O Algarve oriental. As vilas, o campo e o mar, Vol.2

AS INDUSTRIAS INDUZIDAS

- CAP. II - Litografias e latoarias

Carminda Cavaco

CAP. II – LITOGRAFIAS E LATOARIAS

A indústria de conservas suscitou o fabrico de vasilhame de folha-de-flandres, litografada ou não, nos principais centros e nas maiores fábricas. Junta destas foram criadas secções de litografia e latoaria que asseguravam o abastecimento em “vazio” impresso com as suas marcas, enquanto as menores recorriam aos seus serviços e a empresas independentes. Os anos trinta foram particularmente difíceis para as últimas, mas levaram à eliminação de parte da concorrência, pela proibição oficial de as empresas conserveiras negociarem vasilhame. Limitadas às necessidades das respectivas fábricas, aquelas secções oficinais anexas deixaram de ser rendíveis, salvo quando as empresas possuem várias unidades conserveiras. O seu abandono fez também ele aumentar a actividade das empresas independentes durante o nova surto da industria de conservas, correspondente à segunda guerra.

No Sotavento, a impressão da folha e o fabrico do “vazio” foram monopolizados por duas empresas: Soliva (Sociedade de Litografia e Vazio) em Vila Real; Ramirez, Perez, Cumbrera, Lda, com sede e litografia em Vila Real e latoaria em Olhão.

A constituição da Soliva, em 1953, levou à associação duma latoaria mecânica, datando de 1924, mas ainda pouco mecanizada e automatizada, com a antiga litografia de um grande industrial de conservas de Vila Real. A Ramirez, Perez, Cumbrera, Lda remonta a 1890 e é fruto da iniciativa de comerciantes espanhóis radicados em Vila Real, que também participaram na indústria de conservas. Não se pode, contudo, concluir que a primeira abastecia o mercado de Vila Real e a segunda o de Olhão, embora a análise dos tipos de vasilhame evidencie naturalmente importantes ligações com a procura dos industriais próximos: o fabrico de latas grandes, usadas nas salgas, era mais importante na latoaria de Olhão; inversamente, o de latas pequenas absorvia largamente a capacidade de laboração da fábrica de Vila Real.

Uma e outra não alcançaram, isoladamente, níveis dimensional e técnico suficientes, apesar dos esforços de progressiva modernização, o que as tornou muito sensíveis à concorrência externa, nomeadamente das empresas de Matosinhos. Em função desta, o processo de concentração foi levado até à sua integração na Ormis, Embalagens de Portugal, Lda, em 1964, e depois ao abandono da Soliva, em 1973 (fig. 114).

Tal evolução conduziu à redefinição das funções da fábrica de Olhão: única unidade do ramo no Algarve, para além das latoarias mantidas por algumas empresas conserveiras (1 em Olhão e 1 em Portimão), compete-lhe abastecer de “vazio” as fábricas de conservas de peixe do Sotavento e do Barlavento, e as de Setúbal, com exceção dos modelos de 1 / 4 club sem impressão de marcas; estes são distribuídos a partir da fábrica da Ormis localizada em Matosinhos, que a de Olhão compensa com os pequenos formatos, para anchovas e diversos.

A folha-de-flandres, fornecida pela Siderurgia Nacional, é sempre distribuída pela sede de Alcochete.

O abandono da Soliva empobreceu Vila Real e lançou no desemprego cerca de uma centena de trabalhadores. Olhão foi escolhida para localização da fábrica algarvia que a Ormis ainda considera rendível, uma vez mais pela sua posição central. No entanto, esta não conquistou o dinamismo da Soliva durante os anos sessenta, enquanto se mantinham activas muitas fábricas de conservas de Vila Real, Tavira e Olhão; a incapacidade de as instalações fabris de Alcochete responderem à procura dos industriais de concentrados de tomate levava à transferência para a de Vila Real de algumas encomendas, e continuavam significativas as de empresas de Ceuta, Melilla e Canárias. Na verdade, herdou dela apenas as máquinas mais modernas, uma dezena de trabalhadores (fig. 115) e a clientela algarvia ainda ligada as conservas de peixe.

A concentração teve origem, principalmente, na mecanização do fabrico de “vazio”. Nas antigas oficinas de latoaria a profissão mais valorizada era a de soldador, já que a sua perfeição se devia largamente a duração das conservas de peixe e a resistência das embalagens a viagens demoradas e com transbordos.

Beneficiavam, por outro lado, da regularidade do trabalho, constituindo-se no inverno os stocks de vasilhame a encher a partir de Abril. Daí que os soldadores formassem nos dois principais centros conserveiros do Sotavento um estrato da classe média e uma elite operária, que esta aumentasse com o afluxo de italianos e espanhóis (268), que durante a primeira guerra muitos tenham participado com as suas poupanças na constituição de novas empresas conserveiras e que constantemente fossem convidados para padrinhos de baptismo. A mecanização, iniciada ainda antes daquele conflito, com a introdução de cravadeiras, provocou reacção desfavorável entre os soldadores, que em massa reivindicaram a não adopção das novas técnicas. Os seus efeitos quase não se fizeram sentir até aos anos vinte, por o conflito dificultar a importação de máquinas e a notável expansão da industria dilatar a procura. A situação privilegiada da classe prolongou-se, embora sem perspectivas, até à grande crise, que sofreu como toda a população ligada a pesca e as conservas. A extinção das latoarias nas fábricas médias levou por si só a sua notável redução numérica. Entretanto, as unidades fabris especializadas optaram pela compra de máquinas, junto das quais a actividade dos soldadores se limita ao conserto das embalagens imperfeitas.

Nos princípios do século trabalhava nas 6 fábricas mais antigas de Vila Real uma centena de soldadores (269 ), número que iguala o do operariado masculino e feminino da latoaria mecânica da Soliva, em 1967, mas a actividade desta não se devia só à indústria de conservas da vila. A Ormis de Olhão emprega apenas, na secção de latoaria, centena e meia de trabalhadores – 50 p. 100 dos quais são mulheres. O seu actual recrutamento (fig. 115), tal como o da Soliva em 1967 (fig. 114), sublinha essencialmente a aglomeração urbana e a sua área de influência imediata, no prolongamento do nível salarial médio.

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