Os Açorianos e as Pescas, 500 anos de memórias - Tercon
Tercon, Sociedade Terceirense de Conservas, Lda.
Esta indústria de conservas, constituída por quotas, surgiu em 1964, a partir da antiga Fábrica de Conservas Terceirense, fundada pelo industrial conserveiro Virgilio Lory.
Este notável empresário e gerente das suas indústrias, fundou a sua primeira fábrica de Conservas de peixe no ano de 1930, no Bairro de Santa Clara, freguesia de parte Ocidental da cidade de Ponta Delgada.
De acordo com as notícias da época, teve grande acção social neste bairro de pescadores reconfirmado por uma lápide existente na Igreja Paroquial de Santa Clara, que levantou alguma contestação entre os paroquianos conservadores daquela época, pelo facto do Sr. Virgilio Lory ser casado em segundas núpcias com a Dona Raquel.
Apesar da estima e respeito que granjearam pelos seus actos de benemerência em prol dos necessitados, acontece que a Igreja via com maus olhos o casamento civil, tal como ainda hoje.
Por morte do Senhor Lory, a Fábrica de Conservas Terceirense encerrou a sua actividade, sendo adquirida no final de 1964, por uma sociedade constituída para o efeito, surgindo a Tercon, Sociedade Terceirense de Conservas, Lda.
O seu primeiro Presidente do Conselho de Administração foi o Dr. Manuel Nunes Flores Brasil, médico de profissão e figura de referência da medicina praticada no seu tempo no arquipelago. Na administração destacou-se entre os seus pares, pela larga visão de modernidade. Pretendia mandar construir um navio com casco de aço para apoio a frota de traineiras de pesca, equipado com sistema de frio para transportar o peixe para a fábrica, evitando a interrupção da pesca, que originava grandes perdas de produção, posto que por vezes tinham que fazer viagens de 50 a 100 milhas só para um lado. A sua proposta não foi aceite pelos restantes sócios, que tinham uma visão artesanal, redutora da necessária modernização tecnológica da frota e da fábrica.
A fábrica continuou a laborar nos mesmos moldes do seu fundador e gerente, Virgilio Lory, que contratava as tripulações da sua frota de pesca, construída pelas traineiras: “Vyrol”, “Aurora”, “Canta-Galo” e “Mimela”, que era o nome familiar duma netinha do Senhor Lory. Essas tripulações eram oriundas da vila de Machico, da ilha da Madeira e só permaneciam durante a safra do atum que se processava do início de Maio a fins de Setembro.
Os quadros dirigentes e técnicos da fábrica, tal como no tempo do seu fundador, continuaram a ser recrutados no Algarve, que tornaram famosa a conserva pela alta qualidade do peixe e enlatamento do mesmo.
O gerente executivo era Henrique Vieira de Melo, natural da ilha Terceira. O Mestre da fábrica era a Dona Feliciana, casada com o Mestre Firmino, ambos algarvios, este último era quem chefiava o serviço de enlatamento e era o próprio quem cravava as tampas das latas de conserva (fecho das embalagens). O Mestre Firme Cordeiro Vicente, que se julga ser natural da ilha de São Miguel, era o responsável pela operação de cozedura do peixe em sal, com as respectivas percentagens de sal para cada tipo de conserva.
Esta fábrica chegou a possuir duas tripulações da ilha, uma do porto de São Mateus, que era Mestre Romão do “CantaGalo”e do porto Judeu, Mestre Chico Rabada, um prezado pescador. Só que estes bravos pescadores não tinham a assiduidade dos Madeirenses, a quem os toiros nada lhes diziam – As touradas na ilha Terceira são o maior evento popular naquela ilha, onde se realizam anualmente mais de trezentas. Não assistir a uma tourada de corda na sua freguesia ou nas mais próximas, é imperdoável a um terceirense que se preze – é a gente mais festeira do arquipélago.
As albacoras eram os primeiros cardumes a chegar aos mares do grupo Oriental Santa Maria e São Miguel. Vinham avançando pelo arquipélago, de Leste para Oeste, seguindo-se o voador em fins de Julho e que se fazia acompanhar do bonito, que os madeirenses designavam por “gaiado”. O rabilho é o maior dos atuns, a sua pesca era perigosa por ser um peixe de grandes dimensões. O seu peso ia dos 60 aos 500 kg, o que obrigava a cuidados e prudência redobrados para o meter sobre o convés. Tinha que ser morto a pancada na cabeça antes de ser arrumado no porão, caso contrário, os saltos que dava poderiam rombar o casco da traineira e danificar ou inutilizar o peixe já pescado.
Os tunídeos no momento da captura são de grande beleza, quer na forma quer sobretudo na policromia, que reproduz todas as cores do arco-iris, com soberbas tonalidades de azul e reflexos metálicos.
Registaram-se vários acidentes de trabalho na pesca do rabilo. Pelo menos um foi fatal, o que vitimou o jovem madeirense José Gomes, de 32 anos. Praticava a “pesca americana” salto e vara, com a “vardasca” que possui um cabo resistente com cerca de duas braças que e amarrado ao bordo contrário da embarcação, onde a cada Vardasca para o rabilo, estão dois ou três homens. Prendeu-se um grande rabilo, que com grande violência deu um golpe que fez soltar o cabo da vardasca, enrolando-se no braço do pescador José Gomes, que seguiu preso ao enorme rabilo. Todos os esforços da companha da traineira foram em vão, para libertar ou encontrar o corpo do infeliz pescador, que desapareceu na profundeza do oceano para todo o sempre.
As produções anuais cifravam-se entre as 400 e as 1.000 toneladas, a fábrica produzia também farinha de peixe com as cabeças e vísceras do pescado que transformava. Alturas houve em que tiveram de mandar várias toneladas de peixe para a farinação, por não disporem do sistema de frio para conservar todo o peixe que não podiam laborar. Para além do atum e do bonito, laboraram, cavala, chicharro e filetes de “dourado”, enlatado em óleo vegetal e azeite de oliveira.
As conservas eram apresentadas em latas de 118, 114, 500grs, 1 kg, 2,100 kg e 5 kg. As latas maiores eram destinadas a exportação.
Um dos principais importadores eram os Estados Unidos da América, em que a espécie “voador” a que chamam “white tuna”, era mais apreciado, sendo conservado em moura leve. O outro grande importador era a Itália, que recebia em latas de 2,100kg a 5kg conservado em azeite. A restante produção abastecia o mercado da ilha e outras ilhas do arquipélago e o restante ia para o mercado de Lisboa.
Os postos de trabalho que mantinha de mão-de-obra fixa anualmente eram 20 mulheres algarvias e durante a safra 100 a 150 mulheres, que eram recrutadas na Agualva, Porto Judeu e no Bairro do Corpo Santo, que ficava na vizinhança da fábrica.
Por volta de 1980 a fábrica foi vendida a um grupo de coronéis das Forças Armadas Portuguesas, regressados do Ultramar, conhecidos pelos “Coronéis”, que eram chefiados pelo Coronel Rebocho Vaz, que havia sido Governador da província de Angola. Pelo seu fino trato, granjeou estima e simpatia na sociedade local. Como não tinham experiência neste ramo de actividade, a fraca e deficiente rentabilidade conduziram à falência.