O Legado do Invisível de Hugo Nazareth Fernandes
O Legado do Invisível de Hugo Nazareth Fernandes
Autor: HUGO PHILIPPE HERRENSCHMIDT DA NAZARETH FERNANDES DE CERQUEIRA
6.4. COMPOSIÇÃO, TRAÇADO E SIMBÓLICA: UMA INTERPRETAÇÃO
6.4.1. Introdução
“Pour l’admirer, il faut lever les yeux.” 82
Maurice Guinguand
O estudo da representação é o estudo do lugar ou dos elementos arquitectónicos enquanto portadores de uma função simbólica implícita.
Foi a partir deste prisma que estabelecemos o método de observação do desenho da fábrica, que parecem reveladoras das intenções e dos princípios de composição do autor.
Em primeiro lugar, o estudo dos traçados reguladores da fábrica de António Varela pode ser objecto de pesquisa do cânone, enquanto estudo da métrica, das razões e das proporções. Por outro lado, o estudo do seu significado procura estabelecer analogias com outros exemplos. Este estudo deverá ser objecto de pesquisa do ícone, enquanto sistema de observação da similaridade (similis) por transferência de arquétipos ou de formas arquetípicas.
O estudo do cânone estabelece comparações de dados concretos entre si, tendo-se mantido o seu estudo na estrita observação da fábrica, com base no desenhos que constam do projecto de António Varela, sempre que possível, assim como por outro lado, na observação da construção no seu espaço físico, quando a esta foi necessário recorrer, por comparação com o projecto original, como por necessidade práctica, por ausência de documentação que não consta do mesmo.
O estudo do ícone é metafórico, enquanto observação dos mesmos fenómenos arquetípicos, permitindo estabelecer analogias com outros exemplos que, embora nem sempre possam corresponder ao mesmo período da fábrica de Varela, parecem ser demonstrativos dos mesmos processos mentais face a diferentes situações projectuais. Para poder ser compreendida a presente composição, houve que ter em consideração estes dois critérios, que se revelaram complementares, tanto na sua forma como no seu conteúdo, através de certos princípios mentais de consciência operativa.
6.4.2. Estudo dos princípios de composição da fábrica da A.E.L.
6.4.2.1. Observação e considerações gerais
No decorrer da observação geral do edifício foi possível encontrar algumas analogias entre o traçado que preside à elaboração do sistema construtivo em planta e o traçado do vão de entrada da administração, junto à praça Passos Manuel [fig.234-235-236].
Entrada «nobre» da fábrica, por excelência, constitui-se como um pórtico simbólico e marca, em termos de iconografia explícita, o estatuto da empresa.
Com base no estudo que se segue, será possível considerar que terá existido uma intenção consciente por parte de António Varela ao relacionar esta parte com o todo, através de um sistema de analogias comensuráveis.
Não foi possível encontrar os desenhos do autor no que respeita esta pormenorização, pelo que recorremos à observação directa no edificado 83, tendo sido efectuado um levantamento no local em 1999 [fig.239-240- 241]. No entanto, dois factores levam a encarar com alguma prudência as considerações que se seguem:
a) O facto do conjunto do pórtico supostamente simétrico, como se pode observar no desenho do alçado de pormenor da entrada da administração apresentar alguns desfasamentos nas suas cotas máximas.
b) O facto da moldagem em cimento da caixilharia que forma o seu desenho apresentar algumas variações de amplitude, da ordem máxima de 3 cm., entre alguns módulos, que no entanto aparentam ser iguais.
Existem várias razões para estas imperfeições:
a) primeira hipótese:
Como bem se sabe, uma obra nunca é perfeita e somente no papel os traçados sugerem uma perfeição abstracta que faz parte da essência do projecto. O rigor da construção já não depende unicamente do projectista mas de inúmeras variantes, em grande parte da responsabilidade daquele que constrói e das condições em que constrói.
Somos levados a pensar que embora a execução aparente bastante rigor no cuidado da aplicação dos materiais, já quanto à métrica ela apresenta, embora muito pontualmente, alguns ligeiros assentamentos, colocando-se a hipótese de estes serem originários da construção: neste caso, põe-se ainda a pergunta de estes terem sido propositados ou meramente casuais.
b) Segunda hipótese:
Tendo em conta a ruína a que dois incêndios o submeteram e devido ao abandono a que foi votado84, o edificado revela, apesar de tudo, um relativo bom estado, em parte devido à sua concepção com materiais de primeira qualidade. No entanto, foi cedendo na sua estrutura, considerando-se natural que sessenta anos decorridos após a sua construção, apresente alguns assentamentos.
83 Consta do processo camarário da fábrica um alçado do conjunto junto à praça Passos Manuel. Este alçado contém uma porta apenas, sem bandeira, mas tudo leva a crer que o desenho do conjunto do pórtico, com a respectiva bandeira, fez parte dos desenhos de pormenorização que desapareceram juntamente com outros de António Varela. Contudo, toda a sua composição aponta para uma assinatura tipicamente «vareliana», por comparação com outros projectos do autor.
84 Veja-se a este respeito a nota 7 do presente capítulo.
Não tendo sido efectuado um estudo do estado geral das condições da construção, será difícil determinar exactamente o grau de descompensações que o conjunto sofreu ao longo dos tempos.
Contudo, já no que diz respeito ao caso específico deste pórtico, a sua observação à vista desarmada permite concluir que as descompensações que o vão no seu total terá sofrido são mínimas em relação à estrutura, mas suficientes para poder induzir uma margem de erro para o estudo da métrica de alguns pormenores que julgámos importantes.
Em conclusão: Ou estas variações decorrem de pequenas imperfeições na execução, ou decorrem do progressivo assentamento geral do edifício, ou ainda – o que tudo leva a crer ter sido o mais provável –, do conjunto destas duas hipóteses.
No entanto, a hipótese de descompensação será talvez a mais importante, mas como já foi dito, sem um estudo rigoroso in situ será impossível confirmá-lo plenamente.
Já no que diz respeito em particular o desenho da bandeira do pórtico, todo em cimento, será possível considerar, por simples observação à vista desarmada, que o molde no qual foi executado impossibilitaria melhor acabamento.
Deste modo, consideraram-se negligenciáveis as imperfeições observadas tanto na bandeira em particular, assim como no conjunto do pórtico no geral, sendo possível estabelecer, sem condicionantes externas, algumas relações entre a representação em desenho deste espaço em particular e o desenho de conjunto de todo o edificado.
As medições efectuadas no terreno permitiram localizar esses erros por forma a não serem tidos em consideração no que respeita ao estudo das relações entre o pórtico e o traçado total da planta da fábrica, por comparação com a métrica observada nos desenhos que constam do projecto original. 85
Observem-se então, os princípios de composição do projecto de António Varela.
Fig. 234 AEL, pórtico de entrada da administração [foto de 1941, familiar de Agostinho Fernandes].
Fig. 235 AEL, pórtico de entrada da administração [foto de 1946, familiar de Agostinho Fernandes].
Fig. 234 AEL, pórtico de entrada da administração, actualmente murada [foto de 1999].
O Legado do Invisível de Hugo Nazareth Fernandes
O Legado do “Invisível” 1 – A FÁBRICA DE MATOSINHOS COMO OBRA FUNDAMENTAL
O Legado do “Invisível” 2 – A FÁBRICA DE MATOSINHOS COMO OBRA FUNDAMENTAL (continuação)
O Legado do “Invisível” 3 – A FÁBRICA DE MATOSINHOS COMO OBRA FUNDAMENTAL (continuação)
O Legado do “Invisível” 4 – A FÁBRICA DE MATOSINHOS COMO OBRA FUNDAMENTAL (continuação)
O Legado do “Invisível” 5 – A FÁBRICA DE MATOSINHOS COMO OBRA FUNDAMENTAL (continuação)
O Legado do “Invisível” 6 – A FÁBRICA DE MATOSINHOS COMO OBRA FUNDAMENTAL (continuação)
O LEGADO DO “INVISÍVEL” 7 – A FÁBRICA DE MATOSINHOS COMO OBRA FUNDAMENTAL (final)
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