O Nascimento de um império conserveiro: “A Casa Fialho” (1892-1939)

Dissertação apresentada no âmbito do Mestrado em História Contemporânea Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Jorge Miguel Robalo Duarte Serra
Porto 2007

Capítulo I – Enquadramento geográfico e económico do Algarve

1 – O Algarve económico

2 – O Algarve no Século XIX

3 – Vila Nova de Portimão

Capítulo I

Enquadramento Geográfico e Económico do Algarve

“Algarve, termo arábico, quer dizer ocidente, ou pais ocidental.”1 O clima, o solo fértil, os minérios, a fauna e flora, a riqueza das suas águas, os bons portos e o seu posicionamento geográfico fizeram com que o Algarve, desde sempre, fosse uma terra procurada e ocupada, sucessivamente, por Fenícios, Gregos, Cartagineses, Romanos, Godos e, finalmente, pelos Árabes. Deixaram, uns mais que outros, marcas da sua passagem, influenciando civilizacional e culturalmente o espaço algarvio. Contactos que tiraram o Algarve do isolamento a que estava sujeito; a população, principalmente a do litoral, ao descobrir novas técnicas e ao assimilar outros conhecimentos, rentabiliza-os, trazendo à região alguma prosperidade e progresso.

  1. Afonso III, em 1249, ao acrescentar ao seu título a denominação “e do Algarve”, assume esta região como um espaço distinto, então integrado pela conquista no território de Portugal. Assim, ao assumir esta atitude, o rei não faz mais do que reconhecer uma individualidade regional, que a geografia acentua, diferenciando-a do reino.

Dois séculos mais tarde, após 1415, D. João I intitula-se Rei de Portugal e dos Algarves d’Aquém e d’Além mar em África. Dava assim continuidade à “tradição”, assumindo uma identidade regional distinta das demais, mas que, em simultâneo, assegurava a continuidade – uma certa afinidade – com os territórios então conquistados. Que lado a lado com a região fronteiriça castelhana, a Andaluzia, formava o designado “golfo luso-hispano-marroquino”, definindo (desenhando) a região do ocidente mediterrâneo.

O Algarve, situado no extremo Sudoeste do Continente Europeu “com uma superfície de cerca de 4.991 km2, corresponde a 6% da superfície total do país”2, confronta a Sul e a Oeste com o Oceano Atlântico, a Este com o Rio Guadiana, sendo os seus limites a Norte definidos pela Ribeira de Odeceixe, desde o Oceano Atlântico até à sua nascente no maciço de Monchique, continuando a sua raia por esta serra, ao encontro da de Mesquita e do Caldeirão, para depois seguir ao longo da Ribeira do Vascão até ao Rio Guadiana.

2 LOPES, 1841: 5.
2 Plano estratégico de desenvolvimento da região do Algarve, 1999: 25.

Com cerca de 150 km de costa, a Ocidental vai do Cabo de São Vicente até à Praia de Odeceixe, onde desagua a ribeira do mesmo nome. Por sua vez a “costa meridional do Algarve tem duas secções distintas: desde o Cabo de S. Vicente até Quarteira – salvo a bela baía de Lagos-Alvor e a praia de Armação de Pêra – é em arriba, cuja altura varia entre os 30 e 80 metros, da Quarteira até à foz do Guadiana, onde a acumulação das areias trazidas pelas correntes litorais mascara a arriba, é sensivelmente mais baixa do que a anterior.”3

O mar da costa ocidental tem todas as características do Atlântico, enquanto o da costa sul é mais calmo, não havendo correntes muito fortes, tempestades nem nevoeiros, com águas de temperatura mais elevada, confirmando a influência do Mar Mediterrâneo.

“Calor e secura. Estas duas palavras resumem a dominante mediterrânea do clima português.”4

Mais acentuada no Algarve, porque é a região mais meridional de Portugal Continental. Contudo, tal como o resto do país sofre duas influências climáticas: do Mediterrâneo e do Atlântico, embora a primeira esteja mais presente, provocando Verões quentes e longos, Outonos e Primaveras amenas, com uma temperatura e pluviosidade mais de acordo com um clima Mediterrâneo. Tomaz Cabreira, defendeu mesmo que o clima da zona sul do Algarve é caracteristicamente mediterrâneo 5. A influência Atlântica nota-se mais a partir de Monchique, os ventos e a humidade do Atlântico condicionam as temperaturas, provocando mais pluviosidade (até mesmo neve em Monchique) nevoeiros e humidade. No litoral, os ventos atlânticos e a humidade do mar, principalmente no barlavento, também influenciam, de certa forma, o clima desta zona.

Esta região subdivide-se em três zonas ou, se quisermos, sub-regiões: litoral, barrocal e serra. Como bem define Romero de Magalhães “A serra, cadeia de montanhas de xisto que se ergue a norte, contrasta com a plataforma calcária – o barrocal – a que se segue uma estreita faixa de planície no litoral sul. Neste anfiteatro se distribuem as culturas segundo os solos, donde resultam dois tipos de economia e, consequentemente, de formas de povoamento.”6

3 GOUVÊA, 1938: 110.
4 RIBEIRO, 1998: 45.
5 Cf. CABREIRA, 1918: 15.

A serra, barreira montanhosa que separa o Algarve do Alentejo, direccionada no sentido Leste-Oeste a partir do Guadiana, com muitos vales e acidentes topográficos é, segundo Orlando Ribeiro, “um mar de cerros de xisto que sobe a mais de 500 m, (Mu ou Caldeirão, 578 m, Alcaria do Cume, 523 m. Fóia e Picota, de rocha eruptiva, 902 e 774 m, respectivamente). ”7

Durante muito tempo a serra foi pouco povoada, em parte, devido à inexistência de vias de comunicação. Os poucos caminhos que existiam dirigiam-se, sempre, para o litoral – não existindo estradas que ligassem transversalmente as poucas povoações serranas –, apoiando o povoamento disperso que, naturalmente, desenvolvia uma agricultura de subsistência. Contudo, a zona da Serra de Monchique era um pouco mais povoada existindo mesmo pequenas aldeias.

A flora serrana crescia – e ainda cresce –, em muitos locais, de forma espontânea. O sobreiro, a azinheira, a esteva, o carvalho e o medronheiro destacam-se das outras espécies existentes, embora o sobreiro e o medronheiro, por necessitarem de mais humidade, existam em maior abundância na zona de Monchique e nas vertentes meridional e oeste da Serra do Caldeirão.

O barrocal sendo uma zona intermédia, com o seu centro em Loulé, apresenta um conjunto de terrenos calcários. A. de Medeiros Gouvêa, através de um exame sobre o terreno, consegue “encontrar continuidade desde o Cabo de São Vicente até Castro Marim.” 8 Uma faixa estreita de terra, com uma largura que diminui, claramente, nas extremidades, alargando-se a partir de Portimão e mantendo-se assim até Tavira.

Os seus terrenos agrícolas são pobres, com falta de água. Cultiva-se, principalmente, a alfarrobeira, a figueira e a amendoeira, árvores que não necessitam de muita água e que tem algum valor económico; outros frutos e cereais são, também, aí cultivados, embora sem grande rentabilidade.

Em algumas zonas existem hortas, regadas a partir de furos subterrâneos, onde se plantam hortaliças e frutas, como no litoral.

6 MAGALHÃES, 1970: 39.
7 RIBEIRO, 1998: 161.
8 GOUVÊA, 1938: 132.

Para muitos autores o Algarve litoral pode dividir-se em três grandes sub- -regiões: o Sotavento, que vai de Vila Real a Tavira /ou Faro, o Barlavento de Albufeira para Oeste e, finalmente, o Algarve Central, que se situa entre estas duas zonas.

O litoral algarvio devido ao comércio, à qualidade e diversidade dos seus terrenos agrícolas e à indústria pesqueira, sempre foi a zona mais povoada.

Tem um relevo fraco, água com poços subterrâneos, o que conjugado com o Inverno ameno e a ausência de pedras nos seus terrenos permite boas produções de “amendoeiras, figueiras, alfarrobeiras e oliveiras” 9, mas também de legumes (fava, ervilha e grão-de-bico) e cereais (trigo e cevada), destacando-se, ainda, o cultivo de citrinos.

A pesca é outra actividade importante e sempre presente nas povoações litorais. Tal facto deve-se sem dúvida, à riqueza e consequente exploração dos seus mares. A pesca da baleia do atum e, mais tarde, da sardinha está devidamente sinalizada e documentada por diversos autores, desde a Idade Média.

Devido à sua localização geográfica o comércio marítimo também teve alguma importância nesta região, provocando a manutenção de uma sociedade urbana herdeira da civilização árabe. Em finais da Idade Média, o Algarve tinha três grandes pólos urbanos: Lagos, a capital administrativa, Silves, sede do bispado até 1577 e com porto fluvial mas ligada a Portimão pelo rio Arade, e “Tavira, a maior povoação do sul em 1522.” 10 Destacavam-se ainda Portimão, Faro, sendo Loulé o único pólo urbano sem porto. Contudo usufruía de uma posição geográfica central e privilegiada, onde confluíam muitos dos caminhos do Algarve, assumindo-se como um importante – e antigo – mercado, em estreita ligação com Faro.

Esta correlação de forças sofrerá alterações. Lagos, a pouco e pouco, vai perdendo a sua importância, em grande parte devido à sua localização no Oeste da província, Silves perde a sede de Bispado a favor de Faro em 1577, mantendo Tavira a sua importância até à fundação de Vila Real de Santo António.

Faro começa a ganhar protagonismo, tornando-se a capital da região, porque é mais central, está mais perto da Andaluzia e do Mediterrâneo e tem um bom porto.

A população cresce ao longo de todo o século XVI. Segundo Orlando Ribeiro estes seriam os números a apontar para os períodos de: 1527 – 8.787 vizinhos; 1577 – 12.120 vizinhos; 1601 – 13.900 vizinhos, continuando a registar-se um crescimento até 1621 – 16.578 vizinhos11.

9 CAVACO, 1976: 19.
10 MAGALHÃES, 1970: 19-20.

A partir dos anos vinte do século XVII, o Algarve entra numa lenta e longa agonia comercial e demográfica, que vai durar até ao século XIX, provocando uma progressiva ruralização da região. Uma situação conjuntural, justificada por um conjunto de factores interligados, políticos, económicos, comerciais e naturais que, de seguida, teremos oportunidade de explicitar.

1 – O Algarve económico

“O Algarve foi sempre terra aberta e convivente. A navegação rápida e fácil no golfo luso-hispano-marroquino deu-lhe uma feição mercantil que o afastamento do poder político permitiu desenvolver sem fiscalizações embaraçantes.” 12

Esta é na verdade a realidade algarvia do século XVI, uma região urbanizada, em crescimento e virada para o comércio externo, exportando os seus produtos tradicionais “fruta, isto é, figos, e de azeite, vinho, passas de uva, cera, esparto, palma, cal, gados, sardinha e atum” 13, importando o que lhe faz falta: trigo, panos, metais e escravos. 14

É com base no comércio dos produtos agrícolas e piscícolas, que o Algarve vai viver uma época de expansão económica e demográfica. Romero de Magalhães, como referi, aponta para um crescimento contínuo da população algarvia durante cerca de um século (de 1527 a 1621) 15.

Ora para sustentar este crescimento vai ter que haver, necessariamente, mais terrenos cultivados, começando por esta altura a esboçarem-se as primeiras arroteias nos termos dos concelhos, termos esses que, na sua grande maioria, já englobam territórios da serra. Este comércio não se apoia na indústria, que não existe no Algarve, é feito no litoral, já que a rede de estradas é inexistente. “As estradas no Algarve são menos más na beira-mar, no barrocal porem piores, e na serra péssimas.” 16

11 Cf. MAGALHÃES, 1970: 17-18.
12 MAGALHÃES, 1993: 11.
13 CAVACO, 1976: 37.
14 Cf. MAGALHÃES, 1970: 185.
15 Cf. MAGALHÃES, 1970: 17-18.
16 LOPES, 1841: 75.

Contudo é a vertente urbana que está presente no Algarve do século XV. “Nenhuma outra região portuguesa possui uma rede urbana tão antiga, tão densa e tão importante (15,6% da população). Pode ver-se aqui a última riviera mediterrânea e a influência de todas as colonizações marítimas da Antiguidade; uma profunda organização romana e muçulmana (esta passou quase intacta ao domínio português).”17 Embora Orlando Ribeiro se esteja a referir ao século XX, clarifica a considerável rede urbana que, desde sempre, existiu no Algarve.

Desde a ocupação muçulmana que os principais centros urbanos e de comércio estão definidos. Afirmando, de alguma forma, uma rede que se complementa. No século XVI, Tavira, Faro, Vila Nova de Portimão e Lagos “impõem-se” pela “vida” dos seus portos marítimos; Silves, com um porto fluvial e ligada a Portimão pelo rio Arade, vai, de igual modo, “traçando o seu caminho”; e, por fim, Loulé destaca-se por ser a única localidade sem porto, mas em estreita ligação a Faro.

Outras povoações como Olhão, Quarteira e Monte Gordo vão começar a crescer, sustentadas pelas suas actividades ligadas à pesca. Monte Gordo teve, no entanto, e a assinalar, um crescimento episódico durante o século XVIII, que coincidiu com o estabelecimento, nessa zona, de catalães e valencianos, atentos “aos proveitos dos mares”, que as leis castelhanas de Carlos I, não apoiaram. Na verdade, estas, ao proibirem a importação de peixe fresco, provocaram, quase de imediato, o declínio desta povoação e a “ascensão comercial” das povoações castelhanas da margem esquerda do Guadiana que, por esta altura, se tornaram importantes centros piscatórios.

Terra de contrastes, mas sobretudo de mudança. O Algarve é, de facto, um território de transição. De espaços e de gentes. De civilizações e culturas. A cristã e a muçulmana. Com os consequentes reflexos nas actividades económicas desenvolvidas, estas, forçosamente, consequência da realidade geográfica. Que embora não sendo determinante, condiciona, positiva ou negativamente. Desta forma, o aproveitamento e desenvolvimento económico surge articulado, não só com a matéria-prima existente, nomeadamente os produtos agrícolas e piscícolas, como também com os mercados de escoamento mais próximos (distribuidores e, ou consumidores). Referimo-nos à Andaluzia, centro de acentuado dinamismo comercial, e ao Norte de África, com o qual, desde sempre, o Algarve estabeleceu relações comerciais e de abastecimento de produtos necessários à manutenção das praças portuguesas nesse continente (de que, por exemplo, o envio de cal dá testemunho).

17 RIBEIRO, 1998: 163.

Assim, ao falarmos da economia algarvia é inevitável destacar o século XVI. Por então, o Algarve “crescia” urbano e comercial. O comércio marítimo, essencialmente alicerçado na exportação dos seus produtos naturais, fluía na direcção do Norte da Europa, do Mediterrâneo Ocidental, do Norte de África e do território vizinho (Castela). Internamente, à excepção de Lisboa, que recebia muitos dos seus produtos, estes quase não chegavam às demais regiões nacionais, nem mesmo às mais próximas, como era o caso do Alentejo. Naturalmente que a má rede viária não estimulava a circulação interna de produtos, no entanto, no caso da região alentejana, a proximidade não pode ser justificada da mesma forma. Na verdade, esta região nunca foi vista pelos algarvios como uma região economicamente interessante, pelo que, como afirma Carminda Cavaco, “o Algarve virou costas ao Alentejo e integrou-se na orgânica comercial de cada época através dos seus portos.”18

Contudo este Algarve próspero e dinâmico, com espírito comercial e empreendedor (com boas condições para se tornar uma região próspera) não consegue “dar o salto para a modernidade”, consolidando o seu desenvolvimento efectivo, antes pelo contrário, entra em declínio. Este processo acentuou-se durante o período da União Ibérica. Castela, como é sabido, na luta pelos seus interesses de supremacia económica, acaba por entrar em guerra com alguns dos países da Europa e, Portugal, por arrastamento, vai sentir o impacto dessa conflituosidade.

A ligação comercial com a Andaluzia, principalmente com Sevilha, porto de entrada da prata castelhana desde 1531, esbate-se. A inflação provocada pela chegada de grandes quantidades deste metal a juntar à pressão da carga fiscal, desvia os mercadores estrangeiros do Algarve. E, por fim, a perda de importância de Sevilha em favor de Cádis, que se torna o porto de entrada dos produtos do império castelhano das Américas, também contribui para “a crise algarvia”.

Não poderá ainda ignorar-se a prática do corso que, os últimos anos da década de 80 do século XVI, se fez sentir sobre o Algarve – “em 1587, o corsário inglês, Darke, assaltou as fortalezas da Baleeira, do Beliche, de S. Vicente e do promontório de Sagres. Alguns anos mais tarde, em 1596, um outro inglês, o conde de Essex, provocava novas devastações no Algarve, incendiando e saqueando a cidade de Faro” 19 – depois de ter atacado o porto de Cádis. Assim como deve ainda ser mencionada a “pressão” árabe oriunda do Norte de África. O ataque aos barcos, às armações e aos arrais de apoio existentes em algumas praias, para além de algumas incursões em terra, obrigou parte da população do litoral a deslocar-se para o interior onde se sentiam mais seguras.

18 CAVACO, 1976: 3.

Os mercadores portugueses foram, assim, sendo, progressivamente, substituídos por estrangeiros que mantinham algumas casas comerciais, principalmente em Faro, dedicando-se à exportação dos frutos algarvios e importando materiais manufacturados e outros produtos necessários à região.

Por outro lado, uma série de acontecimentos, verificados na Europa e não ligados directamente ao Algarve, irão condicionar o comércio nos séculos XVII e XVIII.

As sucessivas guerras protagonizadas pela Espanha, como a guerra (1626-1641) contra as Províncias Unidas, a Inglaterra e a França, faz com que Portugal também fique em guerra com estes países, intensificando-se, como já acentuei, o corso contra as costas algarvias, principalmente por parte dos ingleses. Em 1657 a guerra da Espanha com a França e com a Inglaterra, e a ameaça de guerra entre Portugal e a Holanda, ou ainda a guerra de sucessão de Espanha (1705-1710)20, criam um clima de instabilidade e insegurança nada propício ao comércio. Para agravar a situação a peste reaparece no séc. XVII. Na verdade a Faro e ao Algarve chega “a peste em 1601 e em 1649-50. Esta última, como se sabe particularmente violenta.”21

A quebra demográfica poderá, deste modo, ter-se reflectido na taxa de crescimento anual da região, ao longo dos séculos XVII e XVIII, que se situa abaixo de 1%22, não permitindo a revolução agrícola precursora da revolução industrial. Ao mesmo tempo que, repetindo-nos, a diminuição acentuada do fluxo comercial, provoca o progressivo afastamento do Algarve das rotas comerciais do Norte da Europa. Por outro lado, os fortes investimentos e respectivos lucros do comércio internacional então direccionados para a América, África e Ásia, “afastam” o Algarve, que se vai posicionando como uma região marginal (a todo este processo).

19 COUTINHO, 1999: 263.
20 Cf. MAGALHÃES, 1993: 288 – 289.
21 MAGALHÃES, 1993: 106.
22 Cf. MAGALHÃES, 1993: 20. 

A indústria é praticamente inexistente e mesmo a da construção naval, que merecia ser incrementada, não oferece sinais de vitalidade, mercê da “política” de importação de barcos ou de componentes essenciais para a sua construção. Mesmo os catalães e valencianos, quando se fixaram em Monte Gordo, trouxeram todo o material necessário para a fabricação das pipas onde colocavam o peixe. O que poderia ser visto como uma estratégia económica. Contudo, não o foi. Simplesmente não havia bons profissionais nessa área. Na verdade, no Algarve apenas existiam pequenos artesãos que satisfaziam e serviam as necessidades locais, importando-se tudo o demais que fosse necessário. Falta de espírito de iniciativa, falta de incentivos, o que é certo é que mesmo a indústria de redes, que poderia ser um importante ponto de partida para o desenvolvimento económico local – beneficiando da e a indústria da pesca – não deu “qualquer sinal de vida”. A realidade é que as “linhas dos outros aparelhos, que vêm quase todas de Espanha, sendo poucas feitas no Algarve por puro desmazelo.” 23

A única indústria que se foi estruturando foi a da pesca, que necessitava de avultados investimentos, que nem sempre tinham retorno. A que se juntava a “gula fiscal” dos governantes, com o consequente desinteresse dos investidores e a natural e consequente queda dos lucros – evidente ao longo dos séculos XVII e XVIII nas receitas da fazenda régia das almadravas do atum – 24. Tal facto forçou os armadores a tomarem uma posição cautelosa, e de desinvestimento. Paralelamente, e segundo alguns autores, também por esta ocasião se fez sentir nas costas algarvias “um afastamento” dos cardumes de atum, que sendo a mais usual e lucrativa das pescas, terá contribuído, forçosamente, para o quadro negativo que então se vivia. 25

Assim o reforça Silva Lopes ao afirmar que “a pescaria do atum basta para fazer o Algarve rico.”26

Não será então de estranhar que a população algarvia se tenha ruralizado – esquecendo a sua vocação urbana e comercial – e adaptado aos princípios da “sociedade do Antigo Regime”: imutável, hierarquizada, vocacionada para a subsistência (agricultura).

23 LOPES, 1841: 83.
24 Cf. MAGALHÃES, 1993: 196.
25 Cf. MAGALHÃES, 1993: 198.
26 LOPES, 1841: 87.

“Uma sociedade cristalizada”, na feliz expressão de Romero de Magalhães. Que “Os fatais terramotos de 6 Março de 1719, de 27 de Dezembro de 1722 e 1 de Novembro de 1755 acabarão de prostrar …”27  Sendo assim, será caso para dizer, que aos algarvios já mais nada lhes poderia acontecer.

Apenas em finais do século XVIII se vai tentar mudar este panorama negativo, na sequência do furor reformista de “aposta na industrialização” protagonizado pelo Marquês de Pombal.

A criação de Vila Real de Santo António parecia uma medida acertada, sob ordens directas do Marquês “que a fez elevar em 5 meses, no ano de 1774” 28. Com efeito, Pombal tenta revigorar as pescas algarvias com a criação desta vila e com a Companhia Geral das Reais Pescarias do Reino do Algarve, criada um ano antes (pelo Alvará de 15/01/1773) 29, a quem “entregou” o monopólio da pesca do atum. Esta companhia vai preferir a lota de Vila Real para toda a sua actividade no Sotavento, devido à sua boa localização geográfica, perto de pesqueiros importantes (nomeadamente o de Monte Gordo, que fugia à fiscalidade régia e alimentava o contrabando), e por oferecer “melhor barra e o melhor estuário da província e constituindo uma via fluvial única de penetração no Alentejo interior” 30, na margem esquerda do Guadiana, perto de Espanha e do importante mercado Andaluz. De início chamou muitos trabalhadores para a construção de edifícios públicos, para os estaleiros e mesmo alguns pescadores para ajudarem os locais.

Contudo, com a morte de D. José em 1777, e consequente afastamento de Marquês de Pombal, os investimentos pensados para Vila Real cessaram. Silva Lopes afirma mesmo que, do que estava planeado fazer, apenas 1⁄4 foi realizado “nada foi bastante para fazer medrar a nova vila; ficou em menos da quarta parte do plano projectado; nunca mais se edificou uma só casa, nem reparou aquela que caiu; foi definhando em vez de prosperar.” 31 Assim, o que parecia ser uma excelente ideia, acabou por não ter reflexos positivos, pois o Algarve não podia ficar dependente de uma vila situada num dos seus extremos (umas das causas da progressiva decadência de Lagos a favor de Portimão. Faro continuaria, deste modo, a manter a sua importância, usufruindo do seu bom porto, por onde continuou a passar a maior parte do comércio do Algarve.

27 LOPES, 1841: 13.
28 LOPES, 1841: 381.
29 Cf. RODIGUES, 1999: 393.
30 CAVACO, 1976: 63.
31 LOPES, 1841: 383.

2 – O Algarve no Século XIX

Durante quase todo o século XIX, o Algarve manteve-se na estagnação em que vivia desde os anos vinte do século XVII.

Uma população ruralizada, hierarquizada sem perspectivas de ascensão social e analfabeta. A acrescer a tudo isto, temos que nas primeiras décadas do século, deram-se as invasões francesas, “a tutela inglesa dos generais Wellesley (futuro duque de Wellington) e Beresford” 32, a revolução liberal e a guerra civil; foram tempos difíceis, conturbados de grande instabilidade, guerras, crises políticas, económicas e agrícolas. No Algarve, a quadrilha do bandoleiro Remexido 33, ainda mais agravou esta situação, pois nem com o seu fuzilamento, a guerrilha se extingui, continuando activa até 1846; 34, perdurando a instabilidade até esta altura.

Ora, perante estes factores qualquer investimento/desenvolvimento económico não é possível, pois, todas estas situações geradoras de instabilidade, não permitem o investimento ou mesmo o aproveitamento das primeiras ondas de choque (exportação de produtos e de tecnologias, nomeadamente os investimentos em linhas de caminho de ferro) protagonizadas pela revolução industrial inglesa.

Assim podemos afirmar, que as leis liberais de Mouzinho da Silveira, extinção dos dízimos, e muito especialmente com a legislação de extinção dos forais, a nacionalização dos bens das Ordens Religiosas pelo Decreto lei de 30 de Maio de 1834, e a venda dos bens nacionais, que permitiriam uma reestruturação de todo o sistema fundiário português e consequentemente a reorganização do seu tecido social. No Algarve não se vão notar grandemente estas reformas, e só na segunda metade do século XIX começam a ter alguma visibilidade na região. Com efeito, segundo o levantamento feito por Silva Lopes, no Algarve, as arrematações de bens nacionais até ao fim de Novembro de 1840 são muito poucas 35.

32 Os ingleses depois da vitória sobre os franceses ficaram em Portugal continental, e através destes dois generais detiveram por magistratura de influência, grande protagonismo nas acções governativas das regências até à Revolução Liberal de 1820. O domínio inglês e a defesa dos seus interesses comerciais e económicos no reino (que a partir de 1815 é o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves) foi um facto até ao eclodir da Revolução Liberal.

33 Remexido, de nome Joaquim José de Sousa Reis, famoso guerrilheiro que durante a guerra civil chefiou no Algarve um bando de malfeitores que defendia a causa absolutista, contudo, após a sua dissolução, como consequência da Convenção de Évora-Monte, reagrupou-o na sequência das lutas políticas entre setembristas e cabralistas, retomou a guerrilha atacando a partir da serra, (onde tinha o seu quartel general), inúmeras aldeias e vilas do Algarve (principalmente) e Alentejo, após alguns anos de terror e banditismo foi capturado, julgado em Conselho de Guerra e fuzilado em Faro a 2 de Agosto de 1838.

34 Cf. VARGUES, 1999: 346.

O Algarve da primeira metade do século XIX continua a sofrer do seu eterno mal, não tem indústria, David Justino, cita o Governador Civil do distrito em resposta ao inquérito de 1852, “Não existem Fábricas, propriamente ditas, reduzindo-se os estabelecimentos fabris a poucos teares de panos grosseiros de lã e linho em que trabalham seus próprios donos, e algumas olearias em que se fabrica louça de barro ”36, a única indústria continua a ser a da pesca. Podemos verificar que para os anos de 1848 a 1852, na média anual do pagamento do imposto da pesca (6% do pescado descarregado), o Algarve contribui com 19,0% da receita total37, desse imposto.

O panorama não se altera significativamente até aos anos 80, quando se inicia o surto da indústria conserveira, indústria essa que é um oásis na paisagem industrial algarvia do século XIX.

Com efeito, os inquéritos industriais apenas reforçam esta ideia, nomeadamente o Inquérito de 1890, que por se mais pormenorizado nos revela com alguma minúcia a realidade industrial da região, se analisarmos a existência de máquinas a vapor ou motores a gás no Algarve, (com este item podemos verificar a realidade industrial na sua componente mais efectiva a utilização de energia artificial/não natural), verificamos que em 1890, existiam quatro máquinas e um motor a gás no concelho de Faro, sendo que três eram da indústria de conservas. No concelho de Lagoa, uma, também utilizada na indústria de conservas, uma máquina e um motor a gás no concelho de Lagos, ambas para a indústria de conservas, e três máquinas a vapor e duas máquinas de ar quente em Vila Real de Santo António, todas utilizadas na indústria conserveira38. Devemos no entanto referir que alguns industriais tentavam falsear as respostas ao questionário com medo de serem penalizados nos impostos ou de outra qualquer forma39. Através deste pequeno exemplo, verificamos que a industrialização no Algarve um pouco à semelhança do resto do país era praticamente inexistente.

35 Cf. LOPES, 1841: Mapa No 33, Relação dos bens nacionaes – Situados no Algarve, suas avaliações e preço dos que tem sido arrematados até ao fim de Novembro de 1840.
36 JUSTINO, 1988: 119.
37 Cf. JUSTINO, 1988: 72.
38 Cf. INQUÉRITO INDUSTRIAL, 1890: 582 – 583.

Contudo uma actividade económica fora da região vai ter algum impacto no Sotavento algarvio, pois em meados do século XIX (7 de Outubro de 1857) 40 com o início da exploração das Minas de São Domingos, no concelho de Aljustrel, vai crescer uma povoação operária/mineira na margem direita do Guadiana, este facto leva ao aproveitamento de alguma mão de obra da região e ainda ao desenvolvimento da navegação fluvial no rio Guadiana (já que era a via de comunicação mais barata para o transporte do minério), de que vão ser beneficiários os habitantes de Vila Real, pois como afirma Luiz Mascarenhas “N’ esta laboração do minério faz Vila Real de Santo António bastantes interesses empregando nos mesteres da navegação, que aporta ao seu magnifico porto.” 41

A economia da região continua a basear-se na agricultura 42, na exportação dos frutos tradicionais, da cortiça e de alguns produtos agrícolas, o comércio externo está na mão de estrangeiros, sobretudo ingleses, que também vão ficar com a exploração das minas de São Domingos. É no entanto uma economia fechada e parada, ao que acresce toda a instabilidade vivida na primeira metade do século. As vias de comunicação são muito más e o caminho de ferro está no seu início, a ligação Faro – Lisboa (Barreiro) só fica concluída com a primeira viagem no dia 21 de Fevereiro de 1889, sendo que as ligações às outras cidades algarvias fazem-se para Portimão em 1903, para Vila Real em 1906 e finalmente para Lagos em 1922 43, não é, portanto, despropositada a frase de Luís Santos de que “Até finais dos século XIX o mar foi a principal via de acesso ao Algarve.” 44

39 A este propósito devemos salientar que nas informações finais sobre o inquérito à região, é referido na página 606, que: “Apesar de os agentes darem todas as explicações no sentido de destruir este errado sistema de relutância, é para lamentar que entre os industriais que mais persistiram em não querer preencher os questionários figure um dos principais, Sebastião Ramires, proprietário de duas importantes fábricas, uma de tecidos, e outra de conservas de peixe.”
40 CASTRO, 1990: 82 – 83; A licença de exploração das minas foi concedida nesta data a Nicolau Bianca, que passado algum tempo, a cedeu a outros investidores. CAVACO, 1976: 351, refere que pelos dados do Inquérito Industrial de 1890, esta mina era considerada a mais rica do país, e a que tinha mais trabalhadores em 1889 eram 1052 (42 espanhóis).
41 MASCARENHAS, 1915: 29.
42 José de Beires no seu Relatório apresentado à Junta Geral do Distrito de Faro na Sessão Ordinária de 1873, pelo Conselheiro Governador Civil José de Beires com Documentos e Mappas Ilustrativos. De 1873, escreve mesmo na página 14 da introdução que “Não desanimo, porem, nas minhas diligências, porque é profunda convicção minha que o futuro do Algarve está todo na sua Agricultura.”
43 Cf. CAVACO, 1976: 435.

Este autor refere ainda, que quando estava mau tempo, e as barras se encontravam fechadas as viagens eram mais penosas, descreve inclusivamente uma viagem de Júdice Fialho, em Janeiro de 1888. O industrial teve que se deslocar com urgência a Lisboa, assim como “o porto de Faro estaria fechado à navegação e como a corrente do Guadiana não permitia a carreira a vapor para Mértola, João António Fialho não teve outra alternativa senão atravessar o rio e deslocar-se a Sevilha, onde tomou um trem para Badajoz. Dali terá seguido para Beja ou Casével onde tomou o comboio para Lisboa.” 45
Serve ainda de exemplo sobre as más condições das vias de comunicação um relato feito pelo Bispo de Algarve que saiu de Lisboa a 23 de Dezembro de 1856 e só conseguiu chegar a Faro no dia 22 de Janeiro!

Os portos do Algarve no século XIX são os mesmos de sempre, “Lagos, Portimão, Silves, Albufeira, Faro, Olhão Tavira e Vila Real de Santo António, o primeiro e o quarto banhado directamente pelo oceano, todos os outros marginais de rios do litoral.”46
Contudo os portos algarvios sofriam muito com o assoreamento das barras e do leito dos rios que serviam de acesso a esses portos. A falta de boas condições para o embarque e desembarque de mercadorias, também era prejudicial para o comércio; “Na realidade a quase todos estes portos faltam condições d’embarque em cais próprios e ancoradouros para ingresso de navios de maior calado.” 47
A questão de um bom porto de abrigo na região só vai ficar resolvida durante o Estado Novo, com as obras de assoreamento e construção de molhes nas barras de Faro/Olhão e Portimão.

Devemos referir a inauguração no dia 2 de Junho de 1853 da carreira a vapor entre Vila Real de Santo António e Lisboa, com escala em alguns portos do Algarve, a viagem durava cerca de 45 horas, o que vai aproximar e embaratecer o comércio com Lisboa. As vias terrestres eram, como já referimos, muito más, só com Fontes Pereira de Melo é que esta situação se vai modificar, através do Projecto de Lei das estradas e caminhos públicos de 9 de Setembro de 1848  48, começa-se a projectar uma estrada entre Lisboa e o Algarve, todavia a conclusão desta estrada só se vai verificar no século XX.

44 SANTOS, 1999: 385.
45 SANTOS, 1999: 385.
46 MASCARENHAS, 1915: 17.
47 MASCARENHAS, 1915: 19.
48 Cf. SANTOS, 1999: 387.

Finalmente e relativamente à população algarvia, verificamos que esta vai aumentar ao longo de todo o século, Thomaz Cabreira, no seu livro “O Algarve Económico”, apresenta-nos vários números que retirou dos censos que se foram fazendo em Portugal, assim a partir dos dados por ele recolhidos, apresentamos dois quadros, que descrevem a evolução da população algarvia ao longo do século XIX (Quadro 1) e o crescimento das populações dos concelhos entre 1802 e 1911 (Quadro 2).

Quadro 1
49
A População do Algarve no Século XIX
(Em número de habitantes)

AnosPopulação
1802105.801
1821120.322
1890228.635
1900255.191
1911272.891

Ao observarmos este quadro é evidente que o Algarve acompanhou o crescimento da população Portuguesa e Europeia verificado no século XIX, sendo que, apesar de todas as guerras e crises que atravessaram a primeira metade deste século, em Portugal (e no Algarve), o crescimento da população foi um facto, tendo a população algarvia aumentado mais do dobro nesta centúria. Cabreira defende mesmo, que o crescimento populacional algarvio foi superior à média nacional, apresentando para os anos de 1821-1890 um crescimento de 90,1% para o Algarve e de 54,6% para o resto do país. 50

Relativamente ao crescimento populacional em cada um dos concelhos, apresentamos um quadro de Thomaz Cabreira, porque entendemos que mostra com pormenor a evolução da população algarvia ao longo do século XIX, demonstrando ainda a importância que a indústria conserveira e da cortiça tiveram no desenvolvimento de alguns dos centros urbanos da região.

49 Cf. CABREIRA, 1918: 23. Este quadro foi realizado com os dados apresentados por Thomaz Cabreira no seu livro O Algarve Economico.
50 Cf. CABREIRA, 1918: 24.

Quadro 2
51
População dos concelhos do Algarve em 1802 e 1911
(Em número de habitantes)

Concelhos18021911
Albufeira4.70012.869
Alcoutim5.8038.514
Aljezur2.3675.658
Castro Marim5.1148.571
Faro15.80035.834
Lagoa5.76612.994
Lagos8.69316.259
Loulé14.35043.961
Monchique3.81712.712
Olhão8.81524.998
Silves10.41531.713
Tavira11.50725.768
Vila do Bispo2.0115.945
Portimão4.98515.931
Vila Real de St. António2.15811.134

Podemos ver que a maioria dos concelhos tiveram um crescimento muito grande, para além de Faro, capital da província e Loulé centro agrícola. Todos os outros concelhos que registaram aumentos significativos, relativamente ao número de habitantes, são centros onde a indústria estava implantada, Vila Real de St. António (com o maior crescimento), Portimão e Olhão, os grandes centros conserveiros do Algarve, e ainda Silves que também tinha uma importante indústria corticeira, com efeito, os maiores crescimentos concelhios verificaram-se onde estas indústrias estavam presentes.

A população do Algarve teve um crescimento contínuo ao longo do século XIX, a atracção pelos centros urbanos com indústria começa a acentuar-se, pois a partir do final do século dá-se o aparecimento da indústria que exige alguma mão-de-obra; se na indústria conserveira é um trabalho sazonal, na indústria corticeira tal já não acontece, e podemos verificar a necessidade de operários para esta indústria, através do crescimento da freguesia de São Brás de Alportel (importante pólo corticeiro do concelho de Faro), que passa de 3.213 habitantes em 1802 para 11.900 em 1911;  52.

51 CABREIRA, 1918: 25

Podemos portanto concluir, que ao nível do capital humano a região estava bem servida de mão-de-obra para as indústrias que aí se instalassem.

3 – Vila Nova de Portimão

“Terra de Mareantes desde as origens, foi também de senhores desde que se fez vila.” 53

“Vila Nova de Portimão é sede de concelho, está situada duas léguas a este de Lagos e nove a Oeste de Faro.” 54

Portimão tem vestígios humanos desde épocas imemoriais; contudo só muito tarde adquiriu o estatuto de vila, o que provavelmente terá acontecido no terceiro quartel do século XV. Depois de D. Afonso V em 4 de Agosto de 1463 55 ter autorizado um grupo de moradores a fundar uma povoação que se chamaria São Lourenço da Barrosa, no termo de Silves. Passado alguns anos já esta povoação aparece nos documentos com o título de vila e o nome de Vila Nova de Portimão. O mesmo monarca, por carta de 10 de Abril 1476, 56 doa a D. Gonçalo Vaz de Castelo Branco, Vila Nova de Portimão com toda a jurisdição, rendas e direitos sobre a mesma.

O desenvolvimento tão rápido desta terra, poderá estar ligado à sua localização geográfica, no sopé da Serra de Monchique, e servindo como porto de escoamento dos produtos da serra, na margem direita da foz do rio Arade, importante via de comunicação fluvial com Silves, nesta altura uma das cidades mais importantes do Algarve, e banhada pelo oceano que lhe proporcionava uma importante fonte de rendimentos através da pesca.

52 Cf. CABREIRA, 1918: 26.
53 MARQUES, 1993: 9.
54 BONNET, 1850:123.
55 Cf. LOPES, 1841: 265.
56 Cf. LOPES, 1841: 267.

Como todas as localidades algarvias, também Portimão sofreu grandes danos com o terramoto de 1755, a igreja matriz ficou completamente destruída, morreram “seis pessoas esmagadas pelas paredes das casas, e 40 por efeitos do mar” 57 a devastação foi grande e “as casas particulares sofreram tais danos, que os seus habitantes foram procurar abrigo a terras estranhas, faltando à desrisca de 1758, 34 fogos com 85 pessoas.” 58

Ainda no século XVIII, vai beneficiar da ânsia reformadora do Marquês de Pombal, que em 1773 eleva Portimão a cidade e como sede de Bispado do Algarve Oriental, pois Pombal pretendeu dividir o bispado do Algarve em dois, Ocidental e Oriental, tal intenção acabou com a morte de D. José em 1777 e o consequente afastamento do Marquês, pois D. Maria faz Portimão regressar à sua condição de Vila e reconduz como Bispo da Diocese do Algarve, D. Frei Lourenço de Santa Maria, que tinha sido afastado pelo Marquês em 1773; 59.

Portimão continua a viver das suas armações de atum, contudo os pesados impostos não permitiam grandes lucros, o porto por sua vez, sofria com o assoreamento do Arade, o que impedia a entrada na Barra de navios de grande calado. No entanto, e apesar destes percalços, Portimão vai ganhando cada vez mais protagonismo, e no século XIX é uma das localidades mais importantes do Algarve, a sua esfera de influência alarga-se e estende-se a todo o Barlavento e Algarve Central, pois o seu porto é “o principal porto de mar do Algarve, no qual se realiza um intenso comércio de exportação que consiste em frutos e outros produtos da terra” 60, é na verdade o melhor e mais abrigado de toda esta zona, apenas sofre concorrência dos portos de Faro e Lagos, ambos afastados (as estradas eram muito más) desta sub-região cujo núcleo eram os concelhos de Monchique, Silves, Lagoa e Albufeira, que necessitavam de um bom porto para escoar os seus produtos agrícolas.

Todo o crescimento da vila assentou em dois pilares, a saber, a pesca e o comércio, porque o seu porto beneficiava da localização sendo o mais apropriado para a exportação dos produtos agrícolas do hinterland do Algarve central e do Barlavento, superando o porto de Lagos.

57 LOPES, 1841: 269.
58 VIEIRA, 1911: 66.
59 Cf. VIEIRA, 1911: 19 – 20.
60 BONNET, 1850: 123.

Silva Lopes, afirma mesmo que a vila é “Muito comercial; e por isso os seus moradores se têm descuidado das pescarias, que outrora ali floresceram;” 61, no entanto refere também que: “Em 1834 estabeleceu aqui um negociante espanhol uma fábrica de salga de sardinha e extracção do azeite pela prensa, a qual se progredir, não deixará de dar lucros ao empreendedor e aos pescadores” 62, está assim, sempre presente ao longo da história de Portimão o binómio pesca/comércio.

Ora se o “mar” de Portimão, assim como o de Setúbal “encontra-se num Lugar dos que se consideram privilegiados para a localização da sardinha, subordinado às seguintes condições: abrigo do norte, planalto de pesca, corrente marinha de água quente, planalto marinho de pascigo, proximidade da barra fluvial” 63, não é de estranhar portanto que este terra veja nascer um importante pólo conserveiro, quando a indústria se começa a instalar em Portugal, Portimão tem tradição de comércio, um bom porto, matéria prima e mão de obra para a indústria.

Portimão, torna-se assim um dos centros urbanos mais importantes dos finais do século XIX no Algarve, e com o desenvolvimento da indústria conserveira (para o qual nesta terra muito contribuiu o empreendimento de João António Júdice Fialho, com as suas fábricas) vai ultrapassar definitivamente a cidade de Lagos, tornando-se por mérito próprio a capital do Barlavento.

Em finais do século XIX começa a desenvolver-se a Praia da Rocha, inicialmente conhecida como Praia de Santa Catarina, devido ao forte que aí existe, esta praia vai tornar-se rapidamente famosa e começa a receber na época balnear os representantes da alta burguesia de todo o Algarve, que aí alugavam ou tinham casa para passar o verão.

Já no século XX, Portimão vai dar-nos um Presidente da República, Manuel Teixeira Gomes, 64, e é elevada a cidade a 11 de Dezembro de 1924. Este foi então o Presidente da República que pôs Portimão no mapa.

61 LOPES, 1841: 269.
62 LOPES, 1841: 269.
63 MACHADO, 1946: 673.
64 Nasceu em Portimão a 27 de Maio de 1862 e morreu em Bougie na Argélia a 18 de Outubro de 1941, para onde se tinha exilado, foi o sétimo presidente da Primeira República Portuguesa, de 6 de Outubro de 1923 a 11 de Dezembro de 1925, altura em que apresentou a sua demissão, desiludido com o rumo da política portuguesa.

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