História cronológica da Pilotos, Gomez & Capa
Textos retirados da história da Pilotos & Capa em Memórias & Documentos volume I, José Fernandes Piloto, José Joaquim Capa, António José Piloto Capa, de António Horta Correia
TÍTULO: Memórias & Documentos volume I
SUB TÍTULO: José Fernandes Piloto, José Joaquim Capa, António José Piloto Capa
AUTOR: António Horta Correia
DATA EDIÇÃO: 2017
EDITORA: 1ª ed. – Albufeira, Arandis editora
Introdução
A indústria de conservas de peixe foi iniciada em Vila Real de Santo António nos finais do século XIX, pelo italiano Angelo Parodi, de Génova.
Em sociedade com Manuel Gomes Roldan, espanhol, negociante nessa vila, na firma “Parodi & Roldan“, construíram em 1879 a sua fábrica na Rua da Rainha. Depois em 1880, Sebastião Migoni e seu filho Domenico, italianos, e Francisco Rodrigues Tenório, espanhol, abriram novas fábricas, na Rua da Princesa.
Sebastian Ramirez, também espanhol, negociante em Vila Real de Santo António, comprou em 1882 a maquinaria e utensílios da fábrica de Francisco Rodrigues Tenório, e a seguir fez a sua instalação em fábrica própria na Rua da Rainha, “Barreto & Cª“, 24 instalados na rua da Princesa, e “Centeno, Cruz & Cª“, na rua da Rainha, já possuíam os seus estabelecimentos fabris quando José Fernandes Piloto, negociante e armador da pesca da sardinha, e o comendador Manuel Francisco Gomes, negociante em Mértola e em Vila Real de Santo António, se acertaram 25 para investir na nova industria, no ano de 1898, como se viu no Capítulo I.
24 A sociedade “Barreto & Cª” foi constituída em 26 de Junho de 1886, por três anos, com o capital de 10:000$000 reis, dividido em partes iguais entre António Soares Barreto e Juan Maestre Cumbrera.
Antes dessa data, o Governo de Hintze Ribeiro tinha resolvido elaborar o primeiro trabalho de envergadura de estatística industrial, num país atrofiado e com notável atraso no seu desenvolvimento. Em consequência de tal iniciativa, foi publicado em 31 de Outubro de 1881, o “Relatório dos Delegados da Comissão Central Directora do Inquérito Industrial no Distrito de Faro”, realizado por Júlio António Ribeiro e José Maria Pereira Rodrigues. Parece oportuno incluir a parte deste Relatório que se refere as fabricas de conservas de peixe instaladas em Vila Real de Santo António, por ser pouco conhecido, apesar de ser o primeiro documento oficial sabre a industria local. Depois de nele se descrever a visita a fábrica de têxteis que Sebastian Ramirez já tinha a funcionar desde 1870.
Não deixa de ser intrigante que, sendo este relatório tão claro e afirmativo sobre a origem e inicio da indústria de conservas de peixe em Vila Real de Santo António, ainda se publiquem artigos com alguma responsabilidade, incluindo dados diferentes, tirados da publicidade das empresas.
NOTA: o autor refere-se à publicidade da empresa Ramirez, que alega ter sido a primeira empresa de conservas portuguesa, fundada em 1853, afirmando que a indústria conserveira ter nascido em Vila Real de Santo António e ter sido pioneira do método Appert em 1865. De facto a empresa “Ramirez & Cª” apenas foi constituída em 1900 por Sebastian Claúdio Ramirez Garcia, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Manuel Garcia Ramirez e Emílio Garcia Ramirez.
Para saber mais sobre o tema visitar a página “Sebastian Ramírez (1828-1900)“
Também nele fica bem explicado que, nos seus primeiros tempos, esta indústria utilizou em parte importante da produção, a técnica de escabeche de azeite, acondicionando-se em barris o atum cozido, o que bem se compreende, tendo em consideração que as latas de 10 kg, as mais usadas então, eram fechadas manualmente pelos soldadores com uma liga de estanho e chumbo, o que limitava a quantidade diária da produção, situação que se terá mantido durante alguns anos. Apenas em 1933 começaram a ser instaladas as máquinas cravadeiras que substituíram o trabalho dos soldadores 32, com grande oposição desta classe. Também a esterilização das latas já fechadas foi iniciada com um processo rudimentar.
32 A propósito da importância da classe dos soldadores, parece ser de interesse reparar na profissões dos sócios da sociedade em nome colectivo Pedro José Cândido & Cª, que em 6 de Março de 1901 foi constituída em Vila Real de Santo António, por Pedro José Cândido, negociante; Manuel Mascarenhas Cavaco, funileiro; Tomaz da Graça, soldador; André Ribeiro Fernandes, funileiro; Francisco Ferreira, soldador; Inácio Fernandes, marítimo Manuel José da Cruz, soldador e José Pedro Fernandes, soldador, com o capital de 400$000 reis, para a fabricação de conservas de peixe, em edifício arrendado, tendo a fábrica a denominação de “Esperança”.
Foi numa situação já um pouco diferente da descrita no Inquérito Industrial de 1881, que a fábrica “Guadiana” iniciou a sua laboração com a sociedade “Pilotos, Gomes & Capa“, pois não se encontraram quaisquer dados que comprovem terem fabricado atum em escabeche de azeite.
1898
Em 1898, José Fernandes Piloto, seu filho José Fernandes Piloto Júnior, o comendador Manuel Francisco Gomes, de Mértola, e José Joaquim Capa, seu sócio, resolveram associar-se para instalar uma fabrica de conservas de peixe, em Vila Real de Santo António. Julgo que foi a primeira fábrica desta vila cujos proprietários eram todos de nacionalidade portuguesa.
Começaram por requerer a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António a cedência de um terreno no extremo norte da vila, a norte da fábrica Peninsular, com 67 metros no sentido nascente – poente e 60 metros no sentido norte – sul. A Câmara, em sessão de 5 de Janeiro de 1899, aprovou o requerimento, e no dia 13 seguinte passou-lhes o respectivo título.
1900
Os quatro associados realizaram, cerca de um ano depois, em 30 de Março de 1900, no notário José Hygino Júnior, em Vila Real de Santo António, a escritura de constituição da sociedade: “os outorgantes declaram que são concessionários de uns terrenos, situados nesta Vila, na Avenida da Rainha Dona Amélia ( … ) conforme título de concessão passado pela Câmara Municipal deste concelho em treze de Janeiro de mil oitocentos e noventa e nove, da deliberação tomada em sessão de cinco de Janeiro do mesmo ano. Que nestes terrenos têm eles outorgantes levantado já algumas edificações para o fim de estabelecerem uma fábrica de conservas de peixe e aproveitamento dos seus resíduos. Que para cumprimento nesta empresa vem reduzir a escritura o seu pacto social pela forma constante dos artigos seguintes:
Escritura "Pilotos, Gomes & Capa"
Artigo Primeiro – Que esta sociedade e em nome colectivo em relação a todos os sócios, e o seu objecto a constituição da mencionada fábrica para fabrico de conservas de peixe, e aproveitamento de seus resíduos, explorando estes ramos de comercio, bem como quaisquer outros em que eles sócios acordem.
Artigo Segundo – Que a firma social é Piloto Gomes & Capa, e a sede e domicilio social nesta Vila, no edifício da fábrica.
Artigo Terceiro – Que esta sociedade teve começo em treze de Janeiro de mil oitocentos e noventa e nove, retrotraindo-se a esta data todos os direitos e obrigações sociais e durará por tempo indeterminado,
( … ). Artigo Quarto – Que o capital social são onze contos de reis, pertencendo quota igual a cada um dos sócios e representado no solo da fábrica, edificações aderentes, máquinas e utensílios, e em dinheiro realizado existente em caixa.
Artigo Quinto – Que os ganhos e perdas serão distribuídos pelos sócios em relação à sua quota de capital, isto e, igualmente por todos.
Artigo Sexto – Que todos os sócios são administradores e gerentes da sociedade, podendo, por isso, fazer uso da firma social, mas exclusivamente em operações que interessem à mesma sociedade. ( … )
Artigo Oitavo – Que a caixa e escrituração social ficarão especialmente a cargo dos sócios Piloto Júnior e Capa, os quais farão estas em forma legal ou a mandarão fazer por pessoa autorizada à custa da sociedade. ( … )
Artigo Décimo Segundo – Que a sociedade poder-se-á dissolver pela saída, falecimento ou vontade de qualquer dos sócios, por acordo, e por qualquer outro acto legal. …)
Artigo Décimo Quinto – Que sendo a sociedade dissolvida pelo falecimento ou interdição de qualquer dos sócios, os herdeiros ou representantes do sócio falecido ou interdito terão os direitos regulados pela seguinte forma: – quanto a conta de capital pelo ultimo balanço geral, quanto aos suprimentos pelo que constar das respectivas contas, quanto a ganhos por uma percentagem proporcionalmente igual aos que tiver havido no anterior ano social e correspondente ao prazo decorrido depois do ultimo balanço. ( … ).”
1901
Em 20 de Dezembro de 1901 apresentaram requerimento à Câmara Municipal, que foi deferido, de um acréscimo de 2.010 m2 de terreno contiguo a sua fábrica de conservas a norte da vila, com 30 metros no sentido sul/norte e 67 metros no sentido nascente/poente.
Nessa data a fábrica já estaria a funcionar.
1907
O sócio Manuel Francisco Gomes veio a falecer em 24 de Julho de 1907, deixando filhos menores, tendo decorrido o necessário inventário orfanológico no Tribunal Judicial de Mértola. Em conformidade com o estabelecido no pacto social, a sociedade foi dissolvida e liquidada por escritura realizada pelo notário Eugénio Augusto da Silva Júnior, em 28 de Novembro de 1907, em Mértola, entre Maria Amália Allen Gomes, viúva do falecido comendador Manuel Francisco Gomes, e José Joaquim Capa, que outorgava por si, por sua mulher, e ainda em representação de seu sogro e do cunhado, José Fernandes Piloto e José Fernandes Piloto Júnior, estando ainda presente o delegado do Procurador Régio e curador dos órfãos na comarca de Mértola, o Dr. Álvaro Júlio Barbosa.
Foi então acordado:
“Primeiro – todo o activo e passivo da dissolvida sociedade ficam por conta e sob a exclusiva responsabilidade dos sócios sobrevivos, ( … ) a quem ficam pertencendo todos os efeitos sociais, entre os quais se compreende o seguinte imóvel:
Um prédio rústico (?) que serve para fabrico de conservas, situado na Avenida da Rainha Dona Amélia, para onde tem a porta principal, confrontando do norte com terras da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, do nascente com a dita avenida, do sul com rua se nome e do poente com terrenos da mesma Câmara ( … )
Segundo – Em consequência do estipulado no artigo anterior, ela outorgante, usando da autorização que judicialmente lhe foi conferida, vende aos mencionados três sócios o direito de uma quarta parte que o comendador Manuel Francisco Gomes tinha nos efeitos sociais e declaradamente no descrito prédio.
Terceiro – Esta venda é feita pela quantia total de sete contos e quinhentos mil reis, correspondendo ao imóvel um conto e quinhentos mil reis, e aos mobiliários seis contos de reis, incluindo-se na primeira quantia além do capital e suprimentos com que o comendador Manuel Francisco Gomes entrou para a dissolvida sociedade, todos os lucros a que tinha direito até a data do seu falecimento. ( … )
Sexto – Os sócios sobrevivos não poderão continuar a gerir sob a firma Pilotos, Gomes & Capa o comércio da dissolvida sociedade, sendo-lhes assim retirado o uso da firma extinta, podendo contudo usarem as latas que se acharem litografadas com o nome da mesma firma a data do falecimento do comendador Manuel Francisco Gomes e não hajam tido ainda saída da fábrica. ( … ) E pelo terceiro outorgante foi dito: que como Curador Geral dos Órfãos nesta comarca, nada tem a opor a este contracto por se achar feito de harmonia com a autorização conferida a primeira outorgante no inventário de seu marido ( … ).”