A INDÚSTRIA DE CONSERVAS DE PEIXE NO ALGARVE (1865 - 1945)
Joaquim Manuel Vieira Rodrigues
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA – Lisboa 1997
III AS EXPORTAÇÕES DE CONSERVAS DE PEIXE ENTRE 1880 E 1938
Desde os seus primórdios, no século XIX, e à falta de um mercado interno suficiente para absorver a produção, que as conservas de peixe se orientaram eminentemente como produto de consumo externo.
Desconhecemos o ano em que se iniciou a exportação de conservas de peixe pelos centros algarvios. Contudo, pela precocidade da instalação de fábricas, na região, pensamos que terá sido das primeiros a exportar.
Em termos nacionais, a exportação de conservas de sardinha descola, em 1880 (Quadro XXIII e Anexo I. Quadro II).
A crise de 1890-91, pouco terá afectado a exportação de conservas de sardinha cujas quantidades e os valores mostraram uma ligeira tendência para aumentarem, embora nos dois anos seguintes se tenha registado uma descida acentuada. A partir de 1895 – com uma diminuição significativa, em 1899 -, com oscilações, a exportação daquele produto evidenciou um progressivo crescimento, quer em quantidade, quer em valor.
A proclamação da República em nada prejudicou a exportação de conservas de sardinha – à excepção da enviada para a Alemanha – nomeadamente para os mercados inglês e francês, principalmente para este último, cujo crescimento se mostrou significativo. De 1913 para 1914, em consequência da crise económica mundial, as exportações de conservas de sardinha diminuíram de 24,7%, em quantidade e 24,4%, em valor. Se considerarmos, porém, o conjunto das conservas de peixe constatamos uma quebra na exportação em quantidade que alcançou os 75,6%. O deflagrar da guerra, como veremos adiante, marcará, quanto a nós, o verdadeiro take-off da indústria conserveira em Portugal, principalmente pela enorme valorização que registou.
À excepção da conserva de sardinha, o produto que mais contribuiu para a exportação de conserva de peixe a de atum, cujos dadas por nós elaborados, em virtude da falta de informação, são mais escassos e com enormes lacunas de anos do que os referentes à conserva de sardinha.
O quadro seguinte é elucidativo para se poder verificar que até 1915 as quantidades de atum exportado foram relativamente importantes e que a partir daquele ano sofreram uma diminuição significativa, em consequência do próprio desaparecimento das armações de atum, compensada, aliás, por uma maior valorização.
Em Vila Real de Santo António localizou-se, como já tivemos oportunidade de afirmar, o mais importante centro produtor e exportador de conservas de atum. Em 1882, toda a produção de atum em escabeche da fábrica «Santa Maria», pertencente à firma Parodi & Roldam, localizada, em Vila Real de Santo António, no valor de 54 contos, seria exportada para a Itália, país habitualmente consumidor deste tipo de conserva[183]. Para além deste mercado, as conservas de atum eram também consumidas no Brasil e em Portugal[184]. Em 1907, as fábricas de Vila Real de Santo António, exportaram 1.803.670 quilos de conservas de atum, no valor de 216.558$940 réis, e, 994.330 quilos de conserva de sardinha, no valor de 71.092$060 réis. A sardinha era exportada principalmente para a Inglaterra, França, Alemanha e Bélgica.
No final do século passado, início do XX, as conservas nacionais tiveram enorme reputação mundial, a sua procura era imensa no Algarve e as transacções comerciais realizavam-se com grande facilidade[185].
Aproximadamente, entre 1908 e 1914, fez-se sentir a concorrência espanhola, não tanto pela quantidade produzida, mas mais pela fraca qualidade que evidenciou o produto português[185].
[182] Inquérito Industrial de 1881. Inquérito Indirecto. Repartição de Estatística, 3ª parte, Lisboa, 1882, p. 80-81 e p. 292-293.
[183] cf. “The portuguese sardine. Historical date”, Conservas, nº 43, Julho 1939, p. 27.
[184] cf. João Simões Quintas Júnior, “Relatório dos serviços da 5ª circunscrição industrial no ano de 1925”, Boletim do Trabalho Industrial, nº 133, p. 138.
[185] cf. João Simões Quintas Júnior, “Relatório dos serviços da 5ª circunscrição industrial no ano de 1925”, Boletim do Trabalho Industrial, nº 133, p. 139.
1. Os principais mercados consumidores de conservas de sardinha e de atum
Entre 1898 e 1938, é possível encontrar algumas tendências na exportação de conservas de sardinha, o produto que esmagadoramente domina o panorama das conservas de peixe nacionais.
Os principais mercados consumidores foram a Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos da América.
Detenhamo-nos, porém, com algum pormenor no caso francês.
1.1. França
O início da I Guerra Mundial se, por um lado, trouxe uma momentânea diminuição das exportações de conservas de sardinha, pela quebra acentuada nos mercados alemão e brasileiro, respectivamente de 72,5% e 62%, por outro abriu o ciclo do mercado francês.
Em 1915, foram exportadas para este país 11.587 toneladas, no valor de 1.106 contos, o que marcava, pela primeira vez, a ultrapassagem das 10.000 toneladas. A exportação para França manter-se-á sempre acima deste último valor, com alguma tendência para aumentar, à excepção de 1918, ano em que exportação atingirá outro record, desta vez para a Inglaterra, ao serem exportadas 20.485 toneladas.
Quantidade ultrapassada, em 1923, com 23.669 toneladas, no valor de 83.612 contos, agora para o mercado gaulês. Este último ano, em virtude de condições conjunturais excepcionais, analisadas mais em profundidade posteriormente, marcou uma data importante para a indústria de conservas de sardinha em Portugal, quer pela quantidade exportada, quer pelo valor alcançado.
Contudo, nem sempre a qualidade do produto para este mercado fora o melhor. Em Março de 1922, representantes de um sindicato das principais casas de Bordéus e Nantes, deslocar-se-ão, ao Algarve, para efectuarem compras de conservas. Queixavam-se, porém, que a sardinha portuguesa, designadamente a da região, não mantinha a necessária uniformidade de fabricação e que as amostras enviadas não correspondiam, frequentem ante, aos lotes contratados.
De facto, as condições de pesca, a condução do peixe até às fábricas e aqui o seu fabrico, sem as devidas precauções de qualidade, prejudicavam negativamente as conservas nacionais. Era necessário que a matéria-prima não perdesse a escama, que não viesse salgado, que não se misturassem duas copejadas, que nas fábricas fosse convenientemente seleccionado e que houvesse uma rigorosa fiscalização para que não se utilizassem lata rotas, enferrujadas, opacas ou de segundo banho[186].
Para aumentar as dificuldades à exportação de conservas fora denunciado o modus vivendi com a França, em 17 de Julho de 1923. De facto, a partir de 1924, e com oscilações por vezes acentuadas o ciclo do mercado francês manter-se-ia até Dezembro de 1931, quando a concessão ao então protectorado marroquino de um contingente de importação de 50.000 quintais de conservas, tendo como pano de fundo a crise mundial desencadeada, em 1929, nos EUA, abriu uma guerra comercial entre Portugal e a França que se prolongará por vários anos, em prejuízo das conservas portuguesas. Entre 1931 e 1939, a exportação de conservas lusas cairia 82%[187]. É a análise desta luta concorrencial que iremos fazer.
[186] cf. “Chronica…dos Algarves”, Algharb, nº 4, Portimão, 19/3/22, p. 1.
[187] cf. Ivens Ferraz, “Direitos de exportação das conservas”, A Pesca Marítima, nº 10, Abril de 1924, p. 149 e Joaquim Manuel Vieira Rodrigues, “Conservas: o perigo marroquino”, Diário de Notícias/Negócios, 18/12/95, p. 24.
1.1.1. A guerra comercial entre Portugal e a França
No contexto da crise económica dos inícios dos anos ‘30, Portugal e a França, abrirão uma luta de concorrência, quer em torno dos vinhos, quer em torno das conservas, produto este que mais nos interessa. Contencioso, aliás, que já tinha sido despoletado, em Março de 1931, com a apresentação de um projecto de lei relativo ao aumento dos direitos aduaneiros sobre as conservas importadas pela França.
Em carta ao Ministro do Comércio, em 19 de Janeiro de 1931, o deputado Lissar, sublinhava a crise que atravessava a indústria de conservas francesa com repercussões gravosas nos pescadores. «As famílias destes últimos estão reduzidas à miséria numa grande parte dos nossos portos de pesca…
A razão essencial desta crise reside na concorrência estrangeira, sobretudo da parte de PORTUGAL e da Espanha. As grandes importações destes paizes influem extraordinariamente no mercado francez»[188].
A proposta de lei apresentada por um conjunto de deputados previa que as conservas de peixe sofressem uma tarifa geral de 250 francos e uma mínima de 125 francos, por 100 quilos brutos[189].
Para o industrial setubalense Carlos Homem de Figueiredo, este aumento era incomportável para a indústria nacional de conservas de peixe a qual não podia baixar mais o preço da caixa de conservas[190].
Conserva que era fundamentalmente consumida por estratos baixos da população: «a bordo dos grandes paquetes é servida aos passageiros de 3ª classe e de coberta, ao passo que a francesa vai às mesas de 1ª e 2ª classes»[191].
Eram igualmente um alimento das classes trabalhadoras, quer rurais, quer operárias das cidades, quer mesmo do pequeno funcionário, visto que era «integral, de pequeno volume e de fácil transporte e conservação»[192].
Concomitantemente à política de contingentes fixado, em 1932, em 120.000 quintais de conservas de peixe, e, pelo acordo de 12 de Setembro de 1935, em 100.000 quintais, o governo francês, entre 1933 e 1935, conduziu uma política de elevação de direitos de importação da sardinha portuguesa, provocando o aumento dos preços do produto português e a progressiva quebra da exportação para o mercado francês[193].
[188] cf. Portugal Exportador, nº 19, Abril-Maio 1931, p. 12.
[189] cf. Ibid., p. 13.
[190] cf. Ibid., p. 9 e 10.
[191] “Exportação de conservas portuguesas nos mercados estrangeiros”, Portugal Exportador, nº 1 (14), Jan.-Fev. 1932, p. 41.
[192] “As relações comerciais com a França”, Diário de Notícias, 17/8/33, p. 1.
[193] cf. “Relações comerciais com a França”, Dec.-Lei nº 25.245, Diário do Governo, nº 85, de 13/4/35, in Boletim Comercial, nº 68, Maio 1935, pp. 225-230.
A guerra comercial entre ambos os países seria, momentaneamente atenuada, pelo acordo comercial de 30 de Março de 1934[194]. Segundo este acordo a percentagem concedida a Portugal, em relação ao contingente total, fixar-se-ia em 78,44% para as conservas de sardinha e 4,7% para as restantes conservas. Metade do contingente de conservas de sardinha seria gerido por Portugal, mediante pedidos de autorização visados pelo presidente do C.P.C.S. As conservas de sardinha e as rolhas de cortiça beneficiariam, ainda, de uma taxa de importação de 2% ad valorem.
Contudo, logo a 12 de Março de 1935, novamente o governo gaulês introduziu um agravamento no regime de importação de conservas de sardinha portuguesas pela instituição de uma taxa de licença de 50 francos, por quintal.
Na sessão da Assembleia Nacional de 3 de Abril de 1935, o deputado José Luís Supico, insurgia-se contra as medidas promulgadas pelo governo francês. O acordo, segundo aquele deputado «fixara um contingente de 563.000 caixas. Pois este contingente não foi atingido, tendo o consumo fixado em 447.000 caixas. Não puderam ser utilizadas 115.000, naturalmente porque o preço, com os encargos tributários, tornaram de tal forma pesado o seu custo que os consumidores não puderam dar-lhe vazão, apesar da melhoria da qualidade»[195] .
O formato 1/4 club 30mm, ilustrado, português, custava, em 1935, 122/123 francos, enquanto o equivalente francês ficava-se pelos 105/110 francos e o 1/4 club de 30mm, ilustrado, de origem marroquina alcançava, somente, 100 francos e, mesmo, menos[196]. Nestas condições dificilmente o produto português poderia concorrer com outros produtos semelhantes.
No seguimento do debate, o deputado Joaquim Lança, reiterando as palavras do deputado antecedente, chamava a atenção para as medidas que a partis de 31 de Março de 1935, seriam tomadas pelo governo italiano, o qual atravessava uma crise económica e financeira, decretando a proibição dos contingentes. Ora, o mercado italiano era um importante consumidor de conservas, de cortiça e de diversos produtos de origens colonial. A iniciativa anunciada pelo governo fascista italiano concedia a Portugal uma ridícula percentagem de 4% do volume das importações[197]. De facto, a exportação para Itália de 1935 para 1936, sofreu uma redução de 63,8%.
[194] cf. “Acordo Comercial entre Portugal e a França”, in Boletim Comercial, nº 55, Abril 1934, pp. 198-213 e Diário do Governo, nº 74, de 30/3/34.
[195] “Pedido de informação de Deputado Sr. engenheiro José Luíz Supico na Sessão da Assembleia Nacional de 26 de Março de 1935”, Diário das Sessões, de 3/4/35, p. 792.
[196] “Dum relatório do Sr. Coelho de Sousa, cônsul em Bordéus”, Boletim Comercial, nº 47, Nov. 1935, p. 48.
1.1.2. A reacção dos centros algarvios
Perante este cenário de crise que afectava o sector, principalmente, em 1933, o acesso aos mercados consumidores tornava-se uma questão vital para muitos conserveiros. É, neste contexto, que se deve compreender o telegrama dirigido a Oliveira Salazar, pela Secção de Conservas da Associação Comercial e Industrial de Olhão, sobre a distribuição de licenças, precisamente para o mercado francês.
O contingente de 1 de Março a 30 de Junho de 1934 fora fixado em 37.000 quintais. Quanto à sua distribuição, o CPCS determinara uma série de critérios, dos quais, apenas, mencionaremos aquele que dizia respeito ao Algarve. Não seriam concedidas licenças aos fabricantes que não tivessem produzido, em 1934, uma quantidade de caixas, fixada em 500 para o Algarve, devido à falta de pesca[198]. Critérios que não foram, em geral, bem aceites pelos fabricantes e exportadores, designadamente os do Algarve.
Os conserveiros de Olhão apresentaram dois critérios: um, anterior à distribuição, querendo esta «exclusiva entre industriais, tomando por base a capacidade de produção de cada fábrica»; e outro posterior à distribuição realizada pelo Consórcio – rateio pelos diversos centros conserveiros em conformidade com a sua exportação geral nos anos de 1930-31, anos, aliás, de boas exportações.
Portimão apresentava, igualmente, um critério anterior e um posterior à distribuição, este último defendido também pelos industriais de Lagos: o primeiro, «exclusiva entre industriais em harmonia com as suas existências vendáveis em França, segundo a capacidade de laboração de cada fábrica»; o segundo, «distribuição pelos vários centros conserveiros, em harmonia com a sua exportação geral nos anos de 1930-1931» [199]. Contudo, apenas o critério único do Consórcio, acabaria por triunfar, não tendo aceite os critérios dos centros conserveiros.
Lagos, que no último contingente recebera 56 quintais, passaria a 164: Portimão, de 660 a 1502; Olhão, de 353 a 2313 e Vila Real de Santo António, de 30 a 119[200], ou seja, verificar-se-ia um aumento, mas certamente que teria ficado aquém do pretendido por aqueles centros.
[198] “Interesses nacionais. A exportação de conservas de sardinha para França…”, Diário de Notícias, 20/4/34, p. 1.
[199] Ibid..
[200] Ibid., p. 5.
Também o comércio exportador de conservas de sardinha reclamava de um dos quatro índices que fixavam o valor da exportação, precisamente aquele que determinava a não concessão de licenças aos comerciantes exportadores que não possuíssem determinado stock no país, ou que não tivessem atingido determinada quantidade exportada[201].
Voltemos então ao telegrama dirigido a Salazar. Nele se criticava o critério «arbitrário e empírico» na distribuição realizada, num centro – e aqui puxava pelos seus pergaminhos – que primava pela antiguidade das suas unidades fabris, com origem em capitais franceses, ao qual, contudo, era atribuído, apenas, 5%, em rateio, mas cuja proporção os seus industriais desconheciam. O critério, «inconcebível, ou preconcebido» de fazer depender a quota do rateio da fabricação ou exportação de 1933, ou, ainda, das existências desse ano, prejudicava os centros algarvios, «visto ser sabido que não tivera pesca, – e estavam cheios de razão – e, assim, nesta fatalidade a ter de continuar a procurar outros mercados, perderá, definitivamente, em face de tal critério, o mercado francês ou todos quantos preciso fôr que percam». Para os industriais olhanenses a regulamentação sobre a distribuição de licenças para França, colocava ainda mais o fabricante na dependência do exportador, com consequências nefastas, quer na sua actividade, quer na da pesca[202]
Em Julho de 1937, o governo francês introduzia um agravamento das tarifas aduaneiras de 13% para 14%, o qual afectou vários produtos de importação entre eles e mais uma vez as conservas de sardinha. Grandemente beneficiadas eram, já o fizemos notar, as conservas marroquinas[203].
A crise dos anos 30 colocou um ponto final ao ciclo do mercado francês, e reduziu drasticamente a exportação para a Itália e para o Brasil.
1.2. Outros Países
Para além destes importantes mercados consumidores de conservas portuguesas, existiam outros cujo consumo era também de considerar. Em 1929, cerca de 30 países importavam conservas de sardinha nacionais, desde os grandes mercados francês, inglês e alemão, até aos longínquos países do Oriente, com consumos insignificantes. Naquele ano, a China importara 629 kg., no valor de 2.285 escudos[204], depois de ter alcançado, em 1926, a importação de 6.233 quilos[205]. O Japão, ainda, em 1929, importava a quase ridícula quantidade de 81 kg., no valor de 385 escudos[206]
[201] Ibid., p. 5 e “Interesses económicos. O comércio exportador de conservas de sardinha…”, Diário de Notícias, 28/4/34, pp. 1 e 5.
[202] “Pelo Algarve”, A Indústria, nº 521, 17/4/34.
[203] cf. “O Relatório do Grémio de Setúbal”, Conservas de Peixe, nº 51, Junho 1950, pp. 25 e 26.
[204] cf. Indústria Portuguesa, nº 21, Nov. 1929, p. 60.
[205] cf. Ibid, nº 10, Dezembro 1928, p. 38.
[206] cf. Ibid., nº 21, Nov. 1929, p. 60.
Em 1930, em consequência das determinações da Convenção Internacional referente ao estabelecimento de estatísticas económicas, iniciou-se a especificar os países, domínios e possessões, pelo que as conservas portuguesas alcançavam 64 mercados de consumo. Em 1935, alargava-se o âmbito dos mercados agora para 87, sempre excluindo as então possessões portuguesas.
O mercado italiano era essencialmente grande consumidor de conservas de atum. Em 1935, por exemplo, de uma exportação total de 891,7 toneladas, recebeu 749,6 toneladas, ou seja, 84%[207]. Em 1936, «devido ao regime das sanções», a exportação de conservas de sardinha registaria uma quebra de 25%, em relação aos dois anos antecedentes[208].
Em 1937, pelo acordo comercial assinado, em 21 de Dezembro de 1936, entre J. Lobo de Ávila Lima e o conde Ciano, os contingentes anuais estabelecidos para as conservas portuguesas seriam, em liras, 8.500.000 para as sardinhas e anchovas em salmoura e 7.000.000 para as de atum, apenas para referir os valores mais elevados[209].
A exportação para a Bélgica cresceu substancialmente entre 1913 e 1929, embora em percentagem o produto português tivesse caído, em consequência da penetração neste mercado do «temível» concorrente que eram os EUA, que invadiam «o mundo com os seus produtos a preços que, em igual qualidade, nenhum outro pode alcançar» [210]. Contudo, se em quantidade o lugar pertencia àquele país, em valor, Portugal ocupava a posição cimeira.
O mercado do Brasil sem nunca ter atingido valores importantes posicionava-se, contudo, em lugar de algum interesse. A maior exportação registar-se-ia, em 1928, com 1.477 toneladas, no valor de 6.429 contos. Para enfrentar a concorrência desencadeada por outros países, os industriais portugueses começaram a empregar óleo de soja e de amendoim para poderem diminuir o custo das conservas, embora na ilustração das latas se mencionasse «sardinha em azeite», encontrando, por tal prática, obstáculos à saída da Alfândega[211].
[207] cf. Nuno Simões, “Notas sôbre a evolução do nosso comércio de pescarias e de conservas de sardinha”, Indústria Portuguesa, nº 97, Março 1936, p. 27.
[208] cf. Indústria Portuguesa, nº 110, Abril 1937, p. 40.
[209] cf. “Acordo Comercial”, Boletim Comercial, nº 89, Fevereiro 1937, p. 137.
[210] Portugal Exportador, nº 1 (14), Janeiro-Fevereiro 1932, p. 40.
[211] “A exportação das nossas conservas de peixe para o Brasil”, Indústria Portuguesa, nº 16, Junho 1929, p. 44.
Desde 1928 até 1938, a importação de conservas portuguesas pelo Brasil diminuiu cerca de 65,5%, com uma quebra ainda mais acentuada durante o período da Grande Depressão. Mas nem só a crise mundial contribuiu para o decréscimo do produto nacional. Também o alto preço alcançado e o descrédito pela falta de qualidade, visto que eram utilizados «grosseiros óleos vegetais e animais, o peixe mole, retalhado e amargoso» faziam recuar as conservas «mesmo quando a lata na aparência não está suja ou enferrujada»[212].
[212] “Extractos do Relatório do Cônsul de Portugal em Pernambuco”, Boletim Comercial, nº 46, Julho 1933, p. 294.