APONTAMENTOS PARA A HISTORIA DAS FÁBRICAS DE CONSERVAS E ESTIVAS EM PENICHE

Por Fernando Engenheiro

Peniche, Agosto de 2000

ENGENHEIRO, F. (2000) “Apontamentos para a História das Fábricas de Conservas e Estivas em Peniche”, jornal A Voz do Mar, de 12 Setembro 2000

Sociedade Exportadora de Peniche
Teve a sua actividade num edifício construído para esse fim junto da EN. 114, não muito longe da entrada de Peniche (Pontão de Peniche de Cima) num terreno adquirido à Câmara Municipal, a título de compra, em 1917 bem como os armazéns construídos em frente.
Tinha a sua sede em Lisboa, era constituída sociedade com Elísio Moreira Rato e o Sócio Gerente Mateo Benito Garcia.
Tinham como apoio àquela indústria uma pequena frota construída nos estaleiros de Peniche, embarcações tais como: Registados na Capitania de Peniche, a 26/1 1/1915, a vela e remos, com 12 metros, no valor de 350$00, construídos por Fernando Maria Malheiros: “Paquita”, “Irene” e “Elísia”. Na mesma Entidade, a 8/2/1916, com 13 metros como mesmo valor, construída por Carlos Domingos da Costa,, embarcação denominada ‘Pilar” e a 18/7/1916, construída por Isaac Petinga, com 12 metros e as restantes caracteristicas, como nome “Dinal”. Foi este estabelecimento fabril, mais tarde, conhecido por “Fábrica Benito Garcia”.Cessou a sua actividade entre os anos 1970/80. Hoje no seu lugar, em edifício de raiz, foi implantado um Centro Comercial.

Fábrica Júdice Fialho
Foi seu proprietário, João António Júdice Fialho, que residiu em Faro. Começou a negociar como Município uma faixa de terreno de 715 mx 64 m, em 1915.  Não tardou que, para bom funcionamento da sua actividade, mandasse para cá, vindos da Província do Algarve, operários especializados na sua indústria, com o fim de ensinarem os habitantes desta Vila para ingressarem naquela laboração.
Foi uma colónia bastante grande. Na época, para a sua deslocação, utilizaram como transporte a via marítima. Saíram do Algarve com destino a Setúbal ou Peniche com os seus reduzidos haveres acompanhados pelos seus familiares. Os que suportavam a viagem sem problemas, tentavam chegar a Peniche, os que não conseguiam fixavam-se em Setúbal, em fábrica da mesma Firma. Veio a acompanhá-los um pequeno barco de 10,85 m, de nome ‘Fadista”, com motor a gasolina de 8,632 (tonelagens). Logo mandaram construir a Carlos Domingos da Costa, calafate em Peniche, 4 barcos a veta ou remos com 13 metros, no valor de 400$00 cada, que foram baptizados com os nomes de: “Berlenga”, “Farilhão”, “Estrela” e “Forcada”. Entre 1929/30, foram substituídos por outros, já com o valor de 20.000$00 a 25.000$00 por unidade, com o valor do apetrechamento da pesca de 15.000$00 cada um. Só a “Forcada” teve alteração para Caprichosa”. Mais tarde construiu-se a “Maria João”, “Portimão I” E “Portimão II”. Tinham estas embarcações a característica de serem todas pintadas de preto. Entre a linha de água e o verdugo da proa tinham como distintivo um trevo de quatro folhas, pintado de branco, bem como o número de registos no talabardo da frente.
Hoje toda a zona habitacional foi vendida para construções de maior vulto, sendo a parte industrial ampliada para exploração conserveira mais variada e a ser explorada por outra empresa.

Centro Comercial de Conservas Lda.
Foi também conhecida por Fábrica de Santo António da Ajuda e até Fábrica do Italiano. As suas instalações terminaram os seus dias com utilizações diversas, desde armazéns de redes a oficina de automóveis e até com os bailes organizados pelos Cirios quando a Igreja não aceitava de bom grado, os arraiais em frente de Santuário. Também aqui houve a exploração do uma taberna denominada “Bonzinhos da Ajuda”, sendo seu proprietário André da Silva Bonzinho. Hoje faz parte do património da Igreja.

José Gago da Silva
Existiu num terreno que este industrial adquiriu por compra a D. Glória Cervantes, designado por “Cerca de S. José”, entre a actual rua Alonso de Albuquerque e a Luís de Carmões. Ainda hoje esta zona é conhecida pelo nome do comprador. Ainda são visíveis os armazéns que constituíam o aglomerado fabril. com oficina de reparação de automóveis, bem como alojamentos para famílias carenciadas.

Sociedade Geral de Comércio Industrias e Transportes Lda.

Sociedade de Conservas de Peniche Lda.
Ainda em actividade na travessa dos Moinhos do Galhalhaz, com frente para o terreiro do Tribunal. Implantada em terrenos adquirido a particulares usa presentemente o nome de Fábrica de Conservas Ramirez Lda, sempre vulgarmente conhecida por “Macedónia”. Em 1930 tinha 2 traineiras aos sou serviço com os nomes de “Maria “Helena” e “Primavera”.

Sociedade Mercantil e Industrial Portuguesa Lda.
Ficava situada no caminho do Carreiro Fedorento, a seguir à travessa de Nossa Senhora da Conceição.

La Paloma
Teve as suas primeiras instalações no Pocinho, em Peniche de Cima, as quais foram depois transferidos para a então Estrada da Ajuda. Sendo seu proprietário grande devoto do Santo cavaleiro, deu aquele estabelecimento o nome de “San Martin”, sendo vulgarmente conhecida por “Fábrica do Alemão”. Quando cessou a sua actividade, por falência, foi a propriedade absorvida pela Caixa Geral de Depósitos e depois adquirida pelo Município. Hoje naquele local encontra-se edificada a Escola Secundária e seus anexos.

Sociedade de Conservas Ramalhete, Lda.
Esteve estabelecida na travessa entre a Rua da Alegria e a entrada para o Bairro dos Pescadores e foi mais tarde denominada “Algarve Exportador de Peniche Lda”.

Sociedade Peninsular de Conservas
Também foi conhecida por Sociedade de Conservas luso Peninsular, Lda e existiu no sítio do Pocinho.

António Andrade
Ocupava todo o espaço por detrás da Escola Primária nº1 até a actual Estação dos Correios aproximando-se do que é hoje a rua Heróis do Ultramar. Para apoio a sua laboração tinha 4 barcos de pesca com o valor de 25.000$00 cada, além de 15.000$00 de apetrechos. com os nomes de: “Boa Esperança”, “Caramelo”, “Fátima” e “Maria Madalena”. Construiu, em 1929, 15 casas de habitação para os seus operários (reunião camarária de 16/4/1929. Suas instalações fabris foram mais tarde ocupadas na fabrica de gelo de pela Companhia Portuguesa do Congelação.

Santa Cruz
Também conhecida pela “Fábrica do Visconde”. Foi seu proprietário Emílio José Ló Ferreira, Visconde de Trevões que adquiriu .a particulares o terreno para a sua construção. Teve as mais diversas actividades, depois da sua falência, já na posse de outros donos. Hoje uma parte esta ocupada pela fábrica de produtos congelados da firma “Nigel- José Nicolau”.

Pinhaes & Cª Lda.
Estava instalada na parte poente do Campo da República, junto aos antigos armazéns do Fialho. Tratava-se de uma fábrica de conservas de sardinha em estiva. Mais tarde foi seu proprietário Valeriano Gomes Moreno, espanhol, que em Peniche fixou residência, constituiu família e cá faleceu.

Foram muitos os estabelecimentos de conserva de sardinha em estiva existentes em Peniche. Não há memória de quantos, nem elementos a explorar, no entanto passo a citar ainda alguns:

Um, na travessa de Nossa Senhora da Conceição, onde funcionou o salão de baile dos Bombeiros (também conhecido pelo “Esfrega’”, explorada aquela indústria por José Gago da Silva.

Outro, na garagem que ainda há pouco tempo servia de garagem e sede da Rodoviária, no Largo Bispo de Mariana. Outro, ainda, na praia do Quebrado, explorado por Joaquim Bilhau, etc. Em Agosto de, 1932, publicaram-se os Decretos nºs. 21.621 e 21.622, o primeiro estabelecendo as regras de orientação e disciplina que passavam a regular a produção e o comércio das conservas, o segundo estabelecendo o Consórcio dos interessados na produção de conservas de Sardinha.

Pelo Decreto lei nº 26 757 desdobrou-se o Consórcio no Instituto Português de Conservas de Peixe e nos grémios. Falando das fabricas de conservas em Peniche, que eram todas baseadas na sardinha, refira-se que a sua laboração se efectuava em linhas gerais, da seguinte forma:

Aproveitava-se o peixe apanhado durante cerca de 8 meses (Maio a Dezembro) quando a sardinha e mais rica em gordura. Nos outros meses o fabrico não se efectuava em consequência do “defeso”. O peixe, ao sair do mar, era salgado, procedendo-se depois ao corte da cabeça e extração das tripas. O peixe, descabeçado, desviscerado e lavado, era lançado em tanques com salmoura durante tempo variável: dai as sardinhas eram dispostas, uma por uma, sobre suportes de arame de ferro estanhado (grelhas). As grelhas, com as sardinhas, eram introduzidas em estufas de ferro, onde penetrava vapor de água, que por sua vez cozia o peixe. Deixava-se secar um pouco o produto e procedia-se ao enlatamento, em latas bem limpas, isto depois de se eliminar a cauda e o que não cabia na lata (toutiço). Seguia-se o azeitamento ou cobertura do peixe com óleos(azeite ou óleo de amendoim). Colocava-se a tampa da lata sendo os soldadores a fazerem o resto do trabalho.

Apontamentos diversos:

Dos muitos livros editados sobre a indústria conserveira, existe um de Oliveira Salazar: “Notas sobre a indústria e o Comércio de Conservas de Peixe”, considerado o livro de ouro das conservas portuguesas de peixe.
Foi grande o desenvolvimento que Peniche teve, entre os anos de 1915 e 1925. A população aumentava de dia para dia, com a chegada de pessoal especializado, sendo na verdade a maior imigração proveniente da Província do Algarve.
Todos estes estabelecimentos fabris tiveram o cuidado de instalar o seu pessoal o mais próximo possível dos seus locais de trabalho, construindo bairros para alojamento de quem os servia, até porque Peniche não tinha condições para acomodar tanta gente.

Peniche, Agosto de 2000

ENGENHEIRO, F. (2000) “Apontamentos para a História das Fábricas de Conservas e Estivas em Peniche”, jornal A Voz do Mar, de 12 Setembro 2000

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