SETÚBAL ECONOMIA, SOCIEDADE E CULTURA OPERÁRIA 1880-1930

Publicamos em vários posts o 
Capítulo II – INDUSTRIALIZAÇÃO – CONSERVAÇÃO DO PEIXE do livro SETÚBAL ECONOMIA, SOCIEDADE E CULTURA OPERÁRIA 1880-1930, de Maria da Conceição Quintas.

1 Origem da conservação dos alimentos
2 A indústria das conservas de peixe
2.1 Início da actividade
2.2 Projecto nacional

Maria da Conceição Quintas
Professora na Universidade Moderna
m.c.quintas@mail.telepac.pt
Textos retirados da página da autora

I Origem da conservação dos alimentos

A preservação dos alimentos necessários à manutenção da vida humana foi, como todos sabemos, preocupação dominante ao longo dos séculos, entre os vários povos que habitaram o planeta. Esta necessidade de manter os mantimentos, durante lapsos de tempo mais longos, é referida pelo doutor P. Gaubert, em meados do século XIX, quando o método de conservação descoberto por Nicolas Appert, no início daquele (embora os seus estudos tivessem sido iniciados na última década de setecentos), se radicou na indústria, com a mecanização do fabrico da lata, no ano de 1850, já após a morte do seu inventor.

Os princípios por que se regeu visavam tão-somente a anulação dos elementos destruidores ou a sua neutralização, concedendo aos alimentos a qualidade de incorruptibilidade tão cheia de salutares resultados.

Appert salientava a importância de, por este processo, ser possível “transportar” para a cave da residência, com absoluta segurança, tudo aquilo que se produzia no jardim, quer fosse Primavera, Verão ou Outono e, após vários meses, encontrar estas substâncias, animais ou vegetais, tão boas como no momento da colheita, conseguindo assim reservas para as épocas de escassez.

A técnica foi ensaiada em frascos de vidro hermeticamente fechados e submetidos depois a aquecimento em banho-maria.

Para Guy Lussac a explicação do processo de conservação ensaiado por Appert estava na inexistência de oxigénio no interior dos recipientes.

Esta explicação mostrou-se, posteriormente, insuficiente quando Schwann, em 1837, provou ser possível obter resultados idênticos mesmo em contacto com o ar. Os aperfeiçoamentos foram sucessivamente introduzidos e, em 1839, o banho-maria ordinário foi substituído pelo banho-maria com sal ou com açúcar que permitia elevar a temperatura do aquecimento e, em 1852, Chevallier-Appert utilizaram, pela primeira vez na indústria, a autoclave, nome por que foi designada, em 1820, por Le Mare a marmita de Papin.


[…]”Embora António Manuel Pinto Barbosa atribua ao método Chevallier-Appert (uma derivante do processo descoberto por Nicolas Appert) a introdução da autoclave na indústria de conservação de alimentos, “Le Docteur P. Gaubert”, no seu livro Étude sur les vins et les conserves (1857), atribui esta inovação a M. de Lignac, como poderemos inferir do texto que nos apresenta: “Nos avons vu Appert remplacer son bain-marie découvert par un bain-marie couvert; […]. Enfin M. de Lignac cuit, au moyen de l’autoclave, ses conserves, qu’il soumet ainsi à une température de 110 à 118 degrés”

O génio que foi Nicolas Appert é referido por todos aqueles que se dedicam a estudos sobre conservas, de modo mais ou menos elogioso, mas sempre com a admiração que merecem personalidades de tão grande envergadura.

“Il n’est pas fréquent de trouver réunies en un même homme les qualités théoriques et pratiques. Nicolas Appert a été un de ces génies utilitaires. […]”
Com a aplicação do método Appert na indústria, assistiu-se ao nascimento de várias fábricas de conserva de sardinha, sendo a primeira em Nantes, propriedade de Joseph Collin, no ano de 1824.

Outras suas congéneres se lhe seguiram, atingindo-se 160 em 1879 (espalhadas por outras cidades francesas). Perante as condições naturais propícias, instalaram-se na Noruega e no Japão, sob inspiração francesa, as primeiras fábricas de conservas, nos anos de 1841 e 1875, respectivamente. Mas a sua afirmação verificar-se-á a partir de “1865, com a explicação científica de Pasteur e com os aperfeiçoamentos da técnica, […]”

O conceito de conserva evoluiu bastante ao longo dos tempos. Primeiramente foi utilizado de modo mais abrangente, incluindo “todos os alimentos preparados para se manterem mais ou menos tempo, empregando os métodos então conhecidos” e variava de país para país e mesmo de região para região, de acordo com as espécies dominantes.

Perante a necessidade de decidir internacionalmente o que se deveria entender por conservas, para se poderem estabelecer os regimes aduaneiros adequados, realizou-se o Congresso Internacional de Genebra em 1909, onde se definiu o conceito e ficou assente que por conserva seriam designados os alimentos ou substâncias alimentícias que, por um tratamento adequado, mantivessem “as suas propriedades específicas durante um período de tempo muito maior do que seria possível sem qualquer preparação prévia”. Evitava-se assim interpretações erradas quando se fazia referência a alimentos conservados para consumo posterior.

II A indústria das conservas de peixe

Início da actividade

“Foi também um francês quem, em virtude de terem rareado os cardumes de sardinha na costa bretã, veio estabelecer-se em Setúbal em 1880, o que provocou o aparecimento de fábricas congéneres nos centros piscatórios portugueses e espanhóis, apesar de em Vila Real de Santo António se haver montado, já em 1865, uma fábrica de atum em azeite”.

Esta referência, do Professor Ferreira da Costa da Universidade Técnica de Lisboa, esclarece-nos sobre a preferência dos industriais franceses pela cidade de Setúbal, para a instalação das suas fábricas de conservas de sardinha em Portugal, embora não ignore a existência de empresas nacionais que já se dedicavam à conservação do peixe em azeite; e como exemplo cita o caso da conserva de atum, que já havia tempo se fazia no Algarve.

Acrescente-se, contudo, que em Setúbal, já em 1854, iniciou o seu funcionamento uma fábrica de conservas que enlatava peixe utilizando o método Appert. Esta afirmação foi polémica entre os estudiosos do tema, facto que nos levou a tentar saber, junto dos documentos existentes no Arquivo Distrital de Setúbal e através da análise dos escritos do início do século XX, qual a verdade sobre o advento da indústria de conservas de peixe em Portugal e, mais concretamente, na cidade de Setúbal.

Os principais estudos, sobre o processo relacionado com o nascimento e desenvolvimento da indústria conserveira em Portugal, consideraram como primeiro pólo significativo no nosso país a unidade estabelecida pelo industrial de Lorient F. Delory no ano de 1880 em Setúbal num terreno junto à doca, pertença de Maria Leonor de Jesus Meneses Barreto que lho arrendou através de contrato realizado, no dia 19 de Novembro de 1880, entre o médico Manuel Francisco de Paula Barreto, filho da proprietária e Armand Houé em representação de F. Delory.

Guilherme Faria diz-nos que este industrial veio estabelecer-se em Setúbal “quando já outros fabricantes franceses o haviam precedido em Espanha”, ao definirem-se os aspectos da crise sardinheira francesa, que se prolongou de 1880 a 1888.

A França possuía então 200 fábricas, reduzidas em 1886, por efeito da crise, a 100.

E considera como ponto assente ter sido F. Delory o pioneiro da indústria de conserva de sardinha em Portugal. Mas tal não corresponde à verdade histórica, como nos foi dado verificar.

Ao pesquisar no Fundo Almeida Carvalho, existente no Arquivo Distrital de Setúbal, encontrámos elementos preciosos para o desbloqueio do impasse criado na primeira metade do século XX, quando se tentou localizar, no tempo e no espaço, a primeira empresa que produziu conserva de sardinhas, utilizando o método Appert.

Almeida Carvalho informa-nos que, em 1854, Manuel José Neto, “homem de negócio, trabalhador e empreendedor”, associou-se com Feliciano António da Rocha, também dedicado ao comércio, e ambos estabeleceram em Setúbal, e numa casa na travessa do Postigo da Pedra, nos 3, 5, 5A e 5B, uma fábrica de conservas de sardinha, contida em caixas de lata, sendo o género aplicado ao consumo do país e à exportação para o estrangeiro – América do Sul e África do Norte.

A sociedade, porém, dissolveu-se em fim desse mesmo ano. Manuel José Neto foi então estabelecer uma sua fábrica em uma casa na Rua da Praia, próxima da ponte do Livramento, do lado do norte e quase junto ao esteiro, ou ribeiro, da mesma denominação. Em 1858 foi impressa, na tipografia do Curioso, a tabela de preços dos seus produtos.

CONSERVAS ALIMENTÍCIAS, tabela de preços

“Manuel José Netto, com Fábrica de Conservas Alimentícias na Praia de Setúbal nº5, encarrega-se de qualquer encommenda das mesmas conservas, tanto para o ultramar, como para o continente do Reino, responsabelisando-se pela sua conservação, ainda que seja por longa viagem: em cujo estabelecimento prepara os seguintes peixes pelos preços abaixo marcados, além dos quais fará um abatimento de a por cento conforme à quantidade que lhe for comprada.

N.B. Além das conservas em Azeite acima mencionadas se prepararão outras com moura em barris, cujos preços serão muito commodos.”
Setubal: Typ. do Curioso, em Palhaes:1858
FONTE: ADS, FAC, pasta 18/1.

Feliciano António da Rocha estabeleceu a sua fábrica, também na Rua da Praia, mas numa casa, que fazia esquina do lado poente do Largo da Anunciada, tendo frente para este largo e para a mesma Rua da Praia […] A fábrica de Feliciano António da Rocha fechou-se por 1876, em resultado de terem escasseado os lucros e aumentado os prejuízos.

A fábrica de Manuel José Neto continuou funcionando, com mais ou menos dificuldades e ainda hoje, em 1894 funciona, em uma casa nº 32 de polícia, na Ladeira de S. Sebastião, para onde de há tempo se transferira”. Ainda em 1855, também, segundo Almeida Carvalho, “Manuel José Neto começou fazendo progressos e obtendo bons lucros […], próximo à ponte do Livramento ou do Carmo”.

No entanto, os negócios não eram florescentes. Em 1867, em escritura assinada no notário, Manuel José Neto declara-se devedor de 2 800$000 réis ao negociante de vinhos desta praça, José Inácio Gomes. Este dinheiro, diz, destinar-se-ia ao desenvolvimento da sua “fábrica de conservas alimentícias estabelecida na Rua da Praia desta cidade”.

Mas em 1879, Manuel José Neto arrendou as instalações da fábrica a Joseph Dallot, de nacionalidade francesa, mas residente em Setúbal, para instalação de um teatro.

Verificamos, assim, que Guilherme Faria desconhecia estes documentos quando afirmava ser “frequente ouvir citar vagamente ter sido, na nossa cidade, Manuel José Neto o precursor do fabrico de sardinhas enlatadas em azeite. Julgo [Guilherme Faria] ter tirado o caso a limpo e poder afirmar que a primazia desse fabrico cabe, de facto, ao industrial Delory[…]” , quando os seus contemporâneos mantinham a dúvida, baseados em documentos já então conhecidos.

Era o caso do nº 1181 do Catálogo dos produtos da agricultura e indústria portuguesa mandados à exposição universal de Paris em 1855, onde Feliciano António da Rocha é referido por ter obtido uma menção honrosa pelas suas conservas, como foi anunciado pelo Setubalense de 2 de Dezembro de 1855 (p. 3).

Neste artigo pode ler-se claramente que o prémio obtido por Feliciano Rocha fora atribuído às suas “conservas de peixe em azeite […], baseadas no método Appert, que pela primeira vez se aplica em Portugal”.

Também Vincenzo Floridi refere, em 1968, o prémio conseguido por portugueses em 1855, em exposições nacionais e estrangeiras:

“Setúbal, comunque, non era nuova a questo genere di tentativi, anche se poi essi non avevano avuto alcun seguito: così, nel 1855, all’Esposizione Universal di Parigi erano state premiate le conserve di pesce sott’olio preparate con il processo Appert da F. A. da Rocha, e, dieci anni più tardi, un altro setubalense, certo M. J. Neto, aveva aperto un opificio specializzato nella produzione conserviera di pagelli, dentici e naselli, che venivano esportati principalmente in Brasile […]”*

e salienta a importância de Setúbal no evolver do processo conserveiro em Portugal.

*FLORIDIVINCENZO – «Setúbal: Il Porto, La Pesca e Le Industrie», Bollettino della Società Geografica Italiana, Nº 4-6, pp. 173-225,. Roma, 1968.

Não podemos deixar de referir ainda que o próprio Feliciano A. Rocha torna a receber prémios, como por exemplo uma medalha na classe 3, secção B, na Exposição Universal de Londres, no ano de 1862.

Surge-nos também a informação de que em 1860 se estabeleceu em Setúbal outra fábrica de conservas alimentícias, situada na Ladeira de S. Sebastião, à esquina da Praça de S. Bernardo, cujo proprietário era Gustavo Carlos Herlitz, associado a seu tio António Maria Jales.

No FAC encontra-se ainda uma escritura de sociedade entre João Augusto Andorinha, “marítimo de barra fora” e Francisco António dos Reis, “funileiro e conserveiro”, para a instituição de uma fábrica de conservas alimentícias em 1861, de que não conhecemos outras referências.

Também Domingos Fias Pereira estabelecera em Setúbal “uma fábrica de géneros alimentícios – pescado, carnes e frutos” que teve curta duração, “acabando em 1869”.

Para concluir a análise da polémica gerada em torno da primazia na fundação da primeira fábrica de conservas de sardinha em azeite, utilizando o método Appert, no caso de ainda subsistir alguma dúvida sobre a anterioridade das empresas citadas, em relação à fábrica instituída por F. Delory em 1880 (em Setúbal ou em Olhão), teremos a ratificação de que aqueles industriais se dedicavam à conservação de peixe (especialmente sardinha), usando já o método Appert, que também foi utilizado posteriormente pelo industrial francês F. Delory.

Podemos ainda confirmar a veracidade das afirmações feitas, através da resposta da Associação Comercial de Setúbal ao quesito 4º da Portaria de 29 de Novembro de 1865: (“Quais são as matérias-primas ou produtos manufacturados cuja exportação pode ser promovida para os países estrangeiros?”).

Esta associação setubalense responde que “a sardinha e outros peixes de conserva” são elementos de grande peso na exportação, referindo ainda a existência de três fábricas de conserva de peixe e de fruta, na cidade de Setúbal. Eram, no entanto, unidades que funcionavam de modo ainda bastante artesanal, utilizando fundamentalmente a mão-de-obra e outros meios já existentes, como, por exemplo, o forno de padaria, citado por Guilherme Faria:

“Anda ligado ao nome de Manuel José Neto o aspecto um tanto pitoresco da cozedura (digamos assim) do peixe, em forno de padaria. Assinale-se porém que muitos industriais portugueses e durante anos usaram este processo, cozendo, ou antes, estufando as sardinhas em pequenos fornos que tinham nas suas fábricas”.

Apesar do primitivismo dos meios, estas empresas levaram a certames internacionais as conservas de peixe (especialmente de sardinha) produzidas em Portugal, mais concretamente em Setúbal e obtiveram prémios bastante significativos, como já foi referido.

Mas estas técnicas evoluíram rapidamente, como se poderá verificar quando explicarmos a evolução do fabrico das conservas de peixe em Setúbal.

Projecto nacional

Em 1936, Nuno Simões lamentava que a indústria das conservas de peixe em azeite, embora em fase de prosperidade, não tivessem sido ainda alvo de um “estudo histórico e económico que a sua importância nacional justifica”, embora reconheça a importância do trabalho intitulado A Pesca, da autoria do almirante Almeida d’Eça, executado para a Exposição Portuguesa, realizada em Sevilha, em 1929, onde se afirma que “a indústria de conservas de peixe se iniciou em Portugal na primeira metade do século passado”.

Então, o “conserveiro” era ainda considerado sinónimo de confeiteiro ou como “o que prepara comida, hortaliça e fruta doce em lata hermeticamente fechada”.

Nuno Simões informa-nos de que, nos Mapas Gerais do Comércio de Portugal referentes ao ano de 1851 não figuravam ainda exportações de peixe em conserva, acontecendo o mesmo com os Mapas Estatísticos da Alfândega Grande de Lisboa de 1860-1861.

Mas nos Mapas Gerais de 1865 encontra-se alusão a exportações de “peixe em escabeche”, ao lado de peixe fresco, salgado, fumado ou em moura.

Na Geografia e Estatística Geral, de Gerardo Pery, publicada em 1875, atribui-se ao:

“peixe em conserva” exportado em 1872 o valor global de 12 contos, num total de 269 contos obtidos na exportação de “pescarias”, onde este item está incluído. Nos Mapas Gerais de 1874 aparece apenas a designação de “peixe em escabeche”.

Já nos finais do século, no relatório sobre a classe 4ª (alimentos preparados para longa conservação) da Exposição Industrial Portuguesa de 1891, Alfredo Pessanha, ao referir-se às conservas de Peixe (sardinha), diz que:

“poucas são mesmo entre nós as indústrias que em tão curto prazo rivalizem com ela na rapidez da conquista e na extensão da área de consumo”.

Estas indústrias só começaram a ter significado em 1880, ano em que foram exportadas conservas no valor de 101 contos. Mas a ascensão foi rápida e, em 1892, Alfredo Pessanha indicava já um computo de 8 000 toneladas (média anual) de conservas de sardinhas exportadas, “para uma produção geral anual de 30 000 000 de latas feitas em 15 ou 16 fábricas em Setúbal, duas em Lisboa, uma em S. Tiago de Cacém e uma em Sesimbra, em que se empregavam quase dois mil operários”.

Entretanto, no ano de 1884 havia em Portugal 18 fábricas de conserva de peixe, incluindo as que se dedicavam à conservação do atum, nas costas algarvias, e em 1886 podiam contar-se 66 empresas que se ocupavam destas actividades.

Em 1890, este número desce para 54 (empregando 2 515 operários), para voltar a subir em 1896 para 76 unidades que empregavam 4 653 trabalhadores.

Em 1897, Setúbal possuía 26 estabelecimentos ligados à indústria de conservas de peixe em azeite.

“Em 1900 apenas fabricávamos 9 600 toneladas de conservas de sardinha, mas seis anos depois mandávamos para o estrangeiro mais de 19 000 toneladas, baixando depois a produção para cerca de 17 000 toneladas”.

A primeira informação sobre exportação de conservas data de 1889, ano em que se exportaram 4 718 toneladas. Esta cifra foi seguindo, embora duma forma irregular, uma curva ascendente, até 1912, quando se atingiu 25 490 toneladas.

Em 1914, por efeito da I Guerra mundial, baixou para 18 500 toneladas, voltando em 1915 a 25 262. A duração deste conflito aumentou a procura das conservas e fez elevar consideravelmente as exportações portuguesas, que atingiram, em 1919, quase 40 000 toneladas.

Dessa data até 1930, com excepção dos anos de 1923 e 1924 (53 000 toneladas no primeiro ano), a exportação portuguesa rondava as 34 000 toneladas por ano.

Nos anos de 1931 e 1932 verificou-se uma grande subida na quantidade de conservas exportadas (45 000 e 44 000 toneladas, respectivamente), embora esta subida se devesse à custa de baixas de preço, facto que quase levou as empresas à falência, achando-se em 1933 uma descida das exportações para 29 274 toneladas.

No Portugal Industrial, escrito em 1916 e mais tarde publicado, Campos Pereira disse ter averiguado, por inquérito pessoal a que procedeu, que, em fins daquele ano, havia em Portugal 110 fábricas de conservas de peixe:

54 em Setúbal,
17 em Olhão,
7 em Vila Real de Santo António,
13 em Lagos e as restantes distribuídas por Buarcos, Sesimbra, Espinho, Matosinhos, Peniche, Silves e Vila Nova de Portimão.

Informava que, nos fins de 1917, havia já em Setúbal 85 fábricas. Ainda segundo o mesmo economista, a indústria de conservas de peixe em Portugal ocupava, no ano de 1916, 16 000 indivíduos, assim distribuídos:

8 000 em Setúbal;
5 000 no distrito de Faro;
2 000 no de Aveiro e 1 000 no do Porto.

A Estatística Industrial de 1917, publicada em 1926, dava como existentes no Continente do país 188 estabelecimentos de conservas de peixe e 10 mistos de peixe, carne, frutas e hortaliças, onde trabalhavam 15 748 operários.

Do primeiro relatório, elaborado pelo Consórcio Português de Conservas de Sardinha, consta a informação de que em 1918 o número de fábricas de conservas existentes no Continente e Ilhas era de 223 e que em 1922 subiu a 289.

Em uma representação ao Governo, feita em Julho de 1926 pelos industriais conserveiros de Olhão, disse-se que, no ano anterior, havia, em todo o país, 400 fabricantes de conservas de sardinha.

Em 31 de Dezembro de 1934, o Consórcio tinha inscritas nos seus registos 170 empresas deste ramo e de espécies similares a que correspondiam 206 fábricas (três das quais nas Ilhas Adjacentes), com a capacidade de produção de 5 886 257 caixas.

Em 1931, a produção total foi de 2 593 593 caixas de 100 latas, tipo 1/4 club. Em 1932 baixou para 2 381 020, em 1933 declinou para 1 610 027, mas em 1934 voltou a subir .

Como já referia Alfredo Pessanha em 1892, nenhuma outra indústria portuguesa se desenvolveu tão rapidamente, afirmando-se no país, na Europa, África e América, em algumas dezenas de anos. Nos Mapas Gerais do Comércio de Portugal durante o ano de 1851, o valor total das Pescarias exportadas foi de 100 965$070 réis.

Então a Espanha comprava-nos 80% desta mercadoria.

Catorze anos depois o produto da exportação das Pescarias não ultrapassava os 105 000$000 réis, mas em 1874 subiu para 339 285$000 réis, sendo já referida uma importância de 5 570$000 réis referente a peixe de escabeche. Este valor sobe, atingindo 16 000$000 réis em 1878 e 38 600$000 réis em 1879.

De 1880 a 1891 a evolução da exportação de conservas de peixe, segundo um quadro inserto no estudo de Alfredo Pessanha.

 

Nos anos de 1895 a 1899, a média anual das pescarias exportadas foi de 8 814 toneladas e de 379 000$000 réis.

De conservas de peixe (sardinha, atum e peixe não especificado), a média anual de exportação foi de 11 344 toneladas, no valor de 1 233 000$000 réis, pertencendo à sardinha, nesse período, 9 584 toneladas, no valor de 1 033 000$000 réis.

Em 1900 exportaram-se 4 500 toneladas de Pescarias no valor de 353 000$000 réis e 10 807 toneladas de conservas de peixe no valor de 260 000$000 réis, tendo a exportação de conservas de sardinha sido de 9 569 toneladas, no valor de 1 100 000$000 réis.

Nos cinco anos imediatamente anteriores à I Grande Guerra (1910-1914), a média anual da exportação de peixe foi de 13 903 toneladas, no valor de 795 contos.

De conservas, na generalidade, exportaram-se em média anual 23 908 toneladas, no valor de 2 191 contos.

De conservas de sardinha a exportação média anual foi de 21 992 toneladas, no valor de 1 993 contos.

O mercado externo que, no século XIX se limitava, praticamente, à Espanha e ao Brasil, no início do século XX alargava-se já a várias partes do mundo.

Em 1900 ainda aqueles dois mercados tradicionais detinham a primazia da importação das nossas conservas.

Para Espanha foram 115 toneladas de marisco, 1 275 toneladas de atum fresco e com sal, 1 482 toneladas de sardinha fresca ou em sal e 238 toneladas de peixe não especificado fresco ou em sal.

O Brasil comprou-nos 407 toneladas de sardinha fresca e em sal, 7 toneladas de atum e 54 toneladas de peixe não especificado, em condições idênticas.

Em 1914 a Espanha estava em primeiro lugar no consumo das nossas pescas e a Itália manteve o primeiro lugar entre os consumidores de conservas de atum (1 535 toneladas), o terceiro lugar entre os compradores de conservas de sardinha (2 538 toneladas) e o quinto lugar entre os importadores de conservas de peixe não especificado.

De conservas de sardinha o primeiro cliente foi a Inglaterra que comprou 7 345 toneladas, seguida da França com 2 646 toneladas.

Em quarto lugar vem a Alemanha com 1 088 toneladas, seguida da América do Norte com 1 058, da Bélgica com 1 038, da Rússia com 842, do Brasil com 598, de Moçambique com 382 e da Holanda com 310 toneladas.

Nos anos de 1915-1918, a exportação média anual de peixe foi de 7 032 toneladas, a de conservas de 32 781 toneladas, sendo 29 303 referentes a sardinha.

No quinquénio 1920-1924, a média anual da nossa exportação de pescarias foi de 6 585,9 toneladas, enquanto que a de conservas foi de 43 999,2 toneladas, das quais 41 016,6 foram de sardinha.

No biénio 1925-1926 a exportação de conservas de peixe baixa para 42 246 toneladas (média anual).

A França foi, então, o principal consumidor de conservas de sardinha com um montante de 10 722 toneladas, seguida da Alemanha com 6 915 toneladas e da Inglaterra com 4 315 toneladas.

A média anual de exportações de conservas de peixe no quinquénio de 1930-1934 foi de 40 549 toneladas, inferior à de 1920-1924.

Em todo este processo, Setúbal ocupou sempre lugar cimeiro, como já verificámos anteriormente.

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