Aqui não se conserva só peixe, conserva-se a marca

Aqui não se conserva só peixe, conserva-se a marca

O empresário que fez renascer a empresa de conservas do avô e os produtos tradicionais como o atum ‘Catraio’.

Cresceu entre cheiro a peixe e processos de conservação que se foram alterando ao longo de mais de um século. Descendente de uma das únicas famílias donas de uma fábrica de conservas em Portugal antes da I Grande Guerra, José Nero decidiu no ano passado recuperar o negócio. De novo trouxe o peixe espada em conserva. De trás fez renascer produtos de sucesso como o atum “Catraio”. Revivalismo, qualidade, ou ambos, o negócio vai de vento em popa.

Para contar o presente, José Nero recua aos antepassados: a família italiana que sempre se dedicou à conservação de peixe, na altura em sal, e que veio para Portugal para vender sardinhas (sobretudo) para Itália. Começaram no negócio antes da I Grande Guerra e foram das únicas famílias, a par das famílias Ramirez e Luças, que hoje permanecem no negócio das conservas. Foi o avô paterno de José quem, em 1912, abriu uma delas em sociedade com os amigos, em Sesimbra.

Os anos passaram e ele foi adquirindo a parte dos sócios. Na década de 40 foi obrigado a mudar-se para Matosinhos, onde havia mais peixe. O negócio passou para o filho e, mais tarde, para os netos – entre eles José Nero. “O meu pai morreu em 1982 e sete anos depois decidimos vender a empresa”.

José Nero abriu depois uma fábrica de anchovas no Montijo, mas Marrocos entrou no mercado das conservas e derrubou o negócio. Nos anos 90 fecharam cerca de 20 fábricas do ramo em Portugal. José tentou contornar a crise com produtos importados, mas não descurou as origens.

Em 2010 voltou a lançar-se no mercado com um novo produto: peixe espada preto em conserva. A caixa, de design arrojado preto e branco, foi criada por uma arquitecta em Sesimbra – local onde o peixe é pescado para depois ser conservado numa fábrica de Aveiro. A par deste produto, ressuscitou uma série de marcas que deixaram de ser comercializadas no anos 80, como o atum “Catraio” – marca que registou e cuja embalagem é exactamente igual aquela que o avô vendia em 1912. Entre as marcas que comercializa, destaque para as conservas Luças (da fábrica com o mesmo nome nascida em Matosinhos em 1896) e resgatou um produto artesanal – apenas fabricado no Algarve – que já remonta ao tempos do fenícios e dos romanos: Muxama de atum, ou seja, atum seco. Usa-se em fatias finas regado com azeite ou em saladas.

Entre os produtos que pretende relançar estão as sardinhas sem espinha – produto que a família Nero exportou pela última vez na década de 80. “Também se fala muito em conservas dietéticas como o atum em água. O meu pai já comercializava isso”, conta enquanto exibe uma carta do “pai” dos nutricionistas em Portugal, Emílio Peres, com data de 1989, a elogiar o produto mais saudável.

Mas não é só recuperação de produtos que vive o negócio. José Nero está já em contacto com o Instituto do Vinho do Porto a fim de aprovarem o produto que pretende lançar no próximo ano: filetes de cavala em vinho do Porto.

Paralelamente prepara um conjunto de iniciativas para mudar mentalidades. “Os enlatados tiveram em Portugal uma má imagem por serem considerados produtos de má qualidade”. Para inverter opiniões, quer fazer várias degustações em centros comerciais e mostrar que é possível usar conservas variadas em receitas bem diferentes e elaboradas. “Uma lata de sardinha não serve apenas para abrir e pôr no pão. É possível colocar por cima de uma folha de endívia, com pasta de azeitona e fazer uma bela entrada”. Nestas iniciativas pretende ainda ensinar o consumidor a distinguir os enlatados de qualidade dos outros, não só pela cor do peixe como pela forma como foi cozinhado. Sabia que quando o peixe traz demasiada água e não enche a embalagem foi cozido directamente na lata? O método tradicional implica que o peixe seja previamente cozido a vapor e só depois enlatado.

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