Fábrica da Ribeira nos anos 60, operárias enlatando biqueirão
O espaço geográfico que Lagos ocupa hoje já exportava peixe da sua costa desde a época romana. O garum era envasilhado em ânforas de barro, depois de curtido pelo sal, e embarcado nas galeras rumo aos mais importantes pontos do império. Com o tempo as vasilhas de madeira tomaram o lugar das de barro e barricas de várias dimensões transportavam atum, cavala e sardinha salgada para diversos destinos, sobretudo europeus.
Na segunda metade do século XIX o progresso tecnológico da nova vaga de industrialização traduz-se no aparecimento de um novo conceito, a fábrica. A instalação de centros industriais no Algarve, iniciada na década de oitenta desse século, veio operar uma enorme transformação social e económica, e a indústria conserveira foi um dos sectores que contribuiu para essa transformação. A primeira fábrica de conservas de atum em azeite, implantada em Portugal, surgiu em 1879, em Vila Real de Santo António. Em Lagos, a primeira fábrica terá surgido em 1882 pela mão de uma grande empresa francesa “Établissements F. Delory” com sede em Lorient, na Bretanha, e que também se estabeleceu em Setúbal (1880) e em Olhão (1881).
A sirene da fábrica era o sinal esperado, anunciando a chegada de peixe fresco. Então, um exército de mulheres corria para a fábrica, na esperança de serem escolhidas para trabalhar; eram elas a principal força de trabalho desta indústria, desenvolvendo frequentemente a sua actividade em condições deploráveis. Na fábrica, as operárias procediam às operações de descabeçar e esviscerar o peixe que seguia depois para os pios da salmoira onde ficava o tempo necessário. Seguidamente o peixe era frito em azeite ou óleo, enxugado, e embalado em latas cujo tampo era soldado. Uma evolução importante consistiu na alteração do processo de fritura para o da cozedura em que o peixe passou a ser literalmente cozido no vapor. Depois de amanhado seguia em grelhas para os cozedores ou cofres onde era submetido ao vapor. No fim da linha de produção, após o enlatamento, as conservas eram esterilizadas a uma temperatura superior a 100ºC, em autoclaves de vapor alimentados por enormes caldeiras com fornalha de lenha.
A introdução da máquina de cravar tampas nas latas, a cravadeira, veio aumentar a capacidade produtiva embora tenha gerado grande perturbação e o desaparecimento dos soldadores, até então a profissão melhor remunerada desta indústria. O processo de fabricação da conserva cumpre as seguintes fases: recepção do peixe; descabeço/evisceração; lavagem, salmoura; engrelhamento; secagem; cozedura; enlatamento; azeitamento; cravação; lavagem; verificação; embalagem; armazenamento. Mas não era apenas o peixe que se enlatava. Em 1939, a Sociedade de Conservas Aldite, laborando no alto de Santo Amaro, fabricou e exportou berbigão em conserva, com rótulo em castelhano “berberechos”, destinado certamente ao mercado hispânico.
Em 1908 Lagos liderava o arranque do processo de industrialização conserveira no Algarve com 10 unidades instaladas, contra 3 em Portimão, 1 em Albufeira, 2 em Faro, 7 em Olhão e 6 em Vila Real de Santo António. Em 1920 existiam em Lagos cerca de 32 fábricas, mas em 1938 o Anuário Comercial de Portugal referenciava apenas as seguintes: Algarve Exportador, Ltd; Aliança Fabril Lacobrigense, Ltd; Alpapito Murtinheira, Arez & C.ª; António da Silva Freitas; Établissements F. Delory; Fábrica de Conservas S. Gerardo, Ltd; João António Júdice Fialho (Viúva e Herdeiros de); Joaquim de Azevedo Santana; José Gonçalves Nunes; Luz Industrial Ltd; Paolo Cocco. Onde hoje se ergue, imponente, o Mercado Municipal da Avenida, em edifício reabilitado em 1924, funcionou uma fábrica de conservas de peixe. A Fábrica da Porta de Portugal terminaria a sua actividade na sequência de um grande incêndio ocorrido em 1915.
O declínio das pescas, a inexistência de uma rede funcional de frio e a diminuição da competitividade comercial das conservas nacionais nos mercados estrangeiros, foram os principais factores que no final dos anos 70 do século XX anunciaram o fim da epopeia das fábricas de conservas no Algarve.
Adaptação do texto “Ao toque da Sirene” de Francisco Castelo publicado na Agenda de eventos “5entidos”, da Câmara Municipal de Lagos, em Agosto de 2010.
Foto de: autor desconhecido
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