhas, Pedra Furada, etc.) da cidade. Neste período, o crescimento industrial e urbano de Setúbal caracteriza-se, essencialmente, por assentar na indústria conserveira.

Esta cidade torna-se um centro de proliferação de pequenas e médias unidades fabris, muito dependentes da valorização imediata do seu produto, que ao menor sinal de recessão podiam desaparecer. Este facto é evidenciado no inventário das fábricas, onde se observa uma significativa quantidade de unidades fabris que laboram durante curtos espaços de tempo.

Embora o surgimento deste centro mono industrial se deva ao pioneirismo de industriais locais, e de assinalar que o grande salto no sentido do desenvolvimento técnico foi protagonizado por industriais franceses, aquando da sua fixação em Setúbal, em 1880.

Consideramos que a evolução da indústria conserveira setubalense (6) se processou em duas etapas, a primeira entre 1854 e 1880 e a segunda indo até 1914, data limite da nossa análise.

6 – Atendendo a não existência de um arquivo ou registo onde figurem todas as fábricas de conserva de Setúbal, o presente inventário é o resultado de uma pesquisa que se desenvolveu em várias frentes. Surge da análise e confronto das informações contidas em diferentes fontes manuscritas e bibliográficas localizadas em diferentes instituições e arquivos. Só apresentamos aqui os dados de que temos grandes certezas de corresponderem a realidade.

Durante a primeira etapa as pequenas fábricas laboravam com reduzidos meios técnicos e humanos e produziam, muitas vezes, conservas de fruta e hortaliças – paralelamente a produção principal de conservas de peixe (fundamentalmente sardinha).

No entanto, as unidades fabris veem já reconhecido o valor das suas produções – o industrial Feliciano da Rocha ganhou uma menção honrosa e uma medalha nas Exposições Universais realizadas, respectivamente, em Paris (1855) e em Londres (1862). Nesta época as fábricas eram em reduzido número – em 1880 inventariámos duas a laborar – e estavam concentradas nas mãos de poucos industriais – cada uma das unidades pertenciam a um ou, no máximo, dois proprietários.

O segundo período de produção vai surgir de “factores exteriores ao normal progresso de desenvolvimento e afirmação desta actividade industrial em Setúbal” (Alho, Mouro, 1988, p.32) – a chegada dos industriais franceses, potenciada pela primeira grande crise da indústria conserveira bretã. As características fundamentais deste período advém da organização da indústria: o número de fábricas cresce exponencialmente – salvo períodos de crise pontual; muitas destas unidades fabris pertencem a sociedades compostas por muitas pessoas; a capacidade produtiva e a qualidade das conservas são optimizadas pela introdução do vapor; surgem as máquinas que vão alterar, definitivamente, os meios e a organização da produção e as relações sociais nas empresas.

É de salientar, no entanto, que a introdução da mecanização, no início do seculo XX, veio apenas contemplar algumas das fases do processo, nomeadamente as etapas de preparação das embalagens, da cozedura do peixe e da esterilização. 0 resto manteve- se, essencialmente, dependente da produção manual. Assim, e fácil deduzir que a fundação de uma pequena conserveira requeria investimentos reduzidos, facto que favoreceu a ascensão a condição de burgues conserveiro por parte de alguns soldadores ou marítimos com espírito empreendedor e alguma sorte. Deste facto e testemunha um ditado setubalense, que pretendia retratar os empresários conserveiros – hoje usada como sátira ao “novo-riquismo” – “Quem não solda, já soldou. Quem não pesca, já pescou”.

Fig. 3 – Interior de fábrica não identificada. Operárias a enlatarem sardinhas (Ilustração Portuguesa, 11 de Julho de 1910, p.58).

Fig. 4 – Interior de fábrica não identificada. No lado direito a secagem da sardinha nas grelhas e no esquerdo o “cofre” de fritura (Ilustração Portuguesa, 11 de Julho de 1910, p.60).

Bibliografia

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Fontes

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Catálogo dos Produtos da Agricultura e Indústria portuguesa mandados à Exposição Universal de Paris em 1855. Lisboa: Imprensa Nacional

Boletim da Associação Comercial e Industrial de Setúbal nº 1
Biblioteca Nacional Cota: C.G. 999 V.

Boletim da Associação Comercial e Industrial de Setúbal nº 6
Biblioteca Nacional Cota: C.G. 999 V.

Boletim da Associação Comercial e Industrial de Setúbal nº 8
Biblioteca Nacional Cota: C.G. 999 V.

Boletim da Associação Comercial e Industrial de Setúbal nº 9
Biblioteca Nacional Cota: C.G. 999 V.

Lista de recompensas concedidas aos expositores que concorreram à exposição Universal de Paris
in Boletim do Ministério das Obras Públicas, Commercio e Industria Nº 11 de Novembro 1855

Arquivo Distrital de Setúbal, Fundo Almeida de Carvalho (A.D.S., F.A.C.)

Publicações periódicas

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O Elmano, 5 de Maio de 1897; 19 de Maio de 1897

Ilustração Portuguesa, 11 de Julho de 1910

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