António dos Santos - Corlito - Setúbal

“… Como foi bom conviver com rapazes tão puros de alma, tão pobres quanto eu, mas carregados de entusiasmo e ambição de vida.” António dos Santos, antigo aluno do orfanato (Santos, 2004:8).

António dos Santos foi aluno do Orfanato Municipal Presidente Sidónio Pais, em Setúbal. Tinha, tal como todos os rapazes, uma alcunha no orfanato. A sua era “Mijão” e o seu número o sessenta e nove.

Aí aprendeu a profissão de tipógrafo.

António dos Santos começou como aprendiz, começando por juntar as letras nas caixas dos tipos, que eram formadas por caixotins. De componedor na mão, lá foi ensaiando as primeiras linhas de composição em granel, que depois mudava para o galeão de madeira, atando-as com um cordel. 

A paginação era orientada pelo mestre, que consistia em transformar as páginas regulares em granéis de composição, que tinham de passar primeiro pela secção da composição, para o conhecimento e impor as ramas, seguindo-se então a impressão do trabalho, mas só depois de emendadas seguiam para a primeira prova. 

António pediu ao seu mestre para mudar para o ofício de impressão, tendo sido então impressor. Todos os impressores tinham de passar primeiro pela composição, de modo a adquirirem o conhecimento dos materiais e só depois é que poderiam começar a impor ramas. Com a ajuda da máquina de impressão a braço, de formato reduzido fizeram primeira- mente os bilhetes 91 das urbanas, tendo sido a primeira carreira, a do Bairro da Conceição- Mercado (Santos, 2004:86). Faziam-se também cartões-de-visita, cartões comerciais, catálogos e vinhetas. 

90 In Santos, António dos (2009), Para lá dos portões do asilo. Setúbal 1958, Histórias, sonhos e liberdade. Setúbal: Corlito.
91 Só se faziam dois bilhetes de cada vez.

Na entrevista realizada a António dos Santos, refere que, 

“os calendários são fáceis de refazer, quando o ano passa, basta rubricar e avança-se uma casa. Quando existe um erro, chama-se gralha, e avisa-se o compositor para emendar. Os cartazes que fazíamos por brincadeira, ajudava-nos a esquecer a nossa condição de rapazes, sujeitos a um regime de clausura. 

Os rapazes aprendizes, ganhavam um pequeno ordenado, sendo o ordenado máximo de cento e cinquenta escudos por mês, e que era registado na caderneta de cada um dez por cento, ou seja quinze escudos. Aos dezoito anos, data limite para os internados no orfanato, Carlos Garcês, encarregado da tipografia, convidou António para continuar a trabalhar na oficina como empregado, com um salário de oitocentos escudos por mês. Num tom emocionado de agradecimento, António dos Santos mencionou: “o ofício de tipógrafo fez de mim um impressor gráfico.” 

Com o ofício de tipógrafo os rapazes saíam do orfanato e logo arranjavam emprego, onde o vencimento dava para pagar a casa e tudo o resto necessário para a sua subsistência. 

 

António dos Santos, antigo aluno do Orfanato Municipal Sidónio Pais, foi colocado pela sua mãe no Asilo Paula Borba, única creche que havia em Setúbal, mas como não havia a devida assistência, quando tinha apenas um ano e meio, foi levado para o orfanato feminino da Infância Desvalida. Como refere António dos Santos durante a entrevista: “Era um menino no meio de sessenta raparigas, era tratado como um rei”. As meninas davam-lhe banho, mudavam-lhe a roupa, deitavam-no, cantavam e contavam histórias para adormecer. Ficou no orfanato até aos sete anos, indo depois para o Orfanato Presidente Sidónio Pais em 1947. Foi o internato número duzentos e sessenta e oito a dar entrada e como todos os alunos desta casa era presenteado com uma alcunha, neste caso o mijão ou número sessenta e nove, porque urinava durante a noite em sua cama e que aos “treze anos parou, como por encanto”, referiu António dos Santos. 

Quando entrou pela primeira vez no orfanato, deparou-se com meninos descalços, com calções e camisetas sujas e esgaçadas, cabelo raspado, caras de sofrimento e olhares tristes, chorou com medo e tentou fugir. 

António dos Santos foi considerado o Rei dos Mijões e no orfanato havia um problema quanto aos mijões, pois estragavam o soalho das camaratas e a roupa que era insuficiente. Os rapazes que eram apanhados de manhã com a cama molhada levavam um castigo, eram corridos para o balneário, fosse Inverno ou Verão e tomavam duche de água fria (Santos, 2004:23). 

António dos Santos quando acabou de fazer a 4a classe, como todos os rapazes, voltou-se para uma das oficinas do orfanato, neste caso a tipografia, um dos ofícios mais cobiçados, pela garantia de emprego. Saiu do orfanato em 1958, juntamente com os colegas Álvaro Correia ou número sessenta e oito e Sousa ou número vinte e nove. Habituados a horários rígidos e à disciplina do orfanato, sentiam-se frágeis e dependentes da ligação que os uniam, mas aos poucos foram-se habituando à liberdade, que impunha regras e consequentemente problemas. Necessitavam de dinheiro para se sustentarem de forma a sobreviverem fora das portas do orfanato. Como refere António dos Santos: “Tudo tem o seu preço.” 

Os comerciantes pediam rapazes do orfanato, comentam os dois alunos entrevistados, como refere António dos Santos “era-mos uns santinhos, com alguma educação e cultura” 

Dezoito anos era a idade máxima que se poderia ficar no internato e muitos tinham de abandonar a casa, mas muitos já com algum conhecimento e oficio. Começavam a trabalhar em tipografias como empregados e com um salário de oitocentos escudos por mês, contudo “o ofício de tipógrafo (…) fez de mim um impressor gráfico (…) a escola foi boa para um ofício tão útil e cheio de futuro, por isso fico eternamente agradecido ao Orfanato Municipal de Setúbal” (Santos, 2004:88). 

António dos Santos aos dezoito anos, recebeu do Diretor e do encarregado da tipografia o convite como impressor da máquina Marioni, do qual receberia como salário oitocentos escudos, o que lhe iria permitir pagar as despesas de aluguer do quarto e alimentação. Para além deste trabalho também às segundas, quartas e sextas trabalhava na tipografia do jornal O Setubalense, como impressor, onde imprimia os jornais e aos sábados à tarde na tipografia do jornal O Distrito de Setúbal que tinha como Diretor o Dr. Peres Claro (Santos, 2009:153). No Natal o jornal O Setubalense apresentava uma gravura muito grande que ocupava normalmente a primeira página, era feita em forma de zinco e cuja inscrição dizia as Boas Festas. 

in Gina Santos
Projeto Museológico da Tipografia do Orfanato

Mestrado em museologia e museografia 2014
Universidade de Lisboa – Faculdade de Belas Artes

PUBLICAÇÕES

É autor de vários livros:

O Achamento de meu Pai… e Outras Histórias Vividas no Orfanato Municipal de Setúbal (2004)

A Cidade dos Rapazes Pobres – Setúbal – Anos de 1950 – Histórias Vividas no Orfanato Municipal de Setúbal (2006)

Para lá dos Portões do Asilo – Setúbal 1958 – Histórias, Sonhos e Liberdade (2009)

Romagem de Saudade dos Rapazes do Orfanato pelo 18 de Maio (2011)

O Fantasma do Convento da Soledade (2017)

 

CORLITO

Foi sócio fundador da empresa gráfica, Corlito – Centro Técnico de Artes Gráficas Lda, onde trabalhou durante trinta e cinco anos.

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