A exportação das conservas de peixe
Artigo Jornal de Notícias de 29 agosto 1951
Reprodução amavelmente fornecida pela Biblioteca Nacional de Portugal.
CREDIT: Artigo identificado por Eduardo Cintra Torres
Escrevemos nestas colunas em 21 e 32 de Julho de 1950 que se manteriam ainda alguns anos, junto à nossa costa, águas transgressivas em condições desfavoráveis a uma pesca abundante de sardinha, embora em determinadas intermitências.
Alguns dias de abundância esporádica confirmam o nosso ponto de vista de que a proliferação da sardinha se faz a um ritmo acelerado e numa progressão geométrica, havendo, no Atlântico, casa vez mais população desta espécie, muito embora, a pesca só possa ser abundante quando a temperatura e salinidade da água sejam próprias para o seu habitat junto à costa.
Esta ano têm os industriais de conservas outras apreensões além da falta de peixe.
Não há abundância de sardinha, mas também não há folha de Flandres, nem compradores para as conservas.
Qual a razão por que, não havendo compradores para as nossas conservas os há para outras conservas de peixe fabricadas em quantidades enormes, na Noruega, no Canadá, no Japão e na Rússia?
Reside o mal na ideia errada que temos das nossas conservas; são sem dúvida bem fabricadas, mas exceptuando reduzidissimas quantidades que se comem como hors doeuvres nos restaurantes e hotéis de luxo, são um alimento para pobres, para os operários dos grandes aglomerados industriais; equivalem a sardinha salgada dos nossos trabalhadores rurais.
Quando há guerra, com a consequente escassez de alimentos, os operários belgas, alemães, franceses, os operários belgas, levam uma pequena lata de sardinhas com dois pães para o seu almoço.
Porém, logo que o preço de duas fatias de presunto, ou dois ovos cozidos, é inferior ao da lata de sardinhas estas já não se vendem, porque os outros alimentos são preferidos.
Não se vendem, pois, as nossas conservas com regularidade, por incompetência, incúria, falta de uma elementar noção das realidades dos portugueses.
Para exemplificar o que acabamos de escrever tomemos arbitrariamente alguns valores.
Neste momento, por trezentos escudos cada caixa de sardinhas, posta no destino, poder-se iam vender quantidades enormes, porém, para os industriais terem uma justa compensação do seu trabalho e dos capitais investidos seria necessário que se vendesse cada caixa por quatrocentos escudos.
Ora a este preço não aparecem compradores, porque, outros alimentos há mais baratos dos quais podem lançar mão as grandes massas operárias dos países industrializados.
A condição de haver peixe e folha de Flandres, (e esta não a há por uma série espantosa de erros) poder-se-ia vender duas ou três vezes a produção anual portuguesa se a industria fosse bem orientada.
Compreenderíamos perfeitamente que o fisco, colaborando com o contribuinte e não atormentando-lhe a existência, levasse cinquenta por cento, ou mais até, dos lucros líquidos dos industriais, pois as necessidades do estado moderno, os múltiplos serviços que tem de manter, justificam plenamente que exija que cada um contribua para a coletividade com a maior parte do produto do seu esforço.
Para que isso seja possível, para que a indústria pague alegremente pesadas contribuições, se isso for índice de que também teve benefícios, é necessário modificar desde as suas profundas raízes as condições em que a industria atualmente vive.
A mesma caixa de conservas a que acima nos referíamos, poder-se-ia vender por duzentos e cinquenta escudos, dando bom lucro ao industrial, muito trabalho aos operários, substanciais contribuições ao Estado e muito ouro ao País.
Eliminem-se todas as taxas, cotas, subsídios e mil processos que se inventaram de fazer encarecer o preço de custo dos artigos de exportação e depressa se verá uma atividade intensa na nossa exportação de conservas com a consequente drenagem de outro para o País.
Então, sim, haverá matéria coletável para se ir buscar muito mais, tanto a quanto obriguem as necessidades públicas e socias, deixando-se simultaneamente viver os industriais e permitindo-se-lhes concorrer em preço com os outros países produtores.
Do que acabamos de escrever não deixarão de sorrir, com um ar de superioridade, os que entre nós quando saem da escola vêm já com conhecimentos profundos e completos da arte de dirigir que lhes transmitiram os seus mestres e afirmam que não são pesados os encargos que oneram uma caixa de conservas.
Mas que atentem bem no que pagam as várias atividades desde os construtores dos barcos de pesca, pescadores, fabricantes de redes, das caixas de madeira, litografia, fabricantes de conservas e verificarão o motivo pelo qual outros países produtores de conserva de peixe podem vender por preços muitíssimos inferiores aos nossos.
Fernando Miranda Gomes