As Exposições Industriais no Porto oitocentista

Jorge Fernandes Alves – As Exposições Industriais no Porto Oitocentista. In O mundo ibero-americano nas Grandes Exposições, edição de Mourão, J.A., Matos, A. M. C. de, Guedes, M., p. 165-176. Republicado in O Tripeiro, 7.ª série, ano XVIII, n.º 3, 1999, p.69.97.

Se inserirmos as grandes exposições universais que marcaram a segunda metade do século XIX na lógica económica então emergente, temos de reconhecer que elas, nas amostras de diversidade de produtos que configuraram, representaram essencialmente um fenómeno homogéneo no domínio da catalogação e da propulsão de informação industrial e comercial  1.

Que não bastava produzir para espalhar a riqueza, começava a ser dolorosamente demonstrado pela crise económica de 1848, a primeira grande crise capitalista, que o mesmo é dizer “crise de sobreprodução”. E com ela chegou (para muitos) a falência do liberalismo optimista e do célebre enunciado da lei dos mercados (Jean Baptiste Say), segundo a qual toda a oferta geraria a sua própria procura, daí se inferindo a ilogicidade de crises em situações de mercado concorrencial. Mas a realidade não se coadunava com a teoria e o consumo deveria afinal ser estimulado, promovendo uma aproximação entre consumidores e produtores: suscitar a procura, organizar e sistematizar a oferta, dando-lhe visibilidade apelativa, classificar e apresentar os produtos através de catálogos para dar a conhecer ao público as variedades produzidas pela nova civilização industrial, da qual brotavam sem cessar surpreendentes utilidades para a fruição quotidiana, eram afinal alguns dos objectivos das grandes exposições. Nelas confluíam, naturalmente, outras finalidades, como as desejadas afirmações de superioridade nacional num quadro de concorrência internacional, ou o verdadeiro banho ideológico que submergia os contemporâneos em actos de fé no progresso das técnicas, das ciências e do trabalho humano, crenças típicas de um clima positivista. Exposições de que a realizada em Londres, em 1851, culminando o fascínio do progresso na realização do Palácio de Cristal, se tornou o paradigma, sobretudo pelo carácter universal que assumiu, a despeito de outras exposições anteriores, nomeadamente em França, as quais se tinham confinado ao âmbito nacional.

Expositor da Real Fábrica de Conservas de Matosinhos de Lopes, Coelho Dias & Cª, Lda, de Joaquim António Lopes e José Coelho Dias no Palácio  de Cristal – Porto

O PORTO E AS EXPOSIÇÕES INDUSTRIAIS

Neste quadro sucintamente esboçado, como pode actuar uma zona periférica, mas com ambições de realização industrial, voluntariosa mas tecnológica e economicamente atrasada, sabendo que é necessário expor, mas reconhecendo que expor não é só mostrar mas também mostrar-se, arriscar-se, assumir confrontos? Eis um quadro de dilemas e de alguns fantasmas que dão corpo a atitudes opostas e são observáveis no conjunto de exposições industriais que o Porto apresentou ao longo da segunda metade do século XIX.

Há os entusiastas do progresso industrial e da tecnologia, essencialmente do tipo “artista”, técnico ou pequeno industrial, que sugerem exposições e/ou protagonizam eventos deste tipo e há os que vêem nas exposições uma ameaça à estabilidade do trabalho nacional (particularmente os empresários da têxtil), clivagens estas que se verificam no interior da próprio movimento industrial portuense (que por  essas e outras razões surgiu inicialmente dividido em duas associações).

Vejamos dois casos típicos de atitudes opostas nos meados do século XIX:

1. Veríssimo Álvares Pereira é um artista-inventor que participa na fundação e em sucessivas direcções da Associação Industrial Portuense, onde se bate por medidas modernizadoras. A seu crédito inventivo, tinha algumas patentes registadas, como a de fabrico do grés ou a do contador de água para efeitos de fornecimento de água canalizada a domicílio. Para ele, as exposições de Paris e de Londres  representavam “um fomento novo, e talvez sem semelhante para a generalização, adiantamento e progresso das artes”, na medida em que a visualização de novos objectos convidava à imitação ou estimulava aperfeiçoamentos. Princípios que lhe pareciam “óbvios para todas as inteligências”, e que o levavam a propor (em 20.12.1852), num sentimento de entusiasmo, que a Associação promovesse “uma exposição de toda a qualidade de artefactos e de produtos naturais” não só do país como do estrangeiro. A dita exposição abriria de 1 de Maio a 30 de Junho de 1853 e teria um júri para avaliação dos produtos e atribuição de medalhas (ouro, prata e bronze). A sua proposta ficou à espera de melhor ocasião, segundo veredicto da assembleia-geral.

2. António da Silva Pereira de Magalhães é um industrial têxtil, proprietário de uma das fábricas mais importantes do Porto, a fábrica do Jacinto, criada nos inícios do século por seu pai e largamente ampliada por si. Viria a tornar-se célebre como polemista emotivo e persistente a favor do proteccionismo, a favor do qual publicou inúmeros panfletos e alimentou várias polémicas entre os anos 50-90. Quando em 1855 era convidado a participar numa exposição nacional então projectada, hesitava por “quanto as exposições possam julgar-se vantajosas por uma parte não são efectivamente por outra”, julgando que para o aperfeiçoamento e desenvolvimento da indústria nacional havia outra solução já comprovada pela história – a protecção através da pauta alfandegária. Para si “a exposição poderia ser vantajosa para o governo se orientar do estado das nossas manufacturas, se todos os industriais fossem expositores e expusessem tudo quanto fabricam”, mas havia razões para muitos o não fazerem, de cujas ideias também comungava)2. Uma dessas razões seria a existência de uma pauta insuficientemente protectora, pelo que uma exposição não deixaria de sublinhar esse aspecto, divulgando os pontos fracos que mais rapidamente soçobrariam face à invasão estrangeira, através da demonstração de preços e qualidades (e, mais tarde, não se cansava de dar o exemplo de têxteis alemães que tiveram um importante salto nas exportações, nomeadamente para Portugal, depois que demonstraram em Londres a sua vantagem na relação preço/qualidade, elaborando para isso um catálogo próprio, apesar dos esforços ingleses para não se exporem preços). Posições defensivas que vai esgrimir por altura das outras exposições.

Esta dualidade de atitudes em relação à função das exposições marcam o clima envolvente de todas as realizações deste tipo na indústria portuense em oitocentos e as hesitações que em torno delas se desenvolvem. Expor, sim, mas devagar e cuidadosamente. E, quando alguém se abalançar a iniciativas mais ousadas e tentar o modelo cosmopolita, fica a saber que não conta com o apoio dos principais industriais da Cidade, como o experimentaram dolorosamente alguns dos organizadores da exposição internacional de 1865. Diz-me que exposição queres, e dir-te-ei de que lado estás, poderia dizer um portuense de oitocentos, parafraseando o ditado popular e tendo como referência a dicotomia livre cambismo vs. proteccionismo no que se refere a militantismos de política pautal da altura. Por isso não há um discurso unânime sobre as exposições industriais na imprensa e, embora raramente sejam condenadas de forma explícita, elas acabam por ser pretexto para a defesa, em forma de polémica, dos dois ideais opostos acima referidos.

Não foi só no Porto que houve resistências à universalização das exposições: os industriais franceses reagiram do mesmo modo em 1849, por temerem o confronto com as indústrias de outros países, só a realizando em 1855, após o exemplo inglês. E na verdadeira febre de exposições que depois se realizaram em diversos países estrangeiros quase todas se remetiam a âmbitos nacionais ou quando muito selectivamente internacionais, de forma a acautelarem os segmentos de mercado nacional que mais interesse revestiam.

AS EXPOSIÇÕES

Considerando a cronologia, contabilizamos cinco exposições industriais no Porto: 1857, 1861, 1865, 1891, 1897. Podemos dizer que a primeira é meramente local, a segunda é já de âmbito nacional, com uma pequeníssima intervenção estrangeira, sendo ambas da responsabilidade da Associação Industrial Portuense. As restantes são da iniciativa da Sociedade do Palácio de Cristal Portuense: a de 1865 assume carácter internacional; as duas últimas, que superam um hiato superior a um quarto de século, são de âmbito estritamente nacional. Temos assim uma ideia de exposição industrial que ganha força e se expande para refluir numa fase posterior.

1857

A primeira exposição é uma tímida experiência que retoma os primeiros desígnios da Associação Industrial Portuense, em que o apelo de Veríssimo Álvares Pereira atrás referido só começa a realizar-se em 1856, por nova proposta de Gouveia Pinto, conjugada com uma outra ideia que por lá germinava – a da exposição permanente nas salas da Associação. A verdade é que foi ganhando dimensão, sendo necessário arranjar um espaço amplo, que veio a ser o então recentemente construído Asilo de Mendicidade. Por essa razão, veio a realizar-se apenas em 1857, surgindo em simultâneo com a Exposição Agrícola, esta da iniciativa da Sociedade Agrícola do Porto. Embora ridicularizada por alguma imprensa por se ter realizado num lugar que dava aso à ironia (a força da indústria a revelar-se numa casa de mendicidade!), acabou por ter uma afluência razoável de público e a gerar algum interesse entre os industriais, o que permitiu relançar a ideia em moldes mais sólidos: projectou-se logo outra exposição para 1861, para a qual se obteve o apoio do governo (subsídio de 2 contos de réis e garantia da visita real, pelo popular D. Pedro V), gerando-se deste modo uma onda de entusiasmo geral que conduzirá à exposição internacional de 1865, para a qual se criou uma sociedade (exterior à Associação Industrial, mas muito liderada por sócios de outras associações – a Sociedade Agrícola e a Associação Comercial) e se construiu um edifício apropriado – o Palácio de Cristal, cujo nome bastará para denunciar a inspiração inglesa.

1861

A exposição de 1861 (de 25 de Agosto a 16 de Setembro), que se realizou no Palácio da Bolsa (então ainda em construção), representava só por si uma reconciliação entres os grupos de interesses económicos: para além da sua abertura à produção agrícola, a exposição representava a entrada festiva da indústria no Palácio da Associação Comercial (que uma década antes criara entraves à constituição da Associação Industrial Portuense, cuja criação via como uma fractura, porque, face ao Código Comercial vigente, se considerava única e legítima representante de todas as actividades económicas).

Ribeiro de Sá, um industrialista atento a esta “bizarra hospedagem”, não se esqueceu de sublinhar a particularidade de, por esse facto, a exposição exprimir “bem a ideia de comunidade de interesses que ligam o trabalho e o capital nas manifestações em que aparece unido, quer estas pertençam à indústria comercial, fabril ou agrícola”3, saudando o fim dos antagonismos entre os protagonistas dos vários ramos de actividades. E a participação de uma missão espanhola expressamente convidada pela AIP, através de uma sua Filial na Catalunha, dava o toque internacional, neste caso precioso em altura de polémicas iberistas, mostrando a parte sensata de Espanha, a que respeitava a História e procurava estreitar pacificamente relações económicas.

Por tudo isso, a exposição era, apesar das reservas de alguns, uma festa popular, um hino ao trabalho, às máquinas, à ilustração da missão da indústria, a qual se traduziria em “produzir muito e barato” e “provar a perfeição dos métodos de trabalho em todos os artefactos (…) depois que a generalização do maquinismo facilitou os meios de aperfeiçoar a fabricação de todos os objectos”4.

Para além disso, a exposição inseria-se num movimento mais amplo, o das exposições já realizadas anteriormente em vários locais: era o caso nacional da exposição de Lisboa, realizada em 1849, que terá tido algum efeito na opinião pública numa altura de grandes dissensões políticas, ajudando a impor as movimentações sobre os melhoramentos materiais que confluem no fontismo; ou a de Londres, em 1851, que congregara diferentes nações com histórias anteriores de antagonismo mas que não se escusaram ao “abraço fraternal que as ligou na exposição”, procurando substituir as imagens de guerra da primeira metade do século na expressão “da linguagem universal da conveniência pública, que é percebida por todas as nações, na permutação constante dos produtos da inteligência e do trabalho”5.

O Porto industrial convocava, agora, este papel pacifista das exposições, chamando para o Norte este tipo de iniciativas e fazendo de uma exposição local uma exposição nacional, na medida em que ali se apresentavam produtos das principais fábricas nacionais, numa incontestável supremacia face às anteriores mostras nacionais, incluindo as representações mandadas a Londres e Paris, porque se faziam sentir os impactes das melhorias políticas nacionais e das descobertas técnicas em geral. E sucessão das exposições criava a expectativa e a obrigação de se apresentarem sempre os progressos entretanto obtidos, constituindo só por si um instrumento pacífico de emulação, numa crença optimista própria dos períodos de expansão económica como era aquela em que se vivia.

Claro que, ao nível da realização concreta, havia muito ainda a melhorar. Afirmava a imprensa que para se poder estudar uma exposição industrial eram indispensáveis dois instrumentos básicos: “as classes em que se dividem os produtos expostos e o catálogo desses mesmos produtos”. Ora o catálogo não foi realizado em tempo útil (O Comércio do Porto publicou-o aos poucos durante o tempo da exposição), mas afinal esse já tinha sido um handicap das exposições de Londres e Paris e explicava-se sobretudo pela falta de habituação dos industriais a este tipo de realizações, sonegando ou tardando com as informações respectivas à organização. Em todo o caso, a exposição de 1861 revelou uma importante mobilização industrial, com um total de 952 expositores, apresentando algumas das principais unidades empresariais do País, que aproveitaram para dar uma ideia do aperfeiçoamento tecnológico das suas capacidades industriais, como aconteceu particularmente com algumas fundições do Porto (as de Massarelos, Bicalho, Bolhão) 6. E teve a visita e o incentivo do popular monarca D. Pedro que a visitou por três vezes, no âmbito de uma visita real mais alargada ao Norte 7.

1865

No regresso dessa viagem, vindo de Braga para Lisboa, D. Pedro V passa de então de novo pela exposição e vai inaugurar a construção empreendida pela Sociedade do Palácio de Cristal Portuense, assinando um auto e “lançando um punhado de terra em um carrinho de serviço”, no local que lhe estava destinado: os terrenos da Torre da Marca.

Qual era o objectivo desta sociedade? Nada mais do que a criação de um palácio que, à semelhança do Palácio de Cristal londrino, fosse destinado a exposições de diversa índole (agrícolas, industriais, comerciais, artísticas). Pretendia-se um espaço amplo para as exposições, que seria rodeado de parque, jardins, plantas exóticas e aves, havendo projectos para espectáculos, academia e banda de música. Mas o Palácio de Cristal não derivou do seio industrial (embora a direcção da Associação Industrial Portuense apoiasse a iniciativa), antes nasceu originalmente da Sociedade Agrícola do Porto (muito pelo entusiasmo de Alfredo Allen), agregando pessoas de valia “pela sua posição, fortuna e patriotismo”, isto é, associou executivos da Câmara Municipal (que trataram de ceder terrenos municipais proceder às expropriações restantes), entusiastas da agronomia, académicos e “brasileiros” (como emigrantes de retorno endinheirados). Talvez a razão de, felizmente, ter predominado a preocupação estética sobre a da funcionalidade, surgindo um palácio ajardinado que perdurou em vez de barracões transitórios.

Os problemas de construção do Palácio, uma iniciativa totalmente privada, não foram pequenos, pois íam desde as dificuldades com as expropriações ao pouco entusiasmo na subscrição das acções, que nunca foram subscritas na totalidade, falhando os dois grandes grupos nos quais se colocavam maiores esperanças: o da colónia de emigrantes no Brasil, em litígio com o governo por causa da questão consular do Barão de Moreira, mas também em período de queda cambial; uma grande parte de “capitalistas importantes do Porto, cujo nome não se encontrou nunca na lista dos accionistas” por considerarem a empresa “como desnecessária e arriscada” 8. Mas a história das dificuldades de construção do Palácio de Cristal Portuense já é conhecida, escrita que foi por um dos seus protagonistas – o Conde de Samodães.

É ainda do seio da direcção da Sociedade do Palácio de Cristal que parte a iniciativa da inauguração do edifício em 1865 com uma exposição internacional. Onde reside o problema desta decisão? No facto de não ter na devida conta a crise que a indústria têxtil, largamente preponderante no Porto, atravessava por esta altura, devido à “fome de fio” ocasionada pela guerra da Secessão nos Estados Unidos e a consequente rarefacção da oferta de algodão no mercado mundial. Os despedimentos e a miséria operária tinham-se agravado substancialmente desde 1863, pelo que a exposição, com o seu fausto, não encontrava a conjuntura propícia 9. Compreendem-se, assim, as ausências significativas de industriais do Porto, principalmente da têxtil, tanto na exposição, como na distribuição de mercês honoríficas concedidas pelo rei a quem se empenhou no processo da Exposição, bem como a demonstração da sua animosidade neste contexto.

Além disso, havia que superar o cepticismo de alguma imprensa, principalmente lisboeta (vd. Jornal do Comércio) mas também portuense (vd. Jornal do Porto), que duvidava da capacidade de ombrear com a França e a Inglaterra e recomendava por exemplo apenas uma exposição peninsular ou até o adiamento: não havia locais de hospedagem, os transportes eram maus, o Palácio não era suficientemente amplo para acolher os estrangeiros, excesso de deslumbramento e desconhecimento do estado industrial do País, ou até os incómodos e perigos da invasão de estranhos para os habitantes da cidade, o risco de descrédito internacional, eram alguns dos argumentos apresentados de entre uma longa lista. O Jornal do Porto que combateu com forte argumentação a Exposição Internacional concluía: (…) a festa da inauguração do Palácio de Cristal deve unicamente limitar-se a uma exposição Industrial Portuguesa. É esta unicamente que comportam as actuais circunstâncias do Porto e do Palácio de Cristal”10. Outros só lhe viam utilidade no policiamento da Cidade, pois a polícia civil foi criada pela primeira vez em Portugal pelo Governo Civil do Porto precisamente para a segurança pública ao tempo da Exposição de 1865 e só depois foi institucionalizada!

Inaugurada (18.9.1865) e encerrada (2.2.1866) pelo rei D. Luís, a exposição contabilizou cerca de 4300 expositores, distribuídos por quatro grandes divisões (matérias-primas, máquinas, produtos manufacturados e belas-artes), além de incluir uma exposição suplementar de agricultura e horticultura (5 a 15 de Outubro). Foi uma exposição organizada com grande cuidado burocrático: circulares de apoio governamental distribuindo instruções aos diversos serviços, classificação previamente estabelecidas de produtos em grandes divisões e estas em classes, instruções minuciosas aos expositores. Terá sobrado em organização (onde se notava a influência de gente da Escola Politécnica), o que faltou em empenhamento empresarial local! Embora viessem expositores de mais de 25 estados estrangeiros, o grande destaque foi para a França, com 499 expositores, país que aproveitou para dar uma imagem muito positiva da sua indústria, a qual não terá sido alheia ao acordo comercial lusofrancês realizado no ano seguinte, a que muitos atribuíram um efeito penalizador à nossa indústria.

A ressaca da construção apressada do Palácio, que obrigou a um empréstimo bancário que pesoumduradouramente nas contas da Sociedade (para além dos sacrifícios de alguns accionistas maismentusiastas que aplicaram grande parte das suas economias em acções que nunca geraram dividendos), levou o Porto a esquecer durante largos anos a ideia de grandes exposições, embora o Palácio tenha funcionado como espaço adequado para pequenas exposições específicas (artísticas, hortícolas, fotográfica) de impacto apenas local, bem como espaço de lazer que se tornou num ex-libris da Cidade.

 

1891

Só nos inícios da década de 90, numa fase já de nova crise nacional (política e económica) e de uma conjuntura favorável ao militantismo pautal se vão organizar novas exposições industriais. Nos finais de 1891 conhece-se o desejo de afirmação pública da indústria nortenha, de novo liderada pela Associação Industrial Portuense, então renovada após um longo período de apagamento. A Associação tinha agora como grande objectivo a reforma pautal, para a qual procurava mobilizar os associados, e de que ela própria era um efeito, pois renascera por alguns associados militantes pelo proteccionismo reconhecerem a necessidade de uma representação colectiva que funcionasse como orgão de pressão favorável aos seus interesses. Uma proposta de 11.9.1891 apontava para a realização de uma exposição que traduzisse o salto qualitativo que a indústria nortenha entretanto experimentara. É neste contexto que emerge a estratégia governamental de trazer o rei ao Porto, para desfazer os boatos sobre o estado de sublevação que a Cidade viveria, na ressaca da revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891, como forma de provar a popularidade da monarquia através de alguns banhos de multidão e de convivência com as personalidades mais representativas. O ministro da Fazenda de então, Mariano de Carvalho, fez sentir esse propósito ao monárquico Conde de Samodães, que presidia à Sociedade do Palácio de Cristal e que, por seu lado, não poderia perder uma oportunidade de relançar o Palácio para a organização de eventos para que o edifício estava vocacionado e que poderiam ajudar a resolver a grave crise financeira que pesava sobre a Sociedade desde a sua fundação. A Sociedade toma a iniciativa de promover a Exposição, convocando para esse efeito a Associação Industrial Portuense.

Apesar das reticências iniciais e ameaça de abstenção por parte da Associação, onde já se sentavam alguns republicanos, a conjugação de objectivos acabou por se realizar numa exposição “exclusivamente nacional”, de forma a agradar aos industriais proteccionistas. De forma precipitada, quase de improviso, dada a sobreposição dos objectivos políticos aos interesses económicos. A exposição abriu as suas portas de 22.11.1891 a 17.1.1892, pois como reconheceu o Conde de Samodães, “quase que não foi anunciada, e arranjou-se de um dia para o outro”, mais precisamente os expositores tiveram menos de um mês entre a recepção do convite e o dia da abertura. Era preciso obsequiar o Rei com “elementos de vida” da cidade do trabalho, dado que da parte do Palácio havia apenas um lago com gruta a inaugurar 11. Diz o Conde de Samodães:

Nunca se realizou exposição em tão pouco tempo. Ao sinal de reunir, compareceram os industriais com os seus produtos, não fabricados ad hoc, mas aqueles que formam o seu stock comercial, o que é muito mais útil, prático e verdadeiro do que essas exibições de mera curiosidade que enchem por vezes as vitrines das exposições. A apresentação que neste momento se fez ao público é exactamente aquilo que a indústrias tem sempre pronto para oferecerem aos seus fregueses 12.

Foi, portanto, uma exposição simples, que excluíu júris e diplomas, esse ritual de confronto e de incentivo que sempre permite fazer distinções entre os expositores. Dado o carácter apressado da exposição, predominaram os produtos de indústria ligeira, fáceis de transportar e organizar em pouco tempo, não se vendo as habituais galerias de máquinas que normalmente constituíam os centros de atenção dos visitantes. Os têxteis ocupavam as atenções, mas no total a mostra distribuía-se por 24 classes e tinha a particularidade de apresentar produtos industriais novos, revelando a introdução da mecanização em sectores tradicionais, como era o caso dos lacticínios, conservas, cortiças, químicos, etc., ainda que de forma modesta, a persistência dos artesanatos tradicionais (como a ourivesaria) ou a exibição de produtos minerais de extracção nacional (carvão).

1897

Apesar das reticências e das críticas à falta de interesse por parte do governo no estudo da exposição, com a excepção do impulso inicial para que ela se realizasse em tempo oportuno, a “exposição portuguesa” de 1891 parece ter constituído um modelo à medida da indústria nortenha. Em 1897 realiza-se outra que, não apresentando as motivações políticas da anterior, se apresenta da mesma forma, ou seja, com curto intervalo entre o anúncio e a abertura, de forma que, praticamente, os industriais só podiam apresentar produtos de fabrico geral e não os especialmente preparados para uma exposição festiva, além de outros elementos comuns, como era a catalogação dos produtos. Todavia, na exposição de produtos de 1897 já não se verifica apenas a exibição de produtos, mas há de novo concurso, com júris e atribuição de medalhas, afinal um elemento cada vez mais importante à medida que o marketing se afirma e o rótulo e o anúncio passam a ser estruturas de publicidade que incorporam informações sobre as classificações alcançadas em diferentes exposições: coleccionar medalhas passou a ser um bom cartão de visita dos produtos na sua aproximação ao cliente 13. Sublinhe-se, contudo, o papel de liderança da Sociedade do Palácio de Cristal (e particularmente do Conde de Samodães, um veterano da exposição de 1865) na organização destas exposições finisseculares que congregaram um número de expositores que pouco passou do meio milhar cada uma, embora a Associação Industrial Portuense tenha dado o seu apoio oficial a ambas 14.

Com o dobrar do século as grandes exposições assentes na promoção industrial tendem a desaparecer, para se transformarem essencialmente em encontros de culturas, de ciências e das grandes inovações técnicas, sendo muitas vezes organizadas bilateralmente em função de políticas de aproximação que o mundo económico crescentemente fechado aconselhava. No campo estritamente industrial, surgem outros tipos de eventos mais operacionais no mercado e mais lucrativos – as feiras industriais. É nas feiras que os industriais da Associação Portuense começam a pensar quando sentem chegada a hora de tomar inteiramente a iniciativa, o que ocorrerá em 1921, com a feira realizada ainda no Palácio de Cristal. Trata-se de um novo modelo de exibição de produtos que ganha características periódicas, com especialização em determinados segmentos do mercado, que assumem uma função eminentemente comercial e técnica. Os empresários procuram, na medida do possível, fugir aos aproveitamentos políticos e de concorrência nacionalista que as grandes exposições sempre encerravam, para se fixarem antes em encontros periódicos de vendas, que ajudam a estruturar carteiras de encomendas e, naturalmente, a produzir lucros.

Jorge Fernandes Alves

Trabalho desenvolvido na FLUP, no âmbito do Projecto “Estruturas Sócio-Económicas e Industrialização no Norte de Portugal”, patrocinado pela FCT, para intervenção no colóquio “O Mundo Ibero-Americano nas Grandes Exposições”, Lisboa, CICTSUL, 4-5 de Junho de 1998.

1 Jacques Gubler, “Percorso attraverso le esposizione internationali nella seconda metà dell’Ottocento”, in Storia del Disegno Industriale, 1851-1918, Milão, Electa, 1990, p.12.

2 “Resposta de Silva Pereira & Irmão ao convite feito pela comissão central para a exposição portuguesa”, D. Pedro V, 18.12.1855.

3 “Exposição Industrial”, O Comércio do Porto, 13.6.1861.

4 “Exposição Industrial”, O Comércio do Porto, 13.6.1861

5 “Exposição Industrial -I”, O Comércio do Porto, 26.8.1861

6 Relatório da Comissão do Júri que examinou as classes quarta, sexta e sétima do segundo grupo da Exposição Industrial do Porto em 1861, Porto, 1862.

7 Jorge Fernandes Alves, “As Exposições Industriais do Porto nos Meados do Século XIX”, O Tripeiro, 1994, nº 6, p.171-176.

8 Conde de Samodães, Breve Esboço Histórico do Palácio de Cristal Portuense, Porto, 1890.

9 Cf. Conselho Geral das Alfândegas, Inquérito Industrial de 1865- Actas das Sessões da Comissão de Inquérito, Lisboa, Imprensa Nacional, 1865.

10 Catálogo Oficial da Exposição Internacional do Porto em 1865, Porto, 1865.

11 Jorge Fernandes Alves, “Desagravar o Rei – A oportunidade política da exposição industrial de 1891”, O Tripeiro, 7ª série, ano XIII, nº 12, Dezembro de 1994, pp. 370-373.

12 Relatórios da Exposição Industrial Portuguesa em 1891 no Palácio de Cristal Portuense, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893.

13 Catálogo da Exposição Industrial Portuguesa em 1897 no Palácio de Cristal Portuense, Lisboa, Imprensa nacional, 1900.

14 Fernando de Sousa e Jorge Fernandes Alves, A Associação Industrial Portuense – Para a História do Associativismo Empresarial , Porto, AIP, 1997.

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