Paolo Cocco a as conservas de peixe em Lagos

por Antonio Botelheiro Carrilho

Revista Municipal n.º 5 – dezembro 2019

18 de março de 1918
Paolo Cocco requereu licença para instalar uma «oficina de salga e preparação de peixe em salmoura» (2) junto da Administração do Concelho de Lagos.
 
9 de agosto de 1919
Não se verificando qualquer oposição pública às pretensões do industrial, o licenciamento provisório de funcionamento foi comunicado em oficio do Diretor-Geral do Trabalho, de 9 de agosto de 1919, ao Engenheiro-Chefe da 5ª Circunscrição Industrial.
 
15 de janeiro de 1920
A instalação estava terminada, segundo um requerimento de Paolo Cocco (então com 41 anos de idade). datado de 9 de março de 1922, solicitando o registo do «seu estabelecimento [. .. ] que se destina a exploração da industria de salga de peixe».
 
23 de agosto de 1924
Após uma vistoria efetuada par peritos no dia 23 de março de 1923, mais de um ano depois, no dia 23 de agosto de 1924, foi concedido a Paolo Cocco o alvará de funcionamento Nº 4187, que permitiu a laboração da sua fábrica de conservas de peixe em azeite.
Localizada junta ao arco de S. Gonçalo, a «denominada casa da Iota», já propriedade do industrial (3), iniciou o seu funcionamento em 11 de janeiro de 1924.
 
A fábrica da ribeira compunha-se de uma secção de cheio e uma secção de vazio. A primeira destinava-se a preparação e acondicionamento do pescado e estava apetrechada com três mesas de descabeçar, dois carros de coser, um cofre para grelhas, duas mesas de enlatar de 20 lugares cada uma, uma cravadeira (4) de marca Sudry B.C:7., uma cravadeira para latas redondas e uma caldeira para coser atum e cavala, a que veio somar-se em 1941 um cofre para esterilização. Na secção de vazio, destinada a produção ou preparação de contentores para o pescado, estão documentadas duas tesouras, uma rebordadeira e cinco balances
(prensas para cunhagem e impressão em relevo) (5). Há conhecimento posterior de um reforço do equipamento, com a instalação de uma cravadeira Sudry B.C.10. , autorizada por despacho de 10 de março de 1949.
 
24 de julho de 1947
Quanta ao número de operários, tendo em conta o panorama nacional, podemos considerar a fábrica da Ribeira um estabelecimento de média dimensão.
No ano de 1947 estão contabilizados 95 trabalhadores, de acordo com uma listagem enviada como anexo a um ofício do Sindicato Nacional dos Operários da indústria de Conservas do Distrito de Faro (Secção de Lagos) datado de 24 de julho de 1947 (7).
Em 1948, outro documento refere 6 homens e 24 mulheres no quadro permanente e 64 mulheres no quadro eventual (8). As mulheres, em maioria, dedicavam-se sobretudo a preparação e acondicionamento do pescado, enquanto aos operários do sexo masculino competia a preparação do vazio.
 
25 de fevereiro de 1950
Considerando as condições de trabalho oferecidas pela fábrica, um auto de vistoria favorável à sua manutenção, elaborado em 25 de fevereiro de 1950, destaca as boas
condições ignífugas e de segurança da cobertura, a existência de água potável em abundância, a boa iluminação e ventilação dos postas de trabalho e a ligação adequada dos
esgotos ao coletor público. (9)
 
26 de julho de 1955,
Em 26 de julho de 1955, o alvará e registo da fábrica da Ribeira foram averbados em nome da firma Paolo Cocco, Herdeiros, Lda. sociedade por quotas constituída par escritura pública exarada no gabinete notarial do Dr. José Formosinho, no dia 12 de fevereiro de 1955, após a morte do patriarca, no ano de 1954.

Além da fábrica da ribeira, Paolo Cocco possuiu outra fábrica de conservas de peixe em salmoura, localizada na Rua Lançarote de Freitas, anteriormente pertencente ao industrial grego Panagiotos Fantopoulos, com alvarás de 1905 e 1910.
 
Cocco obteve autorização para reabrir esta fábrica por despacho ministerial de 9 de maio de 1938, de que resultou o alvará nº 28014, ponto de partida para  o seu plano de desdobramento da sua primeira fábrica de conservas de peixe em azeite e salmoura, para o qual obteve autorização por despacho ministerial em 13 de fevereiro de 1939.
 
A segunda unidade fabril compunha-se de um espaço de armazém, uma casa de caldeira com uma “pequena bacine”, um armazém de vazio destinado a fabricar barris de madeira e uma cravadeira para redondas.
 
Na medida em que podia influenciar “o preço da sardinha na lota, com vantagens evidentes sobre os outros concorrentes conserveiros “ (11), Paolo Cocco e, posteriormente, os herdeiros, foram também armadores de pesca, contabilizando-se entre as suas embarcações a pequena traineira de nome Mariazita, a grande traineira batizada com o nome de Nossa Senhora de Pompeia (ambas imortalizadas em miniatura de madeira existentes as colecções do Museu Municipal Dr. José Formosinho, feitas e doadas por José António Arez Viegas), uma enviada denominada Preiamar e uma canoa de pesca batizada como Pardela (12)
 
Face aos cuidados reservados pelo Estado às condições de salubridade das fábricas de conserva, não é de estranhar que as conservas portuguesas fossem internacionalmente reconhecidas e apreciadas, tendo contribuído positivamente para a economia portuguesa no período das duas grandes guerras. Destaque para o segundo conflito mundial, durante o qual Portugal estabelece contratos coletivos de importação e exportação, celebrados pelos organismos de coordenação dos respetivos setores económicos com as firmas compradoras ou produtoras, consoante o caso. Desses contratos resultaram importantes volumes de exportação de conserva de sardinha em molhos, especialmente para Alemanha e Inglaterra, mas também para países como a França, Holanda e a Palestina.
 
A fábrica da Ribeira funcionou até 1959, ano em que, no contexto da transformação da frente ribeirinha de Lagos por ocasião do quinto centenário da morte do Infante dom Henrique, foi autorizada a deslocar-se para Ílhavo, por despacho de 31 de outubro, do secretário de Estado da Indústria, e após um processo de expropriação iniciado em 1957.
 
O alvará da fábrica caducou em 14 de março de 1960, alguns dias depois da enfermidade atrás referida (13)
 
Contrariamente ao que poderíamos pensar, os efeitos sociais da deslocalização não se fizeram sentir naquela altura, já que a fábrica de conservas em salmoura e filetagem sita na Rua Lançarote de Freitas, pertencente à mesma firma, absorveu todos os operários, que desde sempre trabalharam nas duas fábricas (14)
 
Em 1972, a segunda unidade, se não tinha já encerrado, estaria prestes, pois consta no nosso arquivo um requerimento de 10 de janeiro daquele ano, da firma Paolo Cocco, Herdeiros, Limitada, solicitando aprovação do projecto de ocupação residencial e comercial da área entre as ruas Gil Vicente e Lançarote de Freitas, onde precisamente se localizava aquela unidade fabril.

DOCUMENTOS

1 – Cf. Livro de Registo de Diplomas da Camara Municipal de Lagos, 29 de maio de 1914 a 14 de outubro de 1957, fl. 14 frente
(Arquivo Municipal de Lagos).
 
2 – Cf. Cópia do requerimento de Paolo Cocco para instalação de uma oficina de salga e preparação de peixe em salmoura, 18 de março de 1918.
Arquivo Distrital de Faro.
Cota PT/ AD FAR/ACD/Cl5/004-001/98.
 
3 – Cf. Cópia do Edital de 8 de abril de 1918, in Fábrica de Conserva de Peixe.
8 de abril de 1918 a 14 de março de 1960.
Arquivo Distrital de Faro.
Cota PT/ ADF AR/ ACD/CI5/004-001/98.
 
4 – As cravadeiras são utensílios destinados ao encerramento das latas, depois de cheias. Cf. Requerimento de Paolo Cocco ao Ministro da Economia, para poder instalar uma nova cravadeira na sua fabrica da Rua do Arco de S. Gonçalo, 20 de maio de 1948. Idem.
 
5 – a Idem nota de rodapé nº 2.
 
6 – Tomámos como referencia a obra do Instituto Nacional de Estatística, Estatísticas da Produção Industrial, de diferentes anos: 1943 a 1969, sendo este último o ano em que existem referências especificas à realidade do centro conserveiro de Lagos. Assim, no tocante a fábricas com força motriz, os anuários estatísticos referem fabricas com um número igual ou inferior a 10 operários, entre 11 e 20, 21 a 50, 51 a 100, 101 a 200 e 201 a 400 operários (em alguns anos, no que toca a mínimos, só foram consideradas fábricas com menos de 21 operários e em outros, no que toca a máximos, foram consideradas fábricas com mais de 400 operários).
 
7 – Arquivo Municipal de Lagos.
 
8 –  Cf. Emolumento a pagar pelo aumento do número de funcionários da fábrica de conservas de peixe em azeite de Paolo Cocco, 29 de novembro de 1948.
Cota PT/ AD FAR/ ACD/CI5/004-001 /98.
 
9 – Cf. Auto de Vistoria de 25 de fevereiro de 1950, p. 2. Idem.
 
10 – Paolo Cocco casou com Rosa Cocco, e do casamento nasceram os três filhos do casal, Miguel (médico), Orsola Cocco Santana e Maria Carolina Cocco Leote.
Paolo e Rosa morreram com poucos dias de diferença entre fins de dezembro de 1954 e janeiro de 1955.
Cf. Requerimento dos herdeiros de Paolo Cocco ao Ministro da Economia, para transferência dos alvarás e licenças para a nova sociedade, s.d. [Março de 1955]. Idem.
 
11 – Cf. RODRIGUES, Joaquim Manuel Vieira, A indústria de conservas de peixe no Algarve (1865-1945), Dissertação de Mestrado em História do século XX, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, abril de 1997, p. 48.
 
12 – Cf. Escritura de constituição da Sociedade por Quotas Paolo Cocco, Herdeiros, Limitada, 12 de fevereiro de 1955.
Cota PT/ADFAR/ACD/CIS/004-001/98
(Arquivo Distrital de Faro).
 
Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha, índice alfabético das Artes da Pesca da Sardinha, com indicação dos respetivos proprietários, números de agremiados e localidades destes, e portos de registo das referidas artes, abril de 1953. C6digo de Referencia:
PT/MP-CDAH/FH/H/001, Caixa 4
(Centro de Documentação e Arquivo Histórico do Museu de Portimão).
 
13 – Cf. Fábrica de Conserva de Peixe 8 de abril de 1918 a 14 de março de 1960.
Arquivo Distrital de Faro.
Cota PT/ AD FAR/ ACD /CIS /004-00 I /98.
 
14 – Cf. Ofício n.0 7268 da Delegação de Faro do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, para a 5ª Circunscrição Industrial, de 16 de setembro de 1960

Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha, índice alfabético das Artes da Pesca da Sardinha, com indicação dos respectivos proprietários, números de agremiados e localidades destes, e portos de registo das referidas artes, abril de 1953.
Código de Referencia: PT/MP-CDAH/FH/H/001,
Caixa 4 (Centro de Documentação e Arquivo Histórico do Museu de Portimão).
 
Fábrica de Conserva de Peixe [de Paolo Cocco], 1918-1960.
PT/ADFAR/ACD/CI5/004-001/0098.
(Arquivo Distrital de Faro).
 
Listagem do pessoal da Fábrica Paolo Cocco, 1947.
(Arquivo Municipal de Lagos)
 
Livro de Registo de Diplomas da Camara Municipal de Lagos, 29 de maio de 1914 a
14 de outubro de 1957.
(Arquivo Municipal de Lagos)
 
Registos das indústrias existentes no distrito de Faro, 1900-1999.
PT/ADFAR/ACD/CI5/003/1.
(Arquivo Distrital de Faro).

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