Métodos de produção - Giuseppe Cocco

Conservas de peixe em salmoura

Fabrico – Logo que haja conhecimento que se comprou o peixe, preparam-se os pios onde vai ser salgado, deitando em cada um alguns baldes de salmoura a 25 graus, de modo que ao deitar o peixe este ,caia sobre o líquido e não fique maltratado.

Ao lado está um bom recipiente de sal grosso (como veio da marinha), de onde se vai tirando o sal com um prato de metal, para ir salgando, o peixe que vai ficando no pio, devidamente espalhado e misturado com sal. Assim se vão enchendo os pios necessários para salgar todo o peixe comprado nesse dia. Depois em cada pio, num cantinho, desvia-se o peixe e cuidadosamente se vai deitando por essa cova, salmoura saturada (25 graus), nova ou velha, conforme a disponibilidade desta última, de modo que o peixe fique aliviado do próprio peso. Quando essa salmoura aparece em cima, tapa-se a cova e coloca-se sobre todo o peixe um bom pastão de sal.

Assim convém estar alguns dias, antes de ser trabalhado, e se a pesca continuar a preços convenientes e ele tiver que ficar mais tempo nos pios, colocam-se por cima umas tábuas com pesos, de modo que fique completamente coberto com salmoura.

Nestas fábricas normalmente havia dois homens, um pequeno quadro de mulheres, e todas as que se podiam arranjar quando as outras fábricas paravam ou reduziam o trabalho por falta de peixe.

O peixe retirado dos pios, era despejado nas mesas de descabeço, à volta das quais trabalhavam em cada uma, de pé, cerca de 13 a 14 mulheres que, sem qualquer instrumento cortante, segurando o corpo do peixe com a esquerda, com o polegar e indicador da mão direita apertando a cabeça do peixe a arrancavam, num movimento rápido e rotativo trazendo agarradas as respectivas vísceras. No centro da mesa havia uma parte mais alta com canastras onde elas lançavam o corpo do peixe, colocando num montinho junto de si o restante que ia crescendo, e acabava por ser jogado depois para caixas que havia de baixo da mesa.

Estes detritos, eram vendidos a pescadores para isca, e mais tarde para as fábricas de farinha de peixe, quando estas apareceram.

As canastras com peixe descabeçado, eram passadas por uma salmoura fraca, numa rápida lavagem, ficando a escorrer antes de seguir para as bancadas de enlatar.

Nessas bancadas, em fila, elas trabalhavam voltadas para o centro do armazém, de modo que mais facilmente o perfeito desenrolar do seu trabalho tivesse possibilidade de ser controlado, pelo patrão ou mestre . Elas tinham à sua frente a lata que iriam encher, à sua esquerda a canastra com peixe e à sua direita uma lata com sal moído.

Da mão esquerda, sempre abastecida, retiravam com a direita o peixe um a um, que iam dispondo na lata com as barrigas todas voltadas para o mesmo lado, excepto o último peixe que fechava a camada, ficando barriga com barriga com o seu vizinho.

Antes de por o peixe, o fundo da lata levava uns salpicos de sal moído, o mesmo sucedendo no fim de cada camada que se iniciava a seguir, rodando antes a lata de 90 graus de modo que as camadas ficassem cruzadas. Estas quantidades de sal, eram rigorosamente controladas, dependendo do tempo em que o peixe estivera salgado nos pios. Assim o mais antigo levava menos sal, o mais moderno, levava um pouco mais, de modo que depois de fabricado e pronto para o consumo, não ficasse quais vestígios de sal entre os peixes, sendo então o fabrico classificado “Alla vera carne”, em que ao separar um peixe do outro se ouvia um ligeiro estalido.

A lata considerava-se cheia quando a ultima camada ficava a cerca de 1,5 a 2 cm acima do seu rebordo, então levava uma boa camada de sal e a operária ia colocá-la no sítio onde se iria formar o lote.

O homem encarregado colocava-as formando um rectangulo, de 11 latas de comprimento, por 4 ou 5 latas de largura, conforme a produção. Sobre cada lata colocava uma rodela de madeira e um taco bem a meio, e sobre essa primeira camada, colocava tábuas, com uma pequena separação entre elas ,de modo a cobrir o conjunto e depois por cima dispunha, com o mesmo alinhamento, as latas que viessem, sendo as camadas sempre separadas por tábuas ate chegar à altura de cerca de 1,70 m, onde, da mesma forma colocava as últimas tábuas, sempre um pouco separadas, travando-as com bocados de tabuas colocadas transversalmente a toda a largura em cada ponta e a meio do lote, carregando-o em seguida com pedras bastantes para obter uma boa prensagem.

Passados dias este lote era voltado, retirando-lhe as pedras e as tábuas de cima, de forma que ao lado , as latas que inicialmente tinham ficado na camada de cima, ficavam agora na de baixo e as que tinham ficado antes na camada de baixo ficavam agora na camada de cima, tudo isto para uma mais equitativa distribuição do peso.

As camadas eram da mesma forma separadas pelas tábuas, e no fim colocava-se a mesma carga de pedras.

Passados alguns dias, esse lote era de novo descarregado das pedras, nas latas o peixe baixara, era-lhe retirado por lavagem em salmoura, o sal de cima, as latas iriam levar mais peixe, do mesmo tamanho e qualidade, voltando para isso para às bancadas de enlatamento para levar as camadas de peixe necessárias para ficarem novamente cheias.

Dali seguiam para o sítio onde se formaria de novo o lote, devidamente carregado até que, passado alguns dias, se procedia como na primeira vez, dando-lhe a volta, ficando agora definitivamente no sítio certo durante o tempo necessário para que o peixe ficasse maduro, capaz portanto para o consumo.

Isto levava alguns meses. De notar que todos os dias, desde a sua formação, os lotes eram abundantemente regados com salmoura velha, de modo que a gordura que saía do peixe progressivamente, por força do peso das pedras era assim completamente retirada.

Cravação – As latas saiam do lote pronto, e, lavado o peixe da última camada com salmoura branca, acabava-se de encher a lata com sal moído molhado em salmoura branca, colocava-se o tampo, onde estava estampado de que espécie de peixe se tratava, e era cravado na cravadeira seguindo depois para dornas com uma solução de potassa onde as mulheres as libertavam de toda a gordura, ficando depois a secar e mostrando toda a beleza da sua ilustração, depois de passadas por água limpa.

Embarques – As latas mais usadas eram as de 5 Kgs.(8 latas por caixa) e de 10 Kgs, (4 por caixa) eram previamente pesadas, e nas caixas seguia não só o peso como as marcas de embarque com as iniciais do comprador, e o destino. Eram caixas de madeira, primitivamente reforçadas com arco de ferro, mais tarde simplesmente aramadas com arame zincado n°13.

Fabrico em barris – No tempo em que não havia folha de flandres à disposição, e mesmo depois durante a guerra, e alguns anos depois usavam-se também os barris de amieiro ou mesmo de castanho, sendo os mais usados os do tipo siciliano ( 50 a 55 Kgs, outros mais pequenos (cerca de 25 Kgs.); porque eram mais difíceis de manejar do que as latas, os lotes eram mais baixos, as camadas de peixe eram na mesma cruzadas, sem rodar o barril, e para os fechar quando o peixe estava maduro, era necessário o tanoeiro, para os tapar, eram também pesados, e na tampa levavam o n° de ordem, o peso correspondente e as marcas de embarque.

Destinos – Genova, Livomo,(em Itália) ,Pireu e Salónica (na Grécia), Rodes (no Dodecaneso,)Larnaca e Famagusta( na ilha de Chipre)

Razões da quasi extinção deste tipo de conserva – Os tempos mudaram muito, tudo era vendido nos retalhistas nas cidades, tinha que se limpar o peixe, em casa ,retirar-lhe a pele, regado com um pouco de azeite comia-se no meio do pão, e nos campos os latifundiários que tinham contrato com pessoal gastavam-no muito para comida destes, no Norte da Itália, na Sicilia onde havia fabriquetas (até mesmo nas ilhas) dos próprios pescadores que ficavam com o peixe e o trabalhavam quando não lhe convinha o preço na lota. Na cidade de Trapani, com bastante pesca, consumo e grandes salina, tudo resultava bastante barato e o povo gastava.

Na Grécia a mesma coisa, a pesca veio a diminuir, e os gregos foram os primeiros a sair para o norte de África, Norte de Espanha e Portugal, o mesmo acontecendo aos Italianos, principalmente da Sicília, assim foi desde o princípio do século XX. Depois foram proliferando as fábricas de conservas de peixe em azeite ou óleo, prontas a gastar, nas mercearias que deixaram de vender a retalho, para vender empacotado.

Os italianos preferiram o Algarve, pois o clima é idêntico ao da Sicília, e onde havia abundancia de pesca dos peixes que eles preferiam, sardinha, biqueirão, cavala, etc.

Giuseppe Cocco

 

Fabrico de filetes de peixe anchovado

Vulgarmente dá-se o nome de peixe anchovado àquele que tendo sido tratado numa fábrica de peixe em salmoura, adquiriu o estado próprio de maturação, denunciando um odor característico, agradável e uma cor que, com o tempo se vai tornando rosada.

No nosso país, quando se deu inicio a este fabrico utilizava-se apenas o Biqueirão, mais tarde, na sua falta, passou a utilizar-se, também, a sardinha, o que não é indiferente, quanto ao sabor, qualidade e facilidade na manipulação, a favor do biqueirão.

Fabrico – ainda na parte da fábrica destinada à salga, o peixe ,que vai ser filetado, é retirado do vasilhame (Latas, ou barris) escangalhadas as camadas, que até aí estiveram sobrepostas, tendo o cuidado de não partir o peixe, colocá-lo em canastras, e lavá-lo, passando-o, uma ou duas vezes por uma solução muito fraca de salmoura nova, ficando em seguida a escorrer por algum tempo, de modo a ir apenas húmido para a sala de enlatamento, e despido de sinais de sal .

Nessa sala, sentadas em bancos próprios, munidos de caixas contendo latas vazias, estão as operárias tendo à sua frente sobre uma mesa de mármore, ao seu lado esquerdo, uma vasilha de alumínio com rebordo baixo, onde um homem ou mulher vai colocando o peixe, à sua frente num espaço livre, onde desenvolve o seu trabalho, e do lado direito os utensílios que vai utilizar: tesoura, um bocado de rede, e uma pequena vasilha onde pode colocar os detritos que vai retirando, ainda um pano branco, e se tiver de fazer filetes enrolados, um pauzinho de 10 a 11 cm, redondo que a ajuda a enrolar o filete.

Mesa limpa, a operária ,vai retirando o peixe, estende-o pegando-lhe no toutiço, com o indicador e polegar, aperta-o contra a mesa de modo a fixa-lo e depois com uma rede que tem na mão direita vai passando de modo a libertá-lo das escamas ou pele, num movimento em que a pressão se faz da esquerda para a direita. Acabado um lado ,volta o peixe de modo a limpar o outro lado. Assim vai procedendo até ter um bom montinho à sua frente.

De seguida, pega em cada peixe e com a tesoura, corta um pouquinho do toutiço, liberta-o do rabo pela sua base, e cortando do toutiço para o umbigo retira-lhe uma boa parte do ventre onde estão as espinhas da barriga.

Quando a operária vê que tem quantidade suficiente de peixe limpo, limpa bem o sítio onde tem estado a trabalhar, estende um pano branco de 25 a 30 cm, inicia uma operação nova que consiste em abrir cada peixe em duas metades e tirar-lhe completamente a espinha.

Fica o peixe um duas metades (filetes) que ela estende uma a uma sobre o pano pressionando um pouco com o dedo indicador da esquerda para a direita de modo que o filete fique ligeiramente aderente ao pano. Desta forma enche o dito pano, dispondo o peixe todo com a parte escura para cima, depois pega num outro pano igual, coloca-o sobre o que tem o peixe e com a palma da mão bate sobre o conjunto de forma a retirar toda a humidade do peixe. Feito isto, pega numa lata, e vai colocando os filetes que retira do pano com a parte escura para cima, até que a sua prática lhe diga que tem a quantidade aproximadamente certa. Retira a lata, e vai enchendo mais colocando-as duas a duas e formando com as que vai fazendo uma pilha de camadas cruzadas, com cerca de 40 a 50 latas, então passa à levantadeira que leva a pilha para junto de uma balança, onde uma operária verifica se o conteúdo tem o peso certo, ou se precisa de rectificá-lo tirando o que está a mais ou pondo o que falta.

Daqui a pilha de latas segue para junto da azeitadeira cuja função é mergulhar as pilhas que vão chegando e deixá-las ficar num recipiente com azeite, o tempo suficiente para que o azeite penetre em todas as camadas de filetes, feito isto retira-as, coloca-as de novo no aparador de mármore ao alcance da cravadeira, onde uma mulher vai colocando os tampos, dando depois as latas ao cravador que as crava na cravadeira continuamente, fazendo cair a lata cravada de cada vez que coloca outra para cravar.

Uma mulher recebe as latas saídas da cravadeira, e verifica de a cravação está perfeita, em caso negativo avisa de imediato o cravador que suspende a cravação para a necessária afinação da máquina.

As cravadeiras acomodadas pela visitadeira em cestos de arame estanhado, ficam a escorrer num aparados, de onde depois de algumas horas podem ser limpas da gordura fazendo-as passar por uma caixa contendo serradura, e depois passadas por uma escova vulgar que as põe a brilhar e prontas a serem encaixotadas.

De ter em conta é que estas conservas não são esterilizadas, têm por isso uma duração bastante mais limitada que as outras que o são, devem ser mantidas em lugares frescos, de preferência no frio, e não podem apanhar calor.

Giuseppe Cocco

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