A INDÚSTRIA DA CONSERVAÇÃO DO PEIXE EM PORTUGAL (*)

(*) Extracto dum estudo, inédito, realizado a convite do Instituto Português de Conservas de Peixe.

ROSALINA DA SILVA CUNHA

in Arquivo  Histórico de Portugal
Director António Machado de Faria
II Série – Volume I – Tomo II
Lisboa 1959

País essencialmente marítimo, Portugal oferece todas as condições necessárias para a prática do comércio, sobretudo dos produtos extraídos do mar, e que vem seguindo desde os mais recuados tempos.

Assim o demonstram os documentos arqueológicos encontrados em vários pontos da costa portuguesa e os autores clássicos — Estrabão, Plínio, Marcial, Horácio — que se referem à riqueza piscícola da Península, falando do garum hibericum e da indústria da salgação como actividade largamente praticada pelos Iberos, em especial nas costas portuguesas em Salácia (Alcácer do Sal), Ossónoba (Faro), Baesuris (Castro Marim) de onde o peixe, depois de salgado, era levado à Itália e Grécia.

A pesca e as indústrias que dela derivam originaram, junto do litoral, aglomerados populacionais fixos que continuaram a tradição dos primitivos habitantes da Península. Destes centros saíam para a pesca que se estendia à Galiza, ao Norte de África e até pontos mais afastados do Atlântico.

Formada a nacionalidade portuguesa, esta indústria prossegue protegida pelos reis que dela tiravam fartos rendimentos e legislavam de modo a garantir condições favoráveis aos pescadores e à indústria que era uma das melhores bases económicas do País.

Numerosa documentação, consultada, demonstra-nos que a indústria da conservação do peixe era praticada desde remotos tempos.

Praticada pelos primitivos povos que habitaram o ocidente da Península, que exportavam para Roma e Grécia, como atrás dissemos, o peixe, depois de preparado, veio a ocupar mais tarde, no quadro das actividades económicas do País, um lugar de grande preponderância.

Os primeiros monarcas com a protecção que dispensavam às pescarias deram grande impulso à indústria da conservação do peixe.

Nas povoações da costa e vizinhas destas o peixe vendia-se fresco, mas para o interior do País, dada a morosidade das deslocações, pois o peixe era transportado no dorso de animais, só pela técnica da conservação se tornava possível fazer chegar o produto, em satisfatórias condições, ao local de destino.

Daí a prática da salgação, seca ou fumagem do pescado ser habitual em todo o litoral português, predominando nas regiões entre Lisboa e Cabo de S. Vicente e no Algarve para o que contribuía uma maior abundância de sal — Aveiro, Setúbal e certas vilas do Algarve — de peixe e de portos mais frequentemente abordados por barcos nacionais e estrangeiros.

Numa ementa dos produtos entrados no porto de Atouguia (1223-1270) está registada a dízima do pescado seco (1); em 1255, a Ordem de Santiago cobrava aos pescadores de Almada, Sesimbra, Setúbal e Alcácer seus direitos e os pescadores «habeant vendam et comparam et aquam et ligna et exidam proad salgandum et siccandum suum piscatum…» (2) e no mesmo ano Vila Nova de Gaia, no seu foral, fixa que os pescadores que aí fossem salgar o seu peixe pagariam dez pescadas (3).

(1) J. M. DA SILVAA MARQUES, Descobrimentos Portugueses, I, pág. 11.
(2) Ob. cit . I (Supl.), págs 375-376.
(3) Portugaliae Monumenta Histórica, Leges. Págs.. 662-663.

João I, em 1420, esclarece os escrivães da portagem de Lisboa, sobre a dízima nova do pescado. Do respectivo documento extraímos apenas o que diz respeito à exportação do peixe. Os pescadores que labutem nas costas portuguesas não devem pagar dízima, em Lisboa, se pagarem as dízimas nova e velha de peixe morto e curado nos portos onde o pescarem; os estrangeiros que em águas portuguesas matarem peixe, quer os levem para as suas terras quer os vendam no local, quer os levem para outros pontos do reino pagarão sempre duas dízimas nos lugares onde pescarem e o mesmo se o peixe for adquirido por escambo ou compra a quem já pagara estes direitos; os naturais do Reino que de fora — da Galiza — tragam peixe, pagarão a dízima nova; e igualmente aqueles que comprarem pescado para venderem dentro ou fora do Reino (1).

Nas Cortes de Lisboa de 1439 o soberano, a pedido dos procuradores das cidades, quita o quinto do pescado seco ou salgado trazido pelos estrangeiros (2) e, em 1443, a cidade do Porto insurge-se contra os aragoneses que compravam pescado para exportar, desrespeitando os privilégios da cidade (3) que proíbem a saída do peixe para evitar a sua falta, permitindo apenas a sua saída com a condição de, em troca, serem trazidos mantimentos. Mas os privilégios continuavam a ser ignorados o que levou, em 13 de Agosto de 1533, a Câmara a arrestar certa porção de peixe seco que tentavam levar para fora (4).

José Joaquim Soares de Barros, no século XVIII redigiu certas considerações sobre as marinhas e pescarias de Setúbal e a respeito destas dizia:

«Por outra parte as pescarias são muito diferentes do que foram, e Setúbal antiga sabia muito melhor prepará-las que Setúbal moderna. Em outros tempos havia ali viveiros de peixe: quem o queria, o comprava nesses lugares e o peixe seco se preparava de maneira que uma parte se gastava neste Reino, e a outra se exportava para os países estrangeiros» (5).

(1) J. M. SILVA Marques, Ob. cit., I (Supl.), págs. 323-325.
(2) Idem, idem, pág 332.
(3) Gabinete de História da Cidade do Porto, Livro A, fl. 75 vº.
(4) ld., livro 11 de Vereações, fl. 73 vº
(5) Academia das Ciências de Lisboa, Manuscrito 31, vermelho.

Setúbal e Sesimbra eram não só centros de pescaria abundante como de sal. Por essa razão surgiram questões entre as duas povoações que o Rei tinha de resolver tendo em conta os interesses de cada uma. Prova do que dizemos está numa sentença de 10 de Agosto de 1431 sobre o tempo em que podiam fazer a salga os pescadores de uma e outra vila. Nesta sentença os de Sesimbra eram autorizados a salgar o seu peixe e, em navios fretados ou pertencentes aos mareantes daquela povoação, a levá-lo para fora e a vendê-lo, mas não durante os seis meses pertencentes a Setúbal. Daqui o poder-se inferir que cada povoação tinha um período de venda certo, razão porque os de Sesimbra não podiam «fazer a dita salga nos dictos seis meses de Setubal». (1).

Tendo, esta vila, excesso de sal que depois de exportado ainda sobejava em 1511 D. Manuel, para evitar prejuízos e promover a venda do produto, ordenava que «os navios que de fora vierem carreguar de sardinha e pescados à dita villa nom possam a ella trazer ninhuu sal de fora para averem de salguar a dita sardinha e pescados» (2). Havia que utilizá-lo no peixe, que lhe abundava, e se estragaria com prejuízo para a classe, para o concelho e para os cofres reais se não fosse totalmente vendido.

Nas Cortes de Évora de 1482 Aveiro, que já então explorava com afinco as suas marinhas, pede ao Rei que dispense do pagamento da dízima todos os que lhe levarem peixe seco, pois a vila vive dos mantimentos que de fora lhe vão (3) e a ela acorrem galegos e muitos outros estrangeiros.

Lagos tinha também uma indústria de salgação muito desenvolvida, a ponto de, em 1490, o sal que até então era fornecido por Alvor, já não chegar para a preparação do peixe o que obrigava os pescadores irem a Castela buscá-lo. Em 18 de Agosto de 1486, o povo de Lagos informa o Rei que, em virtude da carestia do sal e da sua carência, os pescadores vão salgar seus pescados fora do Reino, (4) queixa renovada em 1533 pelos oficiais do concelho da mesma vila (5), — havia na vila vinte e dois açodares e armações de corvinas e atuns que dispendiam dez mil moios de sal (6) e pela mesma causa os rendeiros das armações de Sagres e seu termo estavam autorizados a trazer de fora o sal que necessitavam para a salga dos pescados durante cinco anos (7).

(1) Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Chancelaria de D. Afonso V. livro 26, fl. 123 vº
(2) Id., livro 7 de Odiana, pág. 155
(3) ld, Chancelaria de D. João II, livro 2, fl. 52-53 vº
(4) Id., livro 7 de Odiana, fl. 293 vº  294
(5) ld, Chancelaria de D. João II, liv.º 46 fl. 84.
(6) Id., livro 7 de Odiana, fl. 60-62.
(7) Id., livro 7 de Odiana, fl.187vº – 188

Toda a sardinha pescada nos limites de Tavira tinha de ser levada a essa costa, como o prescrevia um regimento dado por D. João III, porém, contra ele se agravaram os pescadores destas redondezas numa carta de 1572 pedindo que sòmente na época de defumação e beneficiação da sardinha esta fosse levada àquela lota onde seria tratada e vendida e os oficiais da cidade teriam «especial cuidado» em providenciar para que aí se construissem «fumeiros e logeas em abastança».(1)

E a indústria foi crescendo, sendo ordenado ao almoxarife de Lagos, em 1499, que construísse três pilhas de salga, para a salgação de três mil atuns (2), porém, onze anos depois, os tanques desta vila recolhiam dois mil novecentos e noventa atuns. (3).

A fumagem era uma forma de conservação praticada em Portugal  desde cedo, não sendo possível, no entanto, concretizar a data em que tal prática foi iniciada. Sabemos, porém, que, em 1377, já era uso defumar a sardinha e que o peixe assim preparado tinha mais valor (4); sabemos ainda por um documento publicado pela Câmara do Porto, em 3 de Fevereiro de 1491, que nesta cidade a sardinha «assi fresca como de pilha e de fumo pague de cada cento hua e de cada milheiro 10» postura com a validade de três anos (5) e que um tal Gonçalo Afonso levou, em 29 de Dezembro de 1476, perante a Relação do Porto uma amostra de certa sardinha fumada que «lhe foy aberta a 200 o milheiro», pertencente a Miguel Rodrigues, de Vila do Conde (6). Tudo leva a crer que nestas condições o peixe não podia ser vendido sem prévia aprovação do Conselho e que os preços eram fixados pela mesma entidade.

A par destes dois processos, surge-nos a conservação por secagem. Da sua antiguidade nada podemos afirmar, mas o primeiro documento que a ela alude é a já referida ementa dos produtos de Atouguia (1223-1279) o que nos dá a certeza de ser prática antiga.

Sobre o peixe seco pesavam os mesmos impostos e direitos que sobre os outros sendo exportado com a mesma frequência e para os mesmos mercados, principalmente da Espanha, Norte de África, Itália e Flandres.

(1) ld, Chancelaria de D. Sebastião, liv.30 fl. 16vº.
(2) SILVA LOPES, Cartografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve, pág. 96.
(3) A.N.T.T., Livro 7 de Odiana, fl. 145-146.
(4) J. M. SILVA MARQUES, ob. cit., I (Supl.), págs. 51 e segs.
(5) Gabinete de História da Cidade do Porto, Livro A. fl. 56 vº .-57 vº
(6) Id., Livro 4 de Vereações, fl. 79 vº ,

As navegações encetadas pelo Infante Navegador não trouxeram à indústria de conservação qualquer desenvolvimento especial.

Os barcos iam providos de peixe em conserva, em pequenas quantidades, mas levavam fartos carregamentos de sal que empregavam na preparação do peixe que pescassem (1). Poder-se-ia até julgar que esta indústria teria decaído durante este período, como já outros o afirmaram (2). Na verdade, era à classe dos pescadores que, principalmente, iam buscar o pessoal dos navios e, uma vez conhecedores fonte de riquezas que constituíam as aventurosas expedições, preferiam-nas às tradicionais actividades em que não enriqueciam. A verdade, porém, é outra. Nem os pescadores desejavam abandonar a profissão, nem a pesca diminuía, visto que se ampliavam os campos de pesca nos mares das possessões ultramarinas.

Uma nau com 62 tripulantes levava 50 dúzias de peixe salgado e 60 quilos de peixe seco; de sardinha para isco carregava 30 quilos (3) e em viagem de três meses o mantimento de 70 pessoas, em peixe, era de 599 espécies (4).

A costa de África era rica em pescarias, onde, em pouco tempo, uma nau se abastecia do peixe que necessitasse, e, numa época em que o acondicionamento dos produtos alimentícios, nos barcos, era precário, em que a falta de frescos era o pior inimigo do mareante, o peixe fresco devia ser um recurso aproveitado sempre que possível.

Pouco se sabe, infelizmente, sobre os sistemas adoptados na conservação do peixe, mas podemos supô-los semelhantes aos que ainda hoje se utilizam em certas regiões do litoral.

Depois de desvicerado, retalhado em quartos, era, por sua vez, golpeado, metido em tanques alternadamente com o sal ou mais simplesmente aberto ao longo do lombo e salgado (5).

(1) ZURARA, Crónica da Guiné, pág. 406.
(2) O. MARTINS, Portugal nos Mares, págs. 248-249.
(3) QUIRINO DA FONSECA, Memórias e Conferências sobre História e Arqueologia, págs. 182-183.
(4) J. M. SILVA MARQUES, ob. cit., I (Supl.), pág. 349 e segs.
(5) SILVA LOPES, ob. cit., pág. 96.

A operação fazia-se no local da descarga ou em pontos para isso reservados (1) e, segundo parece, em casas construídas para esse fim (2) ; para a secagem os havia igualmente (3). Aí o peixe era estendido, limpo, posto sobre estacas de madeira verde, onde permanecia exposto ao sol, durante o tempo necessário para a sua cura (4). Essa madeira era colhida nas matas sem qualquer encargo para os conserveiros (5).

A conservação pelo fumo seria, necessariamente, mais complicada e trabalhosa. Fazia-se em casas – fumeiros -para esse fim construídas (6) e nos meses de outubro, novembro e dezembro, ao passo que a salga e a secagem requeriam meses mais quentes e com sol. Era primeiramente salgado e depois exposto ao fumo durante bastante tempo.

O peixe utilizado na conserva era a sardinha, atum, corvina, pescada, sável e a baleia, esta pelo menos até meados do século XV.

A venda do peixe fresco, seco ou salgado era objecto duma regulamentação rigorosa: os pescadores vendiam o peixe no local da descarga, na presença dos oficiais do fisco, aos regates, que os carregavam em bestas conduzidas por almocreves para o interior ou em cestos, quando era mercadejado nas regiões litorais; da venda a retalho se encarregavam ainda os próprios Pescadores ou suas mulheres.

A quantidade do peixe entrado era verificado pelos contadores que a participavam aos fiscais para fixação da dizima e sisa que aos pescadores e regateiras deviam ser cobradas.

O peixe era vendido a qualquer hora (7), excepto em casos especiais, como acontecia em Setúbal, em 1586, e que por uma postura do concelho estabelecia que os pescadores que trouxessem peixe só o podiam vender às regateiras fora das barcas e até à hora de terça, e depois de o venderem ao concelho e seus vizinhos, para evitar que

(1) A.N.T.T., Chancelaria de D. Joao III, Jivro 69, fl. 134.
(2) ld., Chancelaria de D. Sebastião, livro 30, fl. 16-16 º
(3) J. M. SILVA MARQUES, ob. cit., I (Sup.), pag. 29.
(4) ZURARA, ob cit., págs. 421-122.
(5) J. M. SILVA MARQUES, ob. cit. I (Sup.), pág. 35.
(6) A.N.T.T., Chancelaria de D. Joao II, livro 25, fl. 79 vº
(7) J. M. SILVA MARQUES, ob. cit., I (Sup.), pág. 187.

a vila ficasse desprovida de pescado (1 ) era vendido em praças pelas regateiras em dias certos, excepto nos dias da Quaresma em que a sua venda parecia ser proibida (2).

Muitas vezes os compradores faziam parçaria na compra do pescado o que dava Iugar ao açambarcamento; para o evitar, proibiam-se (1544) estas sociedades com mais de três pessoas e cada uma delas não podia fazer parçaria com outras e quem tivesse alimárias não podia ter nem entrar em parçaria. Os contraventores perderiam o peixe comprado, metade para os cativos, um quarto para a Câmara e o restante para o denunciador e seriam degredados para África (3).

Fresco, seco, salgado ou fumado era vendido a peso, pelo menos em certas regiões (4 ), exportado em barricas, o salgado, enfardado em esteiras de esparto apertadas com cordas, o restante (5 ). O peixe conservado era mais caro do que o fresco, assim no-lo diz uma carta de 1387 confirmada em 15 de Julho de 1486, dada aos homens de Setúbal (6) .

A pesca era uma fonte de riquezas para Portugal onde os cofres do Reino iam buscar rendimentos consideráveis com os direitos que destas actividades colhiam, tão onerosas que, em muitos casos, a população piscatória se desinteressava abandonando a profissão ou procurando fora do País as facilidades que lhes eram negadas, como já o demonstrámos.

De todos os impostos a que o pescado estava sujeito, consideramos como mais antigo o nabão, já citado numa doação de Ordonho II, de 922 (7). Era um direito pago pelos pescadores que por cada embarcação davam um peixe.

Outro, igualmente muito antigo, era o da cestaria, rendimento cobrado sobre os cestos – lavadeiros – fornecidos pelas Câmaras para a medição e carregamento do pescado fresco ou em conserva.

(1) A. N. T. T., Livro 7 de Odiana, fl. 128-129.
(2) A. IRIA, Algarve e as Descobrimentos, II, págs. 428-429.
(3) A. N. T. T., Chancelaria de D. João III. livro 35, fl. 12-vº.
(4) Gabinete de História da Cidade do Porto, Livro 6 de Vereações, fl. 97.
(5) A. N. T. T., Chancelaria de D. Manuel, livro 36, fl. 124-vº
(6) J. M. SILVA MARQUES, ob. cit., I (Supl.), pág_ 432.
(7) VITÉRBO, Elucidário, II, pág. 168.

Em Lisboa esse imposto que vigorava ainda em 1549, era cobrado da maneira seguinte: por cada embarcação que descarregasse no porto a cidade receberia um cesto de peixe, mas se fosse peixe que deteriorasse os cestos – sardinha, cachucho, pescadas, pargos, arraias, toninhas, atum – acrescia-lhes mais meio ou um real, conforme as espécies : um cesto de sardinha salgada pagava, por dia, meio real, o peixe seco, como não necessitava de ser lavado, estava isento da cestaria. As regateiras, por cada compra que fizessem, dariam três reais e meio para ajuda da cestaria (1). Todo o pescado entrado ousaído dos portos pagava a dizima mas em 1439, nas Cortes de Lisboa, os povos agravaram-se do quinto que sobre o pescado seco e salgado lançavam os almotaces, quitando-o, o Rei, aos naturais que não fossem galeotes ou estrangeiros (2).

Setúbal, em 1449, pagou pela sisa do pescado 362 mil reais e ainda por 86 dúzias de raias, 5 peixes, 70 dúzias de lixas, 9 peixes, 114 peças de cações, 18 de minhotos, 2 de sardas, 2 solhos e 16vdúzias e meia de pescados (3). Em 1503, o pescado de Selir, rendia, em 3 anos, 7.230 reis (4 ) e, em 1505, ao florentim Bartolomeu foram quitados 1.310.504 reis relativos a certas botas e barris de atuns que recebera por contrato com o Rei (6) : Diego de Alvarenga, em 1511, presta contas de 19.868 reis da venda de 21 quintais e 1 arroba de atum, 2 alqueires de grãos, 20 pipas de atum e 4 de sardinha (6).

Duma relação de rendas da Coroa de 1593 consta que em Santarém o Fisco cobrava pelo pescado fresco que ia de Atouguia, por cada carga, 30 reis, por meia carga, 15 reis : pela sardinha trazida por terra, 20 reis, de cada carga do pescado seco, um terço da sisa, ou seja, de 30 peixes um (7).

(1) FREIRE DE OLIVEIRA, Elementos para a História do Município de Lisboa, I, págs 138 e seg.
(2) J. M. SILVA MARQUES, ob. cit., I (Supl.), págs. 332-334.
(3) A.N.T.T., Livro 3 de Odiana, fl. 213 vº
(4) Id. Chancelaria de D. João III, livro 72, fls. 140 vº.-141.
(5) Arquivo Histórico Português I, pág. 360-361.
(6) Ob. cit., I, pág. 865
(7) Relação das rendas da Coroa … em “Boletim Bibliot. da Universidade de Coimbra”, 19, pág. 62.

A casa do pescado de Lisboa estava orçamentada, segundo a mesma relação, em 9.136.074 reis relativos à sisa de todo o pescado fresco, salgado grosso, miúdo e sardinha, vendido na cidade (1).

Desapareceram os documentos que nos podiam dar os mais preciosos elementos sobre a indústria da pesca – os livros das Almadravas.

Alguns autores os têm procurado em vão, outros referem-se-lhes como se os tivessem compulsado, atribuindo um rendimento de oitenta contos de reis as almadravas, só quanto a pescaria do atum (2) e a partir de 1440 começariam a render entre 40 a 45 contos (3).

Sem melhores resultados procuramos os almejados livros mas apurámos o valor dos rendimentos do pescado de alguns centros piscatórios que aqui damos como achega a este estudo: de 1490 até 1498, o almoxarifado e almadravas de Lagos haviam rendido 9.924.874 reis (4 ) e as almadravas do Algarve, em 1508, 1.325.396 reis: em 1509, 5.665.878 reis (5); em 1593, 15.438.060 reis, incluindo o pescado e sardinha de Lagos, era o rendimento dos direitos do atum, corvinas e mais pescado das 16 almadravas do Algarve (6).

Um manuscrito setecentista indica as seguintes armações do Algarve: Farrobilhas, Zimbral, Ponte Bêbeda, Cabo de Santa Maria, Pedra Negra, Quarteira, Beliche, Baleeirinhas, Pedra de Galé, Carvoeiro, Peixe Frito, Torrealtinha, Torrealta, Almadana, Zavial, Baleeira, Cabo (em Sagres), Barcaceira (C. de S. Vicente) (7).

É vago o que pudemos apurar sobre a organização das referidas almadravas, apenas podendo afirmar que se agrupavam por feitorias a frente das quais estava o feitor ou almoxarife que tinha como auxiliares os escrivães (8).

É possível que outros elementos venham a surgir que nos permitam um conhecimento mais amplo do rendimento das armações e da sua organização, mas deste pouco que conseguimos já se pode avaliar o desenvolvimento da indústria da pesca.

(1) Id., pág. 73-74.
(2) SILVA LOPES, ob. cit., pág. 89.
(3) Biblioteca Nacional de Lisboa, Reservados, nº 224.
(4) A.N.T.T., Livro 1 de Odiana, fl. 231 vº.- 232.
(5) Id., Livro 7 de Odlana, fl. 145-116.
(6) Relação das rendas da Coroa de Portugal, id., id., pág. 69.
(7) Biblioteca Nacional de Lisboa, Reservados n.º224.
(8) A.N.T.T. Chancelaria de D. João Ill. livro 49, fl. 159 e livro 26 . fl. 253.

Scroll to Top