Os Açorianos e as Pescas, 500 anos de memórias - Óscar da Rocha

“Até um pouco depois de meados do último século, ninguém vendia peixe no Corvo. Cada pescador pescava o que necessitava e dava o restante a quem o desejasse. O peixe não tinha escoamento por falta de transportes.

Só depois da Revolução de Abril de 1974, com a construção do aeroporto e com o estabelecimento de viagens regulares por via marítima, e que o peixe passou a ser escoado para o exterior. Durante anos a Força Aérea Portuguesa que estava estacionada na Base Aérea das Lajes, Terceira, quando efectuava voos de treino dos seus pilotos, aproveitava o transporte para se abastecer de peixe nesta ilha.

Mestre Mario Arruda, um genial artífice mecânico de recursos inacreditáveis, que vivia só e sem familiares na ilha, ocupava algum do seu tempo na sua lancha que ele próprio havia construído e que tinha o nome de “Cigana”. Dava a quase totalidade do peixe que pescava. A sua companha tinha uma particularidade – só embarcavam consigo pescadores sem herdeiros e sem obrigações familiares.

Não obstante da pouca valia do pescado, na década de 40 já existiam uma meia dúzia de tanques de salga, situados na canada da Rocha, perto do Porto da Casa, que eram propriedade dos comerciantes Óscar da Rocha e David Santos, já falecidos. Estes tanques ainda existem, referenciados em nome de Óscar da Rocha, comerciante de Peixe Salgado.

É curioso registar uma particularidade da seca de peixe nesta ilha, nunca vista em nenhuma das outras e muito vantajosa. Enquanto nas restantes oito ilhas era seco sobre muros, rochedos da costa, nas eiras de debulha de cereais, até sobre os telhados das casas e linhas de secar roupa – como era o caso de algumas localidades da ilha de Santa Maria – aqui era também nas eiras, mas não sobre o pavimento, era sobre a palha dos tremoceiros, que após serem malhados permaneciam nas eiras, para sobre os caules secos receberem o peixe estendido para a seca, permitindo uma temperatura moderada e uniforme, com circulação de ar nas duas faces do peixe escalado. Resultava uma secagem mais rápida, evitando a exsudação da gordura do pescado que sendo excessiva, iria originar a curto prazo uma oxidação, popularmente designada por “azeitamento” do peixe, alterando o aspecto e paladar.

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Until shortly after the middle of the last century, nobody sold fish on Corvo. Each fisherman caught what he needed and gave the remainder to whoever wanted it. The fish was not exported, for lack of transport. It was only after the April 1974 revolution, the building of the airport and the start of regular ferry services that fish started to be exported.

For years, the Portuguese air force, stationed at the Lajes air base on Terceira, took advantage of the planes used on its pilot training flights to stock up with fish on this island.

Master Mário Arruda, a genial mechanical craftsman of incredible resourcefulness, who lived alone with no family on the island, spent some of his time on the launch he himself had built, called Cigana. He used to give away nearly all of the fish he caught. His crew had one peculiarity – they were all fishermen with no heirs or family obligations.

Although the fish was not worth much, in the 1940s there were already half a dozen salting tanks in the Rocha lane near Porto da Casa. These belonged to Oscar da Rocha and David Santos, fish traders who are now deceased. The tanks are still there, registered in the name of Oscar da Rocha, purveyor of salted fish. ‘

It is worth noting a curious feature of the drying of fish on this island, never seen on any of the others and very sensible. Whereas on the other eight islands the fish was dried on walls, rocks, threshing floors and even, in some parts of the island of Santa Maria, on roofs and clotheslines, here it was also done on threshing floors, but on lupin straw and never directly on the floor. After the lupins had been threshed, they remained on the floor; the fish was laid out on the stalks to dry, so the temperature was moderate and uniform and the air could circulate on both sides of the split fish. This made the fish dry more quickly, preventing too much fish fat from seeping out, which would cause a short-term oxidation (popularly known as “oiling”) of the fish and alter its appearance and taste.

in, Os Açorianos e as Pescas, 500 anos de memórias – João A. Gomes Vieira

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