O Nascimento de um império conserveiro: “A Casa Fialho” (1892-1939)
Dissertação apresentada no âmbito do Mestrado em História Contemporânea
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Jorge Miguel Robalo Duarte Serra
Porto 2007
Capítulo II – A importância da indústria conserveira
1 – O germinar da Indústria conserveira
2 – No Algarve
Capítulo II
A importância da indústria conserveira
1 – O germinar da Indústria conserveira
Desde sempre que a conservação de alimentos foi uma preocupação para os homens. Com efeito, através da observação e da experiência, o homem foi aprendendo diversas técnicas para conseguir guardar os alimentos, para quando estes lhe fizessem falta ou houvesse escassez dos mesmos.
A evolução da humanidade, as viagens das primeiras civilizações, as conquistas e respectiva deslocação de grandes exércitos, colocou o problema da conservação de alimentos e o homem foi procurando desenvolver novas técnicas que lhe permitissem deslocar-se e transportar consigo os alimentos, sem que estes perdessem as suas principais características. A necessidade de abastecimento de víveres aos exércitos teve uma particular importância em todo este processo.
Várias técnicas de conservação foram então desenvolvidas, sendo que, conforme a região e o clima, assim se notava a maior predominância de uma ou outra técnica mais adequada. Em climas quentes utilizava-se principalmente a secagem, a fumagem e a salmoira dos produtos, pelas quais se retirava toda a humidade dos alimentos, evitando que estes se deteriorassem e se conservassem. Nos climas frios recorria-se mais à congelação, um outro processo de conservação de alimentos. No entanto, todas estas técnicas se baseavam, essencialmente, na observação e na experiência.
É com Nicolas Appert que a conservação de alimentos vai ter um grande avanço. Em 1804 este francês descobriu a conservação pelo calor em recipientes de vidro hermeticamente fechados. Após alguma divulgação começou a vender as suas conservas ao Estado francês que, a partir de 1806, as embarca nos seus navios. Faz inclusivamente uma viagem a Inglaterra para apresentar a sua técnica. Em 1810 recebe um prémio do governo francês, com a condição de publicação de um livro onde revelaria a sua descoberta, o que ele concretiza com o livro “LE LIVRE DE TOUS LES MÉNAGES OU L’ART DE CONSEVER PENDANT PLUSIEURS ANNÉS LES SUBSTANCES ANIMALES ET VEGETABLES”. 65
Charles Lepierre afirma que “Appert teve o grande mérito de demonstrar industrialmente: 1.o – Que a aplicação dum calor moderado conserva os alimentos (água fervente ou vapor). 2o – Que o ar é prejudicial à conservação.” 66
Depois deste primeiro passo, em que são definidas algumas das premissas mais importantes do processo da conservação, uma outra aplicação se lhe seguiria: as caixas de folha-de-flandres criadas por Peter Durand em 1810. Estas duas invenções/aplicações vão ser a base de toda a indústria da conserva utilizando o processo da esterilização pelo calor.
A utilização de caixas de folha de Flandres veio facilitar todo o processo de fabricação de conservas de peixe, pois não é tão frágil como o vidro, é mais fácil de fechar através da soldadura, é melhor condutor do calor, o que facilita o processo de esterilização pelo mesmo, permitindo ainda que se façam caixas com o formato de acordo com as necessidades que vão surgindo.
Em 1824 surge em “Nantes a primeira fábrica de conservas de peixe que empregava um processo empírico, baseado nos princípios de Appert.”67 A partir de então a indústria conserveira passa a conhecer um franco desenvolvimento. Contudo, só com os estudos de Pasteur (1865) – suporte de fundamentação científica do processo –, e sua articulação com outros conhecimentos e estudos sobre a fabricação, foi possível um maior aperfeiçoamento da indústria.
“Os franceses propagam em seguida, a nova técnica: em 1841 monta-se a primeira fábrica na Noruega sob a direcção de um cozinheiro francês; é um missionário, também francês, quem fabrica as primeiras conservas japonesas, em 1871.”68 O crescimento vai ser continuado, chegando aos EUA.
No último quartel do século XIX, as várias guerras que se verificaram neste período, foram um factor determinante para o rápido crescimento da indústria conserveira, na medida em que esta responde de forma eficiente às necessidades de carácter alimentício dos exércitos. As encomendas dispararam, atingindo o seu pico máximo durante a I Guerra Mundial. Por outro lado, há ainda a referenciar a abertura da China ao Ocidente, em parte forçada pelos franceses.
65 Cf. BARBOSA, 1941: 13 – 16.
66 LEPIERRE, 1938: (s.n.).
67 COSTA, 1943: 19.
68 PARREIRA, 1938: (s.n.) ; BARBOSA, 1941: 17, atribui para o Japão a data de 1875.
É também por esta altura que se dá o aparecimento da indústria conserveira em Portugal (anos 80 do século XIX). Uma circunstância que deve associar-se, de forma muito particular, ao desaparecimento da sardinha da costa da Bretanha (início dos anos 80 do século XIX), provocando a deslocação dos industriais franceses para Portugal, à procura da matéria-prima, que verificaram ser abundante e com preços atractivos, ao que se juntava uma mão de obra muito barata.
Assim, e apesar de não queremos sequer “entrar na contenda” gerada à volta da primazia das fábricas portuguesas, não poderemos deixar de destacar algumas das opiniões “correntes” sobre esta matéria.
António Barbosa afirma “que há notícia de haver sido enviada de Setúbal para a exposição de Paris de 1855, conserva de sardinha em azeite”69, apoiando-se, como refere, num estudo realizado pelo I.P.C.P., da autoria do Dr. Correia Lopes, o qual, infelizmente, apesar das pesquisas elaboradas não tivemos oportunidade de consultar.
Henrique Parreira (bem como outros autores) assinala a existência de uma fábrica de conservas de atum em azeite em Vila Real de Santo António desde 1865; 70
No entanto, são vários os autores (estudiosos do assunto) que referem ter sido em Setúbal que a primeira fábrica conserveira se terá fixado, apontando a data de 16 de Novembro de 1880 71 para o início da sua actividade laboral.
Do que não restam dúvidas, é que a partir da década de 80 do século XIX, a indústria está instalada e rapidamente se vai desenvolver, ganhando um enorme protagonismo no panorama industrial português. A comprovar esta importância, a medida de apoio governamental consignada pela legislação de drawback 72 para o azeite italiano, com a data de 20 de Maio de 1880, autorizando os industriais conserveiros a importar o azeite com benefícios fiscais, uma vez que estes insistiam na falta de qualidade do azeite português para a produção de conservas, pois segundo eles tinha um elevado grau de acidez e a produção não era constante. Alguns anos mais tarde, esta mesma benesse seria autorizada para a importação de azeite francês. A mesma medida é tomada em relação à folha-de-flandres, logo em 1880 é concedido o draubaque para a produção de latas de conserva de atum e um ano mais tarde para as de conserva de sardinha 73. Verifica-se assim que para além do produto essencial para a indústria (peixe), os outros dois, o azeite e a folha-de-flandres, são beneficiados e protegidos pela legislação nacional.
69 BARBOSA, 1941: 18.
70 Cf. PARREIRA, 1938: (s.n.); e COSTA, 1943: 19; e BARBOSA, 1941: 19; e RODRIGUES, 1999: 398; devemos no entanto dizer que CAVACO, 1976, não faz nenhuma referência sobre a existência desta fábrica, afirmando mesmo na página 195 “mas a salga foi até 1879 o único processo de conservação de grandes quantidades de peixe”.
71 Cf. PARREIRA, 1938: (s.n.); e BARBOSA, 1941: 18; chegando mesmo Francisco Guerra, 1946 a: 44, a afirmar que: “Um industrial francês, de que se não estamos em erro, é sucessora a actual firma F. Delory, veio instalar-se naquele porto, atraído pela informação que um capitão de navios, que lhe trouxera um carregamento de azeite de Bari, lhe dera acerca da grande abundância de sardinha nas nossas costas, na altura em que uma grave crise de falta de pesca, que durou 8 anos, lavrava em França”.
72 Drawback ou draubaque – reembolso dos direitos de importação que se fazia aos industriais exportadores dos impostos pagos por matérias-primas utilizadas no fabrico dos seus produtos.
A evidenciar o grande desenvolvimento desta indústria estão os dados relativos às primeiras fábricas para os últimos anos do século XIX, apresentados por António Barbosa, 18 fábricas em 1884, 66 em 1886, 54 em 1890 que empregavam 2.515 operários e 76 fábricas em 1896 com 4.653 operários 74, verificando-se uma ligeira quebra em 1890, que se deve ao reaparecimento dos cardumes na costa francesa.
Este progressivo aumento no número de fábricas deve-se ao investimento estrangeiro pois “os reduzidos custos de produção que vieram encontrar no nosso país, em grande parte devido aos baixos salários praticados, aliados à abundância e à qualidade da matéria-prima existente ao largo da nossa costa, foram os factores responsáveis pelo vertiginoso desenvolvimento que o sector conheceu a partir de então.”75 Se muitas das iniciativas são de industriais estrangeiros, sobretudo franceses (para a região de Setúbal) e italianos (mais presentes no Algarve, porque trabalhavam, preferencialmente, com o atum), também há sinais dos portugueses terem começado a interessar-se por esta indústria.
Um bom exemplo do crescimento e ganho de protagonismo da indústria são os números da exportação das conservas de sardinha em molhos para os anos de 1880 a 1939, publicados pelo Instituto Português de Conservas de Peixe, conforme quadro que de seguida se apresenta.
73 Cf. CABREIRA, 1918: 158.
74 Cf. BARBOSA, 1941: 19.
75 CORDEIRO, 1998: 25.
Quadro 3
76
Exportação de conservas de sardinha em molhos
(1889 – 1939)
Anos | Toneladas | Anos | Toneladas | Anos | Toneladas | Anos | Toneladas | Anos | Toneladas |
1889 | 4.719 | 1900 | 9.569 | 1911 | 23.141 | 1922 | 38.035 | 1933 | 29.274 |
1890 | 6.872 | 1901 | 11.265 | 1912 | 25.490 | 1923 | 53.599 | 1934 | 34.401 |
1891 | 9.365 | 1902 | 12.996 | 1913 | 24.554 | 1924 | 44.426 | 1935 | 39.508 |
1892 | 9.823 | 1903 | 14.931 | 1914 | 18.488 | 1925 | 33.991 | 1936 | 42.584 |
1893 | 7.903 | 1904 | 14.107 | 1915 | 25.269 | 1926 | 31.510 | 1937 | 39.284 |
1894 | 5.805 | 1905 | 15.697 | 1916 | 24.537 | 1927 | 32.947 | 1938 | 30.477 |
1895 | 8.674 | 1906 | 19.171 | 1917 | 31.530 | 1928 | 34.461 | 1939 | 40.784 |
1896 | 9.421 | 1907 | 17.203 | 1918 | 35.879 | 1929 | 34.262 | ||
1897 | 9.986 | 1908 | 17.115 | 1919 | 39.137 | 1930 | 35.154 | ||
1898 | 11.497 | 1909 | 17.839 | 1920 | 34.633 | 1931 | 45.416 | ||
1899 | 8.344 | 1910 | 18.690 | 1921 | 34.389 | 1932 | 43.933 |
Analisando este quadro verifica-se que, com algumas excepções pouco significativas, a exportação vai subindo continuamente até 1914, ano em que há uma quebra de cerca de 6 toneladas. Situação a que não é alheia o início da I Guerra Mundial, e às dificuldades inerentes a um conflito em grande escala, onde o domínio ou a destruição das vias de comunicação, para se controlar ou destruir o comércio do inimigo é, em tempo de guerra, uma das preocupações dominantes. Contudo, os industriais vão conseguir ultrapassar esta nova realidade, até porque as conservas transformam-se num bem essencial em períodos de conflito e de carência alimentar. Ora o quadro apresentado corresponde a uma adaptação que fizemos do original. Neste sentido, optamos por não incluir os anos de 1880 a 1888, por inexistência de valores em toneladas, não correspondendo, assim, adequadamente à metodologia que adoptamos para a apresentação de estatísticas ou de dados, os quais consideraram preferencialmente os valores de toneladas vendidas ou exportadas. Anoto, contudo que para os anos de 1880 a 1888 o valor das exportações foi sempre aumentando, fixando-se em 101 contos para o ano de 1880 e em 774 contos para o de 1888.
77 Dados retirados da: COMPILAÇÃO DE ELEMENTOS ESTATÍSTICOS SOBRE CONSERVAS DE PEIXE, 1954: 43 – 44.
Ora se “Nas vésperas da I Grande Guerra, Portugal era o principal produtor mundial de conservas de peixe, posição que não só vai manter, como incrementar amplamente”78, não deixa de ser natural que o peso, cada vez maior, da indústria conserveira se reflicta, visivelmente, na globalidade da economia portuguesa.
Se analisarmos um quadro apresentado por António Barbosa, relativamente à percentagem das conservas de sardinha no valor total das exportações portuguesas, verificamos que, se em 1910 ela tinha um valor de 3,5%, em 1920 esse valor subia para 18,4% (em 1930 é de 18,3%, em 1935 é de 15,7%, em 1937 é de 15,8%, e para 1938 é de 14,5%) 79. Números que evidenciam com toda a clareza a importância desta indústria no panorama económico português.
Depois de 1919, ocorre uma ligeira quebra nas exportações nos anos de 1920 e 1921, para vir a atingir então o seu máximo em 1923, com 53.599 toneladas, valor jamais atingido pela indústria. Apenas em 1941 (49.903 toneladas) no auge da II Guerra Mundial foi possível registar um valor aproximado 80. A partir de 1923 são notórios sinais de crise no sector, já que em apenas dois anos a exportação de conservas de sardinha cai em cerca de 20 toneladas (1925 – 33.991 toneladas).
No entanto, em 1924 “atingimos o número mais elevado de fábricas de conservas de peixe em molhos que ainda se verificou em Portugal: 400.” 81 Assim podemos dizer que, a partir de 1925, a crise está definitivamente instalada no sector.
Vários factores contribuem para esta crise. Em 1924, o governo de Álvaro de Castro, na sequência da política de recuperação económica e de combate à inflação, promove a valorização do escudo, o que encarece as conservas no estrangeiro. Em 1925 detecta-se uma quebra na pesca da sardinha nas costas portuguesas, que se vai arrastar até 1930, ano de alguma recuperação, para novamente entrar em crise no ano de 1933, o qual testemunha a captura de pouquíssimo peixe. Há que acrescentar também as repercussões nas exportações como consequência da crise de 1929 protagonizada pelos EUA, a qual, muito naturalmente, vai provocar a recessão de todo o comércio mundial (segundo o Eng. Sebastião Ramires, citado por António Barbosa “uma caixa de conservas de sardinha, do formato mais vulgar, que se cotava em 1930 a 25 xelins, não atingira em Outubro de 1931 mais de 13 xelins” 82). Contudo, depois de 1934 começa a verificar-se alguma recuperação do sector, notando-se uma ligeira quebra nos anos de 1937 e 1938, pois os cardumes afastam-se novamente da costa portuguesa, para, novamente, em 1939 se atingirem valores de exportação mais ou menos aceitáveis (40.784 toneladas), embora a pesca continue em decadência.
78 CORDEIRO, 1995: 26.
79 Cf. BARBOSA, 1941: 172.
80 Cf. COMPILAÇÃO DE ELEMENTOS ESTATÍSTICOS SOBRE CONSERVAS DE PEIXE, 1954: 45.
81 GUERRA, 1946 a : 46.
Se, a principal matéria-prima desta indústria é o pescado, sempre que ele falta, a indústria ressente-se imediatamente.
Porém, a crise de 1925 há muito que era anunciada, mas com a grande guerra o problema foi adiado, pois na sequência deste conflito proliferaram as fábricas porque tudo se vendia. Existem mesmo várias referências, que durante este período o que interessava para muitos “industriais” era vender, não olhando nem se preocupando com a qualidade, com o fim da guerra a situação vai alterar-se.
Muitos países adoptam barreiras alfandegárias restritivas às importações, começando por esta altura a desenvolverem-se as teorias de auto-suficiência dos países. Por outro lado há a registar uma quebra acentuada na pesca da sardinha que imediatamente se reflecte na indústria, bem como no preço. “A falta de educação industrial, o reduzido potencial financeiro das empresas, a ausência de preparação comercial de grande parte dos exportadores que a guerra improvisara, a queda dos preços nos mercados externos e as onerosas condições para a obtenção de crédito, completam o quadro das causas que provocaram este estado de coisas.” 83
A crise das pescas, e por reflexo a da indústria conserveira, vai provocar uma reacção por parte dos principais armadores e industriais conserveiros, com a realização do Congresso de Pescas e Conservas, em Setúbal, em Dezembro de 1927. A crise da indústria conserveira não pode ser relacionada somente com a escassez de peixe nas costas portuguesas, mas deve também ter em conta um conjunto de factores, aliás já referidos.
Por outro lado o ambiente político e económico vivido nos finais da Primeira República e durante o início da Ditadura Militar não favorecia a reorganização e legislação de nenhum sector da sociedade portuguesa.
82 BARBOSA, 1941: 24.
83 BARBOSA, 1941: 21.
No congresso de Setúbal foram apresentadas e votadas várias teses, que visavam atacar e acabar com a crise da indústria de conservas 84.
As preocupações dos representantes dos industriais foram apresentadas em teses, discutidas e votadas no congresso. António Barbosa resumiu-as da seguinte forma:
“1) – Organização da indústria (Ass. Comercial e Industrial de Olhão e srs. Hermínio Prazeres e Casimiro Luiz de Oliveira).
2) – Crédito Industrial (Ass. Comercial e Industrial de Olhão e srs. J. Leotte, Hermínio Prazeres e Casimiro Luiz de Oliveira).
3) – Verificação da qualidade das conservas exportadas (Mariano Coelho e outros).
4) – Defeso do fabrico durante um certo número de meses do ano (Luiz José Supico).
5) – Preço mínimo de venda para as conservas exportadas (Ass. Comercial e Industrial de Olhão).”85
Todos os assuntos de interesse da indústria são abordados.
A revista “Indústria Portuguesa”, no seu Nº de 1 de Março de 1928, dá um amplo destaque a este congresso com o artigo “O Congresso de Setúbal e as suas conclusões”, nas páginas 31 a 33 e 48 a 50, apresenta em forma de teses a documentação final, relativa à indústria de conservas (pp. 31 a 33) e à indústria da pesca (pp. 48 a 50).
Em relação à indústria de conservas e para além do excelente resumo apresentado por António Barbosa, devo apontar uma das teses que me parece muito importante, a “Criação temporária e imediata dum Conselho Consultivo, que se ocupará da regulamentação e fiscalização da Indústria Nacional de Conservas de Peixe, de forma que, entre outras medidas, nenhuma mercadoria possa ser exportada sem um rigoroso exame, evitando-se assim o descrédito e pretexto para as campanhas que os nossos competidores no estrangeiro frequentemente movem aos nossos produtos.” 86
84 Apenas vou referir as teses desta indústria, relativamente às da indústria pesqueira, destaco o período de defeso, porque está intimamente ligado à indústria e produção conserveira.
85 Cf. BARBOSA, 1941: 24.
86 “INDÚSTRIA PORTUGUESA”, 1928: 31, Ano I, No 1, Março.
Na verdade tudo indica que havia uma campanha internacional para desacreditar as conservas portuguesas.
O Conselho Consultivo que deveria funcionar junto da Direcção Geral das Indústrias, seria incumbido de “estabelecer as bases:
a) Para a criação das Bolsas Comerciais de Conservas.
b) Unificação e revisão dos impostos, incluindo os direitos de exportação, que serão resumidos ao mínimo se não for possível aboli-los.
c) Limitação do número de fábricas.
d) Proibição da fabricação de conservas de sardinha cozida ou frita, com molhos diversos durante o período de Defeso da Pesca nas respectivas áreas em que as fábricas se encontram.” 87
A todas estas questões o governo vai responder com uma portaria (publicada na citada revista), onde depois de defender que se devem analisar todas as propostas do I Congresso Nacional de Pescas e Conservas e que “a Direcção Geral das Indústrias ponderou a conveniência de imediatamente se constituir uma comissão que estude tudo o que a este respeito interesse, prestando os esclarecimentos necessários e propondo medidas que julgar oportunas para o aperfeiçoamento e desenvolvimento de tão importantes indústrias.” 88
Nesta comissão entre outros, foram nomeados João Mendes Cabeçadas, Eng. Sebastião Garcia Ramires, Feliciano A. Pereira e “João Fialho, que participou no congresso na qualidade de delegado por Peniche.” 89
Todavia, a tese mais importante e que incendiou os “congressistas” foi a do Defeso da Pesca. Se para a uns, esta era a única forma de não aniquilar os recursos pesqueiros e de evitar produzir conserva de má qualidade (durante os meses em que a sardinha está muito magra), sendo que só deveria ser pescada “durante os oito meses do ano em que o peixe é mais gordo”90, para outros, principalmente entre os industriais conserveiros de onde se destacava Júdice Fialho, defendiam que tal medida era muito prejudicial, porque levaria para o desemprego e para a miséria muitos operários e suas famílias, já que era um período demasiado longo para as fábricas estarem sem laborar.
87 “INDÚSTRIA PORTUGUESA”, 1928: 31, Ano I, No 1, Março.
88 “INDÚSTRIA PORTUGUESA”, 1928: 50, Ano I, No 1, Março.
89 DUARTE, 2003: 113.
As conclusões do Congresso vão ser tidas em conta, os industriais criam um lobby reivindicativo, pedindo a tomada de medidas por parte do governo, as quais visavam uma reorganização e reestruturação de todo o sector. “Muitas das sugestões aí apresentadas serviram de base à elaboração dos diplomas que vieram a reorganizar o sector conserveiro com base na criação da organização corporativa, se bem que as primeiras medidas efectivas só tenham sido promulgadas em 1932 após o inquérito directo sobre a situação do sector, realizado no ano anterior pelo próprio Oliveira Salazar.”91
Sobre a reorganização, cartelização e corporativismo do sector falarei no Capítulo III, quando me debruçar sobre a conjuntura económica dos anos 30 e a afirmação e consolidação da firma neste período.
2 – No Algarve
A indústria é introduzida no Algarve desde muito cedo. Podemos constatar esses dados através do Inquérito Industrial de 1881, Inquérito Indirecto, terceira parte 92, cujos dados se basearam nas informações obtidas pelas respostas ao questionário geral por duas firmas que produziam atum em escabeche.
INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1881
As duas firmas que responderam a este inquérito foram as seguintes:
A firma de Francisco Rodrigues Tenório, que tinha a fábrica de S. Francisco, em Vila Real de Santo António, com capital ilimitado e com a data de fundação de 1880, não utilizava motores, tinha 4 caldeiras de ferro de cozer atum, o número de operários era de 15 a 20 homens, com o salário de 450 a 900 réis diários, 30 a 40 mulheres, que recebiam 220 réis e 4 menores, com um salário de 100 a 160 réis, com um número de dez horas de trabalho diário, e de quatro a seis horas aos serões, durante os três meses de laboração da fábrica. A produção era de 100:000 quilos de latas com atum em escabeche no valor de 18:000$000 réis, nos três meses em que a fábrica trabalhava, na resposta ao ponto 15 do questionário afirma-se que “é indispensável que continue o drawback para o azeite importado de Itália e Espanha, sem o qual não pode continuar esta indústria.” 93
90 LEPIERRE, 1938: (s.n.).
91 CORDEIRO, 1995: 29.
92 Devo referir que o inquérito não é completo e exaustivo, já que existem muitos concelhos que não respondem aos questionários (Portimão por exemplo, como consta na relação dos concelhos que responderam aos questionários, cf. página 27 do Inquérito). É sintomático que logo em 1886, Elvino de Brito “julgava urgente completa-lo e corrigi-lo”, citado por Luís Elias Casanovas, no artigo “O Inquérito Industrial”, revista da Indústria Portuguesa, Ano 1, No 3, Março de 1928.
A firma Parodi & Roldan, que tinha a fábrica Santa Maria, em Vila Real de Santo António, com capital ilimitado, data de fundação de 1879, utilizava desde 1800 um motor a vapor de 4 cavalos, tinha 16 caldeiras de cozer atum, o número de operários era 80 a 100 homens, com o salário de 450 a 800 réis diários, 50 a 70 mulheres, que recebiam 220 réis e 8 menores, com um salário de 180 réis, com um número de dez horas de trabalho diário, e de quatro horas aos serões, durante os três meses de laboração da fábrica. A produção era de 335.604 quilos em latas e barris de atum em escabeche no valor de 54:000$000 réis, nos três meses do ano que a fábrica trabalhava, na resposta ao ponto 15 do questionário afirma-se exactamente o mesmo que o drawback para o azeite é indispensável, mas esta firma apenas comprava azeite em Itália 94.
Ambas as firmas exportavam os seus produtos, a primeira para Itália e Brasil vendendo também para Portugal, sendo que a segunda apenas exportava para Itália, afirmam que os seus produtos estavam em boas condições para concorrer no estrangeiro, bem como a indústria, e que não havia falta de capital.
Devo referir, que do concelho de Portimão não houve nenhuma resposta ao inquérito. Pois parece que nesta altura ainda não havia indústria em Portimão, pelo que não dispomos de dados para Portimão.
Em relação ao mesmo inquérito e na parte relativa às “Visitas as Fábricas”, é assinalada mais uma fábrica de conservas de atum em Vila Real “de que é proprietário Sebastião Migoni” 95, não foi possível visitar a fábrica porque não estava em laboração e o seu proprietário estava ausente no estrangeiro, anos mais tarde esta fábrica foi comprada por A. Parodi. 96
93 INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1881, INQUÉRITO INDIRECTO: 79 – 80, os dados referidos para esta fábrica foram todos retirados do Inquérito.
94 INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1881, INQUÉRITO INDIRECTO: 80 – 81, os dados referidos para esta fábrica foram todos retirados do Inquérito.
Na visita à fábrica de Santa Maria, o engenheiro responsável pelas visitas, foi recebido pelo representante dos proprietários, o senhor Gomes Sanches e na de S. Francisco pelo senhor João Barroso, que o acompanharam na visita a cada fábrica, tendo este confirmado como correctas todas as respostas dadas ao inquérito.
Nesta secção do inquérito é descrita a organização das fábricas:
“Director.
Encarregados das oficinas de tanoeiros e de funileiros.
Cortadores.
Cozedores (um para cada duas caldeiras).
Carregadores.
Mulheres que estivam o atum nas latas e barris.
Os cortadores, todos italianos, à excepção de três que já com estes aprenderam, são também tanoeiros e carregadores.” 97
O engenheiro que visita as fábricas na descrição do processo de fabrico das conservas, afirma que as latas são soldadas, contudo, verificamos que na descrição da organização das fábricas, os soldadores não estão assinalados.
INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1890
Em 1890, realiza-se outro Inquérito Industrial (Inquérito de Gabinete), Carminda Cavaco, assinala 11 fábricas na região, 4 em Lagos, 1 em Portimão/Lagoa, 1 em Olhão e 5 em Vila Real de Santo António 98, no entanto ao analisarmos o inquérito, verificamos a existência de pelo menos mais duas fábricas situadas em Faro, uma em Alcantarilha/Armação (penso que será Armação de Pêra, desde sempre assinalada como zona de grande actividade piscatória), no concelho de Silves, e a referência a mais uma pequena indústria em Vila Real de Santo António. Neste inquérito não há nenhuma referência a Portimão.
95 INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1881, VISITA ÀS FABRICAS: 18. 96 Cf. CAVACO, 1976: 198. 97 INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1881, VISITA ÀS FABRICAS: 21. 98 Cf. CAVACO, 1976: 296.
Ao dissecar o inquérito verifica-se que no Concelho de Faro encontram-se duas fábricas:
Fabrica do Jalma & Seguena – Faro, rua de São Francisco, 29, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 70, não tem aprendizes, e com o número médio de dias de trabalho por ano de 312.
Fábrica da Costa do Castelo – Faro, largo de S. Francisco, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 51, não tem aprendizes, e com o número médio de dias de trabalho por ano de 312 99.
Concelho de Lagoa existe a “Fábrica da praia do Paraíso – parceria mercantil do Cabo Carvoeiro – Estombar – Estrada da Passagem”, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 120, e 15 aprendizes de todos os ofícios, com o número médio de dias de trabalho por ano de 180 100.
No concelho de Lagos são referenciadas as seguintes fábricas:
Frederico Delory – Lagos, rua da Ribeira, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 72, e 1 aprendiz de todos os ofícios, com o número médio de dias de trabalho por ano de 250.
Labrouche – Lagos – Porta de Portugal, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 86, não tem aprendizes, com o número médio de dias de trabalho por ano de 200.
Fabrica de S. João – Estrada de Mulião, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 102, e 11 aprendizes de todos os ofícios, com o número médio de dias de trabalho por ano de 300.
Polier fréres – Lagos – rocio de S. João, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 78, não tem aprendizes, com o número médio de dias de trabalho por ano de 200 101.
Em Olhão, Alberto L. Verdeau Freire & C.a, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 130, não tem aprendizes, com o número médio de dias de trabalho por ano de 210. 102
99 Cf. INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1890, vol.III: 527.
100 Cf. INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1890, vol.III: 528.
101 Cf. INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1890, vol.III: 529.
No concelho de Silves, existe a fábrica Leite & C.a – Alcantarilha, Armação, não são dados números sobre os operários, no entanto refere que o número médio de dias de trabalho por ano é de 290. 103
Finalmente para Vila Real de Santo António, são assinaladas as seguintes fábricas:
António Soares Barreto – V.R.S.A., rua do Príncipe, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 32, e 8 aprendizes de todos os ofícios, com o número médio de dias de trabalho por ano de 150.
Manuel Gomes Baptista Júnior – V.R.S.A., com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 8, não tem aprendizes, com o número médio de dias de trabalho por ano de 70.
Domenico Migoni – V.R.S.A., rua da Rainha, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 50, e 5 aprendizes de todos os ofícios, não existindo referência ao número médio de dias de trabalho.
Companhia Industrial – V.R.S.A., rua do Príncipe, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 88, e 15 aprendizes de todos os ofícios, com o número médio de dias de trabalho por ano de 220.
Angelo Parodi Pá Bartholomeu, – V.R.S.A., rua da Rainha, com o número médio por dia de operários de todos os ofícios de 125, e 10 aprendizes de todos os ofícios, com o número médio de dias de trabalho por ano de 210.
A acrescentar as estas fábricas em Vila Real de Santo António existia a pequena indústria que já referi atrás com 5 operários, e 80 dias de média de trabalho por ano. 104
Estes dois inquéritos, apesar de não serem feitos com rigor, (não são completos e exaustivos) são importantes, porque nos permitem conhecer já com algum pormenor a indústria no Algarve.
ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905
Em 1905 é publicado a “Estatística Industrial 1.a Série, Distritos de Évora, Beja e Faro”, relativamente aos anos de 1901, 1902 e 1903, este sim, um trabalho mais completo onde é minuciosamente descrita a indústria destes três distritos. Na introdução desta estatística, o Engenheiro Chefe da Circunscrição, Adriano Monteiro, refere em relação ao Algarve que: “A grande indústria do Algarve é a da conserva de peixe, que tem progredido espantosamente, mantendo-se ainda este movimento crescente, sem que haja fundamento para se prever o termo do seu desenvolvimento ou, melhor, a culminação da sua intensidade de produção.” 105
102 Cf. INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1890, vol.III: 532.
103 Cf. INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1890, vol.III: 532.
104 Cf. INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1890, vol.III: 536.
Este trabalho consiste em visitas por observação directa e conhecimento da realidade, essas visitas são realizadas pelo engenheiro ajudante, Francisco de Salles Fernandes Girão, que fez relatórios pormenorizados do que tomava conhecimento. Relativamente à indústria conserveira deu-nos muitos dados, só que são por concelho, não particulariza os números para cada fábrica. Assim apenas podemos referir os números da indústria por concelho, todos os valores que em seguida apresentamos são da referida Estatística.
Faro, existência de uma única fábrica, possuía no total 10 operários e 40 operárias, todos portugueses. Nesta cidade, existia uma fábrica de chaves para latas de conservas, que segundo o autor tinha sido instalada há poucos meses em Portugal e beneficiava de máquinas modernas que a favoreciam em relação às suas concorrentes portuguesas 106.
Concelho de Lagoa, com duas fábricas em Ferragudo (uma é de Júdice Fialho), com um total de 101 operários, sendo que um é estrangeiro e de 126 operárias 107.
Concelho de Lagos, oito fábricas “achando-se em via de instalação mais duas, umas das quais está quase concluída”108, provavelmente uma desta fábricas será de Júdice Fialho, pois em 1903 inicia a sua actividade nesta cidade 109, aquando da vista do eng. Francisco Girão à cidade, todas as fábricas estavam paralisadas devido à greve dos soldadores, com excepção de uma que era constituída por uma cooperativa de soldadores 110.
105 ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: XVIII.
106 Cf. ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 204.
107 Cf. ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 227.
108 Cf. ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 234.
109 Cf. DUARTE, 2003: 34; e Cap. III: 63.
110 Cf. ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 237.
No concelho de Lagos existiam 296 operários e 345 operárias todos portugueses, a trabalharem nas oito fábricas já instaladas. 111
“A indústria que no concelho de Olhão tem verdadeira importância é apenas a das conservas de peixe”112, existiam seis fábricas, duas de franceses e duas de italianos, com um total de 121 operários e de 250 operárias todos portugueses. 113
Fábrica do Fialho, perto da Praia do Em Portimão existiam duas fábricas “uma das instalações é muito regular e a outra, acanhada em relação ao pessoal que emprega, está sendo alargada pelo respectivo proprietário, que alem d’isso está construindo outra fabrica para a laboração do atum, ficando a actual exclusivamente para a sardinha”114, em relação a esta última fábrica que estava em alargamento e à outra que estava a ser construída são fábricas de Júdice Fialho. O número de operários para estas fábricas era de 165 homens e 192 mulheres, sendo que 4 eram estrangeiros. 115
No concelho de Tavira não havia fábricas de conservas.
Em Vila Real de Santo António, existiam “oito fábricas (uma fechando neste momento) e três d’elas, compreendendo a mais antiga e mais importante, pertencem a súbditos italianos”116, todas as fábricas trabalhavam só com atum, atingindo o número médio de 30.000 atuns laborados por ano. Francisco Girão observa que em V.R.S.A. “A indústria das conservas de peixe é a única onde se faz trabalho nocturno, mediante elevação de salário”117. Relativamente ao número de operários, estes eram de 400 do sexo masculino e 418 do sexo feminino, existindo 21 de nacionalidade estrangeira. 118
INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1917
Finalmente em 1917 faz-se um novo inquérito industrial que veio publicado no Boletim do Trabalho Industrial n.o 116, editado em 1923.
111 Cf. ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 239.
112 ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 259.
113 Cf. ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 265.
114 ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 276.
115 Cf. ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 281.
116 ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 315.
117 ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 320.
118 Cf. ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 325.
Este novo inquérito industrial fornece-nos informações preciosas sobre o estado da indústria conserveira na região, embora também neste, sejam os dados agrupados por concelhos.
Assim temos que, para o distrito de Faro o inquérito atribui as seguintes fábricas para cada concelho, todos os dados que se seguem foram retirados do referido inquérito: 119
Albufeira, 2 fábricas com 231 operários;
Faro, 2 fábricas com 206 operários;
Lagoa, 9 fábricas com 830 operários;
Lagos, 13 fábricas com 1.019 operários;
Loulé, 3 fábricas com 268 operários;
Olhão, 33 fábricas com 2.540 operários;
Silves, 1 fábrica com 91 operários;
Tavira, 1 fábrica com 63 operários;
Vila Nova de Portimão, 5 fábricas com 708 operários;
Vila Real de Santo António, 8 fábricas com 1.349 operários.
Todas estas fábricas estão assinaladas como Fábricas de Conservas de Peixe, mas na mesma página do Boletim, vem outro item sobre Fábricas de Conservas de Peixe com oficinas de Litografia de folha, apresentando uma só, situada em Portimão com o número de operários de 347, esta fábrica é a Fábrica de São José de Júdice Fialho, pois era a única em Portimão que disponha de Litografia. 120
Dois autores algarvios escreveram sobre a indústria no Algarve nos primeiros anos do século vinte (Mascarenhas 1915 e Cabreira 1918) dão-nos mais algumas indicações preciosas sobre o desenvolvimento da mesma. Ambos referem, que esta indústria é o futuro do Algarve se a matéria-prima não escassear.
Tomás Cabreira, aponta mesmo alguns dados interessantes para os anos de 1907 e 1908, apesar de referir que as estatísticas são muito deficientes para o Algarve, assim, e a partir dos números apresentados por Cabreira, podemos verificar que em 1907 o número de fábricas era de 33, de motores de 98, atribuindo-lhes a potência em cavalos-vapor de 245 cv, com um número médio de operários de 3.100. 121
119 BOLETIM INDUSTRIAL, n.o 116, 1923: 44. 120 Cf . DUARTE, 2000: 34.
Em relação à produção, Cabreira apresenta o seguinte quadro:
Quadro 4
Distribuição das Fábricas de Conservas
pelos portos algarvios e a sua produção em quantidade e valor 1908.
122
Portos | Número de Fábricas | Produção em Toneladas | V alor em contos |
Lagos | 10 | 2.250 | 200 |
Portimão | 3 | 763 | 68 |
Albufeira | 1 | 235 | 21 |
Faro | 2 | 378 | 35 |
Olhão | 7 | 1.425 | 128 |
Vila Real | 6 | 1.266 | 191 |
No entanto, e, em relação a este quadro o autor, afirma que “O quadro antecedente representa um período de depressão da indústria que está hoje florescentíssima, tendo aumentado muito o número de fábricas, que é superior a 100”123, o autor fala em depressão, porque aquando da realização do seu trabalho, durante a I Guerra, a produção subiu para níveis muito elevados (ver quadro 3), em 1908, a produção mantêm-se na conjuntura de arranque e desenvolvimento da indústria, ainda em relação ao número de fábricas atribuído pelo autor (mais de 100), são dados, quanto a nós exagerados, pois segundo o inquérito de 1917, o número das mesmas no Algarve é de 78. 124.
Ainda em relação à I Guerra, e também para o Algarve, Luiz Mascarenhas, afirma: “hoje o fabricante de conservas tem o seu produto vendido antes mesmo de fabricado, porque a procura é tal que os interessados vem em pessoa fazer o seu negócio directamente” 125, como anteriormente referimos, a I Guerra teve um importante papel na consolidação da indústria, os lucros da mesma tornam-se uma das principais fontes de receitas do país e da região.
121 Cf. CABREIRA, 1918: 158.
122 CABREIRA, 1918: 159.
123 CABREIRA, 1918: 159.
124 BOLETIM INDUSTRIAL No 116, 1923: 44.
125 MASCARENHAS, 1915: 13.
Finalmente e a retratar toda a evolução da indústria no Algarve, apresentamos um quadro de Carminda Cavaco, que apesar de ter em nossa opinião algumas incorrecções, dá-nos uma visão geral e globalizante da indústria na região para o período que estamos a tratar.
Quadro 5
Desenvolvimento da indústria de conservas. (1890-1917)
126
Concelhos | Número de Fábricas | Número de Operários | ||||
1890 | 1908 | 1917 | 1890 | 1908 | 1917 | |
Lagos | 4 | 10 | 13 | 247 | ? | 1019 |
Portimão e Lagoa | 1 | 3 | 15 | 120 | ? | 1885 |
Olhão | 1 | 7 | 34 | 130 | 526 | 2638 |
Vila Real | 5 | 6 | 8 | 338 | 1010 | 1340127 |
Na elaboração deste quadro, Carminda Cavaco serviu-se das indicações de vários autores (Tomás Cabreira, Adolpho Loureiro, F.X. D’Athaíde Oliveira e D. Abecassis), se nos cingirmos aos inquéritos ou estatísticas oficiais, verificamos que existem alguns dados que não estão de acordo com esses estudos. Contudo, o Inquérito de 1917, atribui a Vila Real de Santo António 8 fábricas, assim como D. Abecassis no quadro criado por Carminda Cavaco, mas esta autora em relação ao número destas fábricas, refere em nota de pé de página que “os arquivos da Câmara apontam uma dezena de novas fábricas, que parece não terem sido considerados por D. Abecassis”. 128
Posto isto, atrevemo-nos também, a apresentarmos um quadro sobre a evolução da indústria no Algarve, para os anos de 1890, 1905 e 1917, utilizando os inquéritos ou estatísticas que já citamos neste capítulo, não recuamos até 1881, porque os dados referidos neste inquérito são muito escassos; para que o quadro não seja muito grande, apenas vamos citar os cinco centros mais importantes do Algarve, segundo a nossa apreciação são os mesmos que refere Carminda Cavaco.
126 CAVACO, 1976: 296.
127 A autora deve ter-se equivocado pois Duarte Abecassis no seu “Estudo sôbre os portos do Algarve”, na página 22, atribui 1.349 operários para Vila Real, número que também vem indicado no inquérito de 1917.
128 Cf. CAVACO, 1976: 296.
Quadro 6
Evolução da indústria Conserveira no Algarve. (1890-1917)
129
Centros conserveiros | Número de Fábricas | Número de Operários/Aprendizes | ||||
1890 | 1905 | 1917 | 1890 | 1905 | 1917 | |
Lagoa | 1 | 2 | 9 | 120/15 | 227 | 830 |
Lagos | 4 | 8 | 13 | 338130/14 | 641 | 1.019 |
Olhão | 1 | 6 | 33 | 130/- | 371 | 2.540 |
Portimão | – | 2 | 6131 | – | 357 | 1.055 |
Vila Real | 6 | 7 | 8 | 308/30 | 418 | 1.349 |
Temos assim um mapa com os principais centros conserveiros. Segundo os dados oficiais, podem existir algumas incorrecções (ver a citação de Carminda Cavaco na página anterior, a propósito do número de fábricas em V.R.S.A. no ano de 1917), contudo, estes são os números mais aproximados da indústria e aqueles que nos permitiram uma análise mais detalhada sobre a sua evolução/desenvolvimento da indústria no Algarve.
129 Para a elaboração deste quadro baseámo-nos nos dados fornecidos pelos diferentes trabalhos oficiais realizados em 1890, 1905 e 1917, INQUÉRITO INDUSTRIAL DE 1890, vol. III: 528 – 536. ESTATÍSTICA INDUSTRIAL, 1905: 203 – 325, BOLETIM INDUSTRIAL No 116, 1923: 44.
130 Atribuímos um número diferente do total de operários relativamente a este concelho, porque a soma dos operários no inquérito foi mal feita e deram o resultado de 238, certamente uma gralha. Cf. INQUÉRITO INDÚSTRIAL DE 1890: 529
131 Como já referi relativamente a Portimão, no Inquérito de 1917, para além das fábricas de conservas vem também assinalada uma fábrica de conservas de peixe com oficinas de litografia de folha, pelo que os resultados apresentados são a soma destes dois itens (5 +1 e em relação aos operários é de 708 + 347), Cf. BOLETIM INDÚSTRIAL No 116, 1923: 44.