ARTE DO VAZIO – A COMUNICAÇÃO VISUAL NAS LATAS DE CONSERVA DE PESCADO PORTUGUÊS

Ana Lúcia Gomes de Jesus

Orientador: Professora Doutora Cândida Teresa Pais Ruivo Pires
Co-orientador Prof. Doutor Vitor Manuel Teixeira Manaças

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Escola de Comunicação, Arquitectura,  Artes e Tecnologias da Informação
Lisboa 2012

Entrevista a Lourival Monteiro d’Areiaz

Entrevista realizada a 6 de Maio de 2011

Lourival Monteiro d’Areiaz, foi impressor na Litografia pertencente ao conserveiro Júdice Fialho, desenvolvendo tarefas sempre ligadas ao processo litográfico evoluindo ao longo dos anos nas diferentes categorias, tornando impressor especializado e autor de algumas ilustrações da marca Marie Elisabeth Brand nomeadamente do formato usual 22.

Quando é que começou a trabalhar na Litografia?

Eu comecei a trabalhar aos 14 anos e tive um percurso até 1981 passando por várias fases com aprendiz, oficial impressor, impressor de 2ª, 1º impressor e impressor especializado que era o máximo. Aos 21 anos comecei a trabalhar logo com uma máquina offset suíça, que imprimia papel, cartolina que servia para colocar as latas brancas.

Como se processava o processo da impressão da folha de flandres?

Existiam várias fases, começávamos pela ilustração da folha de flandres e fazíamos a medida que queríamos num papel com tudo certinho para fazermos o transporte que era uma pedra muito bonita e pintava-se e faziam-se várias cópias. Fazíamos a composição com os diferentes elementos no cartão e ia para uma prensa que prensava na chapa de zinco devidamente preparada e metia na máquina para fazer várias impressões numa só cor, com uma tiragem de 20, 30 ou 40 mil exemplares.

Quantas cores eram aplicadas?

A quantidade de cores variava consoante o desenho de cada lata, cada cor tinha uma chapa que era trocada depois de cada tiragem feita.

Como eram feitas as tintas?

As tintas eram criadas por nós, a pedido dos clientes que na maioria eram estrangeiros essencialmente o mercado inglês, mas também de outras nacionalidades. Depois da ilustração da folha de flandres e da impressão estar pronta, esta levava um verniz interior que servia para a protecção do peixe para não oxidar e o verniz exterior servia para manter as propriedades da tinta, protegendo e ficando bonita.

Quanto tempo levava em média o processo de impressão de uma lata de conserva?

Dependia de quantas cores eram utilizadas, depois de cada tiragem a folha de flandres passava por uma secagem dentro de uma estufa que levava uma hora e meia a duas e repetia o mesmo processo para cada cor e para o verniz.

Quais as cores mais utilizadas nas latas de conservas?

A cor mais utilizada era o amarelo e que se gastava mais, dependia sempre do que o cliente queria e nós adaptávamos.

Quantas cores eram aplicadas nas latas de conservas?

Por norma eram aplicada duas cores mas se o cliente quisesse mais qualidade faziam-se mais o que tornava mais caro.

Depois de impressa a folha de flandres qual era a fase seguinte?

Passava-se para a oficina da lata vazia onde tinham os cunhos e os formatos da lata, que eram traçados por nós antes de serem aplicados

Quantas latas de conservas existiam por cada chapa?

A que tirava mais era a de 22 latas, com tiras e tampos falando da folha de flandres.

Como era constituída a lata de conserva?

A lata era feita com tiras e os tampos do fundo e do cheio.

O processo do vazio começava pela Litografia?

Sim, começava-se primeiro pela ilustração que era o mais importante, depois a impressão das folhas de flandres e só depois é que seguia para o vazio, nós chamávamos a oficina da lata vazia, onde as latas eram soldadas, cunhadas e por fim seguiam para as fábricas.

Quais eram as marcas desenvolvidas na Litografia?

As marcas que pertenciam à firma Júdice Fialho que tinha sete fábricas, fazíamos tudo só importávamos a matéria prima, a folha de flandres e a as cartolinas o resto ele tinha tudo desde as traineiras para a pesca a todas as oficinas que eram necessárias, como a serralharia, para a as caixas que transportavam as latas, tudo era ali feito.

Como é que se processava a ideia para a ilustração das latas de conserva?

O cliente chegava aos patrões e dizia o que pretendia, e havia um director de oficina que era o responsável pelas ilustração, Victor Livradi um senhor italiano, ele é que era o desenhador, veio de propósito da Itália e nós em conjunto com ele fazíamos as cores, o Júdice Fialho tinha umas cores próprias, mas alguns clientes queriam as cores diferentes e fazia-se a mistura em massa com manteiga margarina, dependia da ideia do cliente.

Em geral as marcas das latas de conserva tinham nomes femininos?

Pois, a marca da firma que eu trabalhava era a Marie Elisabeth.

Conhece a origem do nome da Marie Elisabeth?

Olhe eu não tenho bem a certeza mas penso que tenha origem familiar.

A Marie Elisabeth foi uma das marcas mais exportadas e cotadas no mercado?

Sim, era muito exportada para o mercado inglês, eles lá até tinham carros alusivos que publicitavam a Marie Elisabeth.

Quais as cores da marca Marie Elisabeth e como se processava a sua impressão?

A qualidade de impressão da Marie Elisabeth que era melhor em azeite, era primeiro o amarelo segundo o branco, terceiro o encarnado e por último o preto. Nós normalmente só tínhamos três ou duas cores consoante a qualidade do produto, por exemplo a Falstaff só tinha duas cores, o fundo encarnado e o preto, porque tinha um peixe mais fraco ou quando a lata era de molho de tomate o fundo era vermelho e se fosse em azeite o fundo era em amarelo, é só para ter uma ideia.

Como é que eram desenhados os tipos de letra?

Bem, os tipos de letra que nós desenhamos eram roubados, a partir das pedras que já tinham sido desenhados e fazia-se uma cópia em papel couché e depois montavam-se as letras para o que se pretendia e quando não conseguíamos a letra correcta fazíamos duas modalidades.

O que é que costumava fazer mais ilustração tipos de letras?

Normalmente desenvolvia os tipos de letra para os cartazes de publicidade e cartões

Na oficina litográfica fazia-se toda a comunicação das latas?

Sim desenhávamos tudo o que fosse necessário desde os cartazes, cartões envoltórios que eram impressos em papel ou cartolina

Em termos tecnológicos que sentiu uma evolução das máquinas de impressão?

Pouca coisa, só em 1971 é que surgiu a máquina de offset suíça, que imprimia papel e cartolina, fazia as caixas para colocar as latas, mas para Inglaterra as latas tinham que ir ilustradas em folha de flandres, pois representava a melhor qualidade das conservas

Na oficina litográfica, costumavam trabalhar só homens ou também mulheres?

Também trabalhavam mulheres que faziam livros e no escritório na parte das facturas.

Acabou por sair em 1981?

Sim, porque acabaram com a Litografia acabando por não dar rentabilidade e começaram a importar todo o trabalho, desde as latas, as próprias ilustrações já vinha tudo feito, acabando por entrar em insolvência.

Sabe, se formos fazendo as coisas é melhor para compreender as coisas, começando a mexer vamos começando a lembrar torna-se mais fácil de explicar.

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