Revista PANORAMA

Revistas - Magazines

Revista portuguesa de arte e turismo foi uma revista publicada em Lisboa entre 1941 e 1974.

Revista editada mensalmente pelo Secretariado de Propaganda Nacional (S.P.N.) – renomeado Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (S.N.I.) em 1945.

Direção de António Ferro até 1949 e tendo como primeiro diretor gráfico Bernardo Marques.

A 1.ª Série, 1941-1949, está associada a uma fase de forte afirmação ideológica do “Estado Novo”, deixa explicito o seu objetivo no preâmbulo: «integrar os portugueses no pensamento moral que deve dirigir a Nação”.

Colaboram na Panorama um conjunto de individualidades de reconhecido talento na área das letras tais como: Teixeira de Pascoaes, Almada Negreiros, Aquilino Ribeiro, Ruy Cinatti, Vitorino Nemésio, Natércia Freire, entre outros – destaque também para as capas e ilustrações da autoria de alguns representantes do modernismo português, como o dito Almada, Bernardo Marques, Carlos Botelho, Mily Possoz, Manuel Ribeiro de Pavia, Paulo Ferreira, Thomaz de Mello.

Dirigida graficamente por Júlio Gil depois de uma interrupção em 1950.

“Bem paginada e ilustrada, documentalmente, com colaboração de bons desenhadores e excelentes capas (Bernardo Marques, Emmerico, Paulo, Ofélia, Anahory, Lapa), Panorama tinha menor interesse nos textos publicados, de carácter magazinesco, embora com algumas assinaturas de relevo (J. Osório de Oliveira, Reynaldo dos Santos, Reis Santos, Diogo de Macedo, João Couto)”.

Em grande parte consagrada às artes plásticas, área em que desempenhou um papel de modernização, abarcou também as artes de carácter decorativo e de atração turística, domínios em que a própria revista lançou iniciativas de relevo, em consonância com a função cultural e propagandística da instituição editora.

Os números da primeira série (década de 1940) prestaram especial atenção à pintura, escultura, desenho e arquitetura, sobretudo para sublinhar a ação fomentadora do Estado Novo.

Posteriormente e através de uma maior acentuação política, a revista entrou em franca decadência cultural. A vinculação política de carácter oficial levou Panorama a documentar sobretudo as iniciativas do SPN-SNI e as suas exposições, ignorando outras, como as Exposições Gerais de Artes Plásticas, a exposição Surrealistade 1949 e outras, de carácter identicamente modernizante contestatário, nas décadas seguintes.

As empresas da indústria conserveira nacional publicavam regularmente anúncios das suas marcas.

Revista Panorama

A 1ª série da revista PANORAMA está disponível em PDF na Hemeroteca Digital

PANORAMA - REVISTA PORTUGUESA DE ARTE E TURISMO 1ª Série, 1941- 1949 (1)

Lançada pelo Secretariado da Propaganda Nacional, em 1941, a Panorama foi uma publicação de pretendido carácter mensal, profusamente ilustrada, essencialmente dedicada à promoção do turismo, das artes plásticas e das artes decorativas, bem como à divulgação do património artístico e etnográfico português (2).

Este periódico insere-se na lógica de propaganda que tinha presidido ao “Plano dos Centenários”, surgindo na sequência da Exposição do Mundo Português, em 1940, ou seja, a génese da Panorama é indissociável de uma fase de forte afirmação ideológica do “Estado Novo”, em formatos de comunicação de massas característicos de diversos autoritarismos desse período.

Tendo por objectivo, conforme se pode ler no preâmbulo do decreto fundacional (3): «integrar os portugueses no pensamento moral que deve dirigir a Nação (…), complemento da indiscutível obra de ressurgimento» do regime, o Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) foi fundado em 1933, sob a alçada da Presidência do Conselho, tendo Salazar escolhido António Ferro para director do novo organismo.

Personalidade multifacetada, como intelectual, como jornalista e como político, Ferro congregava diversas competências que pareciam apontar para o acerto daquela nomeação. Em primeiro lugar, pelo papel, decisivo, que desempenhou na ascensão de Salazar junto da opinião pública, a partir das entrevistas que lhe fez para o Diário de Notícias, em 1932. Em segundo lugar, pela sua fidelidade aos princípios assumidos pela ditadura, tendo manifestado frequente desagrado com a instabilidade da I República, até à eclosão do 28 de Maio. Em terceiro lugar, dada a sua confessa admiração pelo fascismo italiano, cujas iniciativas, em termos informativos e culturais, julgava deverem adequar-se ao caso português (4).

1 Disponível na Hemeroteca Digital, em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Panorama/Panorama.htm
2 A Panorama apresentou quatro séries: «a 1ª prolongou-se de Julho de 1941 a 1949, 39 números; a 2ª de 1951 a 1955, 14 números; a 3ª de 1956 a 1961, 24 números; a 4ª de 1962 a Setembro de 1973, data do duplo 46/47». PIRES, 2000: 347.
3 V. Decreto-Lei no 23 054, publicado no Diário do Governo nº 218, 1ª série, de 25-9-1933.
A partir de 1944 este organismo passou a designar-se Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo (vulgo SNI).

Das múltiplas facetas de António Ferro, sobrepõe-se acima de tudo o seu papel de propagandista da imagem interna e externa de Salazar, ou seja, a do Ferro político (ou «intelectual orgânico», como o definiu Luís Reis Torgal (5), em paralelo com a do Ferro esteta, defensor do cruzamento entre uma arte de carácter “popular” (inspirada no artesanato e no folclore), e uma expressão plástica herdeira das vanguardas.

Ao defender uma produção artística intrinsecamente nacional, e, por isso, pretensamente nova, este factor revelou-se crucial na promoção, através do SPN e de suportes informativos como a Panorama, de vários representantes da avant-garde portuguesa – mesmo quando estes se vieram a revelar mais moderadamente modernistas, num plano de «retorno à ordem» (6) e de acordo com as dominantes de gosto apontadas.

Mas outra realidade também deve ser invocada neste registo, vertente talvez mais unânime no que diz respeito à acção de António Ferro à frente do Secretariado: trata-se do seu contributo para a modernização do turismo em Portugal, antes e durante o período em que também este sector se encontrou sob a sua alçada directa.

Muito próximo de personalidades para as quais o pensamento nacionalista encontrou no Estado Novo um fermento conforme às suas ideias, caso entre outros, de Affonso Lopes Vieira, Augusto de Castro, Leitão de Barros, Raul Lino, Almada Negreiros, Ferro manifestou desde sempre um profundo interesse pelas potencialidades inexploradas do chamado pitoresco português.

Ao assumir que a propaganda era indispensável à criação de uma opinião pública favorável à ditadura, ancorado pela censura prévia (7), Salazar também sabia da importância do SPN para a organização do consenso externo, para a chamada reabilitação da imagem do país no estrangeiro, considerada como prioritária pelo regime. Quando escolhe Ferro para dirigir o SPN, aponta esse desígnio de forma pragmática, sabendo da rede de relações que aquele mantinha num grupo internacional, com fortes afinidades políticas, posteriormente amplificada pela notoriedade obtida com as múltiplas traduções das suas entrevistas, tendo-se Ferro transformado numa espécie de “embaixador itinerante” do salazarismo, estreitando laços políticos também consubstanciados através de acordos culturais (8).

4 VICTORINO, 2013
5 TORGAL, 2009: 78-80. 6 FRANÇA, 1991: 32
7 VICTORINO, 2013

Ora encontrando-se o turismo integrado em estruturas dependentes do Ministério do Interior, e como tal fora da sua área de influência, cabiam ao SPN atribuições que, no âmbito da projecção da imagem do regime no exterior, ao longo da década de 1930, designadamente com as chamadas “Quinzenas Portuguesas”, em Genebra e em Londres, depois nas exposições internacionais de Paris, de Nova Iorque e de São Francisco, acabaram por congregar um clima favorável ao alargamento das competências de António Ferro, designadamente em relação ao turismo, como ele próprio nunca havia deixado de acalentar.

A oportunidade chegou, em 1940, quando Salazar, apesar das suas reservas iniciais, decretou a inclusão do Turismo no SPN (9), medida que resultou certamente da dinâmica que Ferro também tinha demonstrado como responsável pela “Secção de Propaganda e Recepção” do “Plano dos Centenários”, e a seguir como Secretário-Geral do magno evento daí resultante, a citada Exposição do Mundo Português, em 1940, onde veio a ter enorme protagonismo.

Era António Ferro um dos portugueses mais cosmopolitas do seu tempo, como “repórter internacional” e experimentado viajante que era, daí que a compreensão das percepções e das motivações dos turistas, em relação a uma especificidade portuguesa, era algo de que se julgava justamente um bom intérprete.

Para Ferro, em termos de turismo, todas as abordagens que até aí se haviam feito, resultavam de uma mentalidade ainda ligada a conceitos oitocentistas de grand-tour: o transformar algumas praias e termas em centros de vilegiatura para os privilegiados, que ali podiam encontrar versões portuguesas de Biarritz ou de Évian, fossem elas na Figueira ou em Vidago, onde pontificavam os grandes (e por vezes já obsoletos) palaces, inseridos em ambientes falsamente cosmopolitas.

Ferro pretendia por isso que «os cartazes sobre Portugal» eram «sempre falhados, pobres», porque ficavam, «em geral, aquém da realidade» (10), defendendo, para além da paisagem e do clima, a promoção da herança histórica e etnográfica, ou seja, uma especificidade de oferta que urgia dar a conhecer externa e internamente.

8 VICTORINO, 2018: 169-250.
9 Através do Decreto-Lei n.o 30 289, de 3 de Fevereiro de 1940, os Serviços de Turismo, que estavam adstritos ao Ministério do Interior, passaram a funcionar no âmbito do SPN.
10 FERRO, 1949: 36‐37.

 

Com esta leitura, que apesar da sua filiação ideológica parece hoje bastante actual, Ferro pretendia criar uma nova categoria de destino turístico. Ou seja, aquilo que inspiradamente designou como o «Portugal, antologia de todas as paisagens» (11), correspondia também à necessidade de se criar e desenvolver uma nova marca, como hoje diríamos, cujos atributos acreditava poderem vingar no mercado do pós-guerra, em contraste com os grandes centros internacionais de vilegiatura de então (12).

Assim sendo, para Ferro, o turismo perdia «o seu carácter de pequena e frívola indústria para desempenhar o altíssimo papel de encenador e decorador da própria Nação» (13), questão que considerava ligada a quase todos os problemas nacionais, pois o turismo constituía «em si mesmo, uma obra profunda de higiene e de bom gosto», «uma divulgação de gestos e princípios indispensáveis à elevação artística e espiritual de cada povo» (14).

Pertencendo a uma geração influenciada pelo declínio finissecular das sociedades ibéricas, profundamente crítico daquilo que considerava a demagogia da “República Velha”(15), Ferro cedo revelou um pensamento neo-sidonista, num misto de positivismo e de nacionalismo também presente em autores como Ramalho Ortigão (apresentado na Panorama como o precursor do turismo em Portugal (16), no Eça d’A Cidade e as Serras, entre outros preocupados, tanto com a preservação da paisagem e do pitoresco regional, como com a inculcação de hábitos de civilização.

É dentro desse espírito que o turismo defendido por Ferro também possuía uma base identitária, privilegiando-se não o turismo de massas, no âmbito da FNAT (17), mas um turismo “cultivado”, porque sedento de autenticidade, como Ferro pretendia, de descoberta de trechos e monumentos esquecidos, de curiosidades artísticas e arquitectónicas, de tradições inalteradas (18).

De alguma forma reflectindo o ideário integralista de regresso à terra, então também presente na aposta pelo Corporativismo, no mesmo período, essa visão não só constituía um receituário adequado para reabilitar um país periférico, perante os olhos do citadino e do estrangeiro, como também para reconciliar a consciência da classe média em relação a um passado de grandeza, algo que a decadência demo-liberal, a importação de novos hábitos, a entrega ao materialismo, tinham ajudado a aviltar segundo os apóstolos do regime.

11 Idem.
12 «Ferro (…) contrapôs à monumentalidade dos grandes centros artísticos internacionais, o tipicismo das nossas vilas e aldeias; à portentosa museologia estrangeira, a garridice ingénua do nosso artesanato; à féerie das diversões cosmopolitas, a coloração festiva do nosso folclore; aos requebros mundanos dos grandes centros de vilegiatura, a singeleza franca da hospitalidade do nosso povo; à restauração requintada das grandes metrópoles, a candura substanciosa da culinária regional». PINA, 1988: 97.
13 FERRO, 1949: 34-35.
14 Idem.
15 LEAL, 1994: 80.
16 SILVA, 1942.
17 Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, criada em 1935 na dependência do Sub-Secretariado de Estado das Corporações e Previdência Social e inspirada nos modelos italianos e alemães de ocupação dos tempos livres dos trabalhadores.
18 VICTORINO, 2018: 252.

Por outras palavras, Ferro via acima de tudo o turismo como uma indústria nacionalista por excelência, «o agente de melhor conhecimento dos valores duma nação», como também afirmou, em plena sintonia de intenções, o seu homólogo franquista Luís Bolín (19).

Em suma, a promoção turística também se adequava plenamente às finalidades políticas do salazarismo e à exibição das suas iniciativas, designadamente ao fomento edificador do seu colega Duarte Pacheco, pois como afirmou Ferro: «todas as obras públicas resultarão apagadas, frias, inexpressivas, se não forem animadas pelo turismo» (20), preparando-se assim o público, através da propaganda, para uma realidade que, se nos anos 40 ainda parecia uma utopia, não mais cessaria de evoluir no sentido que hoje conhecemos.

Mas quando abraçou o turismo, Ferro também sabia que o ideário não bastava para transformar Portugal num destino de excepção. De forma pragmática também considerava que o estrangeiro se interessava «menos pelos problemas de ordem económica, política do país visitado», do que se preocupava com as comodidades que esse país lhe podia oferecer – «a boa cama, a boa comida, o conforto não luxuoso mas suficiente, o pitoresco para lhe entreter a imaginação» (21).

Convém por isso recordar o meio que ajudou a impor uma fórmula, que servisse de futuro cartaz turístico, prestando-se a divulgar o país, não só como um reduto de intocada paisagem, património e suposta harmonia interclassista, mas também os diversos esforços de modernização de infra-estruturas, designadamente turísticas (22), ou seja, determo-nos na pequena – somente porque parca de recursos – revolução que o sector sentiu sob a sua influência.

19 V. entrevista de Luís Bolín a Eduardo Freitas da Costa. Diário da Manhã, 21-6-1944, s-a. 20 FERRO, 1949: 34-35.
21 FERRO, 1949: 35.
22 Segundo Margarida Acciaiuoli, na Panorama «há um volume considerável de artigos que se debruçam sobre as transformações que se operavam no território nacional e sobre a maneira como ilustravam o «espírito realizador» que marcava o tempo. Outros há que se centram nas características dos lugares e no modo como determinavam a índole do povo. E, há ainda, as constantes referências à atenção de que o património era objecto e às exposições de arte que se inauguravam. O resultado é uma incessante procura de ligações entre as potencialidades do país, da sua paisagem e da sua arte, bem como o desenvolvimento de raciocínios que tendiam a demonstrar que era possível conjugar as mudanças estruturais com as características dos lugares e das suas tradições», ACCIAIUOLI, 2013: 247.

Falamos da Panorama: revista portuguesa de arte e turismo, o órgão impresso de maior destaque na actividade do SPN/SNI, particularmente na sua I série, de 1941 a 1949, ou seja, durante a vigência de Ferro à frente daquele organismo.

Reflectindo os frutos da sua “política do espírito”, inspirada em Paul Valéry (23), a Panorama demonstrou essa capacidade de António Ferro em congregar uma multiplicidade de talentos, designadamente de nomes maiores das letras portuguesas, como Teixeira de Pascoaes, Almada Negreiros, Aquilino Ribeiro, Ruy Cinatti, Vitorino Nemésio, Natércia Freire, entre outros – sendo porém mais conhecida pelas suas capas e ilustrações, de alguns representantes do modernismo português, como o dito Almada, mas também Bernardo Marques, e sua mulher Ofélia Marques, Carlos Botelho, Mily Possoz, Manuel Lapa, Manuel Ribeiro de Pavia, Paulo Ferreira, Thomaz de Mello, Eduardo Anahory, etc.

Apesar de poder ser vista, por outro lado, em pleno conflito mundial, como uma publicação algo anacrónica, verifica-se nela essa postura simultaneamente reformista e tradicionalista, em que a pátria surge como um arquétipo de pureza e beleza primordiais, que urge não só proteger, mas também desenvolver, argumento ainda mais válido quando o período em causa é de escassez, de incerteza e de receio.

Aliando as artes promovidas pelo Secretariado à promoção turística (como afirmou Ferro, «meio seguríssimo, não só de alta propaganda nacional como de simples propaganda política» (24), também montra de valores e realizações de um regime em plena necessidade de afirmação interna e externa, cremos que a Panorama, durante a sua I série, obteve maior consenso devido à linha editorial assegurada pelo seu director, o poeta Carlos Queiroz, em que se observou a substituição de um discurso panfletário por um discurso literário, mais eficaz como espaço de adesão para diversos leitores.

Na Panorama verifica-se quase um não comprometimento, uma ênfase doutrinária tão discreta, que, até ao nível dos próprios artigos dedicados às obras públicas do Estado Novo, Salazar só figura numa única fotografia (25), e em grupo, ao longo de todos os números da série sob a égide de António Ferro.

23 «Enganam-se os homens de acção (…) que desprezam ou esquecem as belas-artes e a literatura, atribuindo-lhes uma função meramente decorativa (…). A política do Espírito (Paul Valéry acaba de fazer uma conferência com o mesmo título) não é apenas necessária, se bem que indispensável em tal aspecto, ao prestígio exterior da nação: é também necessária ao seu prestígio interior, à sua razão de existir». FERRO, 1932.
24 FERRO, 1949: 35.

De notar ainda a paginação muito cuidada, também do ponto de vista da recolha de imagens, em que se registam trabalhos dos melhores fotógrafos portugueses da época, o que traduzia também outra das preocupações do seu mentor: a necessidade de elevar, tanto a qualidade gráfica das publicações oficiais, como até a da publicidade (26), promovendo desta forma os chamados “pintores-decoradores” que se encontravam afectos às iniciativas do SPN.

Por outro lado, a indubitável força plástica (e como tal turística) de registos como as feiras e romarias, a Nazaré, os Campinos, a “aldeia mais portuguesa”, que levaram às diversas visitas de jornalistas estrangeiros convidados por Ferro, foi também apresentada na Panorama como fonte de inspiração para diversos pintores, realizadores e dramaturgos, seduzidos por uma autenticidade que, paradoxalmente, a revista até teve consciência de um dia se ver ameaçada, como Carlos Queiroz não deixou de apontar: «Onde o turismo nasce, não pára mais de crescer!» (27).

Mas a Panorama também teve um papel activo na defesa do património artístico e arquitectónico, denunciando a incúria a que haviam sido votadas algumas “relíquias” de importante significado. Nas chamadas “Reportagens Imprevistas”, por exemplo, abre-se uma componente de divulgação de vários “tesouros esquecidos”, não se evitando, por outro lado, eventuais polémicas com a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, dado também se chamar a atenção para casos de restauro que tinham ficado aquém do nível exigido, ou para casos em que essas intervenções tardavam.

A revista vai, contudo, para além do programa historicista-preservacionista do regime. Não só adverte para uma necessidade de consciencialização em relação à envolvente, a paisagem natural, como pretende ainda sensibilizar os leitores para os perigos de descaracterização, designadamente de «exemplares arquitectónicos curiosos e dignos de nota e apreço, até na sua modéstia»(28), ou seja também acorrendo em defesa de um património “popular”, não classificado, como os moinhos de vento da região saloia, por exemplo.

25 TELMO, 1944.
26 «Há assuntos que, na verdade, convém centralizar com urgência, em benefício dos próprios organismos locais. Assim, o assunto das brochuras de propaganda que não pode continuar à mercê dos artistas de acaso ou de tipografias de fracos recursos gráficos». FERRO, 1949: 41-42.
27 «Eu tenho muito medo do turismo. Compreendo que ele exista, que se desenvolva e se organize, como indústria, mas tenho medo dele (…) porque ameaça destruir a coisa mais bela, mais séria, mais poética do mundo: a naturalidade dos povos. Não por maldade, mas por inconsciência». QUEIROZ, 1942.
28 CHAVES, 1942.

Mas a Panorama também procedeu ao levantamento de uma “reserva estratégica” de locais que, pela sua beleza em estado virgem, pudessem, quando o Estado entendesse desenvolver o turismo de modo sistemático, virem a constituir-se como novas referências, paralelamente a outras já então afirmadas no ainda rudimentar mercado turístico. Nesse intuito, não só se dedicam artigos às praias (apelando também à prática de uma modalidade ainda pouco divulgada, o campismo), mas também artigos como os de Orlando Ribeiro e de Francisco Caldeira Cabral, em que se abordava o território numa perspectiva que hoje poderíamos considerar “ecológica”, ou ainda outros em que a revista também inovou, prevendo que o Algarve possuía condições para se vir a transformar numa estância de turismo internacional – como de facto veio a suceder, mas só daí a duas décadas.

É na Panorama que também podemos observar a evolução das “Pousadas”, entregues ao SPN/SNI à medida que iam sendo edificadas. Partindo do protótipo da Estalagem do Lidador, em Óbidos, concebida pelo Secretariado, é no cumprimento desses critérios que se passa a observar em cada nova unidade uma espécie de montra “regionalista”, homenageando o artesanato e a paisagem característica de cada local de implantação e, como tal, a afirmação daquilo que viria a ser conhecido como o “estilo SNI” nos interiores, uma abolição do “luxo” desnecessário sem sacrificar o conforto.

A Panorama leva à afirmação desse estilo oficial, baseado no rústico estilizado (complementar àquilo que passou a chamar-se “português suave”, na arquitectura), em particular através da “Campanha do Bom Gosto”, gerando novos parâmetros de design, passando a funcionar como um quase compêndio de novas tendências transpostas para o quotidiano, em suma, ajudando a divulgar materiais artesanais, mais “naturais”, mais “em conta”, dentro do espírito de contenção incutido por Salazar (e pela guerra).

Foi por isso que o formato das Pousadas passou a constituir o paradigma das construções hoteleiras que encontramos, ao longo do país, nos anos 40. E se esse formato não era inédito, a nível europeu, inédita parecia ser a sua componente de directiva implícita, de nivelamento, à qual os hoteleiros se vieram a submeter, sob pena de não verem os seus projectos, de obra, de decoração e de exploração, aprovados pelo Secretariado.

Pode-se assim considerar a Panorama como mensageira efectiva de uma importante alteração histórica e económica: a concretização de uma infra-estrutura informativa- formativa, que veio permitir ao Estado iniciar um longamente adiado processo de desenvolvimento das actividades ligadas ao turismo. E esta ideia tem na revista um suporte precioso na sua dupla vertente: pedagógica, apontando os maus passos que podem minar todo um projecto, formativa, porque propondo novos caminhos, alterando mentalidades, renovando o gosto – vejam-se também iniciativas que a revista promoveu, como o “Concurso do Cartaz de Turismo”, o “Concurso Tintas e Flores”, o “Concurso das Estações Floridas”, o “Concurso do Passeio Ideal”, então complementados por formatos radiofónicos, como o programa Conheça a Sua Terra, difundido pela Emissora Nacional.

Em síntese, mesmo apesar dos receios quanto a uma provável massificação, Ferro pretendeu alargar e elevar a qualidade da oferta turística portuguesa, imprimindo um novo formulário de valores que levassem à sua correcta aplicação.

Para isso também contribuiu para o despertar de uma consciência turística, baseada em quatro princípios que sempre defendeu – a defesa da paisagem natural; a protecção do património histórico; a reabilitação do artesanato e do folclore; a preservação dos usos e costumes das populações não urbanas.

Hoje é mais fácil reconhecer que esse ruralismo, ao qual a propaganda se agarrou também por questões de índole estética e turística, possuía uma base frágil. Não se pode entender essa província, num contexto de desenvolvimento turístico, tendo em conta a defesa incondicional da sua preservação a todo o custo, ou seja, perante a esperança, dos ideólogos, de que nunca se alterassem as condições de tal atraso em face daquilo que acabou por ser um inexorável signo de mudança – a lenta mas continuada descaracterização desse interior, que Ferro gostaria de ter transformado num “museu vivo”, mas que só logrou concebê-lo como um «relicário mumificado», na expressão de Daniel Melo (29) – ou seja, partindo de um ideário que para alguns também constituía um obstáculo ao progresso.

Se a esse factor acrescentarmos a falta generalizada de condições de alojamento, ou a dificuldade de acesso a regiões afastadas dos poucos centros turísticos (fundamentalmente situados ao longo da costa), vemos, por outro lado, que não deixava de se verificar uma certa incompatibilidade entre aqueles que pretendiam um turismo decalcado de modelos consolidados (como o suíço ou o italiano), e a própria posição do Secretariado, insistindo em que havia um país a descobrir – mas conhecendo de perto as imensas dificuldades estruturais que para tal ainda persistiam a todos os níveis.

Tarefa complexa, também pela falta de apoio que Ferro sentiu por parte da máquina burocrática, que a partir de 1945 começou a abrir brechas, lutando com dificuldades em impor um sistema que fosse acatado por todos os intervenientes, com uma crónica falta de verbas e crescentes antagonismos – como referiu Paulo Pina, não deixemos porém de conceder «a Ferro o que é de Ferro» (30), ou seja, no que respeita ao fomento turístico, a sua visão de pioneiro não deve ser esquecida.

29 MELO, 2001: 79.
30 PINA, 1988: 85.

 

Por José Guilherme Victorino Julho 2018

 

Bibliografia

ACCIAIUOLI, Margarida – António Ferro: a vertigem da palavra. Lisboa: Editorial Bizâncio, 2013.
CHAVES, Luís – “Conservem-se os nossos moinhos”. Panorama n.o 11, 1942.
FERRO, António – “Política do Espírito”. Diário de Notícias, 21-11-1932.
FERRO, António – Turismo: fonte de riqueza e de poesia. Lisboa: Edições SNI, 1949.
FRANÇA, José-Augusto – A Arte e a Sociedade Portuguesa no Século XX (1910 a 1990), 3.a ed. actual. Lisboa: Livros Horizonte, 1991.
LEAL, Ernesto Castro – António Ferro: espaço político e imaginário social (1918‐32). Lisboa: Edições Cosmos, 1994.
MELO, Daniel – Salazarismo e Cultura Popular (1933-1958). Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2001.
PINA, Paulo – Portugal, o Turismo no Século XX. Lisboa: Lucidus Publicações, 1988. PIRES, Daniel – Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX (1941-1974), vol. II, 1.o tomo. Lisboa: Grifo, 2000.
QUEIROZ, Carlos – “A faina da pesca, espectáculo sagrado”. Panorama n.o 10, 1942.
SILVA, Marinho da – “Ramalho Ortigão, o precursor”. Panorama n.o 7, 1942.
TELMO, José Cottinelli – “Um grande homem de acção”. Panorama n.o 19, 1944.
TORGAL, Luís Reis – Estados Novos, Estado Novo: ensaios de História política e cultural. Coimbra: IUC, 2009.
VICTORINO, José Guilherme – “Propaganda e Controlo de Opinião no Primeiro Salazarismo: a complementaridade de actuação entre o SPN e o aparelho censório”. Media & Jornalismo. Lisboa: CIMJ / UNL, No 23, vol. 12, No 1, 2013.
VICTORINO, José Guilherme – Propaganda e Turismo no Estado Novo: António Ferro e a revista Panorama (1941-1949). Lisboa: Alêtheia Editores, 2018, ISBN: 978-989- 622-878-1.

 
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