Sebastian Ramírez (1828-1900) reprodução parcial do livro anotada e com ligações

Abreviaturas

ADF RN Tavira, Arquivo Distrital de Faro Registos Notariais de Tavira

ADF RN VRSA, Arquivo Distrital de Faro Registos Notariais de Vila Real de Santo António

ADF RP VRSA, Arquivo Distrital de Faro Registos Paroquiais de Vila Real de Santo António

AHM VRSA, Arquivo Histórico Municipal de Vila Real de Santo António

BNP, Biblioteca Nacional de Portugal

TT, Arquivo Nacional Torre do Tombo

Toponímia de Vila Real de Santo António

Toponímia original vs Toponímia actual

Praça Real – Praça Marquês de Pombal
Rua de Santo António – Rua Manuel de Arriaga
Rua da Vitória – Rua Conselheiro Frederico Ramírez
Rua Beneditina – Rua Dr. Teófilo Braga
Rua Mariana – Rua 5 de Outubro
Rua Clementina – Rua General Humberto Delgado
Rua de S. Sebastião – Rua Combatentes da Grande Guerra
Rua da Rainha – Avenida Da República
Rua da Princesa – Rua da Princesa
Rua do Príncipe – Rua do Jornal do Algarve (a sul da Praça) e Rua José Barão (a norte da Praça)
Rua do Senhor Infante – Rua 1º de Maio (a sul da Praça) e Rua António Capa (a norte da Praça)
Rua do Infante D João – Rua Dr. Sousa Martins
Rua de S. José – Rua Almirante Cândido dos Reis

El Almendro

Sebastian Ramirez y Rodriguez 2 nasceu em 1828, desconheço o dia e o mês.

Os registos paroquiais de El Almendro ficaram muito danificados durante a guerra civil de 1936, daí as dificuldades em conhecer certos dados. Conheço o ano, apenas porque no seu testamento, feito a 3 de Setembro de 1888, declarou que tinha 60 anos e que era natural da vila de El Almendro, que fica no distrito de Huelva, em Espanha.

Era filho de Francisco Ramirez e de Maria de los Ramos Rodriguez, irmão de Domingos Ramirez, casado com Mercedes Perez, que foram os pais de Maria de los Ramos Ramirez Perez, Francisco Ramirez Perez e Maria Antónia Ramirez Perez, e de Isabel Ramirez, casada com Bartolomeu Mederos Roldan, pais de Maria de los Dolores Medeiros Ramirez, Maria de los Ramos Medeiros Ramirez e Francisco Medeiros Ramirez, todos de El Almendro 3.

Esta vila foi criada pelo Duque de Medina-Sidónia, também Conde de Niebla, a 21 de Março de 1519, quando ordenou aos habitantes da antiga povoação de Osma para, no prazo de um ano, se transladarem ao lugar da Fuente del Almendro. 4

Da povoação de Osma pouco se conhece, mas julga-se que estaria nas imediações da actual ermida de Nossa Senhora de Piedras Albas. 5

Existia então grande tensão entre os vizinhos Condado de Niebla e Marquesado de Gibraleon, que disputavam o controle da fronteira e do comércio com Portugal. Quando o Marques de Gibraleon fez o repovoamento da aldeia de Castillejos, que estava quase encravada no condado de Niebla, o Duque de Medina-Sidónia e Conde de Niebla, em resposta, contra-ataca estrategicamente com o translado de Osma para o limite do seu território mais próximo de Castillejos 6, embora evocando para a mudança razões de salubridade.

Foram difíceis para os habitantes de El Almendro os tempos que se seguiram.

No período de 1640 a 1668, durante a guerra da Restauração, eram frequentes as investidas de tropas portuguesas naquela região. Saqueavam gados e demais haveres, queimavam habitações, provocando grande pânico na população. Também durante a Guerra da Sucessão espanhola, de 1702 a 1714, as invasões portuguesas, devastaram as povoações do Andévalo Ocidental.

Mas o pior aconteceu com as invasões de Napoleão Bonaparte, entre 1808 e 1814. El Almendro e Villanueva de los Castillejos, converteram-se em quartel-general e teatro de operações das tropas que actuavam na fronteira com Portugal, com grande sofrimento dos habitantes que tinham de alojar e manter os exércitos, e sem os rendimentos dos bens comuns, os próprios 7, sua principal fonte de receitas.

Foi grande o êxodo dos seus habitantes e da vizinha Villanueva, para diversas localidades portuguesas do Algarve e do Alentejo.

Diz o Padre Emiliano Rodriguez, no seu livro Monografia de El Almendro: ” … entonces jue quando se desmembró esta poblacion emigrando quasi todo el vecindario a otros pueblos donde no se dejába sentir al azote de la guerra y muy especialmente al vecino Reino de Portugal en donde los mas acaudalados abandonando para siempre sus moradas se establecieron y fijáram defenitivamente su residencia.” 8

2 O seu nome em Portugal foi apenas Sebastian Ramirez.

3 Dados constantes dos registos de baptismo dos filhos de Sebastian Ramirez.

5 A tradicional romaria em honra da Virgem de Piedras-Albas, padroeira de El Almendro e de Villanueva de los Castillejos, começa no domingo de Páscoa. O dia principal é a 3ª feira seguinte, com a procissão da imagem da Virgem ( a actual imagem é dos anos 50 e substitui a antiga, destruída na guerra civil de 1936). Muitos romeiros vão a cavalo, e é muito curiosa a dança executada por dois pares de homens com trajes típicos, tocando castanhola em frente ao andor.

6 As duas vilas estão praticamente ligadas, estando apenas separadas por uma pequena ponte.

7 Terrenos baldios administrados pelo Município, aproveitados pelos habitantes principalmente com a pecuária

8 BNP Jornal Novidades 8/2/1925

Família

Sebastian Ramirez foi um dos muitos que nesse período viera para Portugal. Veio para Vila Real de Santo António, julgo que em 1849 ao atingir a maioridade, pois é de este ano o primeiro documento que dele encontrei, teria portanto 21 anos de idade. Aqui fixou residência, sem perder a nacionalidade espanhola nem os laços que sempre o ligaram a terra natal.

Da sua vida pessoal, nesses primeiros anos, nada sei. Somente dez anos depois da sua vinda, em 1859, fez o arrendamento de ”uma morada de casas térreas situadas na Rua do Príncipe, hoje habitadas por Dom Barnabé de Orta 9 até ao último dia de Setembro do presente ano, e depois do dito dia a dita morada com todo o seu logradouro e seu grande quintal com porta para a travessa da rua da Vitória, ficara pertencendo-se o arrendamento a Dom Sebastião Ramires, do comércio desta vila, pelo tempo de três anos … pela quantia anual de trinta mil reis, sendo dois anos pagos adiantados … “ 10

Em 31 de Julho de 1861 renovou o anterior contrato por mais três anos, até 30 de Setembro de 1865, nas mesmas condições, ficando a cargo do senhorio repassar todas as telhas do telhado antes da época das chuvas, e de conta do inquilino substituir os vidros partidos das portas e janelas.

Em 24 de Dezembro de 1864 fez mais um contrato, em que renovou o arrendamento anterior feito em 1861, para começar a 1 de Outubro de 1865 e terminar a 1 de Outubro de 1869, de uma casa térrea na rua do Príncipe, “que parte pelo norte com Manuel Cesário, sul e nascente com rua corrente e poente com Eusébio Rocha”. Este prédio já não deve existir. Teria a porta para a actual Rua José Barão, e porta do quintal para uma travessa a rua Conselheiro Frederico Ramirez, possivelmente o grande gaveto onde mais tarde foi construído o prédio da Associação Democrática.

A 21 de Março de 1861, em El Almendro, realizou-se o seu casamento com Maria de los Dolores Garcia y Martin, nascida em 1841 também nessa vila, filha de José Garcia Correa e Catalina Martin Ponce, neta paterna de José Garcia e de Ana Correa Rodriguez e neta materna de Marcos Morano Blanco e de Maria Ponce Blanco.

Maria de los Dolores era a mais velha de cinco irmãos:

Marcos Santiago Garcia y Martin, nascido em 1842, que casou com Emília Perez Barroso;

António Garcia y Martin, nascido em 1844, que casou com Madalena Perez Barroso;

Manuel Garcia y Martin que casou com Maria Dolores Perez Barroso;

Juan Valentin Garcia y Martin, nascido em 1850, que ficou solteiro

Três destes seus cunhados vieram, também, para Portugal. O Marcos foi primeiro para Aldeia Nova de S. Bento e depois para Lisboa.

O António fixou-se em Barrancos, e o Manuel na Aldeia Nova de S. Bento.

Juan Valentin, foi comerciante como os irmãos, mas ficou em Espanha, em Huelva.

Sebastian Ramirez e sua mulher Maria de los Dolores tiveram onze filhos, dos quais faleceram cinco com pouca idade:

Catalina – muito provavelmente terá nascido em El Almendro, em Novembro de 1861, pois não existe registo de seu baptismo em Vila Real de Santo António. A sua existência esta apenas documentada pelo registo de seu óbito ocorrido a 18 de Novembro de 1864, em Vila Real de Santo António, com a indicação de ” 3 anos de idade”; 11

Francisco – nasceu em Vila Real de Santo António, a 6 de Março de 1863, e foi aí baptizado a 26 de Abril do mesmo ano. Foram seus padrinhos “Marcos Garcia y Martin e Maria Dolores Medeiros, solteira” 12. Terá falecido antes de 1867, pois assim se justifica o nome dado ao quarto filho, nascido nesse ano;

José – nasceu a 5 de Setembro de 1865, em Vila Real de Santo António e aí foi baptizado a 4 de Outubro seguinte. Foram seus padrinhos, “António Garcia y Martin, representado por Juan Valentin Garcia y Martin, e Ana Garcia Sanchez, representada por Maria Dolores Medeiros Ramirez”. 13 Faleceu com 2 anos de idade, a 25 de Novembro de 1867. 14

Francisco – nasceu em Vila Real de Santo António, a 20 de Abril de 1867, e recebeu o baptismo a 18 de Maio desse ano. Foram seus padrinhos Bartolomeu Medeiros e sua mulher Isabel Ramirez. 15 Faleceu pouco depois, a 2 de Junho; 16

Sebastian – nasceu em El Almendro, a 6 de Julho de 1868, e terá sido aí baptizado; 17

Frederico – nasceu em Vila Real de Santo António, a 26 de Novembro de 1869, e foi baptizado a 20 de Dezembro desse ano. Foram padrinhos Manuel Garcia y Martine Juan Valentin Garcia y Martin; 18

Maria – nasceu a 11 de Agosto de 1871, em Vila Real de Santo António e foi aí baptizada a 30 de Setembro. Foram seus padrinhos Marcos Garcia y Martine Emília Garcia Barroso; 19

Catalina – nasceu a 23 de Março de 1874 em Vila Real de Santo António, foi baptizada a 24 de Abril seguinte. Foram seus padrinhos António Garcia Correa e Ana Garcia Sanchez. 20 Faleceu a 16 de Outubro do mesmo ano; 21

Manuel – nasceu em Vila Real de Santo António, e aí foi baptizado a 6 de Setembro de 1876. Seus padrinhos foram Juan Valentin Garcia y Martine Jacinto José de Andrade tocou com a coroa de Nossa Senhora; 22

António – nasceu a 15 de Dezembro de 1877, recebeu o baptismo a 20 de Janeiro de 1878, sendo seus padrinhos “Marcos Garcia y Martin, negociante, de Lisboa e Maria das Dares Medeiros Ramires, solteira”; 23

Emílio – nasceu a 4 de Abril de 1882, foi baptizado a 19 de Abril do mesmo ano, foram seus padrinhos “José Ortega Garcia, casado e Catalina Garcia Peres, solteira, moradores em Barrancos” ; 24

Vila Real de Santo António tinha, então, somente ensino primário, em duas escolas oficiais e algumas particulares.

Sebastian Ramirez, certamente preocupado com a educação dos filhos, o mais velho dos sobreviventes com dez anos de idade, celebrou em 1878, com Bartolomeu Augusto de Mendonca Pessanha um “contrato de instrução literária” 25, verdadeiramente interessante e muito pouco habitual, pelo que passo a transcrever a sua parte principal:

“Se obriga a durante seis anos que terão início no primeiro dia do mês de Março corrente e findarão em outro igual dia e mês de mil oitocentos e oitenta e quatro, a ensinar doze alunos, cujo número nunca poderá exceder, as seguintes disciplinas professadas nos liceus: instrução primária, curso completo de português, latim primeira e segunda partes, princípios gerais de gramática, análise lógica e gramatical, leitura e tradução da selecta segunda, os cursos completos de francês e desenho, cabendo no tempo tudo para a admissão nos liceus. Que mais se obriga … a dar aulas todos os dias, de verão, de manhã, das oito horas às onze, de tarde, das três as seis horas, e no inverno, de manha, das nove horas às doze e de tarde das duas as cinco, excepto às quintas feiras e domingos e dias santificados, que não será obrigado a fazer aula, bem como todo o mês de Setembro, não deixando de perceber … nos meses de Setembro, apesar de não fazer aula, a quantia dita mensal de vinte e cinco mil reis e aluguel da casa. Que … mais se obriga a ensinar aos alunos tudo quanto necessário seja para a cultura moral e intelectual dos mesmos. Que mais se obriga a tratar com carinho filial os seus alunos”

Este documento, que especifica muito bem quais eram as obrigações do professor, algumas delas de grande actualidade, dá-nos uma ideia de como seria o funcionamento daquela escola, no remoto ano de 1878. E quanto à modalidade de o professor ser pago no tempo das suas férias de um mês, julgo que seria revolucionária para a época.

Para completar esta parte inicial, que lamentavelmente relata bem pouco a vida familiar de Sebastian Ramirez, passo a transcrever dois capítulos do testamento que Sebastian e Maria de los Dolores fizeram em Ayamonte, em 1888 26, em que constituem seus herdeiros os seis filhos vivos nessa época:

“Capitulo Cuarto:

Manifiestan que al casarse aporto la Dona Maria de los Dolores Garcia y Martin sus ropas y algunas alhajas; e Dom Sebastian Ramirez se encontraba ya dedicado á los negocios mercantiles, pero estos no tenian ni con mucho la importancia que han revestido después, asi es que estima no debe figurar capital alguno por su parte como importado al casarse, y que estimándose compensados ambos conyuges con lo que respectivamente llevaran, todos los bienes que al falecer cualquiera de los testadores existan, deben considerarse como gananciales, excepcion hecha de lo que durante el matrimonio hayan heredado.”

Fica assim confirmado pelo próprio Sebastian Ramirez, que até ao ano de 1861 não tinha património significativo, quer em Portugal como em Espanha.

Como não consta que durante a sua vida tivesse recebido qualquer herança, podemos concluir que atingiu a posição que hoje classificaríamos de empresário de sucesso, apenas com o seu trabalho e a sua inteligência.

“Capitulo Sexto:

Los otorgantes se legan mutuamente el quinto de sus respectivos bienes, es decir Don Sebastian Ramirez y Rodriguez a su muger Dona Maria de los Dolores Garcia y Martin; y Dona Maria de los Dolores Garcia y Martin a su marido Don Sebastian Ramirez y Rodriguez. Este legado del quinto ha de entenderse en propriedad, proponiéndose con el los testadores un fin especial que es el seguiente: alguno de sus hijos tiene concluida ya su carrera, otros estan siguiéndola; y otros le abran de seguirla: los que otorgan no quieren que en manera alguna se haga a dichos sus hijos deducion en su legitima de las cantidades que por el explicado concepto puedan con ellos haberse gastado, y el superviviente de los testadores hara por si y ante si sin intervencion absoluta de persona alguna, con el producto ó valor de los bienes del quinto los gastos necesarios respecto los que aun no hubieran concluido ó emprendido su carrera, y entre todos los hijos las compensaciones que estime convenientes, para que resulten igualados y sin perjuicio por razon de los gastos á que cada uno de ellos hubiera dado ocasion.”

Neste capítulo revelam os testadores a sua preocupação com a futura harmonia entre os filhos, e, em outro aspecto menos relevante mas curioso, que um décimo do seu património de raiz, em 1888, seria mais do que suficiente para a formação dos cinco filhos que ainda não têm “concluída yá su carrerra”.

O único que então já tinha concluído os seus estudos em Liverpool, era Sebastian. Aparece, ainda solteiro, em escrituras efectuadas em Vila Real de Santo António, como Sebastião Ramires Junior, mas o seu nome era, de facto, Sebastian Claúdio Ramírez Garcia, e manteve a cidadania espanhola. 27 Casou com Cristina Maestre Cumbrera, filha de Juan Maestre Cumbrera e Joana Perez Barbosa, a 26 de Junho de 1892, em Vila Real de Santo António, sendo testemunhas Jacinto Jose de Andrade e Matias Perez Rojo. Foi industrial em Vila Real de Santo António e lavrador em Espanha. Faleceu a 8 de Agosto de 1933, em Vila Real de Santo António.

Frederico estaria ainda a estudar na data do testamento dos pais. Formou-se em engenharia civil, em 1892, na Escola do Exército em Lisboa. Em Fevereiro de 1888 preparou a mudança de cidadania, com a apresentação na Câmara Municipal de Vila Real de Santo António de “um requerimento de Frederico Alexandrina Garcia Ramirez que declara quer ser cidadão português e pede que reduza a termo esta declaração”. 28 Casou com sua prima Maria Garcia Barroso, filha de Marcos Santiago Garcia y Martin e de Emília Perez Barroso. Foi industrial em Vila Real de António. Teve um brilhante percurso político, tendo sido chefe do Partido Progressista no Algarve, deputado pelo Algarve as Cortes, de 1892 a 1908, Governador Civil de Faro em 1904/1905, com Carta de título do Conselho, concedida pelo rei D. Carlos. 29  Também foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, de 1902 a 1904. Faleceu a 30 de Outubro de 1935, em Vila Real de Santo António.

Maria de los Ramos Ramirez Garcia, 30 manteve a nacionalidade espanhola. O seu nome no registo de casamento era Maria dos Ramos, e no registo de óbito apenas Maria. Casou a 1 de Abril de 1891, em Vila Real de Santo António, com Santiago Perez Ponce y Sanchez, 31 de 26 anos, natural de Tavira, filho de Santiago Perez Ponce, de Villanueva de los Castillejos e de Maria del Rosario Sanchez del Barco, de Lepe. Foram testemunhas deste casamento João António de Barros Proença, de Lisboa e Jacinto José de Andrade 32. Faleceu a 21 de Janeiro de 1892, na sua residência na Rua de Rainha, em Vila Real de Santo António, 33 sem filhos.

Manuel Garcia Ramirez, também optou pela nacionalidade portuguesa. Casou com sua prima Emília Garcia Barroso, filha de Marcos Santiago Garcia y Martin e de Emília Perez Barroso. Foi industrial em Vila Real de Santo António e Albufeira. Faleceu a 31 de Dezembro de 1946, em Lisboa.

António Ramirez Garcia faleceu com 11 anos de idade, a 24 de Janeiro de 1889. 34

Emílio Garcia Ramirez, também de nacionalidade portuguesa, frequentava em Liege, na Bélgica, o curso de engenharia eletrotécnica. Estando de férias em Vila Real de Santo António, naufragou o barco a vela em que passeava com amigos, cerca do sítio do Cabeço, a 19 de Julho de 1903. 35 Nesse acidente faleceu ele e mais três dos companheiros. 36

9 Era súbdito espanhol, natural do Alonso, filho de António José de Orta, fidalgo da Casa Real portuguesa, a quem D . PedroV fez visconde de Orta, por decreto de 5 de Julho de 1854 e, que viveu bastante tempo em Vila Real de Santo Antonio

10 ADF RN VRSA (3-2-185) fls. 102v de 20/4/1859

11 ADF RP VRSA óbitos 1864

12 ADF RP VRSA Baptismos 186

13 ADF RP VRSA Baptismos 1865 Ana Garcia Sanchez, filha de António Garcia Correa e de Maria del Rosário Sanchez Macias, casada com Carlos Plá y Soto, era portanto sobrinha de José Garcia Correa.

14 ADF RP VRSA óbitos 1867

15 ADF RP VRSA Baptismos 1867

16 ADF RP VRSA óbitos 1867

17 A data e o local do seu nascimento estão documentados pelo seu registo no Consulado de Espanha em Vila Real de Santo António.

18 ADF RP VRSA Baptismos 1869

19 ADF RP VRSA Baptismos 1871

20 ADF RP VRSA Baptismos 1874

21 ADF RP VRSA óbitos 1874

22 ADF RP VRSA Baptismos 1876

23 ADF RP VRSA Baptismos 1878

24 ADF RP VRSA Baptismos 1882 José Ortega Garcia era casado com Maria dos Remédios Pérez Barroso, irmã de Madalena e Emília Perez Barroso. Catalina Garcia Perez era filha de António Garcia y Martin e Madalena Perez Barroso

25 ADF RN VRSA (3 -2-247) fl. 4 de 11/3/1878

26 Notário de Ayamonte Enrique Nieto y Carlier, de 3/9/1888
Vai reproduzido na integra em Apêndice VIII

27 Actualmente todos os seus descendentes são portugueses.

28 AHM VRSA Actas da Câmara Municipal e Vila Real de Santo António – Livro 5 -25/2/1888

29 ANTT Registo Geral de Merês D. Carlos 1905 – Livro 21 fls. 119v e seguintes.

30 Em 1882 Maria de los Ramos participou nos “Festejos em Villa Real de Santo António por occasião do Centenário do Marquês de Pombal” a, 6 de Maio, no sarau musical na sala principal dos Paços do Concelho com a ária dos “Puritanos” para violino e piano, e no dia 7 na distribuição de “o bodo a 200 pobres” – Monografia do Concelho de Vila Real de Santo António por Francisco Xavier d’Ataíde de Oliveira -p. 112.

31 AHM VRSA Actas da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António – Livro 6 “requerimento de Santiago Perez Ponce Sanches médico, para ser admitido ao concurso para provimento do segundo partido de medicina e cirurgia”. Santiago Perez Ponce y Sanchez casou em segundas núpcias com Laura Silva, filha de Francisco António da Silva e Domiciana Delgado Silva, de Tavira. Tiveram além de outros filhos, Domiciana Silva Ponce que casou com Luciano Sena Dentinho, Ilda da Silva Ponce, que casou com Diogo Bandeira de Lima e Judite da Silva Ponce que casou com Diogo Castelo Branco.

32 ADF RP VRSA Casamentos 1891

33 ADF RP VRSA óbitos 1892

34 ADF RP VRSA óbitos 1892

35 ADF RP VRSA óbitos 1903

36 Jornal “Guadiana” n°18 de 30/7/1903 no naufrágio do “Hersilia” faleceu também João Sá e os dois tripulantes, Carlos Fonseca e Manuel Caldeira. Salvaram-se os outros dois passageiros José Higino Júnior e José Lima.

Comerciante

Como muitos outros emigrantes andaluzes, Sebastian Ramirez iniciou a sua nova vida em Vila Real de Santo António como empregado de comércio. 37 Encontrei actos notariais, em 1849, 1850 e 1852, em que intervém como testemunha ” … Sebastião Ramires, caixeiro, residente nesta vila:” 38

Em 13 de Janeiro de 1853 interveio, também, como testemunha em escritura, como “Sebastião Ramires, negociante, residente nesta vila:” 39

Nesse mesmo ano, em escritura de 1 de Junho, José Mora Gomez, Sebastian Ramirez e Silvestre Garcia-Pêgo, negociantes, arrendaram a Luís Cassar “os baixos da sua morada na Rua da Rainha, nesta vila, esquina com a Rua Beneditina, com a qual confronta a sul, e casa contigua na Rua Beneditina, por quatro anos, com efeito a partir de 1 de Maio de 1853 e a terminar a 30 de Abril de 1857, prorrogáveis por outros quatro anos, destinado a um estabelecimento de negócios, com pagamento de 50$000 reis por ano … tendo recebido dos arrendatários cinquenta mil reis em moeda sonante não ficando nada a dever do primeiro ano do arrendamento”, ficando os arrendatários obrigados a devolver a casa no mesmo estado em que a receberam.

Na escritura pública deste contrato, esta reproduzida uma procuração do senhorio para Sebastião do Rosário Vieira poder assinar ”uma escritura de arrendamento a companhia Mora, Ramires & Pego“, para fazerem seu estabelecimento de negócio”. 40

Este estabelecimento ficaria na esquina das actuais Avenida de República e Rua Teófilo Braga, e casa contigua nesta rua. 41

Portanto, nesse ano de 1853, Sebastian Ramirez constituiu uma sociedade comercial com José Mora Gomez e Silvestre Garcia-Pêgo.

De José Mora Gomez nada mais se conhece. É uma simples hipótese ter sido o patrão de Sebastian Ramirez, que depois fez sociedade com os empregados, e por isso figurava em primeiro lugar na denominação da sociedade. Era uma situação muito usada, principalmente quando não existia filho varão que assegurasse a continuidade do negócio.

O outro sócio, era natural de Villanueva de los Castillejos, filho de outro Silvestre Garcia-Pêgo e de Joana de Mora Feria, e casado com Isabel Perez Mora, possivelmente da família de José Mora Gomez.

A sociedade “Mora, Ramires & Pêgo” pagou a sua primeira licença de comércio, de 600 reis, a 24 de Junho de 1853, à Camara Municipal de Vila Real de Santo António. A sociedade fez o pagamento desta licença nos anos seguintes, até 27 de Janeiro de 1859. 42

Entretanto, as perspectivas da sociedade deveriam ser muito boas.

A 1 de Maio de 1855, dois anos antes de findar o arrendamento do estabelecimento, renovaram o contrato com Luís Cassar, agora pelo prazo de dez anos, a findar a 30 de Abril de 1865, acrescentando a área anteriormente ocupada, uma parte de um armazém e quintal contíguos, pertencente à fábrica para estivar sardinhas, existente nos baixos da casa de morada do arrendatário, “as quais partes lhe serão marcadas e divididas por uma parede do nascente ao poente”, tudo pela quantia de sessenta e quatro mil reis, sendo os quatro primeiros anos pagos adiantadamente, e depois ano a ano, também adiantadamente.

Este contrato foi reduzido a escritura pública. 43

O sócio José Mora Gomez poderia ter falecido em 1859, pois a licença de comércio relativa aos anos seguintes, de 1860 até 1865, foi paga por outra sociedade, com a denominação de Ramires & Pego“.

Por sua vez, a sociedade “Ramires & Pêgo” teria sido dissolvida em meados de 1865, possivelmente com o falecimento de Silvestre Garcia- Pêgo. A licença de comércio, de 1866 até 1883, foi paga em nome de Sebastião Ramires, 44 não existindo, actualmente, livro de registo para datas posteriores.

O comércio em Vila Real de Santo António, nessa época, estava muito longe de ser o comércio especializado dos nossos dias.

Sebastian Ramirez e seus sócios, negociaram os mais variados produtos, de diversas origens, de que tenho alguns exemplos.

Constituição de dívida de 600$000 reis com garantia de hipoteca, que fez José Guerreiro Abrantes, por fornecimento de fazendas desde 1853, a favor de “Mora, Ramires & Pêgo”, com casa de comércio. 45

Sebastian Ramirez e Silvestre Garcia-Pego, em conjunto com Miguel Gomez Roldan, compraram cinco moradas de casas em Vila Real de Santo António, a João Martins, e sua mulher Maria Molina Martins, de Ayamonte, 46 casas que revenderam quatro anos depois, em 1864 a João António Machado. 47

Existe com a data de 20 de Janeiro de 1865, um “Instrumento de protesto que fazem … como 1 ° outorgante Fernando Alvares Barbosa e 2°s outorgantes Sebastião Ramires e seu sócio … que tendo chegado hoje ao porto desta vila o vapor de carreira do Algarve “Vitória” 48 , de que e capitão Tomas Baptista Ribeiro, trazendo carregação de diversas fazendas para eles negociantes; aconteceu que tratando eles de mandar conduzir para os seus armazéns as referidas fazendas, se acharam avariadas doze peças de elefante pertencentes a Fernando Alvares Barbosa e bem assim mais vinte e oito, do mesmo elefante, pertencentes a Sebastião Ramires e seu sócio Silvestre Garcia-Pêgo.

Em vista de que havendo esta avaria e prejuízo que eles sofrem pela negligência do capitão do vapor por não virem bem acondicionadas dentro do referido vapor, foram avaliadas as peças avariadas por …sendo avaliado o prejuízo do 1 ° outorgante em 36$000 reis e como avaliam o prejuízo dos 2°s outorgantes em 67$000 reis”. 49

Por escritura de 14 de Junho de 1862, Sebastian Ramirez e Silvestre Garcia-Pêgo, venderam a James Mason representado pelo procurador António José Barroso, um armazém no sítio do Pomarão, por 120$000 reis. 50

Existe um contrato feito a 9 de Setembro de 1866 entre Sebastian Ramirez e Manuel Rosa Sénior ”para o fornecimento de oitenta e um milheiros de esparto de boa qualidade, sem avaria, posto no rio desta vila até 15 de Janeiro de 1867, pago por cada milheiro de 210 quilos, 5$500 reis, pesado a bordo” 51

Transcrevo uma curiosa nota escrita à mão, que encontrei no verso de uma tira de papel que cintava uma cópia de escritura de 1856:

“P. de Málaga

Pedido por Dn Sevastian Ramirez de Villa Real a los Hos Fernandez
Salgado .. de Coin, en 1 fardo con “a Dn Manuel Ramos de Cadiz
para que remita a Dn Blas Annásia de Ayamonte Cº de la X por c/o

1 … lienzo azul para colchon 4/4 chamadas dama comun y partido 24%
1 … cuta axul 4/4 37%
1 … pilugaster N60 4/4 5 3/4
1 mantel alegria 16/4 por 8/4
1 (mantel) juego dama 16/4 por 8/4
1 … servilletas alegria 24 pº
1 … (servilletas) juego dama 24 pº
precio de savanas plugaster N30 de 175 cent
(precio de savanas) reguela N20 de 175 cent”

Confirmação de dívida de 275$000 reis, com hipoteca, que fez Bartolomeu Peres Vallelhano, de Castillejos, morador em Tavira, a favor de Sebastian Ramirez 52 e quitação desta dívida em 1872  53.

Escritura de “confissão de divida e constituição de hipoteca que faz Manuel Sola a Sebastião Ramires, de 200$000 reis, por vários fornecimentos de farinha de trigo vendidos a fiado, em dificuldades e apuros, para se cozer pão”. 54

Confissão de dívida de 111$800 reis e hipoteca de casa em Alcoutim, que fez Júlia Maria da Costa, de Alcoutim, a Sebastian Ramirez, por mercadoria levantada da loja.  55

Existem muitas outras escrituras de constituição de divida, garantida por hipoteca a seu favor, com diversos fundamentos, geralmente com o prazo de três anos e ao juro de 10%. Apenas encontrei uma em que a causa da dívida tinha sido um empréstimo concedido. Encontrei mais outras cinco escrituras de compra e oito escrituras de venda de moradas de casas térreas, que não transcrevo.

Em nenhum documento encontrei alguma indicação de que Sebastian Ramirez tenha contraído um qualquer empréstimo.

Consta do “Livro da contribuição ao trabalho” que de 1867 até 1874, Sebastian Ramirez tinha a trabalhar consigo dois caixeiros:

Nos anos de 1867 a 1868, de 1868 a 1869 e de 1869 a 1870:

“Rua do Príncipe – Sebastião Ramires e caixeiros Valentim e Jacinto (3) 2.160 reis 56

Nos anos de 1871 a 1872, de 1872 a 1873 e de 1873 a 1874:

“Rua da Rainha – Sebastião Ramires, caixeiros Valentim e Jacinto, e criado José (4) e 1 cavalgadura 2$900 reis”. 57

37 Por exemplo, Francisco Rodriguez Tenório, natural de Villanueva de las Castillejos – o homem das barbas da lata de atum – iniciou-se no comércio como marçano, em Loulé, depois foi caixeiro em Vila Real de Santo António.

38 ADF RN VRAS (13-2-142) fls. 46v de 23/11/1849 ADF RN VRSA (3-2-142) fls. 50v de 30/12/1849 ADF RN VRSA (3-2-138) fls. 207 de 10/8/1850 ADF RN VRSA (3-2-143) fls. 89 de 30/11/1852.

39 ADF RN VRSA (3-2-143) fls. 92

40 ADF RN VRSA (3-2-143) fls. 109

41 Onde actualmente existe o estabelecimento de ourivesaria Mateus.

42 AHM VRSA Livro de Registo de Licenças de Comércio 1850-1881

43 ADF RN VRSA (3-2-190) de 14/6/1855  Esta escritura vai transcrita em Apêndice II para demonstrar que no quintal ou nos armazéns pertencentes à salga da sardinha existiu um poço onde era recolhido o óleo que escorria dos barris com sardinha estivada. A eliminação destas gorduras era uma operação indispensável para a boa qualidade do produto. Deste modo os  barris com sardinha ficariam armazenados pelo menos durante a as primeiras semanas nas dependências anexas ao telheiro e, não em casa na Rua da Princesa, fronteira à porta desse quintal, como tem sido afirmado.

44 AHM VRSA – Livro de Registo de Licenças de Comércio 1882-1883

45 ADF RN VRSA de 17/7/1856

46 ADF RN VRSA (3-2-193) fls.3 de 12/12/1860

47 ADF RN VRSA (3-2-206) fls. 11 de 5/10/1864

48 Este vapor “Vitória” transportava passageiros e carga no percurso Lisboa-Vila Real de Santo António, que fazia em 36 horas, com eventuais paragens em Portimão, Faro e Tavira. Era propriedade de “Warburg&Dotti”.

49 ADF RN VRSA (3-2-206) de 20/1/1865

50 ADF RN VRSA (3 -2-193) fls. 72 de 14/6/1862

51 ADF RN VRSA (3-2-06) fls. 104 de 9/9/1866

52 ADF RN VRSA (3-2-206) fls . 46 de 13/8/1865

53 ADF RN VRSA (3 -2-223) de 12/1/1872

54 ADF RN VRSA (3-2-247) fls. 13 de 31/12/1877

55 ADF RN VRSA (3-2-294) fls . 24 de 22/1/1891

56 AHM VRSA Livro do lançamento da contribuição do trabalho – Lv002, Lv003 e Lv004

57 AHM VRSA Livro de lançamento de contribuição do trabalho – Lv005, Lv006 e Lv007

Salga da Sardinha

Entretanto, a 19 de Maio de 1857, Manuel de Oliveira Estevens “dá por arrendamento a Silvestre Garcia-Pêgo e Sebastião Ramires, negociantes, … todas as lojas e fábrica de sardinhas pertencentes a uma morada de Casas Nobres que possui na rua da Rainha, número 11 A, pelo tempo de dez anos a contar do primeiro de Julho do corrente ano pelo preço de cem mil reis anuais, pagos em semestres… ficando com o direito de subarrendar as referidas lojas por sua conta não lhes sendo necessárias para eles?’ 58

As mesmas lojas e fábrica de sardinhas foram de novo arrendadas, nas mesmas condições, por Sebastian Ramirez, então já sem sócio, a 1 de Novembro de 1865, por doze anos, “com início no primeiro de Novembro de este corrente ano e terá seu fim no dia trinta e um de Outubro de 1877 …” 59

A conceção pombalina de Vila Real de Santo António previa a construção na frente do rio, de doze casas nobres de dois pisos, “agrupando-se duas a duas em cada quarteirão e partilhando duas delas os quarteirões terminais com os respectivos torreões”. O piso baixo dessas casas nobres era destinado a “um estabelecimento industrial derivado dos telheiros instalados pelos catalães em Monte Gordo para a salga da sardinha … Pelo portão da Baixa-Mar … entrava o peixe para o pátio. Debaixo dos telheiros sofria as transformações de fabrico que consistia essencialmente em ser extirpado, salgado e acamado em barricas com sal,” 60 que poderiam ser armazenadas, até à venda, nas outras dependências ou lojas existentes nesses baixos, ou, segundo algumas opiniões, em outra casa, nas traseiras, na Rua da Princesa.

Foi numa destas instalações, a da Rua da Rainha n°11-A, que Sebastian Ramirez e Silvestre Garcia-Pêgo começaram a explorar a salga da sardinha.

Não encontrei indicação alguma de Sebastian Ramirez ter alugado qualquer casa nas traseiras, na Rua da Princesa, para complemento da referida fabrica de salga.

58 ADF RN  VRSA (3 -2-189) fls . 55 de 1/5/1857

59 ADF RN VRSA (3-2-205) de 11/1/1865

60 José Eduardo Capa Horta Correia “Vila Real de Sant António. Urbanismo e Poder na Política Pombalina” Porto, FAUP Publicações 1997, pág. 147 e pág.1 50

Proprietário

Uma compra diferente, que demonstra já ter em 1867 uma excelente situação patrimonial, foi a que Sebastian Ramirez efectuou a “Leão Manuel Estevens e sua mulher, Padre Belchior de Oliveira Estevens, e Tomás António Estevens e sua mulher, herdeiros de Manuel de Oliveira Estevens, de uma morada de casas nobres na rua da Rainha, que se compõe de lojas e casas altas que partem norte com rua da Vitória, a sul com Sebastião Rodrigues Centeno, nascente com rua da Rainha e poente com rua da Princesa”, pela quantia de 3.000$000 reis. 61 Quando mudou a sua residência da Rua do Príncipe para a Rua da Rainha, em 1871, deveria ter vindo morar para este prédio, local onde, muitos anos depois, seu filho Manuel construiu o Grande Hotel Guadiana.

Também era de sua propriedade uma outra casa nobre logo a seguir, na Rua da Rainha, a norte da Rua da Vitória, mas cuja data de aquisição se desconhece. A este prédio se refere o requerimento aprovado em 4 de Abril de 1891, pela Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, ”requerimento de Sebastião Ramires pedindo licença para reedificar o seu prédio na Rua da Rainha, dando mais ponto aos telhados, suprimindo as trapeiras no mesmo existente, fazendo-lhe um passeio corrido com balaustres e levantar a parede do mesmo prédio que diz para a rua da Vitória”. 62  Também diz respeito a este prédio, “que se compõe de casas abarracadas, primeiro andar, sótão e quintal, confronta de norte com morada de casas de Carmen Garcia-Pego de Roldan, sul com Rua da Vitória, nascente com Rua da Rainha, para onde tem sete portas, e poente com rua da Princesa,” a escritura de definição de direito de propriedade, em que “Sebastian Ramirez e sua mulher, tendo construído duas cornijas da parte norte que lançam sobre a parede da 1 ª outorgante (Carmen Garcia-Pego de Roldan, viúva) se obrigam, por si e seus sucessores, a não se oporem a elevação da parede”  63

61 ADF RN VRSA (3 -2-207) fls. 13 de 26/2/1867

61 AHM VRSA  Actas da Câmara Municipal livro n°5

63 ADF RN VRSA (3 -2-2991)fls. 10 de 29/9/1892

Sociedades

Sebastian Ramirez trabalhou em sociedade com José Mora Gomez e Silvestre Garcia-Pego, de 1853 a 1859, e com Silvestre Garcia-Pego, desde esse ano a 1865, como já ficou documentado. No período de 1865 a 1877, Sebastian Ramirez trabalhou só, sem sócios.

Porém, no início de 1877 fez novo contrato de sociedade, desta vez com Jacinto José de Andrade, que seria certamente o antigo caixeiro Jacinto, incluído no “Livro de contribuições ao trabalho”, nos anos de 1867 a 1874, e que depois foi seu empregado de escritório.

Transcrevo a seguir parte da escritura de constituição desta sociedade, que durou ate ao falecimento de Sebastian Ramirez, em 1900:

” … Ilmos. Sebastião Ramires, casado, comerciante, e Jacinto José de Andrade, solteiro, empregado no escritório do dito Ilmo. Sebastião Ramires, … foi dito pelo primeiro outorgante Ilmo. Sebastião Ramires que dá sociedade ao segundo outorgante Ilmo. Jacinto José de Andrade, do produto e utilidades do negócio que gira sob a firma dele primeiro outorgante Ilmo. Sebastião Ramires, cuja sociedade reduzem a presente escritura e pela forma deduzida nas seguintes condições.
Primeira: Que esta sociedade vigorará do primeiro de Janeiro deste corrente ano;
Segunda: Que a mesma sociedade será por tempo ilimitado, sendo a dissolução da mesma de comum acordo;

Terceira: Que o segundo outorgante Ilmo. Jacinto José de Andrade haverá e fica com direito a vinte e cinco por cento do produto e interesses resultantes de todo o negócio que girar sob a firma dele primeiro outorgante, liquido das despesas concernentes ao mesmo negócio;
Quarto: Que continuará na sociedade a mesma firma Sebastião Ramires, assinando o segundo outorgante Ilmo. Jacinto José de Andrade em tudo quanto diga respeito a mesma sociedade, por procuração dele primeiro outorgante;
Quinto: Que as condições desta sociedade serão alteradas quando julgarem certo …” 64

Jacinto José de Andrade, nasceu em Mértola em 1848, era filho de Francisco José de Andrade e de Aurélia Rita, e ”por largo período de tempo (1873 -1877; 1881 – 1887; 1898 – 1901; 1905 – Julho/1910 foi Presidente da Camara Vila-realense 65, e que assinou a sua última Acta de Vereação a 8 de Julho de 1910, sendo portanto o derradeiro político monárquico que a presidiu”. 66  Casou a 18 de Abril de 1879, em Vila Real de Santo António, “com Maria Dolores Medeiros, de 33 anos, natural de El Almendro, Espanha, filha de Bartolomeu Medeiros Roldan e de Isabel Ramirez, … foram testemunhas Sebastião Ramires e Plácido José de Andrade”. 67

Maria Dolores Medeiros Ramirez, madrinha de dois dos filhos de Sebastian Ramirez, em 1863 e 1865, deveria viver desde então em casa de seus tios, em Vila Real de Santo António.

64 ADF RN VRSA (3 -2-245) fls. 43 de 24/6/1877

66 Hugo Cavaco “Toponímia de Vila Real de Santo António” pág. 42

67 ADF RP VRSA Casamentos 1879

Armador

A partir de certa época, Sebastian Ramirez começou a investir na pesca da sardinha, principal actividade que existia em Vila Real de Santo António.

Em 1861, Ramires & Pego comprou metade de uma barca, enviada, duas redes e apetrechos, da pesca da sardinha, por 215$000 reis. 68

Em 1865, Sebastian Ramirez comprou a João António Guimarães, marítimo, metade de uma barca com todos os seus pertences, denominada “Santo António e Almas” 69 de que é patrão José da Costa Leão, por 200$000 reis, com a condição de pagar a dívida de três meses à companha.

70 O mesmo João António Guimarães, marítimo, vende a Sebastian Ramirez um bote com todos os seus pertences, por 100$000 reis, com a condição do comprador conservar o barco e a arte de pesca.71

Tratava-se de compras de metade de xávega da pesca da sardinha, arte de pesca que actuava em Monte Gordo, na pesca da sardinha.

Encontrei árias situações iguais, com os sócios, capitalista e marítimo, a repartirem em partes iguais a propriedade e exploração da arte de pesca.

Nas actividades marítimas surge então Jacinto José de Andrade, dada a condição de cidadão espanhol de Sebastian Ramirez.

Em 20 de Agosto de 1876, Jacinto José de Andrade comprou a Francisco Salas o bote “Santo António” com todos os seus pertences, por 90$000 reis. 72

Em 31 de Outubro de 1883, Jacinto José de Andrade fez um instrumento de protesto na Capitania do Porto de Vila Real de Santo António por ocorrência de 23 de Outubro, do patrão da xávega “Senhora da Encarnacão”, n°20 de matrícula, de que era proprietario.73

A Sociedade Marítima Comercial foi um caso muito interessante.

Deveria ter sido a primeira do seu género em Vila Real de Santo António, que agrupou armadores da pesca da sardinha com negociantes e proprietários, com estatutos muito especiais, que pelo seu interesse, dada a época em que foram feitos, vãos transcritos no Apêndice V e VI.

Apêndice V

Apêndice VI

Ficou conhecida como a Sociedade Marítima do Galeão, o galeão n°1 de matricula da Capitania de Vila Real de Santo António. Esta sociedade foi constituída em 11 de Janeiro de 1876 74 com um capital de 1.100$000 reis, entre onze sócios , entre os quais Sebastian Ramirez, em cujo estabelecimento foi realizada a escritura, com uma participação inicial de cada um de 100$000 reis.

Em 17 de Junho desse ano, ratificou-se por escritura a venda que Sebastian Ramirez tinha feito à Sociedade, de um barco armado a parelha, denominado “S. Sebastião”, com todos os seus pertences, por 300$000 reis, “declarando o vendedor que na qualidade de sócio fica com os mesmos direitos ao barco que os outros sócios”. 76

Em 1 de Agosto seguinte, Manuel Rodrigues Sénior, um dos onze sócios, vendeu à Sociedade a parte que lhe pertencia no capital social, por 460$000 reis. 77

A escritura inicial de constituição da Sociedade de 1876, foi revogada por nova escritura, realizada na casa de morada de Sebastian Ramirez, na Rua da Rainha, em 24 de Abril de 187718. Ficou então constituída uma nova sociedade, mas com a mesma denominação e com o capital de 5.000$000 reis, representado por 40 ações de 125$000 reis, distribuído agora por quinze sócios, da seguinte forma: Damião de Sousa Medeiros, Sebastian Ramirez, José Maria da Cruz, Valentim Bravo, Francisco de Assis Vieira, José de Sousa Oliva e José António Machado, quatro acções cada um, Francisco António da Silva, José Ribeiro Fernandes, Francisco António Machado e José Fernandes Piloto, duas acções cada um, Alfonso Gomes, António dos Santos Machado, Jacinto José de Andrade e Francisco Fernandes Piloto, uma acção cada um.

De 1877 a 1882 nada encontrei sobre esta sociedade.

Em 1882 Sebastian Ramirez comprou por 1.800$000 reis, aos restantes sócios 79 da referida sociedade, todas as suas acções, ficando proprietário do galeão n°1 com todos os seus apetrechos, pertences e utensílios, além de outros bens da Sociedade. 80 Alguns dias depois vendeu a Jacinto José de Andrade o já referido galeão n°1 de matrícula, que tinha sido o objecto da constituição da “Sociedade Marítima Comercial”. 81

Esta sociedade encontrava-se em liquidação em 1893, Sebastian Ramirez era o seu liquidatário. Nessa qualidade vendeu à “Sociedade Industrial Pescadora” 82 uma morada de casas térreas situadas junto ao rio, nos baldios ao sul da vila, por 60$000 reis. 83

Também a pesca do atum teve intervenção de Sebastian Ramirez:

“Em 1896/1897 lançou-se a Armação do Cabeço, de que foi proprietário Jacinto José de Andrade. Pescou direito e revés. Situava-se frente da costa de Cacela:” 84 Esta armação ainda deveria existir em 1903, ano em que foram matriculados, na Capitania do Porto de Vila Real de Santo António, dois barcos para a armação de atum, denominados “Aurélia” e “Maria Emília”, comprados a Juan Rodriguez Samudio, de Ayamonte, por “Ramirez & Cª”,pela quantia de 80$000 reis cada um. 85

Sebastian Ramirez também estendeu a sua actividade ao sector dos transportes marítimos, nomeadamente com o palhabote 86 “Oliano”.

Este barco pertencia Joaquim Martins de Araújo e a seu sócio Joaquim Gomes Soares, negociantes de Esposende. O Araújo vendeu sete oitavas partes do barco a Vicente Augusto Rocha, 87 que por sua vez vendeu, em 1873, a Jacinto José de Andrade seis partes, por 2.850$000 reis, e a Eusébio Rocha a parte restante, por 425$000 reis. 88 Em 1875, Jacinto José de Andrade comprou a Joaquim Gomes Soares a sua oitava parte, por 475$000 reis. 89 A parte detida por Eusébio Rocha, foi lhe comprada pela quantia de 375$000 reis, por Manuel de Azevedo, náutico e morador em Vila Real de Santo António, 90 que muito provavelmente ficou a comandar o navio. O palhabote “Oliano” ficou, então, pertença de Sebastian Ramirez, na sua quase totalidade.

Em 1876, realizou-se a escritura de “constituição de negócio ou de sociedade” entre Jacinto José de Andrade e João Luís, mestre de navio, residente em Olhão. O objecto desta sociedade era o caíque 91 denominado “Frederico”, propriedade de Jacinto José de Andrade, avaliado com todos os seus pertences, em 300$000 reis. 92

68 ADF RN VRSA de 25/5/1861

69 A categoria dos barcos é amiúde diferente conforme os locais. Esta barca poderia ser o caíque com a mesma denominação que em 1865 fazia comércio, transportando sal ou ovos para Ayamonte, ou com portos da costa de Africa – Luís Felipe Rosa Santos – “Os acessos a Faro e aos concelhos limítrofes na 2º metade do século X IX”

70 ADF RN VRSA (3 -2-206) fls . 84 v de 28/8/1865

71 ADF RN VRSA (3 -2-206) de 29/11/186

72 ADF RN VRSA (3-2-244) fls. 1v de 20/8/1876

73 ADF RN VRSA (3-2-268) fls. 6v de 31/10/1883

74 ADF RN VRSA (3 -2-241) fls. 3 de 1/1/1876

75 Sebastian Ramirez, Francisco António da Silva, Damião de Sousa Medeiros, João Ribeiro Fernandes, José de Sousa Oliva, Manuel Rodrigues Sénior, José Fernandes Pilato, José Maria da Cruz, Francisco de Assis Vieira, Valentim Bravo e João António Machado.

76 ADF RN VRSA (3 -2-244) fls. 29 de 17/8/1876

77 ADF RN VRSA (3 -2-244) fls. 29 de 18/8/1876

78 ADF RN VRSA (3 -2-245) fls. 15 de 24/4/1877

79 Alfonso  Gomes, Damião de Sousa Medeiros, António dos Santos Machado, “Medeiros & Domingues”, José Maria da Cruz, José de Sousa Oliva, Francisco de Assis Vieira, Francisco António da Silva, Francisco Fernandes Pilato e Valentim Bravo.

80 ADF RN VRSA (3-2-259) fls. 40v de 4/8/1882

81 ADF RN VRSA (3-2-263) de 21/9/1882

82 Representada por António dos Santos Machado, administrador, José António Gomes, tesoureiro e João José Rodrigues, secretário.

83 ADF RN VRSA (3 -2-301) de 27/3/1893

84 Luís Felipe Rosa Santos – A pesca do atum no Algarve -1989 pág. 49

85 ADF RN VRSA (3-3-484) de 8/4/1903 e 24/4/1903

86 Barco de transporte de carga com dois mastros e velas triangulares, com cerca de 30 metros de comprimento Por serem muito velozes vários barcos deste tipo disputaram com sucesso provas náuticas.

87 Vicente Augusto Rocha foi comandante do navio Gomes II de Domingos Rodrigues e Centeno, que fazia a carreira Vila Real de Santo António – Lisboa.

88 ADF RN VRSA (3-2-227) fls. 16 de 16/4/1873

89 ADF RN VRSA (3-2-239) fls. 15 de 2/12/1875

90 ADF RN VRSA (3-2-249) de 12/6/1879

91 O caíque do sotavento do Algarve era um barco com 2 mastros e três velas, com cerca de 20 metros de comprimento, utilizado no transporte de carga.

92 ADF RN VRSA (3 -2-244) fls. 23v de 13/6/1876

Industrial

Estávamos, então, nos alvores da revolução industrial, embora com algum atraso em relação ao resto da Europa.

Em Vila Real de Santo António, Sebastian Ramirez criou, em 1879, uma fábrica de tecidos.

Os delegados da Comissão Central Directora do Inquérito Industrial de 1881 no Distrito de Faro, 93 fizeram um relatório do concelho de Vila Real de Santo António, datado de 30 de Outubro. Pelo seu interesse, transcrevo, a seguir, a parte relativa a única fábrica de tecidos que dele consta:

“Começamos pela fábrica de tecidos de linho, de Sebastião Ramires, que possui dez teares manuais, em edifício próprio, suscetível de fácil aumento porque as propriedades confinantes são do mesmo dono.

Principiou em 1879 com um tear. Vai sucessivamente aumentando o seu número, mas não lhe convém ainda teares mecânicos. O capital fixo é actualmente de 4.000$000 reis e espera breve mais dois teares já encomendados.

Emprega oito homens e oito mulheres. Os tecelões são todos espanhóis, mas residentes na localidade. As mulheres são empregadas: duas que aprenderam na fábrica em dois teares, uma em urzir, três em fazer “casellas”, duas em passar o fio das meadas para os carrinhos.

O trabalho é por empreitada, equivalendo os jornais de 400 a 600 reis para os homens, e de 100 a 200 reis para as mulheres por dez horas de trabalho diário, além de três horas de serão.

A matéria-prima que emprega é fio de linho e de estopa, de Escócia, de preferência ao fio português que é mais caro.

O proprietário tem facilidade em obter operários, bem como aprendizes, mas destes mais facilmente raparigas que rapazes.

A fábrica tem produzido, desde a sua fundação até 30 de Setembro último, 117 pecas de brim cru, 479 de riscados para colchão, 442 de panos de linho, 134 de linhagem, 96 dúzias de toalhas e 75 de guardanapos. Regula cada peça por 40 metros.

O fabricante vende com facilidade os seus produtos no país, por isso não tem grande depósito, mas as amostras que nos foram apresentadas e os tecidos que se estavam manufacturando, são bem fabricados e rivalizam com os similares espanhóis.

Declarou que não luta com falta de capital, e que não receia concorrência estrangeira, a não ser a de importação clandestina, e está satisfeito com os actuais direitos pautais com que são onerados os tecidos de linho estrangeiros; mas queixa-se do excessivo direito que sobrecarrega a matéria-prima que emprega, e de que tem pago desde a fundação da sua fábrica 1.281$000 reis.

Pediu que apresentássemos a sua reclamação a este respeito afim de que a taxa imposta ao fio de linho na pauta portuguesa não seja superior a 60 reis por quilograma, que é equivalente a taxa da pauta espanhola”

Ficamos a conhecer por este interessante relatório como estava instalada a fábrica de tecidos de Sebastian Ramirez, qual foi toda a sua actividade nos dois primeiros anos de existência, e bem assim os problemas que estava a enfrentar.

Os delegados continuam no referido relatório de 1881:

“Há em Vila Real três fabricas de conservas de atum, uma intitulada de Santa Maria, outra de S. Francisco e a de que é proprietário Sebastião Migoni…A primeira fábrica que visitamos, denominada Santa Maria e pertencente a Parodi & Roldan“, foi fundada em 1879 …. Visitamos depois a fabrica denominada S. Francisco, de que e proprietário Francisco Rodrigues Tenório, que a fundou em 1880 … Não pudemos visitar a fábrica de Sebastião Migoni por este estar ausente … ” 94

Este relatório oficial também veio esclarecer, sem margem para dúvidas, em que datas se fundaram e quais foram as primeiras fábricas de conserva de peixe em Vila Real de Santo António.

Onde estaria localizada a fábrica de tecidos de Sebastian Ramirez?

Existem alguns documentos reveladores da actividade de Sebastian Ramirez em compra de terrenos, em Vila Real de Santo António, que passo a descrever:

Em 1876, pretendeu construir um quarteirão de casas no prolongamento da Rua da Rainha, e pediu a Câmara Municipal que lhe cedesse os terrenos: “Requerimento de Sebastião Ramires, casado, proprietário, morador nesta vila, pedindo terreno quanto baste, ao norte desta, para fazer um quarteirão de casas baixas, de comprimento dos antigos, cujo terreno parte pelo norte com baldios, sul com casas e torreão de Dom Barnabé de Orta, nascente com rio Guadiana e poente com Rua da Princesa, o qual foi deferido”. 95

Parte deste quarteirão foi depois cedido a Jacinto José de Andrade:

“Requerimento de Sebastião Ramires e Jacinto José de Andrade, em que o primeiro cede gratuitamente ao segundo, quinze metros e quarenta centímetros do terreno que possui, por concessão desta Câmara, no centro do quarteirão de casas que edificou ao norte da vila, com frente para as ruas da Rainha e da Princesa e o segundo aceita a responsabilidade do cedente e pede à Câmara licença para edificar no aludido terreno uma morada de casas térreas, o que foi deferido” 96

Francisco Medeiros Ramirez e José Elygio Domingues 97, que casa mais tarde com Maria de los Ramos Medeiros Ramirez, constituíram, em 1878, uma sociedade comercial denominada “Medeiros & Domingues“. 98  Esta sociedade pediu, em 1880, à Câmara Municipal “a cedência de 55 metros de terrenos baldios ao norte da vila, com frente para a Rua da Rainha, para construir um armazém, com fundo correspondente ao quarteirão, cujo terreno parte pelo norte baldios do concelho, pelo sul com casas de Sebastião Ramires, pelo nascente com o Rio Guadiana e pelo poente com baldios, pedido que foi deferido”. 99 E em 1882, ”pediram para ampliar por mais um ano a concessão feita em 1 de Dezembro de 1880, visto já terem construído metade do armazém, e não lhes ser possível começar a outra metade”. 100

Julgo que a fábrica de tecidos poderia ter estado instalada, de início, no primeiro quarteirão que Sebastian Ramirez construiu na Rua da Rainha, passando depois para o armazém situado a norte, na mesma Rua da Rainha, construído por “Medeiros & Domingues”, que Sebastian Ramirez teria comprado aos sobrinhos, pois esta incluído nos bens que, por seu falecimento, foram partilhados por seus filhos.

Quanto à fábrica de conservas de peixe que Sebastian Ramirez fundou em Vila Real de Santo António, o processo da sua construção teria começado com a compra que fez, em 12 de Julho de 1870, por arrematação em hasta pública, a Joaquim José Lima e sua mulher Joaquina Cândida Barroso de Azevedo, de um” um moinho de vento cercado de fazenda, com poço de água, nos arredores desta vila, parte pelo norte com Cústodio da Palma, sul com Manuel Guerreiro, nascente com Tomas António Estevens e poente com estrada do concelho de Castro Marim, pela quantia de 200$200 reis”. 101

Em 1883, Sebastian Ramirez fez a permuta com Maximiliano Gonçalves, do moinho de vento e terrenos que tinha adquirido a 12 de Julho de 1870, ”por outro moinho de vento com aparelhos e todos os aprestos, poço de água, ramada e terra de semear, situado nos subúrbios da vila, confrontando do lado norte com baldios, do sul com António Soares Barreto e “Medeiros & Domingues”, do nascente com o rio Guadiana e do poente com a calçada do cemitério, de que é proprietário o segundo outorgante. Ambas as parcelas são foreiras à Camara Municipal de Vila Real de Santo António, a primeira de 200 reis por ano e a segunda de 600 reis” 102

Duas actas da Câmara Municipal, de Setembro de 1883, vem esclarecer a finalidade desta troca: “Requerimento de Sebastião Ramires pedindo que lhe seja concedido o terreno que em 22 de Julho de 1882 foi vendido a João Flores, vista não ter iniciado a construção e ter passado tempo … Foi adiado o despacho para a sessão seguinte, para melhor a Câmara poder estudar o assunto”. 103

” …discutido o requerimento de Sebastião Ramires que ficara adiado da sessão anterior. Diz o requerente que tendo comprado o moinho a Maximiliano Gonçalves no norte da vila, e fazenda contígua, foreira à Câmara, para neles fazer um armazém com o efeito de estabelecer uma fábrica de peixe em conserva, pede que lhe seja dado uma pequena tira de terreno cedido em tempo a João Flores, que não obrou dentro do prazo indicado pela Câmara. A Câmara, considerando que em virtude do disposto expresso no art. 28° das posturas o referido João Flores já perdeu o direito ao terreno concedido, visto não ter obrado dentro do prazo designado, considerando que em aquele local só poderá obrar o dono da fazenda, visto que o terreno a que a Câmara tem direito só mede em parte seis metros a fundo e na outra apenas dois metros, e que não fazendo a concessão pedida a rua norte-sul ficara defeituosa, e considerando finalmente que do estabelecimento de industrias fabris resultam as maiores vantagens para as povoações onde elas se estabelecem, a Câmara a deferiu por unanimidade o requerimento e que o Presidente se encarregasse de pedir a Sebastião Ramires que deixe uma rua do nascente a poente, pedido que se lhe faz em virtude do direito que a Câmara lhe reconhece ao terreno em que se deseja que fique a rua”. 104

Após esta deliberação da Câmara Municipal, Sebastian Ramirez começou certamente a construir o edifício onde ficaria instalada a sua fábrica de conservas.

Mas antes, a 15 de Março de 1883, Sebastian Ramirez, a tempo de trabalhar na época da pesca de atum desse ano, comprou a Francisco Rodriguez Tenório a sua fábrica de conservas, que tinha sido fundada em 1880, “armazém com quatro portas e três janelas para a rua do Príncipe ..”, com toda a maquinaria, utensílios e instrumentos que continha, por 2.150$000 reis. 105 E em 9 de Outubro desse mesmo ano, Sebastian Ramirez vendeu a Francisco Rodriguez Tenório o mesmo edifício que lhe tinha comprado a 15 de Março, mas sem as máquinas, utensílios e instrumentos, por 150$000 reis. 106

NOTA: brica  S. Francisco, da qual era proprietário Francisco Rodrigues Tenório, que a fundou em 1880

A minha interpretação desta compra e venda, é que Francisco Rodriguez Tenório, com problemas financeiros ou de qualquer outra ordem, não estaria em condições de fazer funcionar a sua fábrica na época que se avizinhava, e Sebastian Ramirez poderia estar muito interessado em iniciar o funcionamento da fábrica de conservas que já planeava fundar. É certo que ele poderia ter adiantado a concretização da permuta dos terrenos com Maximiliano Gonçalves e a construção do edifício, e feito a aquisição directa de toda a maquinaria da fábrica, mas não foi o que aconteceu.

Teria pretendido fazer uma experiencia, antes de avançar com instalações próprias?

Repare-se que apenas fez a permuta de terrenos e o requerimento à Câmara Municipal em Setembro, depois de findar o trabalho na fábrica S. Francisco, e só então, decididamente, iria avançar com a construção das suas próprias instalações, no prolongamento da Rua da Rainha, frente ao rio, de forma a estar preparado para a próxima época de pesca de 1884.

Deste modo, Sebastian Ramirez, iniciou-se no fabrico de conservas de peixe no verão de 1883, na fábrica S. Francisco, embora a sua fábrica definitiva tivesse sido construída no ano seguinte, em 1884.

Após o seu falecimento, ocorrido a 22 de Março de 1900, constituiu-se a sociedade “Ramirez & Cª com o capital de 75 contos de reis, fornecido em partes iguais pelos sócios Jacinto José de Andrade 107, com Sebastian Claúdio Ramirez Garcia, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Manuel Garcia Ramirez e Emílio Garcia Ramirez, com o objectivo da fabricação de conservas alimentícias e tecelagem de linho e juta. Apesar de a escritura ter sido realizada a 30 de Novembro de 1902, retrotraía-se o seu início para 14 de Abril de 1900. 108

Esta sociedade foi dissolvida em 1916, no dia seguinte à realização das partilhas dos bens que Sebastian Ramirez e Maria de los Dolores, 109 tinham em Portugal, e “todo o activo e o passivo da dissolvida sociedade fica pertencendo exclusivamente aos outorgantes Frederico Alexandrino Garcia Ramirez e Manuel Garcia Ramirez ..“.110

Pela aludida partilha, tinha-lhes sido adjudicado “um armazém para fábrica de conservas situado na Avenida da Republica desta vila, que confronta pelo norte e sul com ruas sem denominação, nascente com a referida Avenida e poente com rua do Barão do Rio Zêzere,” isto é, o edifício ainda hoje existente, onde funcionou até há poucos anos a fábrica de conservas de peixe.

Esta descrição das industrias que Sebastian Ramirez criou em Vila Real de Santo António, não ficaria completa sem a história da litografia, assim era conhecida a sociedade Ramirez, Perez, Cumbrera & Cª, em que teve participação, ainda que indirecta.

No Inquérito Industrial de 1890 está indicado a existência em Vila Real de Santo António de uma litografia de folha-de-flandres, propriedade de italianos Jutta & Machiavello. Como não consta do Inquérito Industrial de 1881 a existência dessa litografia, deveria esta sociedade ter sido criada entre essas duas datas.

Os seus sócios, em 1890, com a intenção de aumentar a produção e melhor servir a nascente industria de conservas, compraram em Itália, na cidade de Sampierdamo, uma nova máquina de litografar, por 850$000 reis, tendo pago à vista metade do valor, e o restante a ser pago em cinco prestações trimestrais, de Junho desse ano a Junho do ano seguinte. Após o pagamento da 1ª prestação, deveriam ter concluído que seria difícil satisfazer as restantes, e resolveram vender a litografia. Decorreram uma série de incidentes pouco compreensíveis, com o sócio Macciavello Gaetano a vender a 8 de Julho, 111 só ele, toda a litografia, a Gavino Rodrigues Peres e Manuel Francisco de Abreu, por três contos de reis, com a obrigação de pagarem as quatro prestações da máquina em dívida. Veio, depois, fazer a rescisão dessa venda, alegando que a litografia não lhe pertencia só a ele, que também tinha um sócio, o Sr. Giacomo Jutta, e que tinha feito a referida venda apenas por ignorância. E por fim, a 3 de Agosto, venderam os dois sócios italianos a Gavino Rodriguez Perez, Simão Vazquez Velasco, Esteban Rodriguez y Rodriguez, e Sebastian Ramirez Júnior, comerciantes, Manuel Francisco de Abreu, serralheiro mecânico e José Bento Domingues, ferreiro, todos moradores em Vila Real de Santo António, “uma litografia montada em um armazém na Rua da Princesa … com todas as máquinas, utensílios e drogas, a saber … por três contos de reis e com obrigação de pagar a dívida da máquina de litografar” 112

Poucos dias depois, estes compradores da litografia constituíram uma sociedade denominada “Fábrica Litográfica União Vila-Realense”, com o capital de três contos de reis, distribuídos da seguinte forma:
Gavino Rodriguez Perez e Simão Vazquez Velasco 750$000 reis cada,
Sebastião Ramires Júnior, Esteban Rodriguez y Rodriguez, Manuel Francisco de Abreu e José Bento Domingues 375$000 reis cada um, com um estatuto social que poderá ser de algum interesse para o estudo dessa época, pelo que o transcrevo, na integra, no Apêndice IX. 113

A 16 de Fevereiro de 1892, Sebastião Ramires Júnior comprou a Manuel Francisco de Abreu e a José Bento Domingues, os seus quinhões de 375$000 reis cada um, na Fábrica Litográfica Vila-Realense, por 1.000$000 reis, com o acordo dos restantes sócios, ficando deste modo a ser o sócio com maior quinhão. 114

No ano seguinte, fizeram uma escritura de retificação do contrato social, reavaliando, após balanço, o valor da sociedade para 6.200$000 reis, repartido pelos quatro sócios de acordo com os seus quinhões, e aumentando depois o capital para 7.750$000 reis, com a entrada para sócio de Juan Maestre Cumbrera, com um quinhão de 1.550$000 reis. 115

Finalmente em 1903, 116 deliberaram reorganizar a sociedade, pois tinha-se dissolvido com o falecimento do sócio Simão Vazquez Velasco.

Procederam a balanço e o valor encontrado de vinte contos de reis, ficou repartido por Sebastian Ramirez Garcia – seis contos, Juan Maestre Cumbrera, Gavino Rodriguez Perez e Catalina Domingues Barbosa de Vazquez, representando os seus filhos menores Alonso e Catalina, – quatro contos cada, e Esteban Rodriguez y Rodriguez – dois contos. Foi remodelado o contrato social, passando a denominação para “Ramirez, Perez, Cumbrera & Cª”, empresa com notável desenvolvimento no decorrer dos anos, que acompanhou o destino da indústria de conservas de peixe em Vila Real de Santo António.

93 Júlio António RIbeiro e José Maria Pereira Rodrigues

94 BNL Inquérito Industrial 1881 vol. 3°( F7 937) Concelho  e Vila Real de Santo António

95 AHM VRSA Actas da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António – Livro nº 42 /12/1876

96 AHM VRSA Actas da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António – Livro nº 4  19/2/1878

97 José Elygio Dominguez era filho de Francisco Dominguez Pablos e de Francisca Gomez Ponce

98 ADF RN VRSA (3 -2-248) de 28/5/1878

99 AHM VRSA Actas da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António – Livro n°4-11/12/1880

100 AHM VRSA Actas da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António – Livro n°4 – 22/7/1882

101 ADF RN VRSA (3 -2-219) de 19/7/1870

102 ADF RN VRSA (3 -2-267) fls. 9 de 24/9/1883

103 AHM VRSA Actas da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António – Livro n°4 – 22/9/1883

104 VRSA Actas da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António – Livro nº 4 – 29/9/1883

106 ADF RN VRSA (3-2-267) fls. 18 de 9/10/1883

107 Jacinto José de Andrade saiu da sociedade em 31/12/1908.

108 ADF RN VRSA (3-3-484) de 30/11/1902

109 Maria de las Dolores Garcia y Martin faleceu em Vila Real de Santo António a 5 de Setembro de 1915.

110 ADF RN VRSA (3 -3-529) de 18/1/1916

111 ADF RN Tavira (1 1-5-815) de 8/7/1890

112 ADF RN  VRSA (3 -2-292) fls. 1lv de 3/8/1890

113 ADF RN VRSA (3 -2-292) de 8/9/1890

114 ADF RN VRSA (3 -2-297) -16/2/1892

115 ADF RN Tavira (1 1-6-847) – 21/10/1893

 

116 ADF RN VRSA (3 -3-484) – 3/1/1903

 

Lavrador em El Almendro

Sebastian Ramirez apesar ter em Vila Real de Santo António a sua residência e os seus interesses, sempre revelou que não tinha cortado os laços com a sua terra natal, El Almendro.

Pouco tempo depois de ter iniciado os seus negócios na sociedade “Mora, Ramires & Pêgo“, comprou, em 20 de Novembro de 1854, três quartas partes de uma casa de El Almendro 117, e em 2 de Abril de 1856, a quarta parte restante dessa casa. 118 Certamente revestia algum interesse especial a compra desta casa. Em 1855 comprou outra casa em El Almendro 119, que ainda conservava quando faleceu.

Sebastian Ramirez foi comprando depois, a partir de 1874, muitas terras no termo de El Almendro, certamente devido a boa situação financeira que desfrutava. Comprou “barros” e “fincas” de mediana e de grande extensão, como a que fez em 1881, a Domingos Vaz y Gomez – parte das que este tinha comprado ao Estado, em 1866 – nos sítios de Sierra de Três Piedras e Sierra de Tejada y Vaca, com 905 ha de área, por 2.750 pesetas. 120 E a comprada ao Estado, em 1893, no sítio da Contienda proveniente de” los próprios de El Almendro e de Capelanias”, com 412 ha, por 6.840 pesetas. 121

Antes, em 1874, tinha comprado a seu sogro José Garcia Correa, lavrador, três fincas de 6,3 e 4 ha. Quando este faleceu, em 25 de Novembro de 1887, sendo viúvo, sem testamento e de 74 anos, fez-se “inventario, aprecio, liquidacion y division de bienes” que dada a circunstância de seu filho Manuel Garcia y Martin já ter falecido em 26 de Junho de 1876, e deixado um único filho Manuel Garcia Perez, menor, foi realizado com intervenção do Tribunal competente.

Com o acordo dos quatro restantes herdeiros, o Tribunal decidiu ser necessária a venda da melhor “finca” da herança: ” … por lo que respecta al menor … y se encuentra sugeto à la patria potestad de su madre reside con ella en Aldeia Nova de S. Benito … y no es posible que dicha señora … . Para oviar todos esos inconvenientes se há pensado en um médio … para que el menor conserve integra la herencia de su padre y en disposicion de recogerla cuanto llegue a la mayor edad … “

Sebastian Ramirez veio resolver a situação, comprando a “finca” no sítio da Chaparrera, sendo duas quintas partes desse valor o equivalente a herança do menor, e as restantes três quintas partes compradas em partes iguais a seus cunhados, Marcos, António e Juan Valentim, que assim receberam em metálico uma parte da herança.

Sebastian Ramirez reteve a parte correspondente ao menor e obrigou-se a devolve-la acrescida de juros de 5% ao ano “que excede con mucho … del produto natural que por parte de qualquiera finca … se podria obtener”. Quando atingiu a maioridade, Manuel Garcia Perez recebeu em metálico a sua parte na herança do avô e respectivos juros, de que fez recibo.

Maria de los Dolores herdou de seu pai, uma quarta parte de uma casa na Calle Fuente n° 6, em El Almendro, três propriedades nos sítios de Gaifeiro, Los Pilares, e Los Santos, e dois “barros” com olival nos sítios de Tejar e Los Quesinos. 122

Após o falecimento de Sebastian Ramirez, todos os seus bens em Espanha foram adjudicados a favor de Maria de los Dolores:” … los bienes que su difunto esposo poseia en Espana … le sean adjudicados …en pago de lo que le corresponda percibir por su metad de gananciales.. “. 123

Esta escritura de partilhas dá-nos a conhecer as propriedades que Sebastian Ramirez comprou em Espanha. Foram vinte e oito as descritas nesse documento, tendo algumas delas resultado do agrupamento de outras, com uma área total de 1.514 há. 124 Estas propriedades ficariam a ser exploradas em parceria, ou em outro processo similar, pois nada revelou que Sebastian Ramirez tivesse tido alguma intervenção directa na lavoura.

Sebastian Ramirez manteve muito bom relacionamento com seus cunhados, não obstante a diferença de idades que existia entre eles. Já vimos como solucionou a questão das partilhas judiciais por falecimento de seu sogro. Os seus cunhados foram padrinhos de seus filhos, alguns deles várias vezes. Também Sebastian Ramirez se deslocou a Aldeia Nova de S. Bento para ser padrinho de seu sobrinho José, filho de Marcos Santiago, conjuntamente com Maria dos Remédios Perez Barroso, em 20/1/1871. Porém, o maior relacionamento foi certamente com Juan Valentin 125, que julgo ser o Valentim que foi seu caixeiro de 1867 a 1874, depois comerciante bem sucedido, em Huelva, e que Sebastian Ramirez escolheu para seu testamenteiro.

Este Juan Valentin comprou também diversas propriedades em El Almendro, uma delas a Médio Milhar aos obrigacionistas do Duque de Ossuna, com 385 ha, 126 que veio a ser herdada, conjuntamente com outras, por Maria de los Dolores. 127 Curiosamente, nesta propriedade está situado o serro Cabeza del Buey referido na nota 5 como tendo sido o local da antiga povoação de Osma.

117 Comprou por 1.200reales a Javier Rodriguez, morador em Sevilha.

118 Comprou por 400 reales a Domingos Limon e sua mulher Maria Rodriguez, moradores em Santiago de Cacém.

119 Comprou a Juan José de Corpas y Gonzalez, comerciante em Lisboa.

120 Notário de Villanueva de los Castillejos José Maria Ortega y Féria – 7/4/1881

121 Notário de Huelva António Diaz y Fragoso 3/8/1893

Em consequência das Leis de Desamortização, o Estado Espanhol vendeu parte de os próprios de El Almendro aos seus habitantes reunidos em várias Associacion de Vecinos, que pagaram as respectivas partes ou as acções em prestações anuais durante dez anos.
Sebastian Ramirez, e depois seu filho, foram comparando essas acções, referentes a terras nos sítios do Toro, Puerto-Blanco e Rubiales.

122 Notário de Ayamonte Enrique Nieto y Carlier – 5/5/1888

123 Notário de Ayamonte Enrique Nieto y Carlier – 21/3/1901

124 Seu filho Sebastian Ramirez Garcia, que veio a herdar de sua Mãe todas as terras em Espanha, continuou a mesma politica de aquisições para formar grandes parcelas, conseguindo agrupá-las na quase totalidade e triplicando-lhe a área total.

125 Juan Valentin, muitas vezes nomeado apenas Valentin Garcia y Martin, era muito provavelmente o caixeiro Valentin que trabalhou com Sebastian Ramirez em Vila Real de Santo António. Há coincidência de datas, e tem alguma lógica que Sebastian Ramirez tivesse trazido para Portugal o cunhado mais novo para aprender consigo o comércio e, daí a maior proximidade que sempre houve entre ambos. É curioso que Sebastian Ramirez tenha escolhido para seus testamenteiros os dois antigos caixeiros, Jacinto José de Andrade e Juan Valentin Garcia y Martin. Juan Valentim Garcia y Martin teve negócios conjuntamente com Francisco Ramirez Perez, também comerciante em Huelva, tendo ambos falecido solteiros. Tinham em comum vários prédios em Huelva e uma” finca”.
Os herdeiros de Francisco Ramirez foram suas irmãs Maria de los Ramos e Maria Antónia, também solteiras, tendo sido herdeiros desta ultima os primos de Portugal.

126 Notário de Aracena Francisco Ortiz y Castrol -16/1/1905

127 Juan Valentin, fe  testamento em Huelva a 18/11/1907, nomeando herdeira de duas quintas partes Maria de las Dolores, deixando a cada um dos  estantes irmãos uma quinta parte, com um legado de 5.000 pesetas ao seu sobrinho Carlos Garcia Barroso, filho de Marcos Garcia y Martin.

Ao terminar

Ao terminar este trabalho, verifico que ficam grandes vazios na vida de Sebastian Ramirez, que poderão vir a ser preenchidos pela pesquisa de outras fontes. Certamente existem ainda os livros da sua contabilidade e alguma correspondência, que poderão fornecer dados complementares a serem aproveitados por algum jovem historiador.

Era minha intensão consultar o arquivo da Alfandega de Vila Real de Santo António referente ao período de 1850 a 1900, ciente de que aí encontraria dados muito esclarecedores da actividade comercial e industrial de Sebastian Ramirez e também para ficar a conhecer melhor como foi naquela época a vida da nossa cidade. Foi em vão, nem o Arquivo Histórico das Alfandegas, nem a Alfandega de Faro, sabiam da existência de tal arquivo. Confio que se não tenha perdido quando do encerramento da Delegação Aduaneira em Vila Real de Santo António. Nesse edifício tinham restado numerosos volumes que ainda há pouco tempo podiam ser vistos de uma janela meio aberta, da Rua da Princesa, e pareciam ser de papéis.

Antes, em 2004 apresentei ao Ministério da Defesa Nacional uma exposição sugerindo que os arquivos mais antigos respeitantes a pesca, concretamente os livros de registo de embarcações de pesca e de transporte, existentes na Capitanias dos Portos de Algarve, fossem guardados e postos a disposição do público no Arquivo Distrital de Faro, a semelhança do já efectuado pelo Ministério da Justiça, Governo Civil e outras entidades oficiais. Receava que continuasse a degradação dos documentos, para além de se superar as dificuldades de acesso agora existentes. Na Capitania do Porto de Vila Real de Santo António, por exemplo, já não existe o livro mais antigo do registo de embarcações de pesca, vítima, pelo que me informaram, de uma inundação. O Ministério da Defesa Nacional respondeu-me a informar que os livros antigos das Capitanias iriam ser depositados no Arquivo Histórico da Marinha.

Apesar de as fontes consultadas terem sido pouco numerosas, julgo ter deixado com este trabalho algumas marcas do que foi o percurso de Sebastian Ramirez, o jovem andaluz de El Almendro, que atravessou o Guadiana e aqui, em Vila Real de Santo António, enraizou a sua família e, por mérito próprio, apenas com a sua inteligência e o seu trabalho, foi um dos que promoveram a grande expansão que veio a ter a Vila nos princípios do século XX.

 

António Horta Correia

Monte Gordo, Setembro de 2007

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