A indústria conserveira em Lagos (1882-1925)

Lagos' canning industry (1882-1925)

Armando Amaro

Universidade de Évora 
Arqueologia Industrial Quinta Série / Volume III / Número 1-2 / 2021

Resumo 

No final do século XIX, surge a primeira fábrica de conservas de peixe em Portugal, e rapidamente multiplicam-se o número de instalações até ao início do século XX, registando-se o número máximo em 1925. É no arranque da indústria até à I Guerra Mundial que Lagos se destacou como importante centro conserveiro, a nível regional e nacional. Apesar de para este período as referências e documentação conhecidas serem diminutas, a identificação de novas fontes documentais permitiu descobrir fábricas, proprietários, alvarás industriais, entre outros dados. Através desta documentação tornou-se possível contextualizar a importância desta indústria, em Lagos, até à I Guerra Mundial, bem como, a elaboração de um mapa de localização exata dos edifícios fabris. 

Palavraschave 

Indústria conserveira; arqueologia industrial; fábricas; Lagos; Algarve.

Abstract 

At the end of the 19th century, the first fish canning factory in Portugal appears, and the number of installations quickly multiplied until the beginning of the 20th century, with the maximum number being registered in 1925. It was at the start of the industry until World War I that Lagos stood out as an important canning center at a regional and national level. Although for this period the known references and documentation were few, the identification of new documental sources allowed discovering factories, owners, industrial permits, among other data. Through this documentation, it became possible to contextualize the importance of this industry, in Lagos, until World War I, as well as the elaboration of a map of the exact location of the factory buildings. 

Key words 

Canning industry; industrial archeology; factories; Lagos; Algarve. 

A industrialização da conservação de alimentos inicia‑se em 1804, com a descoberta de Nicolas Appert de conservar alimentos em recipientes hermeticamente fechados através do calor. Em 1910 é registada a primeira patente para o uso de latas de folha‑de‑flandres e surgem as primeiras fábricas de conserva de peixe, primeiro em Inglaterra e França e depois pelo resto do mundo (AMARO, 2020: 18; RODRIGUES, 1997; BARBOSA, 1941). 

A primeira fábrica instalada em Portugal, surgiu no ano de 1854 em Setúbal. Os seus proprietários, Feliciano António da Rocha e Manuel José Neto, participaram da Exposição Universal de Paris em 1855 com uma lata de conserva de sardinha em azeite (ALCÂNTARA, 2008: 12; BARBOSA, 1941). A indústria levaria, no entanto, alguns anos a instalar‑se nos principais portos de pesca do pais, assim como a ganhar expressão quanto ao número de fábricas. Em 1879, regista‑se a primeira fábrica de conservas no Algarve, a fábrica “St. Maria” da Parodi & Roldan, em Vila Real de Santo António, e na década seguinte a indústria ganhará expressão na região. Um dos eventos que contribuiu para o arranque da indústria foi a escassez de peixe que se verificava na costa da Bretanha, neste período, o que leva alguns industriais franceses a instalarem‑se em Portugal. A empresa Ètablissements F. Delory foi a que teve mais impacto no Algarve, construindo fábricas de dimensão média/ grande, em relação às suas contemporâneas, em Setúbal, Lagos, Lagoa e Olhão (RODRIGUES, 1997). 

A fábrica Delory, ou “da Ribeira”, que terá iniciado a sua atividade em 1882, é a primeira instalação de produção, em lata, de conservas de peixe, em Lagos. No século XIX a cidade encontra‑se numa fase crescente, querendo recuperar a prosperidade que detinha antes do terramoto de 1755, assim como a importância e fluidez comercial do seu porto (AMARO, 2020: 106; PEREIRA, 2018: 107). Os armazéns de salga de peixe, que surgem no século XIX, incrementaram a atividade local, mas seria a indústria de conservas que alavancaria significativamente a economia, estimulando as artes da pesca, oficinas e estaleiros. O período compreendido entre 1882 e 1900, é de crescimento lento, de algum experimentalismo e com poucas fontes documentais, o que se deve à inexistência de um organismo regulador ou um registo mais rigoroso desta indústria ainda embrionária no nosso pais. O acesso a nova documentação local, antes inacessível, permite uma nova leitura para este período inicial da indústria em Lagos, assim como, complementar o conhecimento dos períodos subsequentes. 

O Inquérito Industrial de 1890, realizado pela Direcção‑Geral do Comércio e Indústria, é o primeiro registo nacional onde é mencionada a existência de fábricas de conserva em Lagos. Neste, são identificadas quatro: Frederico Delory, na Rua da Ribeira, já mencionada anteriormente; J. Labrouche, na Rua da Porta de Portugal; S. João, na Estrada do Molião, e Polier Fréres, no Rossio de S. João 1. Estes registos iniciais funcionavam como uma espécie de inquérito local, em que se procurava saber a existência das industriais existentes. No entanto, devido à inexistência de um registo nacional, verifica‑se que estes inquéritos, o primeiro de 1881 e este de 1890, falham em conseguir registar todas as empresas em laboração, até por este não ser obrigatório. 

No Arquivo Municipal surgem alguns nomes para este período. No livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de 1882 a 1886 é possível ler: 

“Um requerimento de E. Tardis, proprietário da fábrica de conservas de sardinha, sita no rossio de S. João, pedindo, que, a exemplo do praticado com Mr. Labrouche (…) canalizar do aqueduto que abastece a cidade à sua fábrica a água que convém para o serviço de uma fábrica”2. 

Não existe certeza sobre o nome “E. Tardis”, pois este apenas aparece escrito uma vez, mas este excerto é demonstrativo dos requerimentos à administração local onde, por vezes, é possível encontrar informação sobre estas instalações. Por outro lado, regista‑se que o acesso à água do aqueduto para o uso fabril era uma prática comum, como provam vários exemplos assinalados noutros documentos. Ainda no mesmo ano de 1886 é feito um pedido semelhante por “Joseph Felan”, com fábrica “fora das Portas de Portugal3, onde também é referido o exemplo do Sr. Labrouche para a aprovação deste pedido. E outro, por parte da Cabral, Cordeiro & C.ª, fábrica do Rossio de S. João, mas desta vez para edificar “habitações para empregados e armazéns d’arrecadação4 num terreno adjacente à fábrica. É ainda referido: “foi visitada e considerada em boas condições a fábrica de Mr. Labrouche5, reforçando mais uma vez que esta já estaria a funcionar em 1886, ano das várias passagens mencionadas. 

1 Inquérito Industrial, 1890, vol. III, pp. 527‑529. 
2 Arquivo Municipal de Lagos, Actas das Sessões da Câmara Municipal de 1882 a 1886, Liv. 17, f. 165‑165 v. 
3 Idem, f. 196. 
4 Idem, f. 176. 
5 Idem, f. 178v.

No livro de Registos de Diplomas e Estatutos da Administração do Concelho de Lagos (1886‑1915), é referida a licença para instalação de uma “machina balancé” na fábrica de Frederico Delory, na Rua da Ribeira 6, comprovando a existência desta fábrica antes do Inquérito de 1890. E ainda, o nome de Francisco de Jesus Gomes, a quem é concedida licença para uma fábrica de “azeite de peixe e guano” em 1893, no sítio da Meia‑Praia 7. Esta não é uma fábrica de conservas de peixe, mas uma fábrica que utilizava os restos de peixe, de outras atividades, ou peixe que não podia ser utilizado para consumo, para a produção de óleos e fertilizantes artificiais. 

Além das fábricas mencionadas acredita‑se que a Aliança Fabril Lacobrigense, Lda, terá iniciado atividade em 1889, segundo recorte de jornal onde consta a publicidade da empresa, na qual é indicado o seu ano de fundação (AMARO, 2020: 107). 

O século XIX prova ser um período de lento desenvolvimento para a indústria em Lagos, mas as sete fábricas anteriormente mencionadas eram significativas, à data. Esta importância traduziu‑se, na melhoria das condições portuárias da cidade, devido à necessidade de corresponder às exigências industriais. Segundo um relato de 14 de Novembro de 1893, a realidade do porto de Lagos era a seguinte: 

“afluindo ali o peixe de 12 embarcações de pesca e de 2 cercos americanos para servir 7 fábricas de conservas de sardinha, 2 de salga, e 1 de guano, bem como todos os géneros agrícolas de três concelhos para exportação, e os de consumo de importação, tudo isto era altamente prejudicado pelo estado da barra e do porto (…) não tendo no porto lugar seguro para fazê‑lo, tinham de esperar na baía, o que as expunha a grandes perigos”(Loureiro, 1909). 

Este relato é demonstrativo da falta de condições do porto, e fala de 7 fábricas em 1893, que não corresponderiam totalmente às que foram possíveis de identificar, apesar da coincidência numérica. As duas salgas seriam as estivas de Paulo Cocco e de D. N. Charalampopolus, e a de guano é provável que seja a de Francisco de Jesus Gomes. 

6 Arquivo Municipal de Lagos, Registos de Diplomas e Estatutos da Administração do Concelho de Lagos (1886‑1915), Liv. 1, f. 9v‑10. 
7 Idem, f. 21v‑22v.

Esta realidade levaria à construção do Cais da Solaria, entre 1904 e 1908, permitindo um novo local de abrigo para as embarcações, sem ser o antigo cais, que se localizava em zona interior da cidade e que dependia do caudal da Ribeira de Bensafrim. O novo cais estava virado para o mar, construído junto ao Forte da Bandeira e da muralha – como se pode ver na figura 1 – na zona da Ribeira que era o centro piscatório da cidade, contando já com uma fábrica de conservas na zona (a Delory). 

No panorama nacional e regional, a cidade de Lagos era neste período um dos importantes centros conserveiros e piscatórios do pais, sendo Setúbal o principal. Esta posição seria reforçada entre 1900 e 1915, principalmente a nível regional, sendo Lagos o centro conserveiro com maior número de fábricas no Algarve até à I Guerra Mundial (RODRIGUES, 1997). O conflito armado iria aumentar a procura de conservas, para alimentação das tropas, incrementando exponencialmente os lucros, e surgindo novas fábricas procurando aproveitar a especulação que se verificava (Rodrigues, 1997). A instalação de fábricas na perspetiva de obtenção de lucro imediato, e muitas vezes sem as condições necessárias, o que provocava o seu desaparecimento tão depressa como tinham surgido, contribuiu para a existência de empresas e fábricas ainda por identificar. 

O aumento do número de fábricas no início do século traduz‑se também na documentação. Analisando a restante informação no livro de Registos de Diplomas e Estatutos da Administração do Concelho de Lagos (1886‑1915), existem uma série de pedidos para a instalação de “machinas balancé” e alguns pedidos de licença industrial para as fábricas. 

As “machinas balancé” eram “destinadas à confeção de caixas de folhas de flandres8 e “estampagem de folha de flandres9. Devido à função destes equipamentos podemos assumir que os pedidos para a sua instalação seriam de fábricas de conservas ou armazéns de produção de latas, mas não se conhecem, em Lagos, fábricas que se dedicassem exclusivamente à produção de vazio. A licença determinava, ainda, que estava “proibida a alienação, trespasse, empréstimo ou transferência da dita machina para fora do estabelecimento em que funciona, sem previa licença daquele para que se destina e para que se concede licença10. 

No Quadro 1 podemos observar que são vários os pedidos para a instalação de balancés por parte de fábricas, sobre as quais se sabe pouco:
Comercial Cordeiro de Commandita, Rossio de S. João;
União Lacobrigense, Praia de S. Roque;
Cooperativa Internacional, Rossio de S. João;
Cooperativa União Lacobrigense,
Aldeia da Porta do Postigo;
Pierre Charelle Marie Chancerelle,
Rossio de S. João;
“E. M. Dadel”
(não foi possível confirmar o nome) Porta de Portugal;
Thomas d’Aquino Souza;
A. Marreiros Veiga & C.ª,
Rossio de S. João;
Fonseca Filho & Comp.ª,
Tapada do Molião,
e Freire & Comp.ª
, fora da cidade, em Espiche.
Destacar ainda o facto de ser possível a obtenção de licença para as máquinas sem ter a licença industrial para o fabrico de conservas, como é o caso da Sociedade Christiano & Companhia, de Manoel António Christiano, que só a obteve passados dois anos. Este facto corrobora com outros exemplos de fábricas que começaram a laborar e só lhes foi concedido o alvará industrial anos depois. 

Fig. 1. Projeto do Molhe‑Cais da Solaria, pelo Eng.º Henrique Moreira, 30 de Setembro de 1903, in A. Loureiro, A. (1903), Os Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes: Atlas. Lisboa: Imprensa Nacional.

Fig. 2. Construção do Cais da Solaria. Desembarque do Ministro da Marinha em 1906. Autoria de Henrique Mendonça. Fototeca de Lagos.

Outra curiosidade é a mudança de nome das empresas ou pequenas variações efetuadas ao longo do tempo, por isso a Cooperativa Aliança Lacobrigense seria a Aliança Fabril Lacobrigense e a Fábrica S. João do Inquérito de 1890 seria a Sociedade Mercantil de S. João, que sabemos ter sido fundada em 1886 (RODRIGUES, 1997). 

Sobre as restantes fábricas esta informação permite enquadrar melhor o seu surgimento, que na maioria dos casos se revela ser bastante mais cedo do que se pensava. São exemplo disso o caso da segunda fábrica dos Estabeleciments F. Delory, que era designada como Palmeira; a Sociedade Christiano & Companhia e a Jorge & Comp.ª, que surgem referidas em documentação dos anos de 1920. Esta documentação reforça que este foi um importante período de dinamismo industrial em Lagos, em contraste com outros centros conserveiros do Algarve (AMARO, 2020: 190‑191). 

A legislação relativa ao licenciamento dos estabelecimentos industriais ajuda‑nos a compreender melhor as fontes, a consistência e a organização da informação disponível. Para o período até agora abordado, de 1882 a 1915, definia o decreto de 21 de outubro de 1863 que caberia aos governadores civis, administradores do concelho e comissões executivas das Câmaras Municipais, licenciar, garantindo a salubridade e segurança destes edifícios. Significa isto que as fontes documentais são maioritariamente locais e regionais, guardadas em arquivos com historial de incêndios e outros acidentes, por vezes poucos valorizados, resultando na perda de muita da informação produzida neste período. Esta informação surge por isso dispersa em atas e correspondência, mas outras vezes em vistorias de exame a motores ou em livros de registo de licenças, já com critério e coordenação regional, documentos que nos garantem mais informação. 

A partir de 1918, com o decreto‑lei n.º 4351 de 28 de maio, fica o Secretário de Estado do Trabalho incumbido de conceder os alvarás às várias indústrias insalubres incómodas, perigosas ou tóxicas. O organismo regional do Algarve, sob a tutela da Direção‑Geral do Trabalho e do Ministério do Trabalho, era a 5.ª Circunscrição Industrial, que tinha sede em Faro. A organização e qualidade dos dados, a partir desta data, é substancialmente maior, até porque é este organismo que passa a recolher informação sobre os operários, assim como sobre alguns fatores das suas condições laborais. 

No Arquivo Municipal de Lagos foi possível encontrar cópia de um conjunto de termos de exame de instalação de geradores, que foram emitidos pela 4.ª Circunscrição Industrial, de 1915 a 1918, e outros de 1919, pela 5.ª Circunscrição Industrial.

8 Idem, f. 36. 
9 Idem, f. 34v. 
10 Idem, f. 35.

Nestes documentos, destaque para três firmas:
a Demosthenes A. Pappaleonardos, Tapada de S. João;
a António Afonso Canelas Marreiros, Tapada de S. João
e a “A Industrial, S. Roque, Lda”,
na Praia de S. Roque, todas descritas como fábricas de conserva de peixe.

Estas fábricas não tinham ainda surgido na documentação citada anteriormente e sobre as quais pouco sabemos; a mais conhecida é a D. A. Pappaleonardos, para a qual existia a dúvida se era um armazém de salga ou se produzia peixe em conservas em lata. 

O último período em análise é o do pós‑guerra, de 1915 a 1925. A exponencial procura de conservas durante a I Guerra Mundial, levou a elevados lucros atraindo novos investidores. Esta tendência continuou nos anos seguintes, perspetivando‑se que a indústria continuaria lucrativa, devido à desvalorização do escudo. Esta ilusão estendeu‑se até anos 20, quando a moeda atingiu a sua valorização mais baixa (RODRIGUES, 1997). Ainda que os lucros em nada se assemelhassem aos dos anos do conflito mundial, em 1925 atingiu‑se o número máximo de fábricas de conserva em Portugal. Lagos não foi exceção, mas a partir de 1922, com a chegada do comboio, não se observariam mais transformações significativas na estrutura urbana da cidade (AMARO, 2020: 140). 

Na documentação do Arquivo Municipal de Lagos foi possível encontrar várias referências para este período. No livro de Actas das Sessões da Câmara, de 1914 a 1919, é possível acompanhar um processo de instalação da fábrica da empresa Silva, Oliveira & C.ª. Em 1916 é deferido o pedido para que seja ligado um cano para abastecimento de água do aqueduto da cidade 11; depois, em janeiro de 1917, apresenta o pedido para a licença industrial para a fábrica instalada num prédio no Rossio de S. João 12, que é concedida em abril do mesmo ano 13. Também em 1917, a Sociedade de Conservas Bahia de Lagos, pediu autorização para a instalação de um cano para o abastecimento de água através do aqueduto da cidade. É referido ainda o seguinte caso: “Deliberou que o Convento da Senhora da Glória arrendado a José Joaquim de Figueiredo só possa ser utilizado para o fim para que foi arrendado – isto é para fábrica de cortiça e não para fábrica de conservas14. Estas são, mais uma vez, empresas para as quais existem poucas referências, sendo apenas mencionadas mais tarde. A situação que se relata sobre o Convento da Senhora da Glória, é muito interessante, pois existiu mais tarde uma empresa de conservas denominada “Convento da Sr.ª da Glória, Lda”. E segundo este documento, o Convento estava arrendado para utilização industrial, sugerindo que ali funcionou uma fábrica de conservas, embora não tenha sido com essa intenção que foi arrendado. 

11 Arquivo Municipal de Lagos, Actas das Sessões da Câmara Municipal de 1914 a 1919, Liv. 23, f. 99. 
12 Idem, f. 104. 
13 Idem, f. 113. 
14 Idem, f. 131.

No Livro dos termos de manifesto das mercadorias, géneros ou produtos exportados do concelho de Lagos, pela via terrestre de 1920 15, existem declarações de indústrias e de empresas de conservas, e o local de onde sairia a mercadoria. Além de nomes que já foram referidos anteriormente, identifica: 
a Rosendo & Comp. (n.º 7), “Armazém na Rua Direita”;
Figueiredo & Taquelim, Lda (n.º 33),
Fábrica da Sra. da Glória”;
Pereira, Taquelim & Comp.ª. (n.º 39), “Armazém na Rua de Azevedo Coutinho”;
Oliveira & Comp.ª (n.º 49), “Armazém Rua Longa”;
Teodósio dos Reis Canelas (n.º 51), “sua fábrica em S. João”;
Maria Gonçalves Taquelim Dias & C.ª (n.º 91), Armazém da Sra. da Glória;
Centro Comercial de Conservas Lda (n.º 134), “Rua da Porta dos Quartos”;
Companhia Industrial de Conservas, Lda (n.º 140), “Ponte”;
Olivas & Januário, Lda (n.º 243), “Santo Amaro” e
Algarve Exportador, Lda (n.º 373), “Lagos”.

Ao analisar os vários manifestos é perceptível que para além das empresas produtoras existiam outras que comercializavam conservas, máquinas e outros produtos relacionados com a indústria. Os nomes citados são todos de empresas que exportaram conservas em 1920, sendo que a localização referida por vezes não era a da fábrica, mas de um armazém de alguém que se dedicava a exportar as conservas de uma ou várias empresas. 

Dos nomes citados, o destaque vai para a Algarve Exportador, empresa fundada em 1920, sendo o seu modelo de negócio inicial o fornecimento e comercialização de matérias primas (CERQUEIRA, 2000). No entanto, no termo n.º 457 de 8 de agosto de 1920, está registada a saída de caixas de conservas em lata, para exportação, com a marca A.E.L. Esta venda, já utilizando a marca da empresa, poderia não ser de produção própria, ficando a dúvida de quando a empresa se estabeleceu como produtora de conservas. O que foi possível apurar é que a Algarve Exportador pediu autorização para “proceder à reconstrução do seu prédio situado na rua da Porta de Portugal” a 1 de setembro de 1920, pedido que é deferido a 20 de outubro do mesmo ano. Este edifício acredita‑se que seja o mesmo onde funcionou a fábrica J. Labrouche, que terá sofrido um incêndio em 1915. 

Ainda no ano de 1920, nos livros do Copiador de Correspondência Expedita, surgem duas listas de fábricas. A 2 de fevereiro, o Administrador do Concelho manda notificar, pedido as amostras de azeite que estão em falta, de acordo com o “decreto n.º 4795 de 7 de outubro de 1918”. E a 3 de dezembro, o Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal, em nome do Administrador do Concelho, pede que se notifiquem as várias fábricas a informarem o consumo de azeite, por forma a enviar a informação pedida pelo Ministério da Agricultura sobre o consumo de azeite industrial, no concelho. 

15 Arquivo Municipal de Lagos, Livro 271, dos termos de manifesto das mercadorias, géneros ou produtos exportados do concelho de Lagos, pela via terrestre, 1920.

Estas duas listas que podemos ver no Quadro 3, mencionam mais empresas sobre as quais pouco se sabe. Infelizmente a documentação disponível não indica quaisquer moradas, no entanto informa‑nos sobre a existência de mais fábricas neste período. 

Em 1922, é concluída a linha de caminho de ferro do Algarve, que chega então a Lagos, possibilitando a importação e exportação de produtos, e beneficiando com isso a indústria conserveira (AMARO, 2020: 113). 

Fig. 3. Estação de Lagos, Ilustração Portuguesa, II Série, n.º 589, de 4 de junho de 1917, p. 453.

O transporte de conservas para exportação continuou a ser realizado maioritariamente por barco ou por via terrestre, ainda assim esta era mais uma alternativa para os industriais da cidade, que permitia principalmente uma melhor comunicação com países da europa central. No Livro de termos de manifestos das mercadorias géneros ou produtos exportados concelho Lagos por via férrea, de 1923‑24, surgem vários nomes de fábricas, já mencionados:
Lucas & Ventura, Lda;
Júdice Fialho;
Centro Comercial de Conservas, Lda;
Oliva & Januário, Lda;
Fábrica Convento da Sr. da Glória;
António Afonso Canelas Marreiros;
Luz Industrial, Lda;
S. Gerardo, Lda;
Consórcio Português de Pesca e Conserva,
etc.
Existem, no entanto, outras empresas que ainda não tinha aparecido na documentação, a Alves da Silva, Lda, a exportar “116 caixas de sardinha em conserva”16, na data de 29 de dezembro de 1923. O termo de exportação não faz referência a qualquer armazém ou fábrica, existindo a possibilidade de esta ser apenas uma empresa revendedora. O industrial Benjamin Tanniou, aparece também nesta documentação declarando, no dia 11 julho de 1923, a exportação de 100 caixas de conserva de sardinha em azeite, em nome da Sociedade de conservas “Samarál”, Lda. Desconhece‑se esta sociedade e se Tanniou seria o sócio principal, ou estaria simplesmente a movimentar produtos de outras empresas. 

No livro de Atas da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Lagos, 1923‑1925, existem alguns pedidos relacionados com a indústria conserveira, nomeadamente o pedido da Sociedade de Conservas Piedade, Lda para construir uma casa no sítio de Santo Amaro 17. A 7 de julho de 1923, é concedida licença a Benjamin Tanniou para realizar obras num prédio, no Rossio de S. João, que consistiam na abertura de duas janelas 18. Este prédio será provavelmente para montar a sua fábrica de conservas. É também concedido, a Teodozio dos Reis Canelas, industrial, a autorização para ligar do aqueduto um cano de abastecimento de água para sua fábrica de conserva, que se localiza no rossio de S. João 19. É ainda concedida a mesma autorização de abastecimento de água, para uma fábrica de conservas no Rossio de S. João, à firma Lucas & Ventura, Lda, com sede em Olhão 20. Há também o caso do sr. Francisco de Paula Lobo da Veiga, industrial, que pediu para construir um túnel, com o objetivo de ligar um edifício, onde pretendia instalar um motor, e a sua fábrica de conservas, situada na “rua do Chão Queimado21. Refere‑se ainda que a Empresa de Conservas Falfeira, Lda, com fábrica no Rossio de S. João, foi autorizada a efetuar obras na fachada 22. Na sessão de 22 março de 1924, foi aceite o pedido da Sociedade de Conservas Piedade, Lda, para colocar um cano para o abastecimento de água da sua fábrica de conservas em Santo Amaro ou Moinhos, o que nos indica que o pedido anteriormente referido será o da construção da fábrica, em 1923. A 3 de junho de 1924, foi autorizada a construção de um cano para a fábrica de Benjamin Tanniou, no Rossio de S. João. No seguimento deste pedido a Câmara previu a necessidade de contruir um cano ao longo da zona do Rossio a fim de ligar a futuras construções, pois os pedidos e construções que se faziam a título privado começavam a entrar em conflito, podendo causas problemas no futuro. Nesse sentido é referido que Benjamin Tanniou e Augusto César da Silva, sócio de Tanniou, contribuíram com dinheiro e pedra para auxiliar na construção do novo cano. E ainda que “o sr. António da Silva Freitas, gerente da firma Alpapito, Martinheira Ares & C.ª, com fábrica no dito rossio (…) também contribuiu com alguma importância para a construção do referido cano23. Na ata de 14 de agosto de 1924, é deferido o pedido de António Joaquim de Sant’Ana, gerente da fábrica de conservas Luz Industrial, Lda, para modificar a fachada da fábrica, na estrada que dá acesso à Praia da Luz, assim como, a ligar um cano de esgoto a um que já existe junto à fábrica 24. 

23 Idem, f. 115 v. 
24 Idem, f. 119v‑120. 

Apesar do abrandamento do número de fábricas novas a surgir neste período, devido á grande especulação do escudo, muitas resistiam em fechar portas, atingindo‑se o número máximo de fábricas em laboração simultânea entre 1924 e 1925. Duarte Abecassis escreve que estavam registadas 31 fábricas de conserva de peixe no concelho de Lagos, sendo uma delas na Praia da Luz. Destas, duas não estariam a funcionar no ano fiscal de 1924‑1925, e outra dedicava‑se exclusivamente à salga de peixe, restando por isso 28 fábricas junto à cidade de Lagos (AMARO, 2020: 116).

Uma das fontes que nos ajuda a saber que fábricas estariam a funcionar em 1924 é a publicação Jornal da Europa: Portugal, Colonias e Brazil, que em janeiro desse ano faz uma publicação dedicada ao Algarve e às conservas de peixe.

Fig. 4. Companhia Industrial de Conservas, Lda, Jornal da Europa: Portugal, Colonias e Brazil, 1924.

Fig. 5. Fábrica Mecânica de Conservas de Peixe, Jornal da Europa: Portugal, Colonias e Brazil, 1924. 

Fig. 6. Fábrica de Conservas de Peixe de Manuel António Cristiano, Jornal da Europa: Portugal, Colonias e Brazil, 1924. 

Fig. 7. Fábrica de Conservas de Peixe de S. Gerardo, Lda, Jornal da Europa: Portugal, Colonias e Brazil, 1924.

Fig. 8. Fábrica de Conservas de Peixe de Silva, Oliveira & C.ª, Jornal desconhecido. 

Fig. 9. Sociedade Mercantil S. João, SARL, Jornal desconhecido. 

Fig. 10. Empresa de Conservas do Molião, Lda, Jornal desconhecido.

Fig. 11. Firma Demosthenes A. Pappaleonardos, Jornal desconhecido. 

Fig. 12. Companhia Industrial de Conservas, Lda, Jornal desconhecido

Fig. 13. Jorge & Comp.ª – Fábrica de Conservas Alimentícias, Jornal desconhecido. 

Nesta publicação aparecem anúncios da Companhia industrial de Conservas, Lda; Fábrica Mecânica de Conservas, de Peixe de António Affonso Canelas Marreiros; Manuel António Cristiano e da S. Gerardo, Lda. Existem anúncios similares a estes, mas para os quais se desconhece a fonte, onde consta a Silva, Oliveira & Cª; Sociedade Mercantil S. João; Empresa de Conservas do Molião; a Firma Demosthenes A. Pappaleonardos; Companhia Industrial de Conservas, Lda e a Jorge & Comp.ª. Estes anúncios contêm fotografias que nos ajudam a identificar a localização das fábricas, através das fachadas das mesmas. 

A última fonte a referir é a documentação relativa à 5.ª Circunscrição Industrial. Como já foi anteriormente salientado esta é a documentação do Ministério do Trabalho e que reúne em si a mais diversa informação sobre as várias empresas. Infelizmente, encontra‑se incompleta. A documentação deveria remontar a 1896, mas a informação da 4.ª Circunscrição Industrial não consta da maioria dos processos. Para obterem um alvará industrial as empresas deveriam enviar um pedido, onde deveria constar uma planta da fábrica, seria feita uma vistoria e seria publicado um edital num jornal, com o fim de informar a população, que poderia contestar a decisão. Na documentação ao abrigo do Arquivo Distrital de Faro não existe qualquer referência a muitas empresas e a maioria dos processos está incompleto, não constando a planta da fábrica. Ainda assim, podemos ver no Quadro 4 que a informação, apesar de reduzida, quando existe é bastante esclarecedora. Além do nome da empresa, proprietário e morada, é indicado quando é que se iniciou o processo para aquela empresa, quando lhe foi atribuído o alvará e quando foi encerrado processo. Alguns processos indicam o número de operários, de motores ou as máquinas instaladas, assim como, a compra e venda do alvará a outras empresas. Temos como exemplo a Sociedade Mercantil de Conservas, que vendeu o alvará à Lucas & Ventura, Lda. Este tipo de negócios era comum. A venda da fábrica estava normalmente associada à venda do alvará, ou seja, à autorização para o funcionamento da mesma. Pelos casos que se conhece, o processo para conceder alvará poderia demorar alguns anos; no entanto e como podemos ver no Quadro, pelo caso de Júdice Fialho, que iniciou atividade 1904, não fará sentido que só obtenha a licença em 1923. Existe, por isso, a possibilidade de ter tido uma licença anterior, atribuída pela 4.ª Circunscrição ou pelo Governador Civil, antes de 1918. 

Conclusão 

A indústria conserveira teve um grande impacto na cidade de Lagos. As fábricas disseminaram‑se pela cidade, mas o Rossio de S. João foi a zona onde existiu maior concentração destas unidades industriais. Através do levantamento da cidade de Lagos em 1924, efetuado pelo Capitão Rau Frederico Rato, podemos ver como era a estrutura urbana à época. Este mapa identifica algumas fábricas de conserva – Delory; Veiga; Piedade; Papaleonardos; Canelas Marreiros; Canelas; Consórcio; Conservas Molião; Jorge & C.ª; Mercantil de S. João e Batalim –, e ao adicionarmos outras fábricas podemos observar que se instalaram fora da muralha e procurando espaços expectantes longe da cidade, que eram mais baratos.

Legenda: 

Fábricas de conservas em azeite e molhos 

1. Conservas Molião (Rosendo & C.ª Lda) 

2. Jorge & C.ª 

3. Fábrica Mercantil de S. João 

4. Fábrica Batalim 

5. Fábrica Canelas Marreiros 

6. Fábrica Canelas (Algarve Exportador, Lda) 

7. Fábrica do Consórcio (Comércio Português de Pesca e Conserva) 

8. Lucas & Ventura, Lda 

9. Companhia Industrial de Conservas, Lda 

10. Établissements F. Delory (Palmeira) 

11. Aliança Fabril Lacobrigense, Lda 

12. Fábrica de Luís Nunes 

13. Fábrica Convento da Senhora da Glória, Lda 

14. Júdice Fialho & C.ª 

15. Fábrica de Benjamin Tanniou 

16. Silva, Oliveira & C.ª 

17. Freitas & C.ª Lda 

18. Fábrica de Manuel António Cristiano 

19. Fábrica de S. Roque 

20. Fábrica Piedade, Lda 

21. Fábrica Januário 

22. Fábrica de Francisco Sebastião Marreiros 

23. Paolo Cocco & C.ª 

24. Établissements F. Delory (Ribeira) 

25. Viegas (S. Gerardo, Lda) 

26. Fábrica Mecânica de Conservas (localização desconhecida) 

Instalações de conservação pelo sal 

A. Demosthenes A. Pappaleonardos 

B. Estiva Novak 

C. Fábrica S. Vicente 

Lagos surge como um importante centro conserveiro, a par com outros no pais e no Algarve. Toma a dianteira regional até à I Guerra Mundial. Até ao período da Guerra fica confirmado que surgem uma série de fábricas que se vão manter até 1925. O pós‑guerra é um período de grande especulação, onde surgem várias empresas que seriam efémeras, e para as quais ainda pouco se sabe. O número de fábricas que terá laborado simultaneamente terá sido de cerca de trinta, inferior a outros centros conserveiros, mas ainda assim muito significativo para a dimensão de Lagos.

Fontes e Bibliografia 

Fontes manuscritas 

Arquivo Distrital de Faro 
Fundo da 5.ª Circunscrição Industrial; Série – Vistorias para Atribuição de Alvará; Subsérie: Indústrias do pescado e derivados, PT/ADFAR/ACD/CI5/004‑001. 

Arquivo Municipal de Lagos: 
Actas das Sessões da Câmara Municipal de Lagos: E.68‑P.2, Livro 17, 1882 a 1886; E.68‑P.2, Livro 22, 1910 a 1913; E.68‑P.2, Livro 23, 1914 a 1919; E.60‑P.3, Livro 3, 1923 a 1925. 
Registos de Diplomas e Estatutos da Administração do Concelho de Lagos (1886‑1915): E.37‑P.5, Livro 1. 
Termos de Exame de Geradores, 1915‑1919: E.70‑P.5. 
Livro dos Termos de Manifesto das Mercadorias, Géneros ou Produtos Exportados do Concelho de Lagos, pela Via Terrestre: E.66‑P.5, Livro 271, 1920, E.66‑P.5, Livro 277, 1923‑24. 
Copiador de Correspondência Expedida, 1920: E.125‑P.5, Livros 108, 112 e 113. 

Referências bibliográficas 

Monografias 
ABECASSIS, D. (1926), Estudo Geral Económico e Técnico dos Portos do Algarve. Vila Real de Santo António: Junta Autónoma do Porto Comercial. 
ALCÂNTARA, A. (2008), “A indústria conserveira e a evolução urbana de Setúbal (1854‑1914)”, MUSA – Museus, Arqueologia & Outros Patrimónios, 3: 11‑21. 
AMARO, A. (2020), A Indústria Conserveira na Construção da Malha Urbana no Algarve – das estruturas produtivas à habitação operária (1900‑1960). Évora: Universidade de Évora (Dissertação de Mestrado). 
CERQUEIRA, H. N. (2000), Aspectos do Movimento Moderno na Arquitectura da Indústria Conserveira: A fábrica n.º 6 da Algarve Exportador Limitada. Lisboa: Universidade Lusíada (Dissertação de Mestrado). 
LOUREIRO, A. (1904‑1909), Os Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes: Atlas. Lisboa: Imprensa Nacional. 
PORTUGAL. DIRECÇÃO‑GERAL DO COMÉRCIO E INDÚSTRIA (1891), Inquérito Industrial de 1890. Lisboa: Imprensa Nacional. 
RODRIGUES, J. M. (1997), A Indústria de Conserva de Peixe no Algarve (1865‑1945). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa (Dissertação de Mestrado). 

Publicações periódicas 
Ilustração Portuguesa, II Série, n.º 589, de 4 de junho de 1917. 
Jornal da Europa: Portugal, colonias e Brazil, 1924.

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