Caetano Feu, impulsionador da indústria conserveira em Portimão

Publicada por José Carlos Vilhena Mesquita 

Etiquetas: Curiosidades históricas e culturais de Portimão

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A indústria conserveira no Algarve nasceu pela mão de empresários estrangeiros, sendo certo que todos originários da bacia mediterrânica, onde desde a colonização cartaginesa se fazia a captura e transformação industrial do atum. Depois dos gregos e dos italianos terem aportado à raia do Guadiana, nas últimas décadas do séc. XIX, para investirem nas primeiras fábricas de conservas da sardinha e do atum, eis que surgem os andaluzes a buscarem o seu espaço industrial no Algarve. Fixaram-se primeiro também em Vila Real de Santo António, mas quando o mercado laboral estava já escasso e com falta de oferta especializada, viraram-se para os restantes portos algarvios, desde Tavira até Lagos. Duas localidades se distinguiram estão, nessa segunda leva de grande investimento industrial conserveiro, em grande parte justificada pelo surgimento da I Guerra Mundial – foram elas Olhão e Portimão, sendo certo que nesta última se distinguiu a família Feu, que ainda hoje perdura e se distingue naquela cidade pelo seu espírito criativo e empreendedor.

Trago hoje à memória a figura desse notável empresário espanhol da indústria de conservas, e benemérito local, D. Cayetano Feu Marchena, descendente de importante família andaluza, nascido em Ayamonte, a 2-8-1882, e falecido em Lisboa, a 2-7-1946.

Dedicou-se ainda jovem ao negócio conserveiro, vindo para Vila Nova de Portimão experimentar a sua sorte, no que em boa verdade foi bem sucedido. Investiu na aldeia da Mexilhoeira da Carregação, trabalhando afincadamente no estabelecimento de pequenas unidades fabris de conservação do pescado. Conseguiu, mercê do seu denodado esforço, dedicação e inteligência, fundar várias fábricas, que em breve seriam consideradas das melhores do país. Os seus operários foram sempre tratados como seus familiares, o que aumentava significativamente o sacrifício e a dedicação de todos para o caminho do sucesso. Em retribuição desse esforço comum, D. Cayetano Feu retribuiu-lhes com a construção do Bairro Operário de Portimão, na altura considerado como um modelo de qualidade e conforto no estilo da habitação fabril. Esse bairro passou depois para a posse do Grémio dos Industriais de conservas de Peixe, sendo concluído e aumentado com a comparticipação financeira do Estado. Nas suas fábricas, construiu para o bem estar dos operários, modernas cantinas e creches, instituindo ainda subsídios na doença, reformas e pensões vitalícias para os trabalhadores mais antigos. Isto é, quando o Estado ainda não havia imposto aos empresários o acautelamento de meios de sobrevivência para os trabalhadores, já D. Cayetano Feu procedia dessa maneira com os seus operários, num espírito de filantropia e de benemerência sem precedentes.

Em 1936 naturalizou-se português, facto celebrado com um magnífico banquete servido nas caldas de Monchique aos seus familiares, numerosos amigos e principais trabalhadores. Isto atesta claramente a sua vontade de ser português e a sua convicção de servir o país que o acolheu sem reservas. Aliás, já havia servido o nosso país nos meses que se seguiram à desastrosa batalha de La Lys, o famoso e supostamente glorioso 9 de Abril que o nosso governo transformou numa vitória militar, alcançada nas fétidas trincheiras da Flandres. Nessa altura, D. Cayetano Feu, intercedeu junto das autoridades germânicas para prestar auxílio, com os seus próprios meios, aos soldados portugueses internados nos campos de prisioneiros na Alemanha. Forneceu-lhes roupas, agasalhos e alimentos, importados do nosso Algarve. Esse foi um gesto de grande dedicação que jamais poderá ser ofuscado ou esquecido nos tempos presentes.

Para além disso foi um convicto nacionalista, amigo pessoal de Salazar, que muito admirava e elogiava como um modelo de político de visão internacional. Aliás, na sua casa, na Praia da Rocha ou em Lisboa, recebeu por mais de uma vez o Presidente do Conselho, Doutor Oliveira Salazar, como hóspede e comensal. Dessa amizade existiam fotografias, cartas e até livros oferecidos por Salazar, o que atesta bem a sólida, franca e mútua admiração que existia entre ambos. Não havia nessa convivência outros interesses que não os do país e os da identidade de pensamento político. À distância actual, nada disso deve ser merecedor de crítica ou de malsinação.

Quando deflagrou a guerra civil de Espanha foi um dos maiores apoiantes da causa franquista, fornecendo aos nacionalistas não só apoio financeiro como também víveres, sobretudo conservas das suas fábricas. Também na sua residência em Portimão recebeu alguns dos principais políticos e militares do movimento nacionalista que na Andaluzia suportava os interesses da Falange do general Franco.

O Algarve foi outra das suas paixões, muito especialmente a Praia da Rocha, onde construíra uma magnífica vivenda, por onde passaram as mais proeminentes figuras da vida política e financeira do nosso país. Na Paia da Rocha passava aliás a maior parte do ano, ali promovendo diversas iniciativas de carácter cultural e até de fomento turístico, que muito beneficiaram o município portimonense. Também nas Caldas de Monchique, em cujos arredores construíra uma bela vivenda, se dedicou ao desenvolvimento das suas naturais potencialidades turísticas, tendo inclusive assumido a vice-presidência da Comissão Administrativa daquele concelho.

Figura de primeira grandeza na sociedade algarvia do seu tempo, gentil e nobre, quer no trato quer no procedimento social, sempre disponível para apoiar financeiramente e colaborar pessoalmente nas iniciativas de promoção e desenvolvimento local, quer fossem de ordem turística, cultural, social ou política. Nunca virava a cara a quem dele se abeirasse na expectativa de um auxílio, de um emprego ou de simples apoio nominal, pois que o seu nome era sinónimo de abertura de muitas portas.

Quando faleceu, o Algarve sentiu o seu desaparecimento como uma perda irreparável, uma referência insubstituível e sem paralelo. A própria indústria conserveira foi-se alterando, perdendo força e desactivando-se várias unidades fabris em toda a região, inclusivamente as dos seus herdeiros, que ainda assim mantiveram até à actualidade o bom nome e o insofismável prestígio da família Feu.
Importa esclarecer que a empresa conserveira, fundada pelos irmãos, António, o mais velho, e Cayetano, chamava-se Feu Hermanos, a qual seguiu a tradição da família, pois cada geração recriava uma nova empresa conserveira, mantendo o mesmo nome, como aliás já tinha acontecido com o seu pai, Manuel, e com seu tio, António Feu Casanova,  em Ayamonte, onde primeiramente existiu a Feu Hermanos.

Para terminar, devemos acrescentar que foi casado duas vezes. O primeiro matrimónio celebrou-se em Ayamonte, a 3-1-1906, com Luicia Martin Mora, de quemteve uma filha, Lucia Feu Martin, que haveria de casar-se com Pascual Cucala Pruñunosa, de quem houve aliás numerosa descendência em Espanha. Mais tarde, Cayetano Feu viria a consorciar-se, em segundas-núpcias, com uma dama alemã, Johanna Wolfman Lüders, natural da cidade de Hamburgo na Alemanha. Deste matrimónio nasceram duas filhas Maria del Carmen Wolkman Feu Telo e Maria Luiza Wolkman Feu Leote, ambas residentes em Portimão e com conceituada descendência no Algarve e no país. Era tio de António e Ernesto Feu Marchena, que em Portimão lhe sucederam na gerência e administração das importantes unidades fabris ali instaladas.

A Junta de Freguesia da Mexilhoeira da Carregação, em meados de Julho de 1946, e em sinal de gratidão, aprovou a atribuição do seu nome a uma das ruas daquela aldeia, muito protegida e acarinhada por D. Cayetano Feu. Posteriormente foram-lhe atribuídas mais duas ruas: uma na Praia da Rocha e outra na sua cidade natal de Ayamonte.

Em 7-8-1951 foram os seus restos mortais trasladados do Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, para o jazigo de família no Cemitério de Portimão.

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