Parte da informação obtida em: Jornal JOÃO SEMANA (01/01/2011) autor: José de Oliveira Neves

Nos finais do séc. XIX e nas primeiras décadas do século XX, a costa de Ovar, que se estendia desde Espinho até à Costa Nova, era o maior centro piscatório do nosso país.

Após pesquisa realizada por José de Oliveira Neves no Arquivo Distrital de Aveiro, verificou-se que no séc. XIX as companhas que laboravam nessa zona de pesca eram todas registadas em Ovar, concelho que, na época, tinha seis Cartórios Notariais para esse e outros fins, dando origem a cerca de 4 mil livros, o que traz dificuldades acrescidas para quem procura elementos a este respeito.

No seu livro A Pesca no Furadouro (1800-1955)”, José de Oliveira Neves, refere que algumas vezes acontece encontrarem-se inscrições de companhas e factos a elas aderentes, aparentemente do Furadouro e que, posteriormente, se verifica serem de Espinho, Silvalde, Paramos, Esmoriz, Cortegaça, S. Pedro de Maceda e de outras praias, até à Costa Nova.

Foi por ser tão importante na actividade piscatória desse período, que Ovar despertou o interesse da indústria conserveira.

Assim, em Ovar era criada, no Largo Mártir S. Sebastião (1) (actual Praça Almeida Garrett), a fábrica “Luso-Brasileira”, que, para além de conservas de peixe, produzia conservas de carne e de legumes.

(1) Já teve os topónimos de Largo da Estação, Largo Mártir S. Sebastião, Largo Alexandre Sá Pinto e, actualmente, Largo Almeida Garrett.

Em 1903, esta fábrica passou, por trespasse, para a firma Gomes, Meneres & C.ª Lda., que ali instalou a Fábrica a Vapor de Conservas Alimentícias “A Varina”.

Os primeiros donos e dirigentes de “A Varina” foram Lino Brandão e seu filho Mário Brandão.

Segundo o ovarense Álvaro Malaquias, as fotos aqui reproduzidas são ambas de Lino Brandão pai, em épocas diferentes. Esta informação do Sr. Malaquias, que conheceu muito bem as personagens, colide com a do historiador Josué Gomes Fernandes Tato, que no seu livro “Memória da Indústria Conserveira” identifica duas fotos como sendo de Lino Brandão pai e Lino Brandão filho.

Foi também sócio da “A Varina”, Agostinho Fonseca Meneres, que era filho de uma grande industrial e comerciante do séc. XIX na cidade do Porto, Clemente Meneres. E ainda  os Srs. Sousa e Coimbra.

Postal da Fábrica de conservas “A Varina”, com sede no Largo do Mártir S. Sebastião (actual Parque Almeida Garrett), em 1903, vendo-se Agostinho Meneres, um dos sócios fundadores.

O êxito desta fábrica foi imediato, provando-o o facto de, logo no ano seguinte, a Câmara Municipal, na sessão de 27 de Abril de 1904, ter atribuído àquela firma, para a construção de uma sucursal mais perto do mar, uma área arenosa situada a sul da praia do Furadouro, não exigindo qualquer retribuição. (2)

(2) Lamy, Alberto Sousa, “Monografia de Ovar”, 2000, Vol. II.

A fábrica de Ovar e a sua filial na costa do Furadouro destinavam-se, principalmente, ao preparo das conservas de sardinha, de que se abasteciam não só naquela praia como nas da Torreira, S. Jacinto, Costa Nova, e outras. Para facilitar esse abastecimento, aquela sociedade possuía uma lancha construída em madeira de Teca, movida a motor, a qual rebocava, através da Ria, até ao Carregal, os barcos provenientes daqueles portos piscatórios, carregados com a sardinha, que era seguidamente enviada para o seu armazém.

Por escritura de 1 de Junho de 1908, “A Varina” passou para novas mãos, a sociedade Ferreira, Brandão & C.ª, que viria a ser dissolvida a 30 de Janeiro de 1912, para formar a sociedade Brandão & C.ª Limitada. Nesse mesmo ano, exportou conservas para África, América e Europa.

 

Fábrica de conservas “A Varina”, em Ovar, no Largo Mártir S. Sebastião, em 1931

Em 1914, quando trabalhavam na fábrica 120 operários, o jornal ovarense “A Pátria” publicava, em 15 de Janeiro, uma petição da câmara de Ovar, apoiada por outros municípios do distrito de Aveiro, e dirigida ao Ministro da Marinha, “para ser mantida a lei de 14 de Maio de 1903 e punidos os abusos contra as disposições do decreto de 7 de Junho de 1913”.

O mesmo jornal, e na mesma época, referia que o Ministro da Marinha permitira, por decreto, a exploração da pesca por meio de cercos americanos na referida zona marítima (costa entre Espinho e Mira), revogando uma lei que, segundo a opinião do jornal, só ao Parlamento cumpria alterar.

E continuava o periódico: “Em virtude de tal permissão, a nossa costa está sendo constantemente assolada por uma legião de vapores de pesca, com grave prejuízo para as artes do arrasto, pois não só apanham a sardinha como também não respeitam as distâncias que, neste próprio decreto, foram determinadas”.

O historiador matosinhense Fernandes Tato esclarece que a forma de pescar do “cerco americano” era quase idêntica à das traineiras e motoras. “Contudo, pelo sistema do “cerco americano”, a sardinha, depois de pescada, era conduzida em embarcações movidas a óleo, a que se dava o nome de buques, que possuíam um depósito revestido de cimento, no qual o peixe era colocado, tendo-se o cuidado de se lhe extrair a água que porventura aparecesse”. (3)

(3)  Tato, Josué Gomes Fernando, “Memória da Indústria Conserveira”, ed. Câmara de Matosinhos.

A fábrica continuou a funcionar normalmente, contando, em 1917, com 137 empregados.

Em 17 de Maio de 1924, a Brandão & C.ª Limitada, que mantinha a sua sede em Ovar, tendo duas sucursais – uma no Furadouro e outra em Matosinhos –, modificou o pacto social, elevando o capital de 150 para 600.000$00. (4)

(4)  Lamy, A. Sousa, “Monografia de Ovar”..

Não podendo ficar indiferente às transformações técnicas operadas na pesca, “A Varina”, que era a mais antiga fábrica do norte de Portugal, (5)  agora com a sua sede no edifício da Avenida Serpa Pinto, 350 (onde existia a filial de Matosinhos, e onde empregou vários trabalhadores transferidos das suas instalações de Ovar e Furadouro), continuou a manter o seu prestígio, tendo os seus produtos conquistado vários prémios em concursos no país e no estrangeiro.

 

 (5) Tato, Josué Gomes Fernando, “Memória da Indústria Conserveira”, ed. Câmara de Matosinhos.

Eram muito conhecidas e prestigiadas no mercado as marcas registadas pela firma de Ovar, tais como:

Brandão
Lili
Varina
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No Can the Can apurámos que Lili era uma marca de azeite muito exportada para o Brasil. Na Pág. 12. Seção 1. Diário Oficial da União (DOU) de 13 de Maio de 1937 encontramos referência à marca, nomeadamente ao texto que constava na embalagem:

“Dizeres estampados na lata de “Azeite Lili” — superior azeite português Brandão & Comp. — Ovar Portugal.” (Análise nº265, de 23 de março de (937).”

na Pág. 30. Seção 1. Diário Oficial da União (DOU) de 06 de Outubro de 1929, pode ler-se:

“Parecer nº 256 — Relator: Conselheiro Sr. Dr. Rodolpho Macedo — Processo CSCI nº R 695 — Recorrente: Brandão & Companhia Limitada — Objecto: Denegação de registro á marca “Azeite Lili”, para a classe 11. Conclusão: Dá provimento. Brandão & Comp., Ltda., pediram o registro da marca “Azeite Lili” para distringuir artigos da classe 41, o que foi indeferido pela D.G.P.I. por imitar parcialmente a marca nº 13.145 de Berna. Na informação do funcionário Setembrino de Siqueira, este salienta “que offerece confusão”, com a de “nº 3.205. de S. Paulo. quanto a banha e manteiga”. É verdade que no processo não se encontra prova dessa allegação. Houve um equivoco, porém, da D. G. P. I., aliás, com ressalto pelo chefe da secção Dr. Cieero Monteiro, declarando que “a marca n. 13.1-45 de Berna, 41a. descripção feita da mesma a /4/rio • e não Lili como á primeira vista parece, vendo-se mesmo a figura de uma ramagem de lyrios, que em hypothese alguma, poderá fazer confusão com ‘Azeite Lili, com a figura de uma creança”, e honestamente modifica a sua informação. Assim, dou provimento ao recurso para modificar o despacho que indeferiu o registro da marca. Rio. 3 de agosto de 1929. — Rodolpho Fernondes de Macedo. Belator. — Francisco Antonio Coelho. — A. Casto Pires. — João Augusto Alces. — Abedenago Alves.”

E de tal modo se impuseram estas marcas que a firma foi distinguida com a Medalha de Prata na Panama Pacific International, Exposition de S. Francisco, Califórnia (1915), com a Medalha de Ouro na Exposição Colonial Internacional de Paris (1931), com o Certificate of Merit na Witwaters and Agricultural Show, em Joanesburgo, na África do Sul (1932), com o Grande Prémio de Honra na Grande Exposição Internacional (Portugal, 1932), e com o Grande Prémio e Medalha de Ouro na primeira Exposição Colonial Portuguesa (Porto, Palácio de Cristal, em 1934).

Em 1939, com a decadência da pesca artesanal no Furadouro, “A Varina” transferiu as suas instalações e a sede para a vila de Matosinhos, onde prosperava a pesca a motor.

Estatueta existente no topo da antiga fábrica de conservas “A Varina”, no Largo S. Sebastião, hoje Largo Almeida Garrett, fabricada por A. Costa & C.ª, Fábrica das Devesas, Vila Nova de Gaia (finais do séc. XIX e meados do séc. XX).  A modelo desta peça foi Maria Crista, mulher humilde de Ovar, carreteira de várias  firmas, entre as quais a do chapeleiro Oliveira, da Rua Elias Garcia, que levava à cabeça os eletrodomésticos ali comprados, inclusive  máquinas de costura.

No jornal “O Povo de Ovar” de 9 de Maio de 1940 começou a ser publicado um anúncio para a venda dos terrenos e edifícios de “A Varina” em Ovar e Furadouro, anúncio que terminou em 12 de Junho do mesmo ano.

Segundo informação dada por D. Aurora Libório a uma sua colaboradora, as instalações do actual Parque Almeida Garrett foram compradas, nos anos 40, pelo seu pai, Manuel Rodrigues Almeida, e por seu tio António Rodrigues Almeida, passando, posteriormente, a outros proprietários. (Os terrenos da antiga fábrica estão hoje ocupados com o empreendimento imobiliário do Centro Garrett).

Catálogo ilustrado da fábrica “A Varina”, de 1935, com a firma de Brandão & C.ª Lda

Publicidade da fábrica “A Varina”, com a firma de Brandão & C.ª Lda

Antigas instalações de “A Varina”, na Av. Serpa Pinto, em Matosinhos, transformadas actualmente num supermercado, vendo-se ainda por trás a velha chaminé.

As instalações da empresa ao sul do Furadouro, entre as actuais Avenidas Tomás Ribeiro e Fernão de Magalhães, foram adquiridas, na mesma época, pelo Centro Vidreiro do Norte de Portugal, de Oliveira de Azeméis, de cuja sociedade fazia parte oJúlio Mateiro, que as utilizou para colónia balnear dos filhos dos trabalhadores daquela organização industrial. (8)

(8) No “Notícias de Ovar” de 12 de Junho de 1951, num artigo sobre o Furadouro, podia ler-se: “O espírito dinâmico e o coração generoso de Júlio Mateiro – um verdadeiro amigo da nossa Praia – não cessam de espalhar o bem”.

De 1959 a 1968, as mesmas instalações serviam para a celebração da missa dominical até à inauguração da nova Igreja (1969), abriram-se ao serviço da “Sopa dos Pobres”, criada por um grupo de beneméritos ovarenses, e a um serviço de apoio social às crianças do Furadouro, por iniciativa do Pároco local, Padre Fernando Lopes Ferreira, e das Irmãs da Congregação Jesus Maria José, que viriam a contar com a colaboração de elementos do Rotary Club de Ovar, dando origem ao Centro Infantil do Furadouro (15/12/1969) e, posteriormente, ao Centro de Promoção Social do Furadouro, oficializado em 1972.

 

Albergaram ainda, durante períodos de férias de Verão, crianças do Centro Social de S. Martinho da Gândara e das Paróquias de Junqueira (Vale de Cambra) e de Macinhata da Seixa (Oliveira de Azeméis).

Aquela velha fábrica do Furadouro, já degradada, foi ainda recolhimento de alguns deslocados das antigas colónias. Demolida em 1972, deu lugar ao empreendimento habitacional Barramares.

Em Ovar, onde teve o seu início, tal como na praia do Furadouro, já nada resta que possa lembrar aos mais novos aquela fábrica de conservas. Em Matosinhos, onde a firma se instalou em 1914, ainda se podem observar, na Rua Serpa Pinto, as antigas instalações fabris, actualmente transformadas num supermercado, em cujas traseiras permanece, altiva, a chaminé, símbolo daquela prestigiosa empresa.

«A Varina», uma fábrica de conservas, filial da Brandão, Gomes &C.ª, que definiu o desenho e a orgânica da urbe na zona Nordeste da vila de Ovar, ligando o centro histórico à estação de caminhos-de-ferro, sendo um marco de referência industrial nas primeiras décadas do século XX, ao nível de infra-estruturas e inovação tecnológica;”
in “
Ovar: memórias industriais de uma urbe” de António Manuel França de Jesus

Fábrica de Conservas “A Varina”, no Furadouro

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