2014 - Ermesinde: Memórias da nossa gente de Jacinto Soares, relativo aos brinquedos feitos com chapa de folha de flandres
TÍTULO: Ermesinde : Memórias da nossa gente
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AUTOR: Jacinto Soares
DATA EDIÇÃO: 2014
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Os brinquedos de folha-de-Flandres, vulgo de chapa, tiveram um aparecimento tardio em Portugal, comparativamente com os de madeira. Podemos situar a sua origem no período seguinte a primeira grande guerra, no norte do país. Tudo começa com a utilização deste material em modelos importados. As técnicas
de fabrico, aqui, eram rudimentares e os fabricantes tinham que improvisar as maquinas a partir de pegas usadas, arranjar as matérias- primas recorrendo as aparas e sobras do fabrico de latas de azeite e sardinhas, bem como vender os seus próprios produtos nas feiras e alguns mesmo na rua. Já no que concerne aos seus pioneiros, embora haja quem defenda o contrario, sem falso bairrismo e quase sem margem para erro, podemos afirmar que, igualmente, esta nova modalidade na arte de brincar, teve Ermesinde como berço.
Segundo conseguimos apurar (209) o iniciador deste tipo de brinquedos foi Firmino Soares dos Reis, primo direito do escultor como mesmo apelido, primeiro como colaborador e mais tarde como empregado de Luciano Moura, concebeu e modelou as primeiras pegas neste material, na nossa cidade. Este parente do grande escultor Soares dos Reis, trabalhou no «Bazar dos Três Vinténs» (210) no Porto, na área destinada ao arranjo de brinquedos.
Ainda a fazer fé na mesma fonte, este empregado que era o mais bem pago de todos, antes de abandonar a oficina do Sr. Moura, não só terá fornecido informações técnicas sobre alguns modelos ao seu concorrente mais directo nesta arte, José Augusto Júnior, como acabou mesmo por ir trabalhar para ele.
209 – Artigo assinado par Carlos Magalhães, em1992, na Voz de Ermesinde
210- 0 Bazar Três Vinténs foi fundado por Adelino Augusto Mesquita. Segundo António Fernando Moura, o Firmino Soares dos Reis, mais que o artista que arranjava brinquedos, era o responsável pela sua montagem, pais que para diminuir os custos da importação, que se praticavam na altura, os modelos vinham as peças da Alemanha.
LM Família Moura
A fabrica da família Moura, abriu primeiramente sob a subintendência de Luciano, no início dos anos vinte. O seu filho, Aníbal Moura, estabeleceu-se com fabrica própria (211) em 1949.
LM (Luciano Moura) foi durante muitos anos a sigla que identificou os produtos desta firma.
Em1955, por morte de Luciano Moura, continuaram os seus herdeiros nesta actividade, constituindo a firma “Luciano Moura, Sucessores”.
As pegas concebidas, começaram por ser primeiramente em chapa, (212) depois plástico e chapa e, final mente, só plástico.
Hoje, na rua Miguel Bombarda, existindo ainda a firma com o nome de Aníbal Moura, fabricam-se, neste ultimo material, componentes para a industria.
A. Fernando Moura ainda vivo e irmão de Aníbal, permaneceu na oficina do pai Luciano Moura, continuando, durante anos, com a produção de brinquedos (213) .
Dos seus brinquedos mais conhecidos podemos destacar, numa primeira fase, os peixes com rodas, barcos a gasolina e os lavatórios, com vários objectos. Mais tarde, muitos outros modelos apareceram, como ambulâncias, jipes, carros, autocarros, etc.
211 – Refira-se que, já em 1949, Luciano Moura comercializava bonecas de pasta de papel.
212- Segundo A. F. Moura, a família não usou o cartão com a chapa, ao contrário de José Augusto, durante os anos de guerra, pais o seu pai dirigia-se a Setúbal, comprava aos camiões de «folha Flandres» que sobravam da confecção das latas de conserva. Só mais tarde se pode fazer o mesmo em Matosinhos, onde a indústria conserveira é mais tardia.
213-A António Fernando Moura e ao seu sobrinho Aderito Moura agradecemos to do o apoio que nos foi dado na elaboração deste artigo.
J.A.J. José Augusto Júnior
Este artífice começa a sua actividade em 1928, em Alfena, com a sigla JAJ, fazendo brinquedos de madeira, como os tradicionais ciclistas e pombinhas e outros em folha.
Embora sem experiência e tradição familiar ligado a este primeiro material, inicia a sua actividade com as celebres cornetas, gaitinhas e guizos (214) , copiando, inclusive, alguns modelos já existentes e, de tal maneira progrediu, que, dois anos depois, já tinha ao seu serviço várias dezenas de operários.
José Augusto Júnior, em 1946, cria novas e modelares instalações em Ermesinde, na Rua 5 de Outubro, edifício que ainda hoje se mantém, embora com outras actividades.
«A Indústria de Quinquilharias de Ermezinde», assim se chamava e escrevia a empresa agora criada, foi considerada desde a sua fundação e até pouco depois do 25 de Abri 1974, como a maior unidade industrial de fabrico de brinquedos em folha de Portugal.
Em Lisboa tinha, um vendedor, José Travassos Moura, que esteve ligado a empresa até 1990.
A sua capacidade para a inovação leva-o não só a criar o primeiro carro movido a corda de fita, em Portugal, como a improvisar materiais de outro tipo na estrutura dos brinquedos, tornando-os mais leves.
Assim JAJ utilizou o cartão nos fundos e noutras partes não expostas, reservando a chapa (215) para as peças onde era necessária mais resistência.
Em 1955, José Augusto Júnior, no sentido de proceder a uma reconversão e tornar mais rentável a produção, inicia a fabricação de brinquedos em plástico, com folha com uma nova sigla – Jato.
Em 1977, <
Cinco anos depois (1983), mudam-se novamente para Alfena, onde constroem novas instalações, trabalhando apenas o plástico e retomando a sigla Jato. Neste momento, como nos refere um dos proprietários, tem ao seu serviço o dobro dos operários que tinham, em Ermesinde.
Actualmente a Jato, fabrica brinquedos como os célebres Martelinhos do S. João, rodas, gaiolas para grilos, tambores, pistolas de água, conjuntamente com componentes para a indústria, como pegas, turbinas para bombas artesianas, pegas para maquinas de café, embalagens de todo o tipo, etc.
Para se poder avaliar a capacidade produtiva da fábrica nestes dois ramos, basta dizer que esta firma tem ao seu serviço equipamentos modernos, desde máquinas de sopro, até maquinas de tampo grafia para impressão a quatro cores.
214 – Segundo conseguimos apurar, as gaitas e os guizos já eram fabricados pelo seu pai, para venda, em directo, nas feiras.
215 – Durante a guerra, a folha tornou-se difícil de obter, pelo que a solução foi substituí-la, onde fosse possível, pelo cartão.
216 – Agradecemos ao Sr. Joaquim Penela to do o apoio que nos deu neste trabalho.
M.M.S. – «Nicró»
Manuel Moreira da Silva (MMS), mais conhecido por «Nicró», começou a sua vida profissional como fabricante de caixas de lata para graxa (217)e daí talvez a vocação para este tipo de trabalho, onde a rotina podia dar lugar à criatividade. Esta talvez a razão porque nunca se dedicou ao negócio e à venda, preferindo antes estar ligado à produção. Tinha apenas um cliente, um armazenista, antigo empregado da «Casa Três Vinténs», chamado Coelho de Sousa.
O seu grande contributo para o desenvolvimento desta arte está, segundo os entendidos, em ser considerado «grande massificador do sistema de corda no brinquedo de folha», porque se não foi o primeiro a utilizá-la, foi com certeza aquele que a usou de forma mais sistemática. Este mecanismo começou por funcionar primeiro através de um rolo de arame, e mais tarde, o mesmo foi substituído por uma mais forte e dinâmica fita de aço.
Alguns coleccionadores confidenciaram-nos que uma das características que tornava os brinquedos do Nicró fáceis de identificar, era o facto de o mesmo não se preocupar muito a limpar as latas que reutilizava na sua fabricação. A sua oficina estava situada na rua 5 de Outubro, perto dos Bombeiros de Ermesinde.
217 – Lembre-se, a propósito, que na nossa cidade existiu, na Rua 5 de Outubro, uma fábrica de pomadas e graxas, com varias secções, entre as quais a de corte e esmaltagem de chapa. Foi criada em 1918, por iniciativa dos irmãos Moreira.
Armindo Moreira Lopes
Antigo empregado de José Augusto Júnior, resolveu estabelecer-se como fabricante de brinquedos de folha, curiosamente depois do seu casamento com uma antiga empregada da Família Moura, de Ermesinde.
Armindo Lopes era um dos últimos resistentes no país deste tipo de brinquedos e, mesmo com todas as contrariedades e prejuízos que, por vezes, a teimosia lhe acarretava, manteve a oficina aberta até à sua morte.
Mesmo sem apoio as suas criações, ou directa, ou através de algum intermediário, continuava a aparecer nas feiras de artesanato de todo o país.
Dos quase cerca de trezentos modelos que, no período áureo, desenvolvia e que ainda hoje figuram no mostruário da oficina, passou depois a apostar apenas em vinte modelos.
Destes, os mais conhecidos eram os carros de bombeiros, os jipes e as locomotivas. Por último, apenas recriou uma locomotiva e um eléctrico, modelos que continuam a atrair os coleccionadores.
Os seus dois filhos (222) continuaram com essa espinhosa missão mas, reconheça-se, agora com maior dificuldade. Em conversa recente com eles, e isto apesar de manterem as instalações operacionais, ficamos com a impressão que o seu maior problema, neste momento, é venderem os cerca de sessenta mil modelos que tem em armazém, para depois decidirem qual o rumo a tomar. Estamos convencidos, contudo, pelo que ouvimos que, independentemente de conseguirem gerir ou não os Stocks que o pai lhes deixou, a solução final, que não deve demorar muito, vai passar, infelizmente, pelo fecho das instalações ou pela sua reconversão para outros fins.
222- Aproveitamos para agradecer aos seus dois filhos, em especial ao Carlos Manuel, a amabilidade com que nos receberam nas suas instalações, na Codiceira, dando-nos as explicações necessárias para a elaboração deste artigo.