Os salários dos soldadores

Os conserveiros de Setúbal (1887-1901)**

Vasco Pulido Valente*
Análise Social, vol. XVII (67-68), 1981-3.º-4. °, 615-678

* Universidade Católica Portuguesa.
** O estudo que a seguir se pode ler foi feito com a colaboração da Sr.a Dr.a Margarida Pereira de Moura. A ideia original, a concepção e a definição do método são do autor. A Sr.a Dr.a Margarida Pereira de Moura fez a investigação preliminar e escreveu a primeira versão. O autor, depois, reviu a investigação e escreveu a segunda versão e a versão definitiva, que aqui se apresenta (e que contém partes da primeira). Toda a responsabilidade científica é do autor.
O estudo agora publicado está incompleto. Das quatro «classes» de conserveiros de Setúbal trata apenas três: soldadores, «mulheres» e «rapazes». É omisso a respeito dos «trabalhadores», Pensou-se, no entanto, que, mesmo assim, teria algum interesse a sua divulgação parcial.

Depois, e até 1913-15, os salários nominais mantiveram-se constantes.

Apesar do reforço e desenvolvimento da organização sindical e de uma crescente experiência de luta, não há diferenças significativas entre a tabela de preços de 1897 e a de 1907, que ficou em vigor durante quase dez anos.

A comparação, representada no quadro n° 10, é instrutiva 262.

Ou seja, apenas se alteraram as remunerações da lata cheia 1/2 alta e 4/4 ordinária. Importa, porém, sublinhar que estes formatos raras vezes se fabricavam e que os mais vulgarmente utilizados (1/4 dub, ordinário e décollage) 263 continuaram a ser pagos da mesma maneira que em 1897 ou 1890.

Assim, partindo da hipótese de que um soldador medianamente hábil fazia, ou «fechava», cerca de 800 latas em oito horas (um bom soldador chegava às 1200 e os piores não passavam, com frequência, das 500), temos que ganhava 2$000 réis no 1/4 dub décollage vazio e l$920 no cheio, ou l$280 réis no 1/4 club ordinário vazio e l$920 no cheio.

Dito de outro modo, os salários diários brutos variavam entre 2$000 e l$200 réis e, entrando em conta com as multas, as despesas em ferramentas e as «jornas» perdidas ou que não atingiam oito horas, os salários diários líquidos deviam oscilar entre os 1S000 e l$500 réis, conforme os cálculos do Boletim do Trabalho Industrial para 1905, 1906 e 1907 264.

Eis o quadro geral.

Resta acrescentar o seguinte: como atrás se deixou implícito, o advento da República não se reflectiu sobre os rendimentos dos soldadores. Excepto talvez para os reduzir. Na verdade, em 1913, um grupo de patrões gabava-se de «sustentar o trabalho em vazio» com salários de «80 centavos a um escudo»265, isto é, com uma economia de 20 % em relação a 1890. Mas não se tratava com certeza de um caso típico.

Falámos de salários nominais. E os reais? Ponderando os primeiros com o índice do custo de vida na cidade de Setúbal entre 1889 e 1913, verifica-se que, em 1913, l$000 réis valiam no bolso de um soldadormenos 3,7% do que em 1910, menos 14,8% do que em 1900 e menos 44,7 % do que em 1899.

262 Só se tomaram em consideração os formatos comuns às duas tabelas, que, aliás, representavam a quase totalidade da produção.
263 Entrevista com o ex-soldador Carlos Gomes, conduzida por Margarida Pereira de Moura, em 9 de Fevereiro de 1977.
264 Boletim do Trabalho Industrial,
265 O Século de 20 de Dezembro de 1913

As perdas foram, de facto, dramáticas e, como escrevia O Independente em 1909 266, a «classe dos soldadores», antes «invejada pelos demais operários», «que não nutriam por ela grandes simpatias», dobrou o século e assistiu à revolução de Outubro de 1910 numa situação que nada tinha de «próspera».

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