SUCLA, Sociedade Ultramarina de Conservas

A SUCLA, Sociedade Ultramarina de Conservas opera desde 1935 em Cabo Verde, em Tarrafal de S.Nicolau.

Hoje uma empresa de cariz familiar, sofreu desde 1935, várias transformações.

Sem dúvida uma referência na História de Cabo Verde, SUCLA sobreviveu a segunda guerra mundial em barracões de palha, onde era processado e enlatado o atum. Já nessa altura, acreditando no desenvolvimento de Cabo Verde, SUCLA importou embarcações e mestres do atum da Madeira, para formar os seus pescadores em São Nicolau.

Empresa de forte desenvolvimento, em 1957, SUCLA era já conserveira e armador de 4 Atuneiros. Empregando um número considerável de pessoas e garantindo o seu sustento, pessoas de várias localidades fixaram residência em Tarrafal e construíram as suas casas em volta da conserveira.
Começava assim a nascer o que conhecemos hoje como Tarrafal de São Nicolau.

Em 1962, abandonando parcialmente a actividade de armador de pesca, a SUCLA entregou os seus quatro atuneiros aos pescadores de Tarrafal, que deveriam gerir as embarcações e pagá-las com parte do pescado capturado. Esta medida fez com que aparecessem outras capacidades empresariais, que gerasse rendimentos, contribuindo finalmente para a estabilidade social de Tarrafal.

Hoje, com os vários investimentos feitos, os últimos em cerca de um milhão de dólares em 2004/2005, SUCLA é das mais modernas e mais importantes unidade de processamento de pescado em Cabo Verde, empregando mais de 200 pessoas.

O Atum, o principal produto processado, leva a marca “CADÓRIO“, nome do fundador da fábrica de conservas SUCLA em 1935.

Retrato de António Assis Cadório – Nome presente nos rótulos das latas de conserva de atum.

Joaquim Spencer

A história da SUCLA contada pelo seu actual proprietário, Joaquim Spencer:

…”– A origem desta fábrica pode dizer-se que remonta aos anos de 1898. Naquela data, houve um grupo de portugueses aventureiros que andaram por aqui a pesquisar. Bem, acontece que esse grupo não conseguiu levar a empresa para a frente. Mais tarde, em 1930, há um sobrevivente desse grupo, chamado de José Aguiar Nascimento que decidiu ir a Lisboa à procura de alguém que lhe financiasse a montagem de uma fabriqueta de conservas de atum. Esse tal José Nascimento foi bater à porta de um ferro velho, (1) lá em Portugal. Os donos ouviram-no e ficaram impressionados com o projecto e daí arranjaram-lhe capital.

Só que decorreu cerca de um ano e o José Aguiar nada disse aos investidores. De maneira que ouve um deles que veio a Cabo Verde ver o que se passava. Quando ele chegou cá viu que não havia nada feito, fábrica nenhuma e que o homem tão pouco tinha dinheiro para lhe pagar o empréstimo. Conversa dum lado, conversa de outro, chegaram então a um entendimento de injectarem mais dinheiro para porem a fábrica de conservas a funcionar em Tarrafal de Monte Trigo, Santo Antão As coisas voltaram a não correr bem, e o tal dono do ferro velho acabou por ficar com a fábrica, que lá começou a trabalhar em 1931. Em 1933, o dono veio aqui ao Tarrafal de São Nicolau e mudou-se para aqui. Veio com latas, com máquinas e instala-se aqui. É Assim que a Ultramarina aparece em 1935”.

O Tejo foi até meados do século XX uma enorme via de transporte que levava a Lisboa os mais diversos produtos provenientes do interior da Beira, Ribatejo e Alentejo; trigo para o pão, lenha para o cozer nas padarias, vinho, cortiça, carvão, sal, azeite…

Todos os lugares ribeirinhos desde Vila Nova da Barquinha a Lisboa, tinham as suas “frotas” de embarcações de transporte, sobretudo as famosas fragatas do Tejo. Salvaterra de Magos não era excepção; um dos proprietários e mestre de fragata era pai de António Assis Cadório (1898-1978). É desta forma que o jovem Cadório se inicia nas viagens pela “estrada do Tejo”, com o conhecimento da Lisboa ribeirinha e das gentes ligadas a estas actividades de navegação e comércio.

Com uma aparência frágil, mas com um carácter forte e generoso, António Assis Cadório é um jovem inteligente, empreendedor, dinâmico e organizado. Vem residir para Lisboa empregando-se na CUF.

Em finais dos anos 20 está já estabelecido por conta própria com uma sociedade comercial, com actividade em sucatas, designada por Martins&Cadório, cujos armazéns se situam junto ao Largo das Fontainhas (Alcântara), justamente em frente às instalações da CUF em Lisboa. Não se conhecem os detalhes da constituição desta sua sociedade com António Ferreira Martins, natural de Albergaria-a-Velha, mas sabe-se que este esteve ligado à indústria da fundição em várias fábricas em Lisboa.

A empresa teria certamente uma dimensão importante, pois desmantelava navios. Tratando-se de uma época em que toda a maquinaria agrícola e agro-industrial (lagares, moagens, etc.) estava numa fase de substituição, dos motores a vapor para os motores a diesel, é bem possível que António Cadório, por via dos seus contactos no Ribatejo, tenha trazido esta área de negócio à empresa.

No início dos anos 30 António Cadório deslocou-se a Cabo Verde, aparentemente para resolver uma cobrança relativa a maquinaria vendida a uma fábrica de conservas situada em Santo Antão. Onde outros veriam um problema, António Cadório viu uma oportunidade. Adquiriu a fábrica, teve a percepção do potencial de Cabo Verde para a indústria conserveira e soube avaliar as necessidades, definindo uma estratégia para as superar.

Fundou a SUCLA – Sociedade Ultramarina de Conservas (ainda em sociedade com António Ferreira Martins), transferindo a fábrica para S. Nicolau. Recorrendo ainda aos seus conhecimentos, construiu uma traineira num estaleiro da margem sul do Tejo, contratou pescadores madeirenses para introduzir a pesca de “salto e vara” e operárias de Olhão para treinar a mão-de-obra local.

Certamente que esta estratégia de António Cadório, não tendo ele ligações nem à pesca nem à industria conserveira, foi pensada beneficiando de uma série de incentivos à indústria conserveira postos em prática pelo Estado nas décadas de 30 e 40, aliada a uma intuição e sentido de negócio verdadeiramente notáveis.

Entre os amigos e colaboradores que por lá arranjou, contava-se um deportado político chamado Joaquim Pinheiro Villa que se tornou o verdadeiro braço direito de António Cadório. Foi outro rendido a Cabo Verde, pois quando foi amnistiado não quis regressar a Portugal, tendo localmente constituído a sua família. Tendo um dos seus filhos continuado a estreita ligação do seu pai a António Assis Cadório e à SUCLA.

Após a independência de Cabo Verde os vários herdeiros da família Cadório venderam as suas quotas, sendo a SUCLA actualmente inteiramente detida pela família descendente de Joaquim Pinheiro Villa, a qual além de manter a denominação da marca “Cadório”, tornou-se guardiã e fiel depositária de todo o riquíssimo espólio relativo à instalação da SUCLA, seja da primitiva maquinaria, seja de artes de pesca e embarcações, iconografia e documentação. A salvaguarda deste património deveu-se à iniciativa dos actuais proprietários, tendo sido igualmente eles os grandes promotores e dinamizadores do Museu da Pesca de S. Nicolau, instalado na fábrica e na residência construída por António Cadório, cuja primeira fase foi já terminada.

A relação de António Assis Cadório com Cabo Verde e com as pessoas que com ele colaboraram é uma história de gratidão e reconhecimento mútuo, de verdadeiro e sincero cretcheu*, em boa hora perpetuado pelo museu, cujo conceito museológico está baseado numa estreita relação com a população. Uma boa parte da família Cadório reside ainda em Salvaterra de Magos acompanhando (e participando) também activamente no desenvolvimento do museu.

* cretcheu – termo do crioulo cabo-verdiano aplicado a uma pessoa, ou lugar muito querido, muitas vezes usado também num contexto de saudade.

Quanto à SUCLA, mantendo o seu padrão de qualidade, moderniza-se de acordo com as exigências actuais, indo iniciar em breve a comercialização de novos produtos que continuarão a trazer o melhor do mar de Cabo Verde ao mundo.


Arquipélago de Cabo Verde (mapa da Agência Geral do Ultramar datado de meados de 1960)

Interior da fábrica da SUCLA em 1936. Esta foto foi publicada no catálogo da Exposição Colonial realizada no Porto em 1940. (imagem cedida pelo Museu da Pesca)

António Assis Cadório na escadaria da sua casa (actual edifício do Museu da Pesca), acompanhado por familiares colaboradores e amigos. Nos dedos o inevitável cigarro, ao lado um cão, provável companheiro de caça, pois estes eram os seus dois “vícios”.
(imagem cedida pelo Museu da Pesca)

Equipamentos da primitiva fábrica da SUCLA (imagem cedida pelo Museu da Pesca)

Algumas das conservas da SUCLA actualmente à venda na Parceria das Conservas

Informação obtida in: Parceria das Conservas
E-mail: parceriadasconservas@gmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/parceriadasconservas

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