Companhia Industrial - Resumo biográfico em textos retirados do livro Memórias & Documentos volume III
Resumo biográfico em textos retirados da história de Francisco Rodriguez Tenório, em Memórias & Documentos volume III – Francisco Rodriguez Tenório, Juan Maestre Cumbrera, Sebastián Ramírez, da autoria de António Horta Correia
A sociedade Companhia Industrial nasce curiosamente a partir das dificuldades financeiras de Francisco Rodrigues Tenório. Esta história, que começa com a abertura de crédito a Francisco Tenório por parte da empresa Gruis & Vianna, do “cidadão inglês William Gruis, residente em Lisboa há vários anos, grande negociante nos mais diversos ramos e ligado à alta finança da capital,” tal como vem descrito no livro Memórias & Documentos volume III – Francisco Rodriguez Tenório, Juan Maestre Cumbrera, Sebastián Ramírez, de António Horta Correia, do qual reproduzimos partes do texto.
21 de Maio de 1886
Quando, em 21 de Maio de 1886, Francisco Rodrigues Tenório modificou as condições de arrendamento da sua fábrica, encurtando o prazo de modo a terminar no final do ano, já teria diligenciado uma nova modalidade de gestão que lhe pudesse resolver as dificuldades financeiras destes primeiros seis anos. Os bons resultados que tinha obtido nesse período reforçaram a sua convicção da viabilidade da indústria, desde que dispusesse do capital necessário para o seu normal funcionamento.
A solução encontrada envolveu o cidadão inglês William Gruis, residente em Lisboa há vários anos, grande negociante nos mais diversos ramos e ligado à alta finança da capital, fundador em 1865, em conjunto com o visconde da Junqueira José Dias Leite Sampaio e Anselmo Ferreira Pinto Basto, da “Companhia União Fabril”, para o fabrico e comércio de tabaco, sabão e oleaginosas.
A “Companhia União Fabril” viria a ser transformada, em 1898, quando se verificou a fusão com a “Companhia Aliança Fabril” de Alfredo da Silva.
Desconhecemos como foi possível tal aproximação, tendo em consideração o distanciamento geográfico e os poucos anos que tinham decorrido desde o início da indústria. Não terá sido uma fácil negociação a obtenção deste contrato, que iria modificar totalmente o rumo do seu negócio e que evoluiu para uma situação talvez não prevista nem desejada. Sem mais informações, apenas nos podemos limitar à narrativa dos documentos.
12 de Fevereiro de 1887
Em 12 de Fevereiro de 1887, na cidade de Lisboa, rua do Crucifixo n° 50, escritório do tabelião Jorge Felipe Cosmelli, foi realizada a seguinte escritura:
” ( … ) compareceram, de uma parte o Sr. Francisco Rodrigues Tenório solteiro, de maior idade, comerciante, residente em Vila Real de Santo António e temporariamente nesta cidade, e de outra parte o Sr. William Gruis, casado, negociante, residente nesta cidade, na qualidade de único sócio e representante da firma Gruis & Vianna, com escritório no largo de São Julião nº 12, primeiro andar. Pelo primeiro outorgante foi dito:
Que ele e proprietário e dono de uma fábrica de preparar peixe para exportação, denominada Fábrica de São Francisco, estabelecida na rua do Príncipe da Vila Real de Santo António.
Que a referida fábrica se compõe de oficinas de preparação de peixe, de soldar latas e outras, fazendo também parte dela uns armazéns de retém e de preparo.
Que nem os edifícios em que esta estabelecida a sobredita fábrica, nem as máquinas que fazem parte integrante dela, se acham sujeitos a dívida ou encargo algum, além da dívida da quantia de seiscentos mil reis de que ele primeiro outorgante e devedor à firma de Vilarinho & Sobrinhos. Que desejando ele primeiro outorgante dar maior desenvolvimento à laboração da referida fábrica, mas não tendo o capital suficiente para o fazer, solicitou da firma que o segundo outorgante representa, lhe abrisse um crédito.
Que tendo o segundo outorgante anuído a esse pedido, ajustaram entre si as condições do seu contrato, que reduzem à presente escritura e são as que constam dos artigos seguintes:
1° A firma Gruis & Vianna abre a favor do primeiro outorgante Francisco Rodrigues Tenório, um crédito até à quantia de três contos de reis, e obriga-se a fornecer-lhe esta quantia em parcelas mensais requisitadas pelo primeiro outorgante.
2° Este crédito durará por cinco anos, contados da presente data em diante, reservando porém a firma o direito de o dar por findo no fim do primeiro ano, uma vez que a vise por escrito o primeiro outorgante com a antecedência de três meses.
3° Para a amortização das quantias que o primeiro outorgante levantar por conta do crédito que lhe fica aberto, o primeiro outorgante se obriga a consignar à firma Gruis & Vianna todo o peixe que for preparado na referida fábrica, ou seja sardinha, atum ou qualquer outro, afim da firma promover a venda do mesmo peixe, quer no mercado desta praça, quer por meio de exportação para qualquer porto estrangeiro, empregando a firma todas as suas diligências para que as vendas sejam feitas nas melhores condições possíveis.
4° Que do produto da venda do referido peixe, depois de deduzidas todas as despesas, do lucro líquido que resultar pertencerá à firma a comissão ou bónus de quarenta e cinco por cento, pela abertura deste crédito e retribuição do trabalho que tiver com a venda do referido peixe.
5° Da parte que competir ao primeiro outorgante entregara este à firma as quantias que quiser para amortização do seu débito, a fim de tornar a receber as somas de que precisar, nos termos do artigo primeiro, até à dita quantia de três contos de reis.
6° As quantias fornecidas pela firma constarão de letras assinadas pelo primeiro outorgante, e as que forem entregues por este à firma constarão de recibos por esta assinados.
6° A-A firma prestará contas ao primeiro outorgante todas as vezes que efectuar vendas de peixe, devendo porém o primeiro outorgante saldar as suas contas com a firma no fim de cada seis meses.
7° Todos os fornecimentos entregues e pagamentos serão feitos nesta cidade, no escritório da firma Gruis &Vianna.
8° Nos três meses imediatos ao dia em que findar este crédito o primeiro outorgante pagara à firma Gruis & Vianna o saldo de que lhe for devedor, em moeda de ouro, metal sonante, e bem assim o juro à razão de dez por cento ao ano, contado sobre a importância do saldo e desde o dia em que o crédito terminar.
9° O primeiro outorgante obriga-se a não consignar a mais pessoa alguma além da firma, todo o peixe que for preparado na sua referida fábrica, durante o período por que durar este contrato, podendo a firma em caso contrario dá-lo logo por terminado e exigir do primeiro outorgante o pagamento imediato da quantia de que ele for devedor à firma.
10° Qualquer contribuição devida por este contrato e todas as despesas a que ele der lugar serão pagas pelo primeiro outorgante à sua própria custa.
11° O primeiro outorgante hipoteca especialmente ao pagamento do que for devedor à firma por virtude deste contrato, até à dita quantia de três contos de reis, os prédios em que acha estabelecida a fábrica a que esta escritura se refere e bem assim as máquinas e mais acessórios que do referido prédio façam parte integrante, autorizando expressamente a firma para suprir por declaração complementar quaisquer deficiências que haja, a fim de que a propriedade possa ser descrita na Conservatória e inscrita sabre ela a hipoteca constituída por esta escritura. Ambos os outorgantes aceitam o presente contrato na parte em que a cada um diz respeito, e pelo cumprimento do qual se obrigam a responder perante as Justiças desta cidade de Lisboa, renunciando para isso o primeiro outorgante ao fora do seu actual domicilio. (. ..) “.49
49 TT AOL RN Lisboa Jorge Felipe Cosmelli livro 220 de 12.02.1887
4 de Novembro 1887
Ainda em 1887, em 4 de Novembro, Francisco Rodrigues Tenório tinha comprado ao irmão Gavina Rodriguez Pérez uma porção de terreno na zona sul da Vila, que seria necessária para o aumento das suas instalações fabris:
” (. ..) foi dito pelos primeiros outorgantes vendedores Gavino Rodrigues Peres e sua dita mulher: Que eles são legítimos e pacíficos possuidores de uma porção de terreno baldio ao sul desta vila, cujo terreno consta do nascente a poente de catorze metros e do norte a sul de quarenta metros, e confronta este terreno do norte com a porta da horta de Dona Maria Luísa Ângela Cassar, sul com terreno de Sebastian Migoni, nascente com rua do Príncipe e poente com a horta dita de Dona Maria Luísa Ângela Cassar; Que esta porção de terreno adquiriram por título de compra que fizeram a Dona Maria Luísa Ângela Cassar;
Que este terreno paga o faro anual à Câmara Municipal desta Vila de quarenta reis;
Que vendem este terreno co as condições porque compraram à mesma Dona Maria Luísa Ângela Cassar as quais constam do respectivo documento;
Que para efectuar esta venda foi pago respectivo laudémio a Câmara Municipal desta Vila, como consta do documento adiante transcrito;
Que este terreno além do dito foro não tem outro encargo;
Que nestas circunstâncias podendo livremente dispor da mesma porção de terreno contrataram vendê-lo ao segundo outorgante comprador Francisco Rodrigue Tenório pelo preço ajustado de quarenta mil reis, livre para eles vendedores; (…) .
E pelo segundo outorgante comprador Francisco Rodrigues Tenório, foi dito:
Que ele aceita esta escritura de compra e venda com quitação e obrigações (…) .”
No dia 14 seguinte, Francisco Rodrigues Tenório obteve autorização de Damião de Sousa Medeiros para libertar das hipotecas que garantiam o empréstimo feito a Dolores Féria o “armazém na rua nova da Princesa da citada Vila, aonde se acha estabelecido uma fábrica de escabeche de atum, confrontando do nascente com a mesma rua da Princesa, poente com a rua do Príncipe, norte com José do Carmo e outros e sul com uma travessa (. ..) , e pela presente distrata a referida escritura de 15 de Junho de 1883, (única e exclusivamente em respeito à hipoteca do dito prédio, que julga livre e desonerado para todos os efeitos e em especial para a segunda outorgante requerer na respectiva Conservatória o cancelamento do registo hipotecário nessa parte, ficando todavia em seu inteiro e pleno vigor a referida hipoteca relativamente aos demais prédios.
Pela segunda outorgante Maria das Dores Féria foi dito: Que aceita o distrato e autorização do primeiro outorgante na firma expressa. Em seguida pelo terceiro outorgante (…) como fiador e principal pagador daquela dívida, prestava o seu consentimento ao mencionado distrate e vista que em vista dele diminuir as garantias ao credor primeiro outorgante, por isso o se constituinte os reforça hipotecando como de facto pela presente escritura hipoteca, na referida qualidade, à segurança do pagamento da mesma quantia de um conto de reis, nos termos e em todas as demais condições da referida escritura de 15 de Junho de 1883, mais uma morada de casas térreas situadas na rua do Príncipe, desta vila, comarca de Tavira, que se compõe de quatro compartimentos, quintal e confronta do norte com propriedade de Manuel Paulino da Cruz, sul com propriedade da segunda outorgante Maria das Dares Féria, nascente com a de José do Carmo Oeiras e poente com rua do Príncipe, para onde tem a porta, não tendo número policial, livre e alodial e a pertencer ao constituinte por compra que fez a João Delgado, que para os efeitos do registo calcula o valor venal desta propriedade na quantia líquida de trezentos mil reis.
E pelo primeiro outorgante foi dito: Que aceita esta hipoteca oferecida pelo procurador do fiador e principal pagador. ( … ).”
O contrato celebrado com William Gruis, que fornecia o capital a Francisco Rodrigues Tenório e tinha o exclusivo da venda de todos os produtos da fábrica São Francisco, vigorou durante todo o ano de 1888. A época anterior, de 1887, que era experimental para William Gruis, deveria ter corrido de forma satisfatória, o que fez consolidar os seus projectos quanta à indústria e comércio de conservas de peixe.
4 de Janeiro de 1888
Assim, em 4 de Janeiro de 1888, William Gruis, tornou-se fabricante de conservas de peixe em Setúbal, pelo trespasse que nessa data comprou a Francisco de Sá Nogueira e seu sócio José Borges de Castro, “do arrendamento do terreno na rua da Praia da Doca, em Setúbal, com todas as edificações ou benfeitorias que lá existem, e bem assim a fábrica que ali montaram, com todo o material e utensílios hoje existentes e constantes de uma nota que nesta acto entrega ao segundo outorgante e por ambos assinada; que neste trespasse se compreendem também trezentas grelhas para a caldeira de frigir, sistema La Gillardaie, que serão entregues já despachadas na alfândega de Lisboa, (. .. ) pelo preço total de seis contos seiscentos e quarenta mil reis, de que o segundo outorgante lhe aceitou letras a vencer a três, seis, nove e doze meses desta data e mais uma tetra de trezentos mil reis para fazer face ao pagamento de uma outra letra de trezentos e três mil reis da casa Parton, de Paris, importância duma factura de trinta caixas de folha acharoada que se obriga a entregar na alfandega de Lisboa, sujeitas ao competente despacho. ( … ).”
Com a finalidade de consolidar os seus investimentos na indústria de conservas de peixe, William Gruis conseguiu atrair alguns dos principais financeiros da capital para a constituição de uma sociedade que tinha como um dos seus objectivos o fabrico e comércio de conservas de peixe, com o avultado capital de 60 contos de reis, autorizado a aumentar para 200 contos. Era a “Companhia Industrial”, que iria ter um papel preponderante no futuro da fábrica São Francisco.
Companhia Industrial
Foi constituída por escritura de 3 de Dezembro de 1888, cujos Estatutos transcrevemos parcialmente:
” (. ..) perante mim, o tabelião Jorge Camelier, nesta cidade de Lisboa e meu escritório na rua Áurea n° 51,1° andar, freguesia de S. Julião, compareceram Constantino José Viana 53, negociante, morador na Praça da Alegria n° 49, Teodoro Ferreira Lima, negociante, morador no largo de Camões n° 4, Tomaz Alfredo dos Santos, empregado no comércio, morador na Travessa do Santa Gertrudes n° 32, Pedro Gomes da Silva, negociante e morador na rua de Entremuros n° 101, este outorgando na qualidade de bastante e especial procurador do Doutor Carlos de Lima Mayer, actualmente em Paris, (. ..) ; todos os quatro outorgantes pessoas cuja identidade reconheço, e dos quais os três primeiros e constituinte do quarto outorgam por si e com a comissão dos demais treze fundadores da Companhia Industrial, segundo me fizeram certo por uma certidão da acta da sessão instaladora de vinte e seis de Outubro último,( … ).
E que por eles, quatro outorgantes foi dito, perante mim referido tabelião e testemunhas idóneas adiante nomeadas e no fim assinadas:
Que nesta escritura, nas qualidades em que nelas intervêm, e na conformidade com o que dispõe o artigo quarto da Carta de Lei de vinte e dois de Junho de mil oitocentos sessenta e sete outorgam os Estatutos da Companhia Industrial, os quais são do tear seguinte:
Estatutos da Companhia Industrial sociedade anónima responsabilidade limitada. Capitais reis Noventa contos
Capítulo 1 ° -A Sociedade – Artiga 1 ° -A Companhia Industrial sociedade anónima, responsabilidade limitada, reger-se-á pelos presentes estatutos.
- 1° – O fim da sociedade e a fabricação e comércio de conservas de peixe e o fabrico e comércio de tijolos e mais produtos cerâmicos.
- 2° – Estas indústrias poderão ser exercidas em fábricas pertencentes à sociedade ou em participação em comandita, com um ou mais fabricantes destes géneros, com quem a sociedade contrate.
- 3° -A duração da sociedade é por tempo indeterminado.
- 4° – A sua sede será em Lisboa, ficando, contudo, reservado à sociedade o direito de estabelecer as suas fábricas e exercer o seu comércio em qualquer local do país.
Artigo 2° – O capital social é de Reis Noventa contos, constituído em acções de reis cem mil cada uma.
- 1° – O capital poderá ser elevado até à quantia de reis duzentos contos, quando a assembleia geral resolver.
- 2° – O aumento do fundo social será feito por meio de emissão de novas ações do mesmo valor queas emitidas. (. ..)
Capítulo 11º – Disposições Transitórias
Artigo 22º Usando a faculdade concedida pelo artigo decimo quinto da lei de vinte e dois de Junho de mil oitocentos sessenta e sete, os fundadores e subscritores primitivos do capital social da Companhia, designam, como mandatarios, para os três primeiros anos administrativos, que terminarão em trinta e um de Dezembro de mil oitocentos noventa e um:
Mesa da Assembleia Geral.
Presidente Policarpo P. Ferreira dos Anjos
Vice-presidente Abraham Bensaúde
Secretário António Joaquim de Oliveira
Vice-Secretário J. Lino.
Direção:
Director Gerente William Gruis,
Directores Adjuntos Carlos de Lima Mayer e António Vítor dos Reis e Sousa, este na qualidade de director do Banco Luzitano
Directores Suplentes: Tomaz Alfredo dos Santos e Teodoro Ferreira de Lima, na qualidade de gerente da firma Viúva Lima & Filhos.
Conselho Fiscal:
Efectivos: João Batista Dotti, Adolfo de Lima Mayer , João Pedro de Miranda.
Substitutos: João Torlades O Neil e Ernesto George
Em seguida me apresentaram os outorgantes uma certidão de não haver outra sociedade anónima registada com denominação idêntica ou portal forma semelhante que possa induzir a erro; uma declaração do depósito da quantia de quatro contos e quinhentos mil reis efectuado no Banco Luzitano pelos instaladores da companhia, correspondente a cinco por cento do capital; (. ..) .”
William Gruis, já na qualidade de director gerente da "Companhia Industrial" realizou, então, o passo seguinte do seu projecto – propôs a Francisco Rodrigues Tenório a compra da fábrica São Francisco. Como se compreende, tratava-se de uma proposta de difícil decisão, iria resolver as dificuldades financeiras à custa do seu projecto inicial.
21 de Dezembro de 1888 - Escritura de promessa de venda da fábrica São Francisco à "Companhia Industrial"
Mas decidiu, bem ou mal, e em 21 de Dezembro de 1888, assinou uma escritura de promessa de venda da fábrica à “Companhia Industrial”:
” (. ..) nesta cidade de Lisboa, rua do Crucifixo n° 50 e meu escritório, perante mim tabelião Jorge Felipe Cosmelli compareceram, de uma parte o senhor Francisco Rodrigues Tenório, solteiro, de maior idade, comerciante, residente em Vila Real de Santo António e temporariamente nesta cidade, e de outra parte os senhores Teodoro Ferreira Lima, negociante, morador no Largo de Camões n° 4 e Tomaz Alfredo dos Santos, empregado no comércio, morador na travessa de Santa Gertrudes n° 32, freguesia de Santa Isabel, na qualidade de Directores da Companhia Industrial sociedade anónima, responsabilidade limitada, cujos estatutos foram publicados no Diário do Governo, número duzentos oitenta e dois de dez de Dezembro do corrente ano, todos os outorgantes meus conhecidos.
Pelo primeiro outorgante foi dito: Que ele e dono e possuidor de uma fábrica de preparar peixe para exportação, denominada fábrica de São Francisco, sita na rua do Príncipe de Vila Real de Santo António, com todas as suas máquinas, utensílios e mobília, e estabelecida nos seguintes prédios pertencentes a este primeiro outorgante:
1º Prédio aonde esta a fábrica de preparação de sardinha, situado entre a rua do Príncipe e a rua da Princesa da dita vila, que confronta do norte com propriedade de José do Carmo Oeiras, do sul com travessa sem nome, do nascente com a rua da Princesa e do poente com a rua do Príncipe;
2º Um armazém, que actualmente serve para oficina de soldadores, com seis pilas para salgar atum, situado em frente da referida fábrica fazendo esquina para a rua do Príncipe e para a travessa sem nome, que confronta do norte com a dita fábrica e travessa sem nome, do sul com propriedade de Manuel Alvares Barbosa e do nascente com José Sales e do poente com a rua do Príncipe;
3º Uma fábrica (construída no sítio onde estava um antigo barracão de madeira), com oficinas de fritura, dita de ebulição, depósito de azeite, oficina de soldadores e mais dependências, situada na rua do Príncipe do lado oposto e em frente dos dois prédios acima mencionados, que confronta do norte e poente com propriedades de Luísa Cassar, do sul com Domenico Migoni e baldios do Concelho e do nascente com a rua do Príncipe.
Que ele primeiro outorgante ajustou com os segundos outorgantes vender-lhe para a Companhia de que são directores a sobredita fábrica e edifícios em que ela está estabelecida, pela quantia de dezoito contos de reis, sendo pelos edifícios a quantia de seis contos e quinhentos mil reis e pelas máquinas, utensílios e mobília a quantia de onze contos e quinhentos mil reis. Que não podendo, porém, ele primeiro outorgante fazer desde já definitiva a venda por depender dele primeiro outorgante mostrar por documentos a actualidade da sobredita fábrica e edifícios, ajustou com os segundos outorgantes fazer-lhe desde já promessa da mesma venda nos termos e condições seguintes:
1º Que ele primeiro outorgante pela presente escritura promete vender a mencionada fábrica e edifícios à Companhia Industrial que os segundos outorgantes representam, pela quantia de dezoito contos de reis, na repartição que for indicada, livre da contribuição de registo e mais despesas para ele primeiro outorgante.
2º Que os rendimentos das propriedades pertencerão à Companhia compradora desde o dia um inclusive do mês de Janeiro de mil oitocentos oitenta e nove, e será por sua conta desde esse mesmo dia o pagamento das contribuições e premio do seguro.
3º Que por conta do preço e como sinal ele primeiro outorgante já recebeu dos segundos outorgantes a quantia de dois contos e quatrocentos mil reis, da qual da quitação à Companhia compradora.
4º Que ele primeiro outorgante se obriga a realizar a venda e a assinar a respectiva escritura no escritório de mim tabelião, no prazo de sessenta dias contados da presente data em diante.
5º Que se ele primeiro outorgante se recusar ao cumprimento desta obrigação, restituirá em dobro à Companhia compradora o sinal recebido.
6º Que a esta restituição ele primeiro outorgante hipoteca especialmente os prédios e fábrica cuja venda fica prometida.
Pelos segundos outorgantes foi dito: Que aceitam para a Companhia Industrial de que são directores, esta promessa de venda, quitação e hipoteca nos termos desta escritura, e em nome da qual reciprocamente prometem comprar a referida fábrica e edifícios.
Que obrigam a mesma Companhia a pagar a contribuição de registo por título oneroso e a realizar a compra assinando a respectiva escritura, no prazo de sessenta dias contados da presente data em diante, pagando nesse acto ao primeiro outorgante a quantia de quinze contos e seiscentos mil reis, para completar o preço ajustado e na forma ajustada com o vendedor, isto e metade em dinheiro e metade em acções.
Que no caso em que a Companhia se recuse a efectuar a compra, perderá o sinal dado sem direito à sua restituição no todo ou em parte.
Por todos os outorgantes nos nomes e qualidade que representam foi dito:
Que pelo exacto cumprimento desta escritura e na parte que a cada um diz respeito se obrigam a responder perante as Justiças desta cidade de Lisboa (. ..) .”
25 de Janeiro de 1889 - escritura de venda da fábrica São Francisco
A venda da fábrica foi concretizada pela escritura realizada no dia 25 de Janeiro de 1889:
” (. ..) perante mim tabelião Jorge Felipe Cosmelli compareceram de uma parte o senhor Francisco Rodrigues Tenório, solteiro, de maior idade, comerciante, residente em Vila Real de Santo António e temporariamente nesta cidade, e de outra parte os senhores Carlos de Lima Mayer, casado, proprietário, morador na rua do Chafariz do Andaluz n° 3, freguesia de São Sebastião da Pedreira, e Tomaz Alfredo dos Santos, casado, empregado no comércio, morador na travessa de Santa Gertrudes n° 32, freguesia de Santa Isabel, na qualidade de Directores da Companhia Industrial sociedade anónima, responsabilidade limitada, (. ..) . Pelo primeiro outorgante foi dito:
Que (. ..) ele primeiro outorgante comprou a José de Sousa Oliva e sua mulher Isabel Clementina uma porção de terreno situado ao sul da dita Vila Real de Santo António.
Que o dito terreno constitui um prazo de que e senhoria a Câmara Municipal da dita Vila a quem se paga foro anual de quarenta reis e laudémio de quarentena, nas vendas.
Que no referido terreno mandou ele primeiro outorgante construir um prédio aonde esta estabelecida a fábrica de preparação de sardinha, situada entre a rua do Príncipe e rua da Princesa da dita vila, (. ..)
Que, (. ..) ,ele primeiro outorgante comprou a Manuel Sola e sua mulher Dionísia da Conceição um casarão que constava unicamente de algumas paredes situado na rua do Príncipe da dita Vila Real de Santo António (. ..) Que o dito terreno constitui um prazo de que e senhoria a Câmara Municipal da dita Vila a quem se paga foro anual de quarenta reis e laudémio de quarentena, nas vendas.
Que no referido casarão mandou ele primeiro outorgante construir um prédio que consta de um armazém que actualmente serve para oficina de soldadores, com seis pilas para salgar atum, situado em frente da referida fábrica, fazendo esquina para a rua do Príncipe e para uma travessa sem nome, (. ..) .
Que (. ..) ele, primeiro outorgante, comprou a Gavina Rodrigues Peres e sua mulher D. Beatriz Domingues Barbosa Peres uma porção de terreno situado ao sul da referida vila, (. ..) .Que o dito terreno constitui um prazo de que e senhoria a Câmara Municipal da dita Vila Real a quem se paga foro anual de quarenta reis e laudémio de quarentena, nas vendas.
Que no dito terreno mandou ele primeiro outorgante construir um prédio que se compõe de oficinas de fritura, dita de ebulição, depósito de azeite, oficinas de soldadores e mais dependências, situado na rua do Príncipe do lado oposto e em frente dos dois prédios acima mencionados ( … ). Todos estes prédios assim descritos constituem a fábrica de preparar peixe para exportação, denominada Fábrica de São Francisco.
Que os referidos prédios estão onerados com os seguintes encargos:
1º – de hipoteca a favor da firma Gruis & Vianna para segurança do pagamento da quantia de três contos de reis, em virtude do contrato de abertura de crédito que a dita firma celebrou com ele primeiro outorgante, (…).
2° De hipoteca a favor da firma comercial Vilarinho & Sobrinho para segurança do pagamento da quantia de um conto de reis de que a mesma firma e credora a ele primeiro outorgante, (…).
3° De hipoteca a favor de Damião de Sousa Medeiros para segurança do pagamento da quantia de dois contos trezentos oitenta e oito mil cento e quarenta reis de que é credor a Maria das Dares Féria, de quem ele primeiro outorgante e fiador (. ..) . Que por averbamento feito a esta inscrição hipotecaria se declara que o referido capital se acha reduzido à quantia de um conto de reis.
4° De penhora a favor do dito Damião de Sousa Medeiros para pagamento da quantia de dois contos trezentos oitenta e oito mil cento e quarenta reis de que lhe e devedora a referida Maria das Dares Féria, de quem ele primeiro outorgante e fiador, (…) .
Que por escritura de nove do corrente mês, (. ..) , a firma Gruis & Vianna, credora (. ..) desistiu da hipoteca a que se refere a mesma inscrição e autorizou o respectivo cancelamento.
Que em virtude pois desta escritura, ficam onerando os referidos prédios as hipotecas registadas a favor da firma Vilarinho & Sobrinho e Damião de Sousa Medeiros, (. .. ) e de penhora a favor do dito Damião de Sousa Medeiros, (…) .
Que por escritura de 21 de Dezembro do ano próximo findo, (…) ele primeiro outorgante prometeu vender à Companhia Industrial de que os segundos outorgantes são directores a sobredita fábrica denominada de São Francisco e edifícios em que ela esta estabelecida, pela quantia de dezoito contos de reis, sendo pelos edifícios a quantia de seis contos e quinhentos mil reis e pelas máquinas, utensílios, mobília e mais objectos, a quantia de onze contos e quinhentos mil reis, recebendo por conta do preço total e como sinal dos segundo outorgante a quantia de dois contos e quatrocentos mil reis, de que deu quitação na mesma escritura.
Que portanto ele primeiro outorgante cumprindo e completando o estipulado na dita escritura de promessa de venda, pela presente e na melhor forma em direito, vende definitivamente de hoje para sempre à Companhia Industrial, os prédios em principio mencionados com todos seus acessórios e pertenças, servidões activas e logradouros.
Que mais lhe vende todas as máquinas, utensílios e mobília que constituem a fábrica estabelecida nos mesmos prédios, bem como quaisquer marcas e privilégios usados e adquiridos pelo primeiro outorgante.
Que lhe faz esta venda pela ajustada quantia total de dezoito contos reis, sendo seis contos e quinhentos mil reis pelos prédios e onze contos e quinhentos mil reis pelas máquinas, utensílios e mobília que constituem a referida fábrica.
Que este preço é pago da seguinte forma: nove contos de reis em dinheiro e nove contos de reis em acções liberadas da Companhia compradora. Que tendo ele primeiro outorgante recebido dos segundos outorgantes não só a quantia de seis contos e seiscentos mil reis em moeda corrente nesta praça, que junta à de dois contos e quatrocentos mil reis que recebeu no acto da promessa de venda perfaz o dito preço em dinheiro, mas também um título provisório das ações liberadas da dita Companhia, representando o capital de nove contos de reis, em virtude desta entrega da quitação do preço total desta venda à Companhia compradora.
Que cede e trespassa na Companhia todo o domínio directo e acção que até agora tinha nos prédios, fábrica e objectos móveis vendidos, podendo a Companhia tomar posse judicial dos ditos prédios depois de registada esta transmissão na dita Conservatória, e dos objectos móveis como e quando quiser, por isso que ficam desde já à sua disposição e no entretanto desde já lhe transfere a posse de uns e de outros, constituindo-se possuidor de tudo em nome da Companhia compradora. (. .. ).
Pelos segundos outorgantes foi dito:
Que aceitam para a Companhia Industrial de que são directores esta venda definitiva e quitação. Que se obrigam a resgatar oportunamente por acções liberadas da dita Companhia, o título provisório representativo das mesmas ações entregue ao primeiro outorgante como parte do preço desta venda.
Que ficam em seu poder com a quantia de quatro contos e quinhentos mil reis, que lhe foi entregue pelo primeiro outorgante, para solver os encargos que ficam onerando os prédios vendidos, ou para a restituir ao primeiro outorgante, logo que este mostre por documentos legais a extinção dos mesmos encargos ou de qualquer deles. (. ..) .
Declarou finalmente o primeiro outorgante:
Que a fábrica compreendida na venda efectuada por esta escritura esta em activa laboração e produz por uma época de quatro meses, trezentas toneladas de atum aproximadamente, e dez mil caixas de cem latas de sardinhas em azeite, tipo de Nantes, cada uma. E com esta declaração que os segundos outorgantes aceitaram se concluiu a presente, perante outorgantes e testemunhas.”
11 de Fevereiro de 1889
Poucos dias depois, por escritura de 11 de Fevereiro de 1889, William Gruis trespassou à “Companhia Industrial”, representada por Carlos de Lima Mayer e Tomaz Alfredo dos Santos, a sua fábrica de conservas de Setúbal, “com sublocação do arrendamento, com o direito à sua renovação, e com venda de todas as suas edificações, máquinas, utensílios, matérias primas, produtos fabricados, marcas de fábrica e quaisquer direitos, certos e eventuais que respectivamente possua ou a que tenha direito”.
Pela mesma escritura vende à mesma “Companhia Industrial” uma porção de latas de diferentes conservas de peixe, e diversos utensílios e caldeiras, existentes na fábrica de São Francisco de Vila Real de Santo António, hoje pertencente à Companhia Industrial”, de que ele era possuidor em consequência “do contrato celebrado com Francisco Rodrigues Tenório, e por um título particular”, e ainda “à mesma Companhia Industrial cede todos os direitos, crédito e acção hipotecária que tem para haver de José Lafitte a quantia de doze contos cento setenta e seis mil cento sessenta e três reis; e o direito que contra o mesmo tem para haver um cruzado por cada milheiro de tijolo, e mil reis por cada milheiro de telha que este produzir e vender na referida fábrica de cerâmica.
Que estes contratos de trespasse, vendas, sublocações e cessões são feitos em globo pela quantia de oitenta contos de reis que confessa recebidos (. ..) .”
Inquérito Industrial de 1890
O Inquérito Industrial de 1890, efectuado pelo Ministério das Obras Públicas, incluiu no relatório da visita efectuada em 3 de Junho de 1890 as fábricas de conservas de peixe de Vila Real de Santo António, a “Companhia Industrial, Rua da Princesa Tem 12 caldeiras e 2 estufas. Tem 2 máquinas a ar quente e 3 motores mecânicos. Trabalham 102 operários. Produziu na última época 150.000 kg de atum cozido e 90.000 kg de sardinhas fritas”.
Decorridos apenas três anos desde a sua fundação, a "Companhia Industrial" já não apresentava a solidez financeira inicial, talvez devido ao grande dispêndio que representou a compra dos investimentos industriais de William Gruis, acrescidos a exploração das fábricas de conservas de Setúbal e Vila Real de Santo António.
Reflexo dessa situação foi o acordo de 9 de Junho de 1891 celebrado com o Banco Lisboa & Açores:
” (. ..) foram presentes de uma parte Teodoro Ferreira Lima e Tomaz Alfredo dos Santos, na qualidade de membros da direção da Companhia Industrial, sociedade anónima de responsabilidade limitada, com sede nesta cidade e domicilio nesta rua nºs 162 e 164, e de outra parte João Torlades O’Neil e António Joaquim d’Oliveira, na qualidade de membros da direção do Banco Lisboa & Açores,
(. ..) E que pelos primeiros outorgantes João Torlades O’Neil e António Joaquim d’Oliveira foi dito, perante mim referido tabelião e as testemunhas idóneas adiante nomeadas e no fim assinadas: Que tendo a Companhia Industrial sacado a descoberto do Banco Lisboa & Açores para ocorrer as suas necessidades e principalmente para a compra de atum, a quantia de quinze contos quinhentos setenta e dois mil cento e noventa reis, e não podendo satisfazer de pronto esta quantia em consequência de a ter imobilizada na referida mercadoria e outras, e desejando garantir ao dito Banco o seu reembolso, pela presente escritura vem prestar as cauções constantes dos artigos seguintes:
1º-A Companhia Industrial consigna e cede desde já ao Banco Lisboa & Açores o produto da venda dos seguintes artigos que se acham fabricados e prontos para a especulação comercial, a saber:
Noventa e oito mil cento e cinquenta quilos de atum em salmoura, no valor de oito contos duzentos e seis mil setecentos vinte e um reis; seiscentos e oitenta e quatro latas de trinta quilos cada uma, de atum em salmoura, no valor de um conto oitocentos quarenta e seis mil oitocentos reis; oitocentas quarenta e uma caixas de cem quartos de sardinha em azeite, fabricação fina, no valor de três contos quatrocentos e seis mil e cinquenta reis; catorze mil novecentos e dez quilos de atum em salmoura, em cento e setenta e cinco barris de vinte e cinco quilos cada um, cento setenta e quatro latas de quinze quilos, e cinquenta e sete latas de trinta quilos, e seis mil duzentos e quinze quilos a granel, em manta, no valor de um conto trezentos quarenta e um mil e novecentos reis, e setecentos e dezanove barris, a vinte e cinco quilos, de sardinha salgada, no valor de um conto quatrocentos vinte e três mil seiscentos e vinte reis, valores estes que somam em dezasseis contos duzentos vinte e cinco mil e noventa e um reis. As mercadorias representativas da primeira verba acham-se depositadas nos armazéns da fábrica da Companhia em Vila Real de Santo António, e bem assim as da segunda verba. As oitocentas e quarenta e uma caixas de sardinha estão armazenadas na fábrica da Companhia em Setúbal, e as restantes mercadorias representativas da quarta e quinta verbas estão arrecadadas nos armazéns da Companhia em Cacilhas.
2°- O produto da venda será cativo das deduções que são normais, segundo as condições da praça nestas transações e segundo o uso da Companhia Industrial nas suas vendas desta natureza.
3° – Todas as quantias assim recebidas das vendas serão imediatamente entregues ao Banco Lisboa & Açores o, qual as levará a crédito da Companhia Industrial para amortização do seu debito.
4°- A Companhia Industrial fica, para todos os efeitos legais, constituída depositária tanto dos produtos fabricados, exarados no primeiro artigo antecedente, como de qualquer quantia que do preço ou por conta do preço da respectiva venda receber, enquanto estiverem em seu poder até as entregar ao Banco Lisboa & Açores, nos termos do artigo anterior.
5º – A Companhia Industrial obriga-se a começar a venda desses produtos desde já, e a empregar toda a sua solicitude e zelo possíveis.
6° – Ao Banco Lisboa & Açores fica livre o direito de, a todo o tempo, e enquanto não estiver integralmente pago, tomar posse dos produtos fabricados de que trata o artigo 1° e proceder directamente à sua venda por conta e risco da Companhia Industrial, levando do mesmo modo a crédito da Companhia os produtos dessas vendas.
Pelos segundos outorgantes foi dito: Que aceitam esta escritura nos termos exarados. ( … ).”
3 de Maio de 1893 - A "Companhia Industrial", depois de ter gerido a fábrica São Francisco durante quatro anos, reconheceu não ter conseguido uma gestão lucrativa e viu-se forçada a negociar com Francisco Rodrigues Tenório, para lhe ceder a gestão da fábrica, como arrendatário.
Em 3 de Maio de 1893 estabelecem por escritura as respectivas condições:
” (. ..) , compareceram de uma parte Francisco Ferreira de Lima e Tomaz Alfredo dos Santos, outorgando na qualidade de membros e representantes da direção da Companhia Industrial, sociedade anónima de responsabilidade limitada, com sede nesta cidade e domicilio na rua d’El-Rei nº s 162 a 164, e da outra parte Francisco Rodrigues Tenório, Industrial, viúvo, residente em Vila Real de Santo António, todos os três pessoas cuja identidade reconheço. E que por eles primeiros outorgantes ( … ), foi dito:
Que pela presente escritura dão de arrendamento ao segundo outorgante Francisco Rodrigues Tenório a fábrica para preparação de peixes salgados e fabricação de conservas de outra qualquer natureza, que a Companhia Industrial possui, situada em Vila Real de Santo António, distrito de Faro, e outrossim lho dão de aluguer todos os pertences ou material fixo e móvel pertencente à mesma fábrica, e que o segundo outorgante locatário recebera por balanço da unidade.
Que estes contratos de arrendamento e aluguer se julgam começados no dia primeiro do corrente mês para durarem até trinta e um de Dezembro de mil oitocentos noventa e quatro, e por eles pagará o locatário segundo outorgante Francisco Rodrigues Tenório, a quantia de um canto e quinhentos mil reis, em três prestações iguais de quinhentos mil reis cada uma, a primeira já recebida em um do corrente, a segunda a receber aos trinta de Novembro deste ano, e a terceira a receber aos trinta e um de Maio de mil oitocentos noventa e quatro.
Que por esta mesma escritura vendem a ele segundo outorgante Francisco Rodrigues Tenório, todas as matérias primas para fabricação existentes na fábrica, na presente data.
Que estas matérias primas serão recebidas por balanço, e pagas pelo preço de inventário à medida que por ele segundo outorgante comprador forem sendo utilizadas.
Que o segundo outorgante fica obrigado a consignar à Companhia Industrial o atum salgado em latas de quinze a trinta kilos e o atum em azeite em latas de um quarto e meio kilo, de que a mesma Companhia necessita, mediante o pagamento de uma comissão de venda, que se estabelecerá oportunamente, e que conjuntamente com a importância do valor das consignações será liquidado mensalmente, entendendo-se que esta condição só obriga o dito segundo outorgante Francisco Rodrigues Tenório até onde lhe permita o limite das suas existências nos ditos artigos.
Que o movimento da conta de pagamento de matérias primas e do pagamento dos géneros consignados e comissões será regulado em conta corrente na conformidade dos artigos trezentos quarenta e quatro a trezentos e cinquenta do Código Comercial, sendo a liquidação feita mensalmente.
Que o locatário fica autorizado a utilizar para o seu fabrico não só a folha pintada, como também as latas feitas, que tem a marca da Companhia Industrial e que nesta data existem na fábrica; mas utilizadas estas matérias primas e vendidas, não poderá continuar a fazer uso das marcas da Companhia nos seus produtos, excepto nas conservas de atum, tanto em azeite como em salmoira.
Que nos termos expostos e nos mais que são de direito aplicável e na qualidade com que outorgam, se obrigam ao inteiro cumprimento da presente escritura.
Pelo segundo outorgante, Francisco Rodrigues Tenório, foi depois dito: Que ele aceita a presente escritura nos precisos termos em que se acha exarada, e por esta se obriga à conservação do edifício e materiais, nos termos do direito aplicável. ( … ).”
19 de Junho de 1893
Em Junho desse mesmo ano, no dia 19, a “Companhia Industrial” estabeleceu novo acordo com o Banco Lisboa & Açores: ” (. ..) foram presentes: de uma parte William Gruis, Teodoro Ferreira Lima e Tomaz Alfredo dos Santos, na qualidade de gerente e directores da Companhia Industrial, (. ..) , de outra parte António Joaquim de Oliveira e Isidoro José de Freitas na qualidade de membros e representantes da direção do Banco Lisboa & Açores, (. .. ), todos os cinco outorgantes pessoas cuja identidade reconheço. E que por eles William Gruis, Teodoro Ferreira Lima e Tomaz Alfredo dos Santos, foi dito perante mim referido tabelião e as testemunhas idóneas adiante nomeadas e no fim assinadas:
Que tendo a Companhia Industrial sacado a descoberto sabre o Banco Lisboa & Açores a quantia de quinze contos quinhentos setenta e dois mil cento e noventa reis, (. ..) , garantiu o embolso de tal quantia, consignando e cedendo o produto da venda dos géneros mencionados nessa escritura e armazenados nos armazéns da sua fábrica de Vila Real de Santo António, nos armazéns de sua fábrica de Setúbal e nos armazéns em Cacilhas, tudo no valor de dezasseis contos duzentos vinte e cinco mil e novecentos e um reis;
Que por circunstâncias independentes da vontade das duas partes outorgantes estas cessão e consignação não tiveram efectividade e procedendo-se ao ajustamento das respectivas contas em data de trinta e um de Maio deste corrente ano, verificou-se ser o crédito do Banco contra a Companhia Industrial da quantia de catorze contos setecentos quarenta e oito mil oitocentos quarenta e oito reis;
Que pela presente escritura reconhecem e confessam que a Companhia Industrial é nesta data devedora ao Banco Lisboa & Açores da sobredita quantia de catorze contos setecentos quarenta e oito mil oitocentos quarenta e oito reis, que se obrigam a apagar até trinta um de Dezembro de mil oitocentos noventa e quatro, e que fica vencendo juro na razão de seis e meio por cento ao ano, completamente livre para o Banco credor e liquidado ao trimestre;
Que na assembleia geral de um de Maio último foi a direção da Companhia Industrial autorizada a garantir pela forma que mais conveniente lhe parecesse o pagamento dos débitos não garantidos com obrigações,( . ..) ;
Que por virtude da referida autorização, e não sendo o crédito do Banco dos garantidos com obrigações, como se vê do que fica exposto, ao pagamento do confessado débito de catorze contos setecentos quarenta e oito mil oitocentos quarenta e oito reis, dos seus juros e de todas e quaisquer despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco tenha que fazer, e as quais a Companhia Industrial devedora há-de pagar como dívida confessa acrescida aquele capital, hipotecam os seguintes prédios:
Um prédio urbano situado entre a rua do Príncipe a rua da Princesa, de Vila Real de Santo António, onde se acha estabelecida a fábrica de preparação de sardinha, (. ..) ; Um prédio urbano situado na dita rua do Príncipe que serve para oficina de soldadores e salga de atuns, (. ..) ; Um prédio urbano situado na rua do Príncipe do lado oposto e em frente dos dois anteriormente designados, que serve para oficina de fritura e cozedura e depósito de azeite, (. ..) ; Um prédio urbano composto de casas baixas situadas na dita rua do Príncipe, (. ..) ; e Um prédio rústico composto de uma porção de terreno situado nos subúrbios de Vila Real de Santo António, freguesia de Nossa Senhora da Encarnação, medindo de norte ao sul quarenta e sete metros, do nascente ao poente catorze metros, (. .. );
Que estes cinco prédios constituem a fábrica de preparar peixe para exportações que a Companhia Industrial possui, com a denominação de Fábrica de S. Francisco, em Vila Real de Santo António, (. ..) ; Que esta hipoteca é feita com a plenitude do disposto nos artigos 891 e seguintes do Código Civil e abrange em maquinismos, aprestos e utensílios, as partes integrantes que por disposição da lei são imóveis nos termos do artigo 375 do citado Código, sendo por consequência constituída sobre todos os bens ou coisas imobiliárias que a Companhia Industrial possui em Vila Real de Santo António, e compõem como se disse a sua fábrica de preparação de peixe para exportar;
Que enquanto a presente hipoteca for subsistente, se obrigam a ter sempre corrente e em dia o pagamento dos prémios de seguros e dos impostos e mais encargos, apresentando ao Banco credor nas épocas próprias os respectivos documentos;
Que a Companhia Industrial, (. ..) deu de arrendamento a Francisco Rodrigues Tenório a hipotecada fábrica de Vila Real de Santo António, pelo tempo que decorre até trinta e um de Dezembro de mil oitocentos noventa e quatro e pela renda anual de um canto de reis; Que tendo recebido do rendeiro a renda de um semestre na importância de quinhentos mil reis, tem ainda a receber dele dois semestres na importância de um conto de reis, e este crédito, com todo o seu direito e ação e com procuração em causa própria, o cede para principio de pagamento ao Banco Lisboa & Açores;
Que outrossim cede ao mesmo Banco, com os respectivos direitos e acções e também com procuração em causa própria, quaisquer outros créditos que com respeito ao mesmo arrendamento na parte em que este trata de matérias primas e de objectos móveis, se verifique que resultam contra aquele Francisco Rodrigues Tenório;
Que por último, autorizam o Banco Lisboa & Açores a receber do mesmo Francisco Rodrigues Tenório, no fim do arrendamento e por inventário de unidades, todos os aludidos objectos móveis de que é locatário;
Que nos termos expostos e nos mais que são de direito aplicável se obrigam, na qualidade com que outorgam, ao inteiro cumprimento da presente escritura (…). Pelos segundos outorgantes António Joaquim de Oliveira e Isidoro José de Freitas foi em seguida dito: Que eles aceitam, para o Banco Lisboa & Açores, esta escritura nos precisos termos em que fica exarada. (…) .
8 de Janeiro de 1895
Em 8 de Janeiro de 1895, a Companhia Industrial e o Banco Lisboa & Açores aceitam a prorrogação do contrato de arrendamento da fábrica a Francisco Rodrigues Tenório, em condições que lhe são mais favoráveis:
“( …) Que esta prorrogação é feita pelo tempo de mais dois anos, que hão-de terminar no dia trinta e um de Dezembro de mil oitocentos e noventa e seis, e pelas rendas de quinhentos mil reis no primeiro desses dois anos, e de oitocentos mil reis no segundo, pagas a semestres adiantados nos dias vinte de Maio e Novembro;
Que mais esta prorrogação é feita com a obrigação, para o locatário, segundo outorgante, de, por sua conta e à sua custa, fazer todos os reparos e obras, sem excepção, de que o prédio ou edifício da fábrica precisar, inclusive as de reconstituição ou reconstrução de qualquer parte arruinada (…).”
1897
Nos primeiros dias de 1897, este contrato foi prorrogado por contrato verbal, por tempo indeterminado, em que Francisco Rodrigues Tenório se obrigou a pagar à Companhia Industrial a renda anual de oitocentos cinquenta mil reis, em duas prestações semestrais iguais.
30 de Abril de 1895
Entretanto, em 30 de Abril de 1895, Francisco Rodrigues Tenório tinha tornado de arrendamento a Maria Luísa Ângela Cassar, uma porção de terra baldio que fazia parte da Horta do Poço, com 25 metros no sentido norte-sul e 13 metros no sentido nascente-poente, confrontando do nascente com a fábrica da “Companhia Industrial”, para neste terreno se levantar um barracão de madeira com cobertura de telhas para despejo da referida fábrica Industrial, por 5 anos, pela quantia anual de 40$000 reis.
Tornou-se-nos difícil analisar devidamente a actividade Industrial de Francisco Rodrigues Tenório a partir do ano de 1897 e até 1906.
Desconhecemos as motivações e o acordo particular que terá efectuado com o seu irmão Gavino Rodriguez Pérez, de que alguns documentos são, apenas, parcialmente reveladores e difíceis de explicação.
31 de Março de 1897
Assim, em 31 de Março de 1897, Francisco Rodrigues Tenório sublocou a Gavino Rodriguez Pérez o arrendamento da fábrica São Francisco, que tinha estabelecido e vinha cumprindo com a “Companhia Industrial” desde 1893:
“(. ..) compareceram, de uma parte Francisco Rodrigues Tenório, casado, Industrial e proprietário, e de outra Gavino Rodrigues Peres, casado, negociante e proprietário, ambos residentes em Vila Real de Santo António, meus conhecidos do que dou fé. E logo pelo primeiro outorgante Francisco Rodrigues Tenório, me foi dito: (. ..) tomou a Companhia Industrial, sociedade anónima de responsabilidade limitada com sede em Lisboa, de arrendamento, a sua fábrica para preparação de peixe salgado e de conservas de diversa natureza, denominada de São Francisco (.. .) . Que recentemente (. ..) por contrato verbal foi prorrogado por tempo indeterminado, em que ele se obrigou a pagar à Companhia proprietária a renda anual de oitocentos cinquenta mil reis, em duas prestações semestrais iguais, (. ..) Que esta última prestação começou a contar-se em um de Janeiro próximo passado e que já se acha paga a renda do primeiro semestre na importância de quatrocentos vinte e cinco mil reis, do que ele primeiro outorgante declarou ter recibo que passara as mãos do segundo outorgante. Que por virtude do dito contracto e ele primeiro outorgante obrigado ao terminar o arrendamento a entregar à Companhia proprietária as ferramentas, utensílios, e mais material que consta de um inventário, (…) . Que autorizado pela disposição do artigo mil seiscentos e cinco do Código Civil subloca no segundo outorgante Gavina Rodrigues Peres o acima referido contracto de arrendamento e aluguer, transferindo-lhe todos os seus direitos de rendeiro nos termos dos artigos seguintes: Primeiro – O sublocatário fica obrigado a pagar a Companhia proprietária no princípio de cada semestre do ano civil o preço de quatrocentos vinte cinco mil reis;
Segundo – Ao terminar o arrendamento entregara à mesma Companhia todas as máquinas, ferramentas e utensílios constantes do inventário a que acima se faz referência, ou o seu valor;
Terceiro – O sublocatário fica obrigado a respeitar e manter todas as demais cláusulas e condições constantes do primitivo contracto de arrendamento;
Quarto – Que o preço desta sublocação é de trezentos e vinte mil reis, preço este de que dá quitação ao segundo outorgante, para que ele o leve a crédito do primeiro outorgante na conta corrente que tem entre ambos.
Seguidamente pelo segundo outorgante Gavino Rodrigues Peres foi dito em presença das mesmas testemunhas: Que aceita a sublocação e quitação que pela presente escritura lhe são outorgadas; Que se obriga a cumprir todas as condições estabelecidas no contracto primitivo e a fazer os pagamentos, satisfazer os encargos do arrendamento como fica estipulado, e bem assim se obriga, ao terminar o arrendamento, a entregar à Companhia proprietária todos os objectos ou seus valores mencionados no inventário acima referido, que conferiu e achou certo. ( … ).”
Na mesma data e no mesmo notário, os mesmos intervenientes realizaram outra escritura:
(…) compareceram de uma parte Francisco Rodrigues Tenório e esposa D. Rita Rocha Tenório, proprietários e ele Industrial, e da outra parte Gavino Rodrigues Peres, casado, proprietário e negociante, residentes em Vila Real de Santo António, meus conhecidos do que dou fé. E logo pelo primeiro outorgante foi dito (. ..) :
Que por virtude das transações comerciais do outorgante marido com o segundo outorgante Gavino Rodrigues Peres resulta achar-se aquele responsável para com este por quantia, que ainda se não acha completamente liquidada, mas que supõem ser superior a trinta contos de reis.
Que resolveram para garantia e segurança do segundo outorgante Gavino Rodrigues Peres prestar-lhe caução que lhe assegure o pagamento do saldo que resulte de liquidação de contas a que vão proceder, até à quantia fixa de trinta contos de reis e para isso e pela presente escritura lhe hipotecam especial e convencionadamente os seguintes bens imóveis que o seu casal possui: Primeiro – O direito a metade em uma casa térrea em Vila Real de Santo António, rua do Príncipe, número cento e treze, com diversos compartimentos e quintal, e confronta pelo nascente com a rua do Príncipe, norte com Francisco Inácio Machado, poente com a rua do Barão do Rio Zêzere e sul com José Francisco Amaral, tem o valor venal de um conto e duzentos mil reis; Segundo – O direito à metade em uma casa térrea na rua do Barão do Rio Zêzere, de Vila Real de Santo António, com o número três de policia, constando de seis compartimentos, dispensa e quintal, e confronta pelo nascente e norte com prédio de Francisco Rodrigues Tenório, poente com rua Barão do Rio Zêzere e sul com Custódia Pinhal, tem o valor venal de duzentos mil reis; Terceiro- O direito a metade em um prédio urbano na rua do Senhor Infante em Vila Real de Santo António para onde tem os números de policia sessenta e um a sessenta e nove, tendo frente para a rua Mariana, para onde tem os números de polícia dezoito a vinte e quatro e para a rua do Infante D. João para onde tem os números cinquenta e quatro a cinquenta e oito, constando de catorze compartimentos e varanda no primeiro andar e de diversos armazéns no pavimento térreo e confronta pela nascente com a rua do Senhor Infante, norte com prédio de João de Sousa Medeiros, poente com a rua do Senhor Infante D. João e sul com rua Mariana. Tem o valor venal de dez contos de reis;
Quarto- O direito a metade em um prédio urbano na rua do Senhor Infante em Vila Real de Santo António, com quatro compartimentos no primeiro andar e oito no pavimento térreo e confronta pelo nascente com prédio de Francisca Estevens, norte com o da viúva de Pancrácio Lopes, poente com a rua do Senhor Infante e sul com prédio de Bernardino Álvaro dos Santos Mirabent Pessanha. Tem o valor venal de um conto e quinhentos mil reis;
Quinto- O direito a metade de um armazém tendo um sobrado corrido e pilhetas para salga de peixe, tendo frente para a rua da Princesa e a entrada principal pela rua do Príncipe em Vila Real de Santo António, e confronta pelo nascente com a rua da Princesa, norte com prédio de António José de Sousa, poente com rua do Príncipe e sul com rua nova. Tem o valor venal de dois contos de reis.
Que de todos estes prédios é compossuidor Francisco Féria Tenório, filho do primeiro matrimónio do primeiro outorgante marido.
Seguidamente pelo segundo outorgante Gavino Rodrigues Peres me foi dito em presença das mesmas testemunhas, que aceita a caução e hipoteca que pela presente escritura lhe são outorgadas. ( … ).”
4 de Abril de 1897
Em 4 de Abril de 1897, ainda em ligação aos actos anteriores, Francisco Rodrigues Tenório vendeu a Gavino Rodrigues Peres diversos utensílios, ferramentas, matérias primas e produtos fabricados:
” ( … ). E logo pelo primeiro outorgante Francisco Rodrigues Tenório me foi dito, ( … ): Que detém explorado como arrendatário a fábrica de salga e conservas de peixe e outros produtos denominada de São Francisco, situada em Vila Real de Santo António e pertencente à Companhia Industrial;( …) ; Que pela presente escritura vende ao mesmo segundo outorgante todas ferramentas, máquinas, utensílios, matérias primas e produtos fabricados que lhe pertencem e existem na referida fábrica de São Francisco, e na mão de qualquer agente de vendas, conforme consta do inventário assinado por ambos os outorgantes ( … ); Que esta venda e feita pelo preço de dezoito contos setecentos e dez mil novecentos e oitenta reis, preço este de que dá quitação ao segundo outorgante para que o leve ao crédito do primeiro outorgante na conta corrente que tem entre ambos. Seguidamente pelo segundo outorgante Gavina Rodrigues Peres me foi dito perante as mesmas testemunhas: Que aceita a venda e quitação que pela presente escritura lhe são outorgadas. (. .. ). “
5 de Novembro de 1903
Entretanto, à margem destes acontecimentos em Vila Real de Santo António, a “Companhia Industrial” continuava com dificuldades financeiras, sem conseguir cumprir os compromissos assumidos com o Banco Lisboa & Açores, que atingiram 18:250$300 reis em 1903, e levará a um processo de execução movido pelo Banco:
“Processo de penhora e venda de bens da fábrica São Francisco propriedade da Companhia Industrial, em 5 de Novembro de 1903:
Mando aos louvados Eusébio Flores, pedreiro, Clementino de Sousa, carpinteiro e José Bento Domingues, serralheiro, todos moradores nesta vila, que sendo este por mim assinado e em seu cumprimento, procedam no prazo de oito dias à avaliação dos bens adiante especificados, os quais foram penhorados àCompanhia Industrial, com sede em Lisboa, na execução que lhe move o Banco Lisboa & Açores, também com sede em Lisboa, devendo observar-se as disposições dos artigos duzentos cinquenta e dois a duzentos cinquenta e cinco do Código do Processo Civil, passando-se em seguida a este mandado a precisa certidão. Cumpra-se. Vila Real de Santo António, vinte e nove de Setembro de mil novecentos e três. E eu, José Hygino Júnior, escrivão a escrevi.
Bens a avaliar: Um armazém situado na rua Nova da Princesa, desta vila, que serve de oficina para cozedura e picadeiro de atum, e bosque, e confina do nascente com a dita rua Nova da Princesa, com casas de Gavino Rodrigues Pérez, onde se acha o bosque, comunica com o mesmo armazém, sendo estas casas as que pertenceram antigamente a José do Carmo Oeiras, do norte com casas de Manuel Paulino da Cruze com as referidas casas de Gavino Rodrigues Pérez, do poente com rua do Príncipe e do sul com travessa hoje denominada Alexandre Herculano(…)
– Um prédio urbano situado na rua do Príncipe desta vila que se compõe de um armazém próprio para fábrica de pescarias, com poço de água e mais pertences, e confina do norte com travessa de Alexandre Herculano, do sul com Manuel Alvares Barbosa, do nascente com José Salas e Manuel Sole e do poente com a dita rua do Príncipe, (. ..)
– Um prédio urbano situado na rua do Príncipe, desta vila, que se compõe de um armazém com diversos compartimentos e quintal, o qual serve de oficina de soldadores, depósito de azeite, manipulação de caixas e de outras misturas, e confronta do nascente com a dita rua do Príncipe, do norte com casas de António dos Santos Machado e do poente com horta de Dona Luísa Cassar e do sul com fábrica de preparação de atum pertencente aos herdeiros de Domenico Migoni, (. ..) .
Maneio – dez caldeiras de ferro para atum, três suportes de ferro para as caldeiras, duas estufas de ferro, uma caldeira para fazer solda, uma ventoinha, um depósito de zinco para a ventoinha, duas caldeiras para fritura de sardinha, dois tubos de ferro para as caldeiras, uma porta de ferro para as caldeiras, duas bombas para água com volante, dois tanques de madeira forrados de zinco para agua, uma chaminé de ferro nas estufas, cinco bancadas forradas de zinca, um balance ” Abatas”, um balance inglês, um balance alemão, oito molas de arame para os balances, uma calandra para latas de dez e vinte quilos, duas prensas e pertences, uma tesoura recta alemã, uma tesoura recta inglesa, uma tesoura dupla de cortar, uma tesoura circular, uma mola para uma tesoura, uma fieira francesa, uma fieira inglesa, uma fieira alemã, uma prensa para latas de dez e vinte quilos, um cunho para latas de pescada, um cunho para latas de um quarto “americano”, dois cunhos para latas de um oitavo “francês”, um cunho de um oitavo para latas “inglês”, um cunho para latas de um quarto carteira, um cunho para latas de um quarto Colanleo, dois cunhos para latas de um quarto vinte e quatro, um cunho para latas de metade quarenta, um cunho para latas de metade trinta, um cunho para latas de um quarto comprido, um cunho para latas de um quarto oitavo inglês, um cunho para latas de um quarto simples, um cunho para latas de metade oitavos simples, um cunho para latas de dez quilos, um cunho para latas de vinte quilos, um cunho para latas de trinta quilos, um cunho para latas de meio besugo, um cunho para latas, chaves, um sopapo para cunhos de dez quilos, um sopapo para cunhos de vinte quilos, doze montadores franceses, oito montadores para serviço deles, quatro montadores para latas de dez e vinte quilos, quinze montadores costura para dentro, duas chapas de ferro para cunhos, uma armação para tapume sem formas, duas formas para tapume de um quarto e meio, duas formas para tapume de um quarto carteira, uma forma para tapume de um quarto atum, uma armação para tapume sem formas para soldadura de folha de ferro, duas carretas para miudezas, duas bombas para azeite de folha de ferro, catorze formas de folha de ferro, vinte pinceis para soldadura, uma banca para soldadura, cinco cortadeiras, uma forma de ferro para enrolar aros, duas tesouras funileiro, uma forja, uma colher de ferro para soldar, uma bigorna de funileiro, um tás para bater ferro, oito chaves de parafuso, uma tarraxa, seis martelos, um aluidar de caixas, oito fogareiros de ferro, um safar de ferro, um torno, uma chave inglesa, um berbequim com bocas, uma régua de aço, um machado, três martelos de bater ferro, um alicate, dois corta-ferro, um compasso, vinte e uma rebaxinas par atum, dez bicheiros para atum, três atiçadores para fornalhas, quatro pás de ferro, sete formas latas triples, mil e cem grelhas quadradas para sardinha, duzentas oitenta e oito grelhas redondas para sardinha, cento e trinta grelhas fundidas para caldeiras, vinte e quatro grelhas para descanso de latas, quarenta e seis padiolas de fio para secar sardinha, duzentas e cinquenta padiolas de cana para atum, cento e sete padiolas de madeira e arame, uma bancada para sardinha, dezanove tabuleiros forrados de zinco, vinte e cinco paus para segurar atum, um picadeiro para atum, seis tanques para latas cheias, quarenta e um pratos de folha para latas de sardinha, nove pratos de folha para latas redondas, doze pratos de folha para latas de dez quilos, doze pratos de folha para latas de vinte quilos, vinte e três talhas de folha para azeite, um tanque para azeite grande, seis tanques para azeite pequenos, quatro coadores de folha, uma medida de cinco litros, uma medida de folha de dez litros, dezassete pipas serradas para salmoura, doze tinas, sete faróis para candeeiros de petróleo, quatro butijões de folha para azeite, três panelas de folha para azeite, catorze bancas para trabalho de mulheres, quatro bancas diversos, seis candeeiros para petróleo, cinco cântaros de folha para azeite, oito caixões para depósito de fundos e tampas, quatro carrinhos de mão, uma carroça, vinte bancos para soldadores, uma balança decimal, duas escadas de mão, oito baldes de ferro zincado, uma sineta, um relógio, um escritório móvel, dois faróis de gaz, quatro caldeiras de ferro redondas para fritura, uma caldeira para estanhar grelhas, doze almotaceis de folha para azeite, trinta grampos para estufas, duzentos metros de carril de ferro ( acham-se colocados), três vagonetas, três plataformas, uma balança decimal pequena, uma raspadeira para caixas, uma balança força de dez quilos, uma bomba pequena para água, cinco pipas para salmoura.”
Os louvados apresentaram ao tribunal as seguintes avaliações: prédios, 500$000,300$00 e 800$000 reis, respectivamente. Móveis, total 249$775 reis.
16 de Novembro de 1903 e 10 de Janeiro de 1904
Em 16 de Novembro de 1903 foram publicados os primeiros editais informativos da venda dos bens penhorados à“Companhia Industrial”, e em 10 de Janeiro de 1904, no Juízo de Direito de Vila Real de Santo António procedeu-se à venda em hasta pública e arrematação, tendo o Banco Lisboa & Açores comprado os três prédios por 682$000, 482$000 e 982$000 reis, respectivamente, e os bens móveis sido comprados por Francisco Rodrigues Tenório e Gavino Rodriguez Pérez por 251$000 reis.
15 de Dezembro de 1905
Gavino Rodriguez Pérez continuava a explorar, como sublocatário, a Fábrica São Francisco, agora propriedade do Banco Lisboa & Açores. Porém, em 15 de Dezembro de 1905 pediu aos credores uma 3ª concordata:
“Ilmos e Exmos Srs. Por imposição de circunstâncias que todos os meus esforços não poderão dominar, encontro-me embaraçado de tal modo nos meus negócios que não posso solver os meus encargos sem sacrifício de quem me honrou com as suas transações. Verifica-se pelo meu balanço, fielmente apurado no extracto junto, uma sensível desproporção entre os valores que constituem o meu activo e as verbas que representam as minhas obrigações. Não derivou esse desequilíbrio nem de dissipação, nem de neglicência: quem apurar com escrupuloso rigor todos os actos da minha vida reconhece que esta opressiva situação nasceu de um violento infortúnio meramente casual. A indústria de conservas de pescarias foi a causa principal do meu enfraquecimento financeiro. Existências em consignação em praças estrangeiras têm sido liquidadas com prejuízos gravíssimos. A baixa do câmbio tem inutilizado as exportações no Algarve. Para aguardar tempos favoráveis de preço seria necessário dispor de capitais avultados que substituíssem na exploração os que se envolveram em mercadorias. Algumas tentativas fiz nesse sentido para desviar o prejuízo certo das vendas ao preço fixado nos mercados pela situação cambial. Desenganei-me da espectativa desse sacrifício, porque mantida a baixa de preços, a demora das vendas agravaria o resultado da indústria, não só pela depreciação natural que sofrem as conservas retardadas mas também pelo encargo dos juros de capitais que levantava para equilíbrio da exploração. Em consequência desse estado perigoso da indústria de conservas, que para mim se complicou ainda pela insolvência de devedores, resolvi abandonar a especulação fabril e dedicar-me exclusivamente ao meu estabelecimento de fazendas. Compreendo que a liquidação da fábrica me ocasione prejuízos, não só porque o material se desvalorizou no uso, mas também porque a indústria não atrai facilmente tentativas. Prefiro, porém, me sacrificar por uma vez, na segura esperança de me desembaraçar, a uma porfia perigosa de muitos anos com probabilidades de inteira ruína. Para solver as minhas obrigações venho apresentar à bondosa cooperação de V. Exas uma proposta de concordata que representa o máximo das minhas possibilidades financeiras. Proponho-me pagar 60% dos meus débitos, em cinco prestações semestrais e iguais, começando a exigibilidade desse pagamento oito dias depois de homologada judicialmente a concordata. Confiando na bondade de V. Exas, consigno aqui o meu sincero reconhecimento. Lisboa, 15 de Dezembro de 1905 a) Gavino Rodrigues Pérez”
26 de Junho de 1906
Em 26 de Junho de 1906, foi publicada a aprovação judicial desta proposta de concordata, com a seguinte sentença:
“Vistas as respostas dadas pelo júri aos quesitos supra, em que declaram que o negociante desta praça Gavino Rodrigues Pérez propôs aos seus credores a presente concordata em que há mais de dois terços de credores e créditos não preferentes e não privilegiados que aceitaram a concordata mediante o pagamento dos respectivos créditos, na proporção de sessenta por cento dos mesmos créditos, por isso homólogo a mesma concordata nos termos oferecidos pelo mesmo Gavino Rodrigues Pérez, devendo este, nos termos do art. 297 e §§ do Cod. do Proc. Comercial aceitar-lhes letras ou passar-lhes livranças pelos prazos e nos termos da mesma concordata, se os respectivos credores o exigirem. Nos termos do § único do art. 302 do mesmo Código, converta-se em definitivo o registo provisório da concordata, logo que a presente sentença transite em julgado. Ao perito encarregado de dar parecer sobre o estado da escrituração é abonada a quantia de 5$000 reis, que entrará em regra de custas, as quais bem como os selos serão pagas pelo requerente dito Gavino Rodrigues Pérez.
Vila Real de Santo António, 26 de Junho de 1906 a) José de Miranda e Arantes”
14 de Julho 1906
Logo após a aprovação desta concordata, em 14 de Julho desse ano, Gavino Rodriguez Pérez comprou ao Banco Lisboa & Açores os prédios que constituíam a fábrica São Francisco:
” (. .. ) compareceram d’uma parte Isidoro José de Freitas, casado, morador nesta cidade na rua do Duque de Palmela numero dois, e o Doutor António de Lima Mayer, solteiro, morador nesta cidade na calçada do Salitre, número noventa e cinco, na qualidade de Directores e em nome deste Banco Lisboa & Açores, sociedade anónima de responsabilidade limitada, com sede nesta cidade; e de outra parte Gavino Rodrigues Pérez, casado, negociante, morador em Vila Real de Santo António, todos pessoas cuja identidade conheço. E pelos primeiros outorgantes foi dito: Que o Banco Lisboa & Açores é dono e legítimo possuidor dos prédios descritos na Conservatória da Comarca de Tavira (…) e que constam de armazéns na rua Nova da Princesa, rua do Príncipe ou Príncipe Real e rua Alexandre Herculano, em Vila Real de Santo António; que estes prédios o adquiriu o Banco Lisboa & Açores por virtude de arrematação que d’eles fez ao dez de Janeiro de mil novecentos e quatro, no juízo de Direito daquela vila, e nos autos de carta precatória emanados do Juízo de Direito da 1ª vara cível desta comarca de Lisboa e cartório do escrivão Brito, e extraída dos autos de execução hipotecária em que foi requerente o mesmo Banco e executada a Companhia Industrial, com sede nesta cidade, e que consta da respectiva carta de sentença passada a favor do Banco, exequente, em data de cinco de Maio de mil novecentos e quatro. Que sobre os mesmos prédios não pesa qualquer ónus, encargo ou responsabilidade. Que pela presente escritura, eles primeiros outorgantes, na qualidade em que outorgam, vendem de pura e firme venda de hoje e para sempre ao segundooutorgante, Gavino Rodrigues Pérez os designados prédios, com todas as respectivas pertenças, servidões e acessões. Que fazem esta venda pelo preço de cinco contos de reis, quantia que já receberam e da qual, por isso, dão aos compradores a correspondente quitação.
Que tiram e demitem o Banco Lisboa & Açores de todo o domínio, direito, acção posse e usufruição que até agora tem tido nos prédios vendidos, e tudo cedem e transferem ao mesmo comprador Gavino Rodrigues Pérez. Que o Banco vendedor fica obrigado a fazer a todo o tempo bom, firme, de paz o presente contracto, respondendo pela evicção e direito. Pelo segundo outorgante, comprador, foi dito: Que aceita a venda e quitação que ficam exaradas. Assim o outorgaram e aceitaram, de que dou fé. (…).