Início da indústria conserveira em Portugal - Primeiras empresas

Start of the canning industry in Portugal - First companies

Os estudos realizados não permitem quaisquer dúvidas da existência da fábrica de Manuel José Netto e Feliciano António da Rocha em Setúbal, fundada em 1854, fábrica de géneros alimentícios, de que consistiam em diferentes qualidades de peixe, principalmente sardinha em conserva de azeite, dentro de caixas de lata hermeticamente fechadas.

No mesmo ano ocorre aparentemente a separação dos dois sócios. Manuel José Neto foi então estabelecer uma sua fábrica em uma casa na Rua da Praia, em Setúbal. “Feliciano António da Rocha estabeleceu a sua fábrica, também na Rua da Praia, mas numa casa, que fazia esquina do lado poente do Largo da Anunciada” e participou na Exposição Universal de Paris de 1855, na qual recebeu uma menção honrosa pelas suas conservas.

Os excelentes trabalhos de investigação de Albérico Afonso com Carlos Mouro , Maria da Conceição Quintas e Ana Alcântara estão disponíveis no site do CAN THE CAN, no CONSERVAS DE PORTUGAL e reproduzimos aqui excertos das partes que abordam esta temática.

Tentámos encontrar todos os documentos referenciados nos textos, de forma a comprovar as informações.

O início da indústria conserveira em Portugal deu-se no ano de 1854 em Setúbal, como provam os trabalhos de Maria da Conceição Quintas, Ana Alcântara e Albérico Afonso com Carlos Mouro.

LINHAS DE EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA CONSERVEIRA EM SETÚBAL
Albérico Afonso e Carlos Mouro

OS PIONEIROS (1854 – 1880)

Deveu-se a Feliciano António da Rocha e a Manuel José Neto a introdução do método Appert em Setúbal. De facto, associados primeiro e, depois, individualmente, estes industriais possuíram duas “fábricas de conservas alimentícias “.

Criou-se, desde muito cedo, a ideia de que o fabrico das conservas de sardinha se teria iniciado aqui em 1880 – com a vinda para a cidade de capitais franceses. Guilherme Faria – o autor do trabalho sem dúvida mais divulgado sobre a indústria conserveira setubalense – chegou mesmo a escrever: “É frequente ouvir citar vagamente ter sido na nossa cidade, José Neto o precursor do fabrico de sardinhas enlatadas em azeite. Julgo ter tirado o caso a limpo e poder afirmar que a primazia desse fabrico cabe, de facto, ao industrial Delory”.

Hoje, porém, estamos em condições de afirmar tratar-se de um engano! Feliciano António da Rocha e Manuel José Neto, em sociedade, montaram em 1854 a sua fábrica de géneros alimentícios que consistiam em diferentes qualidades de peixe e, principalmente, sardinha em conserva de azeite, dentro de caixas de lata hermeticamente fechadas, sita no largo da Anunciada.

Não sabemos quando, exatamente se separaram os dois sócios. Porém, estamos em crer que essa separação se terá operado no mesmo ano de 1855, pois que no Catálogo dos produtos apresentados na Exposição Universal de Paris de 1855, o nome de Feliciano António da Rocha, que a ela concorreu, aparece isolado.

Também vem identificado no Nesta exposição obteria o industrial- setubalense – que concorria a par com outros fabricantes de conservas, por métodos artesanais – uma menção honrosa.

Como já afirmamos, não conhecemos a data exata em que Manuel José Neto se separou de Feliciano António da Rocha. Almeida Carvalho indica, como data de instalação da sua fábrica, o ano de 1855, que assim, coincidiria com o da separação dos sócios, situando-se “próximo à ponte do Livramento ou do Carmo”. É bem provável que assim tenha acontecido, tanto mais que o seu sócio – Feliciano António da Rocha – concorre isolado à Exposição Universal de Paris, em 1855 – como vimos.

In LINHAS DE EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA CONSERVEIRA EM SETÚBAL
Albérico Afonso e Carlos Mouro
1990

SETÚBAL, ECONOMIA, SOCIEDADE E CULTURA OPERÁRIA (1880-1930)
Maria da Conceição Quintas
1998

Início da actividade

“Foi também um francês quem, em virtude de terem rareado os cardumes de sardinha na costa bretã, veio estabelecer-se em Setúbal em 1880, o que provocou o aparecimento de fábricas congéneres nos centros piscatórios portugueses e espanhóis, apesar de em Vila Real de Santo António se haver montado, já em 1865, uma fábrica de atum em azeite”.

Esta referência, do Professor Ferreira da Costa da Universidade Técnica de Lisboa, esclarece-nos sobre a preferência dos industriais franceses pela cidade de Setúbal, para a instalação das suas fábricas de conservas de sardinha em Portugal, embora não ignore a existência de empresas nacionais que já se dedicavam à conservação do peixe em azeite; e como exemplo cita o caso da conserva de atum, que já havia tempo se fazia no Algarve.

Acrescente-se, contudo, que em Setúbal, já em 1854, iniciou o seu funcionamento uma fábrica de conservas que enlatava peixe utilizando o método Appert. Esta afirmação foi polémica entre os estudiosos do tema, facto que nos levou a tentar saber, junto dos documentos existentes no Arquivo Distrital de Setúbal e através da análise dos escritos do início do século XX, qual a verdade sobre o advento da indústria de conservas de peixe em Portugal e, mais concretamente, na cidade de Setúbal.

Os principais estudos, sobre o processo relacionado com o nascimento e desenvolvimento da indústria conserveira em Portugal, consideraram como primeiro pólo significativo no nosso país a unidade estabelecida pelo industrial de Lorient F. Delory no ano de 1880 em Setúbal num terreno junto à doca, pertença de Maria Leonor de Jesus Meneses Barreto que lho arrendou através de contrato realizado, no dia 19 de Novembro de 1880, entre o médico Manuel Francisco de Paula Barreto, filho da proprietária e Armand Houé em representação de F. Delory.

Guilherme Faria diz-nos que este industrial veio estabelecer-se em Setúbal “quando já outros fabricantes franceses o haviam precedido em Espanha”, ao definirem-se os aspectos da crise sardinheira francesa, que se prolongou de 1880 a 1888.
A França possuía então 200 fábricas, reduzidas em 1886, por efeito da crise, a 100.
E considera como ponto assente ter sido F. Delory o pioneiro da indústria de conserva de sardinha em Portugal. Mas tal não corresponde à verdade histórica, como nos foi dado verificar.

Ao pesquisar no Fundo Almeida Carvalho, existente no Arquivo Distrital de Setúbal, encontrámos elementos preciosos para o desbloqueio do impasse criado na primeira metade do século XX, quando se tentou localizar, no tempo e no espaço, a primeira empresa que produziu conserva de sardinhas, utilizando o método Appert.

Almeida Carvalho informa-nos que, em 1854, Manuel José Neto, “homem de negócio, trabalhador e empreendedor”, associou-se com Feliciano António da Rocha, também dedicado ao comércio, e ambos estabeleceram em Setúbal, e numa casa na travessa do Postigo da Pedra, nos 3, 5, 5A e 5B, uma fábrica de conservas de sardinha, contida em caixas de lata, sendo o género aplicado ao consumo do país e à exportação para o estrangeiro – América do Sul e África do Norte.

A sociedade, porém, dissolveu-se em fim desse mesmo ano. Manuel José Neto foi então estabelecer uma sua fábrica em uma casa na Rua da Praia, próxima da ponte do Livramento, do lado do norte e quase junto ao esteiro, ou ribeiro, da mesma denominação. Em 1858 foi impressa, na tipografia do Curioso, a tabela de preços dos seus produtos.

“Manuel José Netto, com Fábrica de Conservas Alimentícias na Praia de Setúbal nº5, encarrega-se de qualquer encommenda das mesmas conservas, tanto para o ultramar, como para o continente do Reino, responsabelisando-se pela sua conservação, ainda que seja por longa viagem: em cujo estabelecimento prepara os seguintes peixes pelos preços abaixo marcados, além dos quais fará um abatimento de a por cento conforme à quantidade que lhe for comprada.
N.B. Além das conservas em Azeite acima mencionadas se prepararão outras com moura em barris, cujos preços serão muito commodos.” Setubal: Typ. do Curioso, em Palhaes:1858
FONTE: Arquivo Distrital de Setúbal

“Feliciano António da Rocha estabeleceu a sua fábrica, também na Rua da Praia, mas numa casa, que fazia esquina do lado poente do Largo da Anunciada, tendo frente para este largo e para a mesma Rua da Praia […] A fábrica de Feliciano António da Rocha fechou-se por 1876, em resultado de terem escasseado os lucros e aumentado os prejuízos.
A fábrica de Manuel José Neto continuou funcionando, com mais ou menos dificuldades e ainda hoje, em 1894 funciona, em uma casa nº 32 de polícia, na Ladeira de S. Sebastião, para onde de há tempo se transferira”. Ainda em 1855, também, segundo Almeida Carvalho, “Manuel José Neto começou fazendo progressos e obtendo bons lucros […], próximo à ponte do Livramento ou do Carmo”.
No entanto, os negócios não eram florescentes. Em 1867, em escritura assinada no notário, Manuel José Neto declara-se devedor de 2 800$000 réis ao negociante de vinhos desta praça, José Inácio Gomes. Este dinheiro, diz, destinar-se-ia ao desenvolvimento da sua “fábrica de conservas alimentícias estabelecida na Rua da Praia desta cidade”.

Mas em 1879, Manuel José Neto arrendou as instalações da fábrica a Joseph Dallot, de nacionalidade francesa, mas residente em Setúbal, para instalação de um teatro.

Verificamos, assim, que Guilherme Faria desconhecia estes documentos quando afirmava ser “frequente ouvir citar vagamente ter sido, na nossa cidade, Manuel José Neto o precursor do fabrico de sardinhas enlatadas em azeite. Julgo [Guilherme Faria] ter tirado o caso a limpo e poder afirmar que a primazia desse fabrico cabe, de facto, ao industrial Delory[…]” , quando os seus contemporâneos mantinham a dúvida, baseados em documentos já então conhecidos.

Era o caso do nº 1181 do Catálogo dos produtos da agricultura e indústria portuguesa mandados à exposição universal de Paris em 1855, onde Feliciano António da Rocha é referido por ter obtido uma menção honrosa pelas suas conservas, como foi anunciado pelo Setubalense de 2 de Dezembro de 1855.

Neste artigo pode ler-se claramente que o prémio obtido por Feliciano Rocha fora atribuído às suas “conservas de peixe em azeite […], baseadas no método Appert, que pela primeira vez se aplica em Portugal”.

Também Vincenzo Floridi refere, em 1968, o prémio conseguido por portugueses em 1855, em exposições nacionais e estrangeiras:

“Setúbal, comunque, non era nuova a questo genere di tentativi, anche se poi essi non avevano avuto alcun seguito: così, nel 1855, all’Esposizione Universal di Parigi erano state premiate le conserve di pesce sott’olio preparate con il processo Appert da F. A. da Rocha, e, dieci anni più tardi, un altro setubalense, certo M. J. Neto, aveva aperto un opificio specializzato nella produzione conserviera di pagelli, dentici e naselli, che venivano esportati principalmente in Brasile […]”

e salienta a importância de Setúbal no evolver do processo conserveiro em Portugal.

Não podemos deixar de referir ainda que o próprio Feliciano A. Rocha torna a receber prémios, como por exemplo uma medalha na classe 3, secção B, na Exposição Universal de Londres, no ano de 1862.

Surge-nos também a informação de que em 1860 se estabeleceu em Setúbal outra fábrica de conservas alimentícias, situada na Ladeira de S. Sebastião, à esquina da Praça de S. Bernardo, cujo proprietário era Gustavo Carlos Herlitz, associado a seu tio António Maria Jales.

No FAC encontra-se ainda uma escritura de sociedade entre João Augusto Andorinha, “marítimo de barra fora” e Francisco António dos Reis, “funileiro e conserveiro”, para a instituição de uma fábrica de conservas alimentícias em 1861, de que não conhecemos outras referências.

Também Domingos Fias Pereira estabelecera em Setúbal “uma fábrica de géneros alimentícios – pescado, carnes e frutos” que teve curta duração, “acabando em 1869”.

Para concluir a análise da polémica gerada em torno da primazia na fundação da primeira fábrica de conservas de sardinha em azeite, utilizando o método Appert, no caso de ainda subsistir alguma dúvida sobre a anterioridade das empresas citadas, em relação à fábrica instituída por F. Delory em 1880 (em Setúbal ou em Olhão), teremos a ratificação de que aqueles industriais se dedicavam à conservação de peixe (especialmente sardinha), usando já o método Appert, que também foi utilizado posteriormente pelo industrial francês F. Delory.

Podemos ainda confirmar a veracidade das afirmações feitas, através da resposta da Associação Comercial de Setúbal ao quesito 4º da Portaria de 29 de Novembro de 1865:

“Quais são as matérias-primas ou produtos manufacturados cuja exportação pode ser promovida para os países estrangeiros ?”

Esta associação setubalense responde que “a sardinha e outros peixes de conserva” são elementos de grande peso na exportação, referindo ainda a existência de três fábricas de conserva de peixe e de fruta, na cidade de Setúbal. Eram, no entanto, unidades que funcionavam de modo ainda bastante artesanal, utilizando fundamentalmente a mão-de-obra e outros meios já existentes, como, por exemplo, o forno de padaria, citado por Guilherme Faria:

“Anda ligado ao nome de Manuel José Neto o aspecto um tanto pitoresco da cozedura (digamos assim) do peixe, em forno de padaria. Assinale-se porém que muitos industriais portugueses e durante anos usaram este processo, cozendo, ou antes, estufando as sardinhas em pequenos fornos que tinham nas suas fábricas”.

Apesar do primitivismo dos meios, estas empresas levaram a certames internacionais as conservas de peixe (especialmente de sardinha) produzidas em Portugal, mais concretamente em Setúbal e obtiveram prémios bastante significativos, como já foi referido. Mas estas técnicas evoluíram rapidamente, como se poderá verificar quando explicarmos a evolução do fabrico das conservas de peixe em Setúbal.

In SETÚBAL
ECONOMIA, SOCIEDADE E CULTURA OPERÁRIA (1880-1930)
1998
Maria da Conceição Quintas

A INDÚSTRIA CONSERVEIRA E A EVOLUÇÃO URBANA DE SETÚBAL
(1854-1914) Ana Alcântara 2008

A historiografia portuguesa aponta a data de 1865 como o ano da instalação da primeira unidade de produção de conservas de sardinha pelo método de esterilização em Portugal (Barbosa, 1941; Barro,1938; Cordeiro, 1989; Duarte, 2003; Faria, 1950; Justino, 1989 1998; Rodrigues, Mendes, 1999), em Vila Real de Santo António. O advento desta indústria em Setúbal e, pelos mesmos autores, apontado como tendo acontecido por iniciativa de industriais franceses, no ano de 1880. No entanto, alguns estudos dedicados a Historia da indústria conserveira setubalense (Alho, Mouro, 1988; A Industria conserveira em Setúbal, 1996) depararam-se com documentos que apontavam para o ano de 1854, como a data de fundação da primeira destas fábricas em Setúbal.

Confirmamos formalmente este dado historiográfico em:
– Catálogo dos Productos da Agricultura e Industria portuguesa mandados a Exposição Universal de Paris em 1855 (p.23) e na
– “Lista de recompensas concedidas aos expositores que concorreram à Exposição Universal de Paris ” (Boletim do Ministério das Obras Publicas, Comércio e Industria, n°11, p.276).
– No Catálogo dos produtos da (. . .) Exposição Universal de Paris encontramos a referência ao ”producto nº 1181 – sardinhas em conserva de azeite, de Setúbal, distrito de Lisboa, expositor Feliciano António Rocha” (p.23).

Podemos afirmar que, em Portugal, a indústria de conservas de peixe, pelo método da esterilização, foi introduzida em Setúbal, no ano de 1854, por iniciativa de Manuel Jose Neto e Feliciano António da Rocha – a primeira fábrica do nosso inventario.

O enfoque cronológico escolhido possibilita uma investigação sistemática no momento histórico que enforma uma viragem definitiva – que é técnica, social e cultural – da sociedade setubalense. Sendo que, 1854 foi o ano de fundação da primeira fábrica de conserva e 1914, o ano do inicio da Iª Guerra Mundial, que significou para a indústria conserveira portuguesa um grande “boom” de produção – em resposta a grande procura provocada pela guerra de 1914-1918 – o que se traduziu na multiplicação do número de fabricas em Setúbal e, logo, na entrada numa lógica de produção em larguíssima escala.

In A Indústria conserveira e a evolução urbana de Setúbal (1854-1914) Ana Alcântara 2008

NOTA CAN THE CAN

Identificámos ainda que também vem referido noCatalogue Officiel publié par orde de la Commission Impériale, Deuxième Édition, Paris, E. Panis, Éditor, 1855, Royaume de Portugal, Página 518. Feliciano António da Rocha aparece aqui registado com o expositor nº284 Da Rocha (F. Ant.), à Setúbal (Lisbonne) – Sardines à l`huile.
Também vem identificado no catálogo da Liste Générale par orde Alphabétique des Exposants • Exposition Universelle 1855

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