A fábrica Saupiquet em Setúbal (1960s-1980s)
The Saupiquet factory in Setúbal (1960s-1980s)
Empresas e sistemas de informação em perspectiva histórica
por / by
Ana Catarina da Palma Neves
Orientador: Prof. Doutor Hélder Adegar Fonseca
2006
Tese apresentada como parte do material com vista à obtenção do grau de Mestre
RESUMO
O objectivo deste estudo é averiguar a intensidade e o ritmo das adaptações no sistema de informação interno de uma grande empresa multinacional, observada a partir de uma unidade situada na periferia da economia europeia. O estudo centra-se na empresa Compagnie Saupiquet, uma empresa francesa de conservas que se expandiu internacionalmente e consiste numa análise do arquivo histórico da sua fábrica de Setúbal.
Tomando-se como referência o ano de 1963, com base nos documentos analisados, fez-se uma reconstituição do sistema de informação interno desse ano. A análise dos anos 70 e 80 é comparativa, isto é, pretende mostrar as diferenças e as semelhanças destes anos relativamente ao ano de 1963. Durante os anos 70, a empresa transformou-se numa organização diversificada, reforçando a departamentalização e a hierarquia de gestores profissionais e promovendo a descentralização das responsabilidades. A informação foi institucionalizada e passou a ser partilhada por todos os gerentes das fábricas e presidentes das empresas do Grupo.
The aim of this study is to examine the intensity and the rhythm of the adaptations of the internal information system in a large multinational enterprise. The enterprise is observed from a unity, which is located in the periphery of the European economy. The study is focused on Compagnie Saupiquet, a French enterprise, which expanded at an international level. It consists of an analysis of the historical archive of the Setúbal factory of that enterprise.
1963 was established as a reference with the internal information system of this year being reconstructed on the basis of the analysed documents. The analysis of the seventies and eighties is comparative, i.e., it intends to present the differences and similarities of these years as compared to 1963. During the seventies the enterprise became a diversified organization by reinforcing departmentalization and hierarquical professional management and by promoting responsability decentralization. The information became institutionalized and shared by all the factory managers and presidents of the Group enterprises.
INDÍCE
RESUMO 2
ABSTRACT 3
ÍNDICE 4
AGRADECIMENTOS 5
INTRODUÇÃO 6 .
Metodologia e fontes 12 .
Estrutura da dissertação 16
Capítulo 1
A SAUPIQUET: PERCURSO HISTÓRICO (1876–1999) 17
1.1. O arranque (1876–1890) e a primeira expansão (1890–1907) 17
1.2. A segunda expansão: diversificação, modernização e internacionalização (1907–1945) 22
1.3. A terceira expansão: concentração (1945–1979) 26
1.4. O fim da Saupiquet: absorção pelo Grupo Bolton (1979–1999) 31
Capítulo 2
A SAUPIQUET NO INÍCIO DOS ANOS 60: UM SISTEMA DE INFORMAÇÃO TRADICIONAL 34
2.1. Principais fluxos e meios de informação 37
2.2. Envio de mercadorias 40 2.3. Informação estratégica 43
2.4. Gestão e documentação 46
2.5. Recursos humanos 49
2.6. Qualidade 51
2.7. Tecnologia, equipamento e infra-estruturas 52
Capítulo 3
A SAUPIQUET NOS ANOS 70 E 80: AS MUDANÇAS VISÍVEIS A PARTIR DE SETÚBAL 55
3.1. Reestruturação da empresa e do sector 56
3.2. Consolidação de uma organização diversificada 65
CONCLUSÃO 70
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes 74
Bibliografia referenciada 75
ANEXOS 79
AGRADECIMENTOS
Quero em primeiro lugar agradecer o grande apoio de todo o pessoal do Museu do Trabalho Michel Giacometti, em Setúbal, principalmente da sua Directora e das responsáveis do Centro de Documentação, que disponibilizaram o material de consulta utilizado nesta investigação. Foi bastante gratificante constatar o interesse que o Museu demonstrou em relação aos resultados deste estudo.
Agradeço também o apoio do Conselho Directivo de 2002-2005 da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal: Profa Albertina Palma, Prof. Ricardo Nunes e Profa Margarida Graça. Esse apoio passou também pela definição de uma horário de trabalho que me permitiu deslocar ao Museu a fim de realizar a minha pesquisa durante os dias úteis. Sem esse horário específico, não teria conseguido levar a cabo a pesquisa que constitui a base desta dissertação.
Um agradecimento especial ao meu orientador, Prof. Doutor Hélder Adegar Fonseca, pelo seu interesse, exigência e confiança no meu trabalho que me motivaram a ultrapassar as limitações e dificuldades encontradas. Não sendo eu da área de História, as noções que me foi transmitindo e as relações que me ajudou a estabelecer foram essenciais para a compreensão do contexto da empresa e do sistema de informação em estudo. A sua orientação foi crucial para o desenvolvimento desta dissertação e ficará como um marco no meu percurso académico.
Não posso deixar de agradecer também aos meus amigos mais chegados a paciência, o carinho e a compreensão que me demonstraram continuadamente ao longo destes dois anos.
Por fim, um grande agradecimento aos meus pais pelo seu apoio incondicional, bem como pela confiança e o entusiasmo que me transmitiram e que foram decisivos em momentos críticos do desenvolvimento do meu trabalho.
INTRODUÇÃO
A necessidade de perceber o passado para prever o futuro das organizações empresariais é uma das principais tarefas da História Empresarial. Esta disciplina é relativamente recente. Formalmente existe desde a década de 1950. No início apenas se estudavam as histórias das empresas mas desde a década de 1990 têm estado a surgir novas tendências: «A discernible trend in the 1990s has been for company histories to focus on particular themes» (Jones, 1998: 17) tais como estruturas organizacionais, capacidades organizacionais, inovação, recursos humanos e cultural empresarial. Assim, embora inserido na área de História Empresarial, o âmbito deste estudo são os sistemas de informação. «Business historians have much to contribute to the wider debates on the aquisition and diffusion of information and knowledge» (Jones, 1998: 9).
A informação é um importante activo intangível das organizações tornando os sistemas de informação um recurso essencial da gestão. Os sistemas de informação só funcionam se as pessoas os usarem. Não faz sentido criar um sistema de informação que teoricamente seja perfeito se na prática as pessoas comunicam de forma diferente. Há que jogar com a natureza das pessoas e isso não se modificou tanto de há um século para cá. Perceber como as pessoas comunicavam antigamente pode ajudar a construir sistemas de informação mais eficazes. Assim, é importante conhecer a evolução histórica dos modelos de informação adoptados pelas organizações, incluindo as comunicações interpessoais e os meios de coordenação e controlo. Estes modelos tendem a ser dinâmicos, ou seja, a interagirem com a evolução histórica das empresas. Esta perspectiva histórica é importante para perceber os sistemas de informação e tem sido uma matéria pouco estudada. De acordo com Jones (1998: 18):
«These topics require somewhat different archival resources than have been used in the past. (…) It is necessary to look at routines rather than big decisions. The study of intangibles such as the knowledge possessed within a firm, flows of information, and the corporate culture – and how all these things changed over time – can involve a very wide range of historical record far removed from documents on strategies.»
O arquivo Saupiquet foi um óptimo caso de estudo pois além dos documentos rotineiros, tais como recibos e facturas, continha uma considerável correspondência. Assim, constituiu uma boa oportunidade para identificar a dinâmica do sistema de informação interno (fluxos e tipos de informação e seus intervenientes) de uma empresa multinacional, observada a partir de uma unidade periférica e multi-estabelecimento. O estudo pretende ser um estudo introdutório à história dos sistemas de informação em Portugal na era industrial.
O objectivo desta dissertação é estudar a evolução do sistema de informação de uma grande empresa entre a década de 1960 e a década de 1980. Na segunda metade do século XX, a recuperação e boom económico, associados à reconstrução europeia, ao Plano Marshal e à criação das comunidades europeias (CECA, CEE e EURATOM) e da EFTA, proporcionaram importantes mudanças societais, económicas e tecnológicas. Estas mudanças exigiram da parte das empresas estratégias de adaptação, quer ao nível da estrutura organizacional, quer ao nível da oferta de produtos e serviços. A pertinência deste estudo é averiguar a intensidade e ritmo das adaptações no sistema de informação interno e comunicação de uma grande empresa multinacional observada a partir de uma unidade situada na periferia da economia europeia.
Actualmente há alguma confusão entre sistemas de informação e tecnologias de informação. Como Ward e Peppard (2002: 4), referindo Checkland and Holwell, salientam, «many people find difficulty in distinguishing between Information Systems and Information Technology, because technology seems to overwhelm their thinking about the fundamental information system that the technology is to support.» Mesmo a UK Academy of Information Systems (UKAIS) concebe os sistemas de informação interligados com tecnologia: sistema de informação é «the means by which people and organizations, utilizing technology, gather, process, store, use and disseminate information» (citado por Ward e Peppard, 2002: 3). Então, qual será a diferença entre os dois conceitos?
Segundo Zwass (1998), um sistema é um conjunto de elementos articulados de forma a atingir um ou mais objectivos. Segundo Lucas (1994), a informação ajuda a reduzir a incerteza e a coordenar indivíduos e grupos. Um sistema de informação é um conjunto de elementos articulados que recolhe, transmite, arquiva e processa dados com o objectivo de fornecer informação para a acção (Zwass, 1998) e, assim, apoiar a organização (Lucas, 1994). O sistema de informação tem assim um papel fundamental na definição da estratégia empresarial.
As tecnologias de informação constituem um dos seus elementos, ou seja, são uma componente da estrutura que permite o sistema funcionar. Hoje em dia essas tecnologias são constituídas pelo aparato informático, composto pelo hardware e pelo software. Mas os computadores, os servidores, os programas, as redes não funcionam se não existirem pessoas a usarem essas tecnologias e se essas pessoas não comunicarem entre si com um dado propósito.
Os sistemas e tecnologias de informação não são novidade na sociedade. Por exemplo, em 1501 a Igreja utilizou a tecnologia de imprensa para promover a fé (Checkland e Holwell, 2002). Importa pois compreender porque é que os sistemas de informação adquiriram uma importância tão grande na nossa época.
Durante a segunda metade do século XX, assistiu-se a uma grande internacionalização das empresas que deu origem a uma dispersão geográfica das unidades e a uma crescente complexidade operacional. Assim, era essencial um maior esforço de coordenação, o que implicava estar em permanente comunicação com as diferentes unidades e gerir toda a informação obtida. A necessidade de sistemas de informação mais eficientes estimulou e foi favorecida por algumas descobertas e invenções tecnológicas que, entre os anos 40 e 70, permitiram o aparecimento do computador e marcaram o arranque da “era da informação”. Seguindo Castells (2003: 6),
«At the core of the technological change that unleashed the power of networks was the transformation of information and communication technologies, based on the microelectronics revolution that took place in the 1940s and 1950s. It constituted the foundation of a new technological paradigm, consolidated in the 1970s, mainly in the United States, and rapidly diffused throughout the world, ushering in what I have characterized, descriptively, as the information age.»
Durante os anos 80 as inovações nas tecnologias de informação prosseguiram e os computadores tornaram-se elementos indispensáveis nas sociedades devido à sua enorme capacidade de processamento de informação (Castells, 2003).
Estas mudanças sociais e organizacionais assumem ainda maior dimensão se estabelecermos um paralelo com a situação que se vivia no início da 1a Guerra Mundial. Como Hobsbawm (2002: 24) descreve,
«O mundo estava repleto de uma tecnologia revolucionária em avanço constante, baseada em triunfos da ciência natural previsíveis em 1914 mas que na época mal haviam começado e cuja consequência política mais impressionante foi talvez a revolução nos transportes e nas comunicações, que praticamente anulou o tempo e a distância. Era um mundo que podia levar a cada residência, todos os dias, a qualquer hora, mais informação e diversão do que dispunham os imperadores em 1914. Ele dava condições às pessoas de falarem umas com as outras através de oceanos e continentes pelo premir de alguns botões e, para quase todas as questões práticas, abolia as vantagens culturais da cidade sobre o campo.» (Hobsbawm, 2002: 24)
No entanto, estas grandes mudanças provocadas pelas inovações tecnológicas, não teriam sido possíveis sem um contexto económico e cultural favorável.
Com o fim da 2a Guerra Mundial a Europa enfrentava os desafios da reconstrução económica e societal e da descolonização. À sombra da “decadência” da Europa Ocidental emergiam duas grandes potências mundiais, os EUA e a URSS, que até 1987 protagonizaram a chamada Guerra Fria, cujo símbolo era o Muro de Berlim, construído em 1961 (Hobsbawm, 2002). A rivalidade entre os EUA e a URSS estimulou a corrida ao armamento e a competição tecnológica que favoreceu a inovação em muitos domínios. A internet surgiu como um projecto de desenvolvimento de um sistema de comunicação que pudesse sobreviver a um ataque nuclear (Castells, 2003).
As primeiras três décadas do pós-2a Guerra Mundial também se caracterizaram por um vigoroso crescimento económico que se reflectiu no modo de vida das pessoas. As sociedades prosperavam de forma inigualável a vários níveis. Segundo Hobsbawm (2002: 17),
«A uma Era de Catástrofe, que se estendeu de 1914 até depois da Segunda Guerra Mundial, seguiram-se cerca de vinte e cinco ou trinta anos de extraordinário crescimento económico e transformação social, anos que provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período como uma espécie de Era de Ouro.»
A produção em série (inventada por Henry Ford), o baixo valor do combustível (que banalizou o uso de camiões, autocarros e automóveis) e os grandes avanços tecnológicos, permitiram uma mudança completa no estilo de vida das pessoas, o comércio de bens e serviços explodiu e democratizou-se o consumo dos chamados bens de luxo: automóvel particular, viagens turísticas, electrodomésticos, telefone, televisão (Hobsbawm, 2002). A “guerra” da oferta para ganhar o mercado passou a exigir que as grandes empresas se dotassem de departamentos de pesquisa e desenvolvimento (Hobsbawm, 2002), para a contínua criação de produtos novos que suplantassem os anteriores e a captação de novos consumidores.
Quando se deu a crise petrolífera em 1973, a sociedade entrou em recessão, mas não abrandou o avanço tecnológico e, para alguns autores, foi então que começou a verdadeira revolução nos sistemas de informação. Seguindo Ward e Peppard (2002), durante os anos 60 já tinham sido introduzidas novas tecnologias de informação com o propósito de processar dados e automatizar operações mas só na década de 70 as empresas começaram a introduzir tecnologias mais sofisticadas cujo objectivo era tratar os dados processados, transformando-os em informação útil para a gestão e assim conseguirem obter vantagens competitivas. Nos anos 80 e 90 estes procedimentos difundiram-se assim como se banalizou o uso do computador pessoal. Foi também nesta altura que surgiram os browsers, isto é, a internet como a conhecemos hoje (Castells, 2003) permitindo o seu crescimento exponencial.
De que forma estas mudanças societais, económicas e tecnológicas influenciaram as grandes empresas? Os aumentos de escala, as reorganizações estruturais, as estratégias de internacionalização exigiram que esforço em matéria de ajustamento do sistema de informação interno? Houve relação entre a mudança do modelo de liderança (que passou de uma administração mais individual para uma hierarquia de gestores profissionais) e o sistema de informação interno? São estas as questões que este estudo pretende responder.
Metodologia e fontes
O estudo centra-se na empresa Compagnie Saupiquet (a partir de agora apenas denominada Saupiquet), uma empresa francesa de conservas que se expandiu internacionalmente, e explora o arquivo histórico da sua fábrica de Setúbal. O arquivo foi resgatado pelo Museu do Trabalho Michel Giacometti e desde então tem estado a ser sumariamente inventariado mantendo a organização encontrada, desconhecendo-se qual era a organização original. No estado actual do inventário não é possível fixar a sua real dimensão e temporalidade. Supõe-se cobrir o arco temporal de 1962 a 1988, isto é, desde o momento em que a Saupiquet absorveu a Delory em Portugal até ao seu encerramento.
Importa clarificar a estratégia deste estudo. Nesta dissertação não se pretende estudar o sistema de informação interno da empresa Saupiquet no seu todo nem a partir da sede social em Nantes (França) mas tão só alguns elementos do mesmo vistos a partir de uma unidade periférica situada em Setúbal (Portugal), que tinha uma particulariedade interessante: dependia da sede social tendo, simultanemente, na sua dependência a outra fábrica Saupiquet em Portugal, situada em Portimão.
A partir deste eixo pretende-se reconstituir os fluxos de informação diários entre os dois pólos portugueses e entre o estabelecimento de Setúbal e a sede em França. Pretende-se em particular perceber quais os mecanismos de tomada de decisão e quais os seus intervenientes, tal como enunciar quais os meios pelos quais essa informação circulava e quais as tecnologias utilizadas nessa transmissão.
O arquivo foi consultado entre Setembro de 2004 e Fevereiro de 2006. Uma vez que o arquivo apenas estava a ser inventariado no início desta consulta desconhecia-se o seu verdadeiro conteúdo. Assim, foi necessário fazer uma primeira análise geral para conhecer os documentos existentes. As caixas inventariadas até Fevereiro de 2006 revelam que o arquivo é constituído essencialmente por cartas – correspondência com a sede social em França, com a fábrica de Portimão, com fornecedores de produtos e serviços, com clientes, com bancos e com instituições nacionais. Algumas cartas têm documentos em anexo como outras cartas, facturas, legislação, artigos de jornal, stocks, folhas de pagamentos, entre outros. Existem também caixas referentes ao Caixa, isto é, recibos de pagamentos e outros documentos de contabilidade.
Face a esta grande quantidade de informação, foi necessário focalizar a investigação apenas numa parte do arquivo. Optou-se por estudar a componente interna do sistema de informação, ou seja, a informação trocada entre Setúbal e Nantes e entre Setúbal e Portimão. No entanto, nessa correspondência há referências à mantida com entidades externas, pelo que se fica com uma ideia mais abrangente do sistema de informação em geral. Por outro lado, a comunicação interna tem, além de uma componente nacional, uma importante componente internacional. 1
Escolhido o foco da investigação, foram seleccionados para análise dois momentos: o início dos anos 60 e os anos 70 e 80. O início dos anos 60 foram marcados no plano europeu pelo arranque da CEE (1957) e da EFTA (1960), no plano nacional pelo início da guerra colonial e pela criação do Espaço Económico Português (1962) (Pinto e Teixeira, 2005) e no plano da empresa pela aquisição da Delory (1961/62). Tal como mencionado anteriormente, o arquivo inicia-se em 1962. Um ano depois, o sistema de informação estava já perfeitamente delineado e em pleno funcionamento. Foi este o ano tomado como referência.
A análise dos anos 70 e 80 é feita em conjunto e o que se pretende apurar é o que mudou no sistema de informação e as razões para que essas mudanças tivessem ocorrido. Nestas duas décadas, na óptica da Saupiquet, existem dois momentos que são particularmente relevantes: os anos 72 e 73, marcados pelo primeiro alargamento da CEE, pelo fracasso da EFTA e pelo acordo de associação entre Portugal e a CEE; e o ano de 1986, marcado pela adesão de Portugal à CEE.
1 O objectivo do estudo focaliza-se no sistema de informação, tendo sido, naturalmente, marginalizadas nesta investigação outras dimensões do arquivo. Porém, é necessário referir que a qualidade da informação existente é elevada e poderá servir para outro tipo de estudos sobre a empresa, por exemplo, sobre a cultura da empresa ou a contextualização da empresa e a indústria de conservas.
Para o ano de 1963, procurou-se fazer a reconstituição do sistema de informação interno, ou seja, descrever o modo como circulava a informação entre os três pólos (Nantes – Setúbal – Portimão) e o seu conteúdo, identificar as pessoas que geriam essa informação e indicar quais os meios e as tecnologias utilizadas. Assim, a correspondência interna referente a esse ano foi analisada intensivamente. A análise dos anos 70 e 80 é feita numa perspectiva mais dinâmica e comparativa, isto é, pretende-se mostrar e explicar as diferenças e as semelhanças relativamente ao ano de 1963.
A pesquisa foi feita caixa a caixa. Uma vez que o arquivo ainda não se encontra organizado, foi necessário criar um sistema de referência, que só é válido para este estudo. Assim, inicia-se com a referência ao Museu do Trabalho Michel Giacometti (MTMG) e ao Arquivo Saupiquet (AS) seguida do número da caixa. Esta numeração está de acordo com a ordem de consulta. Depois vem a indicação do fluxo da correspondência sendo a primeira referência o emissor e a segunda o destinatário, de acordo com os seguintes códigos: STB = Setúbal; PTM = Portimão; NTS = Nantes. Por fim, vem a data da carta. Um exemplo: MTMG-AS, Cx 1, STB-NTS, 13-05-63 refere-se à carta do dia 13 de Maio de 1963 que Setúbal enviou para Nantes e que se encontra na caixa 1 do Arquivo Saupiquet, consultado no Museu do Trabalho Michel Giacometti. A lista das caixas analisadas, com a referência da lombada, encontra-se em Fontes e Bibliografia.
À medida que a correspondência ia sendo consultada e analisada acentuou-se a necessidade de contextualizar o seu conteúdo, no quadro histórico da época e da empresa. Apesar de a Saupiquet ter sido uma grande empresa conserveira europeia, líder de mercado durante anos no seu segmento, não está acessível muita informação sobre a sua evolução mas foram encontrados dois interessantes estudos sobre a história da empresa que serviram de base ao capítulo 1 (Fiérain, 1978; Fiérain, 1980).
Difícil foi também encontrar informação sobre a história da indústria conserveira em Setúbal. De facto, praticamente não existem estudos nesta área para o período em análise. Os poucos estudos que existem focam-se mais no início da indústria conserveira, isto é, fins do século XIX até aos anos 50 (Faria, 1950; Arranja, 1988; Afonso e Mouro, 1990).
Finalmente, deve-se referir ainda a fraqueza quantitativa e qualitativa da literatura sobre a evolução dos sistemas de informação, nomeadamente dos sistemas de informação antes da época dos computadores. A literatura acessível foca-se mais nos aspectos técnicos da tecnologia informática, ou seja, dos sistemas de informação mais recentes (Lucas, 1994; Zwass, 1998; Checkland e Holwell, 2002; Ward e Peppard, 2002; Castells, 2003; Castells, 2004).
Estrutura da dissertação
A dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro descreve a história da empresa Saupiquet desde a sua criação no fim do século XIX até à sua aquisição pelo Grupo Bolton em 1999. O segundo descreve o sistema de informação em 1963. O terceiro e último compara o sistema de informação dos anos 70 e 80 com o existente em 1963.
Capítulo 1
A SAUPIQUET: PERCURSO HISTÓRICO (1876 – 1999)
1.1. O arranque (1876 – 1890) e a primeira expansão (1890 – 1907)
A base da indústria conserveira foi a descoberta de Nicolas Appert cujo alvará foi requerido em 1809 (Faria, 1950). Appert descobrira a esterilização, ou seja, o processo de eliminação das bactérias responsáveis pela decomposição dos alimentos através de altas temperaturas. O processo só foi cientificamente explicado em 1862 por Pasteur quando este descobriu os microorganismos. Após a esterilização, os alimentos eram guardados em frascos hermeticamente fechados permitindo a sua conservação durante semanas, meses ou mesmo anos (Faria, 1950).
O sucesso da aplicação industrial deste processo deveu-se fundamentalmente ao forte estímulo propocionado pelo Estado francês, que nele viu um importante suporte logístico para a expansão imperialista. Napoleão tinha-se auto-proclamado imperador em 1804 e estava «em guerra com a Europa e preocupado com o problema do aprovisionamento da frota, quando horríveis doenças, especialmente o escorbuto, dizimavam as equipagens» (Faria, 1950: 11). Poder transportar pequenas embalagens com alimentos que não perdiam as suas qualidades nutritivas era uma resposta a esses problemas.
As conservas não se mostraram apenas úteis nas guerras europeias. A conquista e ocupação colonial na segunda metade do século XIX, por exemplo a exploração do interior do continente americano, também forneceu um contexto favorável ao desenvolvimento da indústria conserveira. Por outro lado, a partir de 1850 descobriram-se as minas de ouro da Califórnia e da Austrália (Fiérain, 1978). Assim, inicia-se a exportação de conservas da Europa para os “novos países”. Simultaneamente, a rede de caminhos-de-ferro expandiu-se, o que facilitou a distribuição das conservas em toda a França.
Estes factores impulsionaram bastante a indústria conserveira francesa, onde em 1880 já existiam 180 conserveiras, 67% das quais ligadas a Nantes (Fiérain, 1978: 209). A localização estratégica de Nantes, junto ao rio Loire e ao oceano Atlântico, bem como o seu clima temperado, fizeram desta cidade a capital da Bretanha e um dos portos mais importantes de França (Arnaud, 2003). Por isso, não é de admirar que as conserveiras se tenham instalado aí. Por outro lado, a Bretanha sempre foi muito conhecida pelas suas sardinhas saborosas que, sendo um peixe pequeno, era fácil de colocar em pequenas embalagens (Faria, 1950). Assim, a partir de 1825, face à abundância deste peixe nas costas da Bretanha, constituiu-se aí o primeiro pólo da indústria conserveira francesa, um avanço que permitiu à França dominar o mercado internacional do sector.
Arsène Saupiquet nasceu em Jussac, na província francesa do Cantal, a 24 de Fevereiro de 1849 e aos 23 anos mudou-se para Nantes onde trabalhou durante quatro anos na indústria conserveira (Fiérain, 1980). Em Novembro de 1876 Arsène Saupiquet casou-se e três meses depois abriu duas fábricas de conservas de sardinhas (uma em Nantes e outra em Sables-d’Olonne) com a ajuda do dote financeiro e imobiliário da sua mulher. Com estas duas fábricas inicia-se a actividade dos Établissements Saupiquet. A estratégia de Saupiquet era criar produtos de grande qualidade, a preços elevados, para o segmento mais abastado dos consumidores. Catorze anos mais tarde, além das duas primeiras fábricas, Saupiquet tinha mais uma conserveira em Audierne e mais três instalações artesanais em La Turballe, Belle-Ile e Ile-d’Yeu (Fiérain, 1980), também elas de conservas de sardinhas.
Além de França, a sardinha povoa também as costas de Portugal, Espanha e Marrocos (Borges et al., 2003). Porém, a sardinha é um peixe migratório e imprevisível. Durante o Inverno ela migra para se reproduzir e volta às costas europeias no verão (Grande Dicionário Enciclopédico, 2000). Daí a existência do chamado período de “defeso natural”: meses de Inverno (Janeiro, Fevereiro e Março) em que não havia sardinhas (Fernandes, s.d.).
Além da irregularidade anual, a quantidade de sardinhas varia muito de verão para verão, alternando aleatoricamente anos de abundância com anos de escassez. Segundo Borges et al. (2003), estas diferenças podem estar relacionadas com mudanças ao nível do clima e do ambiente. Borges et al. (2003) estudaram a influência da Oscilação Norte Atlântica (NAO – North Atlantic Oscillation) no recrutamento da sardinha na costa oeste portuguesa. O NAO é definido por estes autores como «the normalized pressure difference measured in meteorogical stations located on the Azores and in Iceland» (Borges et al., 2003: 236). Comparando o NAO com o vento norte e os valores de captura de sardinhas durante o período de 1946 a 1991, os autores encontraram uma correlação entre as três variáveis, que permite identificar o período de maior captura: «during NAO negative phase the northern winds are absent or very weak corresponding to a high catch period» (Borges et al., 2003: 236).
Entre 1880 e 1887, no contexto do aumento da captura devido à grande expansão da indústria conserveira, houve a primeira grande crise de sardinhas na Bretanha e consequentemente metade das fábricas existentes em Nantes fecharam (Fiérain, 1978). Por essa altura, Espanha e Portugal já se tornavam concorrentes emergentes na área conserveira. Assim, alguns franceses optaram por abrir fábricas nestes países para fazer face à crise de aprovisionamento. Foi o que fez Frédéric Delory, proprietário dos Établissements F. Delory com sede em Lorient, Bretanha. Em Novembro de 1880 abriu a sua primeira fábrica em Portugal, tendo escolhido a cidade de Setúbal para se estabelecer (Faria, 1950). A Delory abriu mais três fábricas no país: Portimão, Olhão e Lagos. As fábricas de Olhão e Lagos fecharam em 1945, durante a crise pós-2a Guerra Mundial 2. As de Setúbal e Portimão integraram a aquisição da Saupiquet em 1961/62. Além destas fábricas portuguesas, a Delory possuía também cinco conserveiras em França e uma na Argélia (Faria, 1950).
O investimento francês em Portugal impulsionou o desenvolvimento das conserveiras modernas no país: em 1884 existiam 18 fábricas e, cerca de 10 anos mais tarde, em 1896, existiam já 76, ou seja, mais do quádruplo (Faria, 1950: 19). De referir que, apesar das fábricas produzirem maioritariamente conservas de sardinha, também era usual produzirem conservas de cavalas e biquerão, também chamado de anchova (Ferreira, 1907).
A partir de 1887 a captura de sardinha na Bretanha voltou ao stock normal mas Nantes continuou em crise. As zonas de maior investimento na indústria conserveira eram agora Finistère e Morbihan. O total de fábricas na Bretanha era 193 e apenas 26% estavam ligadas a Nantes (Fiérain, 1978: 209). Por outro lado, os preços de revenda em França foram aumentando, as vendas diminuíram e os stocks foram acumulando.
Em 1891 foi fundada a Société Anonyme des Anciens Établissements Saupiquet com 1.150.000 francos de capital inicial (Fiérain, 1980). Os principais accionistas eram Arsène Saupiquet, Lechauve-Devigny, Baptiste Puget e Donatien Roy, Gaston Thubé, Adolphe Naux e François Rousselot. Este último era o banqueiro que representava o crédito da empresa. Lechauve-Devigny presidia ao Conselho Administrativo enquanto Arsène Saupiquet era o director responsável pela produção. Foi dele a ideia da abertura fácil das latas de conservas com uma chave.
A nova sociedade não começou da melhor forma. Duas semanas depois da constituição da empresa o banco Rousselot entrou em liquidação (Fiérain, 1980). A situação era desesperada mas foi possível chegar a um acordo com os credores. Outro incidente aconteceu alguns meses depois quando a fábrica em Nantes ardeu e foi necessário reconstruí-la.
2 MTMG-AS, Cx 1, NTS-STB 16-07-63
Apesar destas dificuldades iniciais, a empresa foi bem sucedida. Em 1899 as instalações artesanais de Belle-Ile e de Ile d’Yeu transformaram-se em fábricas enquanto que a de La Turballe foi fechada (Fiérain, 1980). Entretanto foram feitos investimentos na zona de Finistère. Além da fábrica de Audierne, já existente, foram abertas as de Camarat, Concarneau e Kérity.
Arsène Saupiquet, como director de produção, foi o responsável por esta estratégia de expansão (Fiérain, 1980). No entanto, estas decisões entravam em conflito com a administração pois implicavam um grande esforço financeiro. A Société Française des Revenus Industriels, um banco parisiense, entrou na sociedade em 1900 e, com ela, o capital social da empresa foi reforçado para 2.300.000 francos (Fiérain, 1980). No entanto, esta nova entrada acentuou os conflitos de tal forma que a 9 de Março de 1901 Arsène Saupiquet saiu da empresa Saupiquet.
Em 1902 teve início a segunda crise de aprovisionamento de sardinhas na Bretanha que durou alguns anos e que teve o pior ano em 1912. Se em 1899 ocorreram muito mais exportações que importações de conservas de sardinhas (11.737 toneladas e 984 toneladas, respectivamente) em 1913 a realidade era bem diferente: 4.392 toneladas de exportações e 10.066 toneladas de importações (Fiérain, 1980: 199). Em 1923 a diferença era ainda maior: 3.476 toneladas de exportações e 22.817 toneladas de importações sendo que 3⁄4 dessas importações eram compradas a Portugal uma vez que os preços de revenda portugueses eram mais baixos (Fiérain, 1980: 200).
De facto, a partir de 1880 a indústria conserveira em Portugal teve um grande crescimento, orientado em grande parte para a exportação (Reis, 1993; Faria, 1950). Entre 1901 e 1905 foram exportadas em média 13.700 toneladas de conservas enquanto que no período de 1921-1925 essa média era já de 40.600 toneldas, quase três vezes mais no espaço de uma década. Dessa exportação, 47,9% em 1901-1905 e 33,5% em 1921-1925 foi produzida em Setúbal (Faria, 1950). Na década de 1920, esta cidade já se tornara no maior centro de conservas do país. Em 1912, Setúbal tinha 42 fábricas de conservas num total de 106 em Portugal, ou seja, 40% das unidades industriais conserveiras localizavam-se nesta cidade. Nos anos 20 esta indústria atingiu o seu auge em Setúbal com 130 fábricas aí instaladas, isto é, cerca de 45% das 289 fábricas existentes no país (Faria, 1950).
Já em França, as dificuldades na Saupiquet continuaram. Em Novembro de 1902 a Société Française des Revenus Industriels foi liquidada. Por seu lado, Arsène Saupiquet e o seu filho André tentaram abrir uma nova empresa Saupiquet (Fiérain, 1980). Como queriam utilizar o mesmo nome, gerou-se a confusão entre os clientes. Esta atitude teve como resultado um processo que apenas terminou em 1907 e que foi favorável à empresa original. Estes acontecimentos, juntamente com a segunda crise de aprovisionamento, referida anteriormente, fizeram com que o capital da Saupiquet, SA, descesse para 700.000 francos.
1.2. A segunda expansão: diversificação, modernização e internacionalização (1907 – 1945)
Face às dificuldades do início do século XX a Saupiquet adoptou uma nova estratégia, que assentava em duas linhas de desenvolvimento. Uma passava pela modernização das fábricas: foi decidido fechar as fábricas de Audierne, Saint-Guénolé e La Turballe para investir em fábricas mais modernas (Fiérain, 1980). A segunda linha de acção consistia na ampliação do mercado. Nesse sentido decidiu-se diversificar a produção, criando produtos de qualidade mais modesta destinados a outros segmentos da população.
Apesar da sua grande evolução, a indústria conserveira francesa era um meio relativamente pequeno, onde existia uma certa proximidade entre os directores das empresas. Por exemplo, em 1912, os directores da Delory tinham acções da empresa Saupiquet e um ano depois tornaram-se seus administradores (Fiérain, 1980). Por isso, a troca de administratores era usual bem como o era o facto de administradores de uma empresa possuirem acções de outra. De certa forma, esta proximidade também facilitou os negócios.
Por esta altura os Établissements F. Delory eram geridos pelos irmãos Georges e Auguste Ouizille (Fiérain, 1980). A empresa fora fundada em Lorient por Frédéric Delory e transformada em sociedade anónima em 1892 pelos irmãos Ouizille (Fiérain, 1978). Em Dezembro de 1912 a Saupiquet comprou à Delory fábricas e terrenos em Portugal (Sesimbra e Portimão) e Espanha (Vigo), dando assim início à sua expansão internacional (Fiérain, 1980). Foi comprada também uma fábrica em Douarnenez, França.
Em 1912 o capital da Saupiquet era já de 2.000.000 francos (Fiérain, 1980), ou seja, 1.300.00 francos a mais que no mau ano de 1902. Nas vésperas da 1a Guerra Mundial a Saupiquet tinha já 20 fábricas: 16 em França, 2 em Portugal (Sesimbra e Portimão), 1 em Espanha e 1 na Argélia (Fiérain, 1980: 213). Durante a guerra foi possível fazer alguns negócios em outras áreas geográficas como, por exemplo em Madagáscar, e aumentar o número de accionistas. Em 1915 o capital era de 3.000.000 francos e em 1917 de 4.000.000 francos, o que significou um aumento de 100% em apenas cinco anos.
Uma nova crise de aprovisionamento de sardinhas, entre 1920 e 1927, fez regressar as dificuldades às conserveiras da Bretanha enquanto a indústria conserveira prosperava em Portugal e em Espanha (Fiérain, 1980). Em 1925, estes dois países dispunham de quase o dobro das unidades conserveiras francesas: 300 conserveiras em Portugal e Espanha e apenas 170 em França (Fiérain, 1980: 201).
Por esta altura as conservas alimentares industriais já tinham entrado no consumo corrente. Existiam conservas de carne, de legumes e de peixe (principalmente de atum, cavala e sardinha). Os métodos de fabrico também tinham evoluído e a oferta era mais variada. Por exemplo, havia sardinhas em óleo, em azeite ou em tomate, cozidas ou fritas. Cada fábrica tinha a sua marca e a sua forma de fazer conservas. As crises da sardinha na Bretanha deram aos franceses a oportunidade de se expandir internacionalmente e de explorar novos mercados. Assim, além do investimento em fábricas fora do território francês e na modernização das fábricas já existentes, diversificou-se a oferta de conservas de peixe (principalmente de atum) e criaram-se novos produtos (conservas vegetais). Foi esta a estratégia seguida pela Saupiquet.
Em 1920 a Saupiquet comprou os Établissements Peneau, igualmente com sede em Nantes, aumentando assim o seu capital para 6.000.000 francos (Fiérain, 1980). Os Établissements Peneau eram uma empresa pequena, de cinco fábricas, mas com boas relações com o mercado do Reino Unido. Com a junção das empresas Peneau e Saupiquet, Alfred Peneau tornou-se o administrador e foi o protagonista de muitas mudanças na Saupiquet. Foi necessário fechar algumas fábricas, como a de Portimão, e fazer novos investimentos, como abrir uma nova fábrica em Setúbal, mais próxima da já existente em Sesimbra. Nos anos seguintes, as vendas para o Reino Unido aumentaram mas à custa da diminuição dos negócios com outros países como EUA, Argentina, Uruguai, Polónia, Checoslováquia e Roménia (Fiérain, 1980).
A Saupiquet possuía 17 fábricas em 1930, todas instaladas em França excepto as duas existentes em Portugal – Sesimbra e Setúbal (Fiérain, 1980). A Grande Depressão e, nove anos depois, a 2a Guerra Mundial, agravaram as dificuldades da Saupiquet. Em 1935 a Saupiquet esteve à beira da falência, processo travado por Maurice Bertin, novo Presidente da Saupiquet desde 1933 (Fiérain, 1980). A crise foi geral na indústria conserveira francesa mas para algumas empresas, como por exemplo a Delory, as perdas não foram muito grandes. Em 1936 a Delory, tendo em conta o seu bom desempenho e tirando partido da proximidade sempre existente, tentou, sem êxito, absorver a Saupiquet (Fiérain, 1980).
Nesta fase, as fábricas em Portugal não ajudaram a compensar os maus resultados da Saupiquet. De facto, de 1931 a 1935 os resultados das unidades de Setúbal e Sesimbra só reflectiram perdas (Fiérain, 1980). Em 1937 a fábrica de Sesimbra já tinha fechado. 46% da sua produção desse ano foi exportada para França e os outros 54% foram exportadas para outros mercados europeus e americanos, especialmente para os do Reino Unido, da Suiça e da Argentina (Fiérain, 1980: 234).
A crise afectava também o sector em Setúbal. O rápido crescimento da indústria conserveira nesta cidade, aliás única indústria moderna até aí instalada na região, foi feito de forma irregular e descontrolada. Nos anos 30 a quantidade de sardinha capturada começou a diminuir, o que conduziu ao encerramento de muitas fábricas ou à sua mudança para outras localidades. Em 1936 era já Matosinhos o maior centro da indústria conserveira em Portugal (Arranja, 1988).
Entretanto, começou a 2a Guerra Mundial e o governo português, na sua posição de país neutral, estabeleceu «contratos colectivos, segundo o qual o Instituto Português de Conservas de Peixe negociava em nome da indústria portuguesa com os países importadores» (Arranja, 1988). Os maiores compradores eram a Alemanha e o Reino Unido.
Em França, com a nova guerra a situação tendeu a piorar. Os alemães invadiram a França, confiscaram as produções das conserveiras e fizeram negócios com algumas delas, incluindo a Saupiquet. Esta ligação com o inimigo, além de ter sido polémica, também não foi suficiente para ultrapassar completamente a crise do sector (Fiérain, 1980).
A guerra no mar tornou ainda mais difícil a pesca da sardinha e do atum. A COFICA (Comptoir Français de l’Industrie des Conserves Alimentaires) passou a racionalizar as parcas capturas realizadas pela pesca francesa. A Associação fora criada em 12 de Abril de 1918 pelos industriais conserveiros da zona de Vendée com o objectivo de igualizar a repartição das capturas por todas as conserveiras e regular os preços (Fiérain, 1980). Porém, até ao início da 2a Guerra Mundial, as conserveiras da zona da Bretanha tinham preferido manter-se autónomas de modo que a Associação nunca tinha tido oportunidade para se impor.
A intervenção da COFICA não melhorou os negócios relacionados com as conservas de peixe. Os conserveiros tiveram de encontrar alternativas e diversificar os produtos. Apostaram no fabrico de conservas de legumes e de carne e criaram as conservas de pratos cozinhados. Em 1943/44 o volume de negócios das conservas de atum e de sardinhas era de 57,4% do total enquanto o das conservas de legumes e afins era de 32,5%. Em 1944/45 o total de sardinhas e de atum em lata era apenas de 32,17% enquanto o de legumes e afins alcançava de 67,83% (Fiérain, 1980: 208).
1.3. A terceira expansão: concentração (1945 – 1979)
Em 68 anos a Saupiquet transformou-se numa sociedade anónima e, apesar de manter algumas características de empresa tradicional, conseguiu tornar-se numa das maiores e mais importantes empresas conserveiras de França.
Porém, o fim da 2a Guerra Mundial deixou a Saupiquet numa situação bastante delicada. Mais uma vez, foi necessário mudar a estratégia da empresa. Assim, em 1946, Maurice Bertin resolveu expandir a Saupiquet para Marrocos (Fiérain, 1978). Mais uma vez foi decidido combater a concorrência abrindo fábricas nos países rivais e junto das fontes de captura. Este foi o começo das mudanças que tornariam a Saupiquet num grupo, líder de mercado, e na conserveira mais importante da região de Nantes.
Com o fim da guerra a economia mundial mudou muito. À Europa das nações sucederam várias modalidades de integração. A leste reconstituiu-se a COMECON sob a liderança soviética. A oeste as economias seguiram três vias diferentes: cooperação através da integração, cooperação tradicional e cooperação por associação.
Em 1951, por iniciativa francesa, a Alemanha Ocidental, a Bélgica, a França, a Itália, o Luxemburgo e os Países Baixos criou-se a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Em 1957 estes países foram mais longe e criaram também a Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURA TOM) e a Comunidade Económica Europeia (CEE), esta última dando lugar ao chamado Mercado Comum. Dez anos depois, a CECA e a EUROTOM fundiram-se com a CEE, consolidando a primeira fase da integração europeia (Dedman, 1996; União Europeia, consultado em 2006).
Paralelamente, em 1960, por iniciativa inglesa, o Reino Unido, Portugal, Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia e Suiça criaram a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) de produtos industriais (Dias, 1999; Wikipédia, 2006). Esta segunda via não foi capaz de constituir uma alternativa à CEE e quase colapsou no início dos anos 70 com o primeiro alagarmento da CEE. Em 1972, a Dinamarca e o Reino Unido, membros fundadores da EFTA, aderiram à CEE juntamente com a Irlanda (União Europeia, consultado em 2006). Simultaneamente, foram feitos acordos de associação entre a CEE e os países que se mantiveram na EFTA (Barreto e Mónica, 1999). Portugal não ficou fora deste processo e também assinou o acordo de associação em 22 de Julho de 1972.
O terceiro quartel do século XX foi também o da chamada Era de Ouro. Em cerca de 25 anos os países industrializados tiveram um crescimento económico notável. Os EUA que, como Hobsbawm (2002) notou, já antes da guerra estavam a ter um grande desenvolvimento, não tendo sido afectados pela guerra, estavam naturalmente em grande vantagem relativamente aos países europeus. Daí serem vistos como a referência mundial de desenvolvimento económico: «outros países tentaram sistematicamente imitar os EUA, um processo que acelerou o desenvolvimento económico, uma vez que é sempre mais fácil adaptar uma tecnologia existente do que inventar uma nova» (Hobsbawm, 2002: 266).
Por seu lado, a Europa estava em processo de reconstrução após ter sido parcialmente arrasada pelas guerras e perdido as colónias. Assim, os governos europeus tiveram de intervir activamente na reconstrução dos seus países principalmente através de políticas e incentivos financeiros. Foi precisamente isso que a França fez. Segundo Maddison, citado por Hobsbawm (2002: 271), «entre 1950 e 1979 a França, até então um sinónimo de atraso económico, aproximou-se da produtividade americana, com mais êxito que qualquer outro dos principais países industriais».
O Estado Francês procurou promover a reconstrução económica estimulando a “americanização” das empresas francesas. Um dos instrumentos utilizados foi o do apoio à concentração, ou seja, a fusão de empresas de conservas, principalmente as que desde o fim da 2a Guerra Mundial se encontravam em grandes dificuldades (Fiérain, 1978). Assim, Henri Polo, que assumiu a presidência da Saupiquet em 1952, aproveitou estes apoios, adoptou a concentração como a sua estratégia e transformou os Établissements Saupiquet na Compagnie Saupiquet, absorvendo diversas empresas do sector das conservas entre 1954 e 1968. Estas foram as aquisições efectuadas (Fiérain, 1978):
ANO | EMPRESA | OBSERVAÇÕES |
1954 | Teyssonneau | Saupiquet adquiriu 97,4% do capital de Teyssonneau e a absorção total foi feita em 1959. |
1955 | Tertrais Griffon | Saupiquet adquiriu 96,3% do capital de Tertrais e 95,3% do capital de Griffon. A absorção total das duas empresas foi feita em 1959. |
1961 | Delory | Em 1931 Delory tinha absorvido a Société Industrielle de Lorient. |
1961 | Entreprises Maritimes Basques de Saint-Jean de Luz | Saupiquet adquiriu 96% do capital das Entreprises Maritimes Basques de Saint-Jean de Luz. |
1962 | Société Provost- Barbe | Saupiquet adquiriu 99,77% do capital da Société Provost-Barbe de Concarneau que em 1961 tinha absorvido a Cie Générale de Conserves et de Produits Alimentaires de Concarneau. |
1966 | Olida Cassegrain | Saupiquet adquiriu o ramo de legumes de Olida. Em 1966 a Cassegrain perdia a autonomia económica e financeira, em 1967 a Saupiquet possuía 72,64% do seu capital e em 1970 foi completamente absorvida. |
1968 | C.I.N.A.L. | A Saupiquet adquiriu 95,2% do capital da CINAL tendo-a absorvido completamente em 1970. |
A Saupiquet não foi a única empresa a apostar na concentração. De Clerville em 1961 criou a Société Française du Graal juntamente com as conserveiras Bouvais Flon, Chancerelle, Primeur Française, Bouquet Nantais (Fiérain, 1978). Por seu lado, Philippe et Canaud juntou-se em 1963 a Roulland e Béziers para formar a Compagnie Française Industrielle et Alimentaire (CO.FR.I.A.). Na realidade, a maioria destas empresas por esta altura já tinha adquirido outras empresas. Em 1965 a Société Française du Graal e a COFRIA fundiram-se na Compagnie Industrielle Alimentaire (C.I.N.A.L.) (Fiérain, 1978).
Entretanto, em Setúbal, as dificuldades do sector persistiam. O aumento da concorrência de outros países, nomeadamente de Marrocos, e a falta de actualização tecnológica das fábricas portuguesas, fizeram com que a indústria conserveira entrasse em declínio (Arranja, 1988). Além disso, a partir de 1960 houve uma quebra siginificativa da captura de sardinhas na costa oeste de Portugal (Borges et al., 2003).
Apesar disso, a Saupiquet, quando da absorção da Delory, manteve fábricas abertas em Portugal. Em 1961, a Saupiquet tinha uma fábrica em Setúbal e a Delory tinha uma fábrica em Setúbal e outra em Portimão. Depois da fusão, as duas fábricas em Setúbal juntaram-se numa só, na antiga Delory, e a de Portimão manteve-se em funcionamento. Deste modo a Saupiquet colocava-se em posição de estar presente nos dois grandes mercados em construção na Europa Ocidental: sediada em França, onde tinha vários estabelecimentos, integrava a CEE; com as unidades em Setúbal e Portimão (Portugal) tinha acesso aos mercados da EFTA.
O vigoroso crescimento da escala da Saupiquet acarretou outras mudanças. Marcel Raynaud, director-geral da Saupiquet nos anos 60, substituiu Henri Polo na Presidência da empresa em 1969 (Fiérain, 1978) e decidiu reestruturar a companhia. Embora a Saupiquet fosse uma sociedade anónima desde 1891, na realidade era gerida como uma empresa tradicional. Com o crescimento da empresa e a sua transformação num grupo, o modelo de gestão teve de ser alterado. A Saupiquet absorvera todas as conserveiras com sede em Nantes excepto a empresa Amieux que acabou por não sobreviver sozinha e desapareceu (Fiérain, 1978). Além das fábricas em França, tinha também fábricas em Portugal (Setúbal e Portimão), Marrocos, Dacar e Abidjan. Depois de 1969 a Saupiquet continuou a expandir-se, adquirindo mais empresas e, em 1977, constituindo a sua própria frota de pesca (Bolton Group, 2005). Esta reestruturação será descrita com mais pormenor no capítulo 3.
Em Portugal, face às novas circunstâncias europeias, no início dos anos 70, o governo português promoveu a segunda reestruturação da indústria conserveira. A primeira tinha sido em 1932-1936 (Barreto e Mónica, 1999). Os problemas principais estavam relacionados com a tecnologia utilizada e com o excesso de capacidade. Assim, foram criados incentivos, através dos Decretos- Lei no 448/71 e no 160/73, para encerrar ou fundir empresas (Barreto e Mónica, 1999). Como se verá no capítulo 2, a Saupiquet chegou a considerar aproveitar as indeminizações e fechar uma das fábricas portuguesas.
1.4. O fim da Saupiquet: absorção pelo Grupo Bolton (1979 – 1999)
Em Dezembro de 1979 Marcel Raynaud deixou de ser o presidente da Saupiquet e foi substituído por Sylvain Wibaux 3, que entrara na empresa em Outubro de 1978 como Vice-Presidente Director Geral 4. Em 1985, seria substituído por Jean-François Bauer 5, no mesmo ano em que foi fundada a Saupiquet Deutschland GmbH que, nas duas décadas seguintes, se tornou líder do mercado alemão de conservas de atum (Saupiquet Deutschland, consultado em 2005).
A 16 de Junho de 1987 foi realizada uma Assembleia Geral Ordinária do Grupo Saupiquet com o objectivo de fazer o balanço e o relatório de contas do ano de 1986 (Compagnie Saupiquet, 1987). Segundo o relatório, posteriormente publicado, o Grupo Saupiquet, para além de possuir participações financeiras noutras empresas, como na filial italiana ICIF, era constituído pelas seguintes empresas:
Nome – Sede – Taxa de controlo
GRACIET – Nantes – 93,74
S.N.E.M.B. – Ciboure – 99,69
SAUPIQUET ARMEMENT – Nantes – 99.98
C.S.O. – Villeneuve-sur-Lot – 99,90
UGMA – Brumath – 96,88
S.C.O.D.I. – Abidjan (Côte d’Ivoire) – 56,44
S.A.P.A.L. – Dakar (Sénégal) – 69,32
SAUPIQUET DEUTSCHLAND – Nuremberg (R.F.A.) – 100
SAUPIQUET BENELUX – Bruxelles (Belgique) -100
FRANCE FOOD – Nuremberg (R.F.A.) – 99
CAP VERT ARMEMENT – Dakar (Sénégal) – 49
3 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 20-12-79
4 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 02-10-78
5 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 28-10-85
O relatório também descreve algumas decisões tomadas para melhorar os resultados financeiros do grupo como a diminuição dos efectivos e os investimentos a nível de produtividade e racionalização. Em paralelo, o grupo reestruturou-se passando a funcionar por divisões.
Numa análise sobre os produtos verifica-se um aumento do mercado das conservas de atum e de saladas e uma diminuição do mercado de conservas de sardinha. «L’amélioration prochaine de l’outil industriel de Saint-Jean-de-Luz permettra de faire face à l’entrée de l’Espagne et du Portugal, gros producteurs de sardines à l’huile, dans la Communauté Economique Européene» (Compagnie Saupiquet, 1987). Esta afirmação permite concluir que a decisão de fechar a Saupiquet em Portugal estava tomada, o que vem definitivamente a acontecer em 1988. Por outro lado, o outro produto fabricado em Portugal, a conserva de cavala, passou a ser fabricado apenas na fábrica francesa de Quimper através da marca líder de mercado Graciet.
De facto, em 1986 Portugal entra na CEE. Perante este cenário, provavelmente a principal razão de continuarem activas as fábricas Saupiquet no país (a empresa estar presente no mercado da EFTA) deixou de existir. Além disso, por esta altura os transportes estavam bastante evoluídos. Portanto, já não era necessário ter fábricas nos locais de captura do peixe. Daí que em 1988 a Saupiquet tivesse optdo por fechar ambas as fábricas portuguesas.
Neste ano, apesar das dificuldades, a Saupiquet era líder de mercado das conservas de peixe e estava em 2o ou 3o lugar nos mercados das conservas de pratos culinários (Le Roy, consultado em 2005). Era também líder das conservas de legumes de topo de gama.
O ano de 1999 foi um ano de perdas demasiado grandes para a Saupiquet. Assim, após cerca de 123 anos de existência e sucesso, a Saupiquet foi comprada em Dezembro de 1999 pela empresa Trinity Alimentari, uma subsidiária do Grupo Bolton (Eurofood, 1999), que foi fundado em 1949 em Itália (Bolton Group, consultado em 2005). Desapareceu a empresa mas permaneceu a marca como distinção de qualidade.
Capítulo 2
A SAUPIQUET NO INÍCIO DOS ANOS 60: UM SISTEMA DE INFORMAÇÃO TRADICIONAL
Como ficou dito no capítulo 2, a Delory foi absorvida pela Saupiquet em 1961. Nessa altura, a Delory tinha duas fábricas em funcionamento em Portugal: uma em Setúbal, na Rua Trabalhadores do Mar, e outra em Portimão. Já a Saupiquet tinha apenas uma, na Rua da Rasca em Setúbal.
Através da correspondência trocada em 1962 entre a sede em Nantes e a fábrica de Setúbal foi decidido como seria feita a articulação entre as fábricas de Setúbal e Portimão, do destino da fábrica Delory em Setúbal, e quais as marcas a manter. Também existem cartas a informar os clientes da Delory sobre a mudança para Saupiquet, garantindo que tudo o resto se manteria igual.
Na carta de 23 de Março de 1962, o Director-Geral Marcel Raynaud informou a fábrica de Setúbal da decisão de demitir o antigo gerente da fábrica Delory, Guilherme Nunes da Silva, por uma questão de redução de encargos, e em seu lugar ficou João da Silva, juntamente com António Tomaz, a gerir as três fábricas:
«Je tiens à vous informer que, dans le cadre des mesures extremement sévères que nous devons prendre concernant l’exploitation de nos usines du Portugal, nous avons été dans l’obligation de remercier Monsieur Guilherme Nunes da Silva. (…) Nous pensons que Monsieur João Silva est trés au courant des affaires Delory et pourra prendre immédiatement en charge les affaires courants afin que tous les services, notamment commerciaux soient normalment effectués. (…) Vous [Antonio Tomaz] vous occuperez des commandes de boîtes et des approvisionnements pour l’ensemble des trois usines sauf ceux qui sont réalisés à Portimão même, comme le poisson par example.» 6
Através da correspondência não se fica a saber qual o papel que António Tomaz e João da Silva desempenhavam antes da fusão.
Existe também uma carta dos dois gerentes da fábrica de Setúbal dirigida directamente ao Presidente da empresa, Henri Polo, dando a sua opinião sobre quais as marcas a manter fundamentando com dados do mercado:
«L’industriel portugais ne gagne pas d’argent travaillant beacoup car à mesure que sa production augmente descend son prix de vente et la course atteint ràpidement le prix de revient. (…) Le prix de revient a été étail sans optimisme, indiquant un prix de poisson bien cher. Les offres de l’huile d’olive sont cet année de 16$20 le kilo, contre 17$50 l’année dernière. (…) La marque St. Louis ne paraît nullement en déclin car les ventes sont toujours pareilles. La marque Louis Trefavenne, comme la Phénix, paraît renaître de sa cendre, avec le changement d’agent. (…)» 7
As funções de cada gerente ficaram acertadas numa carta de 21 de Julho, fazendo crer que a sede deixou de comunicar directamente com a fábrica de Portimão, cujo gerente era António Hilário, e passou apenas a comunicar com a fábrica de Setúbal:
«Les fonctions du signataire [António Tomaz] et de Mr. João Silva sont indentiques, accomplies avec l’espirit d’équipe dont nous a parlé le President Polo et, par consequence, les appointements devront être nécessairement les mêmes. Les fonctions de Mr. Hilário sont limitées au travail de l’usine, orienté par nous, recenvant tous les jours des instructions, par lettre ou télephone, pour les aspects du travail, n’étant pas possible fréquents contacts directs comme il souhaitable. Tout le travail d’administration, exportation, demarches, correspondance portugaise et étrangère, comptabilité, etc. est à notre charge, ayant en outre, comme Mr. Hilário, le travail d’usine.» 8
6 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 23-03-62
7 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 12-04-62
8 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 21-07-62
Em rigor, não se sabe se a sede em França comunicava directamente com a fábrica de Portimão. No entanto, a forma como se processava a comunicação entre as fábricas de Setúbal e de Portimão, leva a crer que a comunicação entre a unidade de Portimão e a sede em Nantes era pouca ou mesmo inexistente:
«Máquina para fabricação de chaves – Tomamos boa nota e proporemos oportunamente o assunto à Séde.» 9
«De acordo com a nossa conversa telefónica, de há dias, informamos V.Sas. que o nosso Director Geral, quando da sua última estadia em Portugal, nos deu instruções para informarmos o Sr. António Hilário de Paula Junior de que deve retirar da Caixa, a seu favor, a importância de Esc. 2000$00 como bónus relativo ao exercício de 1962.» 10
«Da nossa sede acabamos de receber um pedido para passarmos a ventilar o pagamento da Mão de Obra em quatro contas principais (…) É necessário que V.Sas. no fim de cada mês nos enviem um dos modelos inclusos, devidamente preenchidos.» 11
Tal como os exemplos acima ilustram, de uma maneira geral, os dados de arquivo indicam que a comunicação era feita hierarquicamente da seguinte forma: sede em Nantes (que tomava todas as decisões estratégicas e de gestão global), fábrica em Setúbal (que geria as fábricas em Portugal num nível operacional), fábrica de Portimão (que geria apenas a fábrica e tomava decisões diárias).
«Nous vous adressé ses feuilles de journée, de l’usine de Portimão, concernant la fabrication…» 12
Embora fosse teoricamente considerada uma filial, na prática a fábrica de Setúbal era tratada como uma unidade, de certa forma com um estatuto semelhante às unidades francesas. Assim, esta fábrica assumiu a forma de uma unidade multi-estabelecimento. Marcel Raynaud chegou a afirmar numa carta que «pratiquement, notre activité au Portugal étant celle d’un établissement et non d’une filiale». 13
9 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 11-02-63
10 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 24-04-63
11 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 25-09-63
12 MTMG-AS, Cx 2, STB-NTS 17-06-63
2.1. Principais fluxos e meios de informação
As pessoas na sede em Nantes que comunicavam com a fábrica de Setúbal eram principalmente Mlle Lamotte, responsável pelo envio de mercadorias para França, e Mlle Burlot, responsável pelas vendas aos clientes fora de França, principalmente países europeus (sendo os principais os Países Baixos, a Bélgica, a Suiça, o Canadá e o Reino Unido). Ocasionalmente o Director-Geral, Marcel Raynaud, também comunicava com a fábrica de Setúbal. Tanto Mlle Lamotte como Mlle Burlot trabalhavam directamente com o Director-Geral.
A correspondência entre Mlle Lamotte e os gerentes da fábrica de Setúbal resumia-se à troca dos documentos necessários juntamente com cartas a descrever quais as encomendas e as instruções desse envio (qual o destino, data de validade da licença, carta com autorização de Nantes para abertura de crédito no banco) e a informação sobre as remessas de mercadoria. A correspondência com Mlle Burlot já incluía alguma informação estratégica e informação organizacional:
«Expeditions sur Canada – Bien noté que vous avez fermé l’affaire avec la Maison Lelarge, de 125 caisses sardines Saupiquet, 10/12, au prix de Dollars Canadiens 10.30 et attendons l’accréditif ainsi que pour les 125 caisses sardines Tomate, 10/12, pour expedier ces caisses. Le prix de Esc. 274$00 est consideré au Portugal un prix très bon, même exceptionnel seulement outrepassé par les grands marques.» 14
«Frais Publicité pour Belgique – Nous avons demandé à notre service Comptabilite de nous donner des précisions sur les frais que nousavons engagés sur la Belgique et nous avons besoin d’une précision (…) Qu’avez-vous payé pour toute l’année 1962?» 15
13 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 06-09-77
14 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 06-03-6337
«Inutile d’imprimer les 4 illustrations traditionnelles. Commandez toutes vos boites vides illustrées uniquement dans la présentation.» 16
As pessoas responsáveis pela comunicação da fábrica de Setúbal eram provavelmente unicamente os dois gerentes, António Tomaz e João Silva. Na verdade, as cartas encontradas no arquivo emitidas pela fábrica de Setúbal são apenas cópias e não têm assinatura. Por outro lado, as cartas dirigidas à fábrica de Setúbal estão dirigidas à fábrica, não tendo um destinatário específico. Só em casos excepcionais, como as cartas referidas anteriormente, aparecem os nomes de ambos os gerentes, identificando-se assim quem na fábrica era o remetente da documentação: a gerência. É aliás perceptível que, algures entre 1963 e e 1971, a gerência bicéfala foi substituída (saiu António Tomaz) pela gerência individual de João da Silva que passou a ser o único interlocutor com a sede. Também é perceptível que existia uma relação pessoal muito próxima entre os gerentes da fábrica de Setúbal e o Director-Geral, Marcel Raynaud.
Da parte da fábrica de Portimão, a pessoa responsável pela comunicação era o gerente, António Hilário. Ele enviava cartas diárias para a fábrica de Setúbal descrevendo tudo o que se passava na fábrica: as obras em curso, justificações detalhadas dos atrasos dos embarques (geralmente devido ao mau tempo), relatos das capturas, problemas de gestão.
Não foi encontrado o organigrama da empresa desta altura mas o esquema hierárquico pode ser deduzido através dos dados apresentados. Assim, é perceptível que existia o Presidente da empresa, Henri Polo, cuja principal função fosse provavelmente delinear os caminhos estratégicos da empresa. Depois, existia o Director-Geral, Marcel Raynaud, que era o gestor executivo. Este tinha várias secretárias para o apoiarem, por exemplo Mlle Lamotte e Mlle Burlot. Os gerentes das fábricas e os presidentes empresas do Grupo 17 comunicavam com o Director-Geral – ou o faziam directamente ou através das suas secretárias. Aparentemente, apesar do grande crescimento da Saupiquet, este esquema hierárquico era semelhante ao adoptado no fim do século XIX, ou seja, houve uma expansão da empresa mas manteve-se o mesmo modelo de gestão.
15 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 06-03-63
16 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB sem data
A correspondência escrita, dactilografada, era o instrumento essencial da comunicação e, à medida que se subia na hierarquia, a informação tornava-se menos pormenorizada e mais espaçada no tempo. No entanto, o telefone e o telegrama eram também meios muito utilizados, principlamente em complemento às cartas. Era costume confirmar os telegramas na carta e haver referência aos telefonemas:
«De acordo com o nosso telefonema de há pouco VSas. compreenderam que necessitamos urgentemente que toda a vossa atenção seja concentrada na lota afim de vos ser possível fabricar um mínimo de: 1.000 caixas (…)» 18
«Nous vous confirmons notre conversation téléphonique… » 19
«Nous vous confirmons les deux télégrammes que nous vous avons adressés hier…» 20
De seguida analisa-se alguns aspectos particulares do sistema de informação.
Tal como foi dito no capítulo 1, no início dos anos 60 a Saupiquet tornou-se num Grupo (a Compagnie Saupiquet) em consequência da sua estratégia de concentração. Assim, a sede em Nantes geria a empresa Saupiquet (que incluia as fábricas de Setúbal e Portimão) bem como o Grupo (que incluia empresas com mais autonomia).
18 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 18-05-63
19 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 21-05-63
20 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 14-03-63
2.2. Envio de mercadorias
A sede em França, através de Mlle Lamotte ou de Mlle Burlot, enviava a Setúbal uma carta com a licença pro-forma (que incluia o número de caixas, o tipo de produto, o preço por unidade e o preço total [em francos e em escudos], o peso bruto e o peso líquido, o destino, o modo de pagamento, e o número da licença) para o envio da mercadoria. Entretanto, tinha em simultâneo enviado uma carta ao banco com ordem para a abertura de um crédito a favor da “Société Saupiquet à Setúbal”. A fábrica de Setúbal recebia uma cópia dessa carta em anexo ao pedido da encomenda.
«Ce crédit est valable trois mois et sera réalisable par paiement contre remise des documents (facture commerciale, certificat de contrôle de qualité, note de poids, copie non négociable de connaissement).» Carta em anexo dirigida ao Credit Industriel de l’Ouest em Nantes 21
Quando recebia a carta com a encomenda, a fábrica de Setúbal enviava uma carta a confirmar a encomenda. Após o embarque da mercadoria, a fábrica de Setúbal enviava um telegrama a informar em qual vapor ela fora embarcada. Depois enviava uma carta a confirmar o telegrama anexando os documentos de embarque (cópia da factura e cópia do conhecimento).
Quando a fábrica de Setúbal considerava que não tinha stock para responder à encomenda, pedia à fábrica de Portimão para fabricar:
«Malheureusement vous ne pouvez pas compter avec notre stock actuel pour couvrir intièrement les 4 licences (…) Nous avons l’espoir de pouvoir fabriquer à Portimão, avant cette date, les quantités dont nous avons besoin.» 22
21 MTMG-AS, Cx 1, NTS-STB 05-12-63
22 MTMG-AS, Cx 1, STB-NTS 13-05-63
A fábrica de Setúbal dava indicações à fábrica de Portimão de quais as mercadorias que deveriam ser preparadas e como deveriam embarcar. Portimão ia descrevendo todo o processo desde a preparação da mercadoria até ao seu embarque, com pormenores. Assim que a mercadoria era despachada, a fábrica de Setúbal era imediatamente informada por telefone. A fábrica de Setúbal informava posteriormente a sede em Nantes. Eis um exemplo desse processo, que podia durar cerca de mês e meio, dois meses:
1. «Com destino à Suiça devem V.Sas. preparar, para embarque durante o corrente mês, 200 caixas de 1/4 Club 30 mm. sardinhas Saupiquet-Olive, no moule de 5/6 peixes. Cada caixa levará 50 chaves. Num próximo correio daremos os detalhes da expedição, bem como marcas, etc.» 23
2. «Suiça – Pelo prezado memorandum de Vas. Sas., de ontem, notámos que devemos preparar 200 caixas de club Saupiquet, 5/6, levando 50 chaves em cada caixa.» 24
3. «Suiça – Estão prontas as 200 caixas de 1/4 C 30 Saupiquet, 5/6, a 50 chaves por caixa.» 25
4. «Anvers – Para 15/16 do corrente está anunciado o vapor alemão “Anglia”. Agradecemos a indicação das quantidades e formatos a embarcar, no sentido de se ir adiantando o trabalho.» 26
5. «Nous vous remettons sous ce pli copie de la lettre que nour recevons de la Maison Tanner à Zurich et mantionnant toutes les instructions relatives aux: 200 c/ de sardines 1/4 CL. 5/6 Poissons dont nous vous parlions dans notre lettre du 18 Décembre dernier.» 27
6. «Anvers – O vapor alemão “Anglia” já devia ter recebido há dias a carga para Anvers, o que não foi possível devido ao mau tempo que hoje, sobretudo, tem sido terrível. Até este aminar, talvez possamos – se Vas. Sas. assim o entenderem – despachar ainda as 143 caixas de 1/8 plat 24 St-Louis, que estão a ser pregadas e aramadas, trabalho este que será acabado amanhã de manhã..» 28
7. «Suisse – Nous avons déjà l’odre de paiment en notre pouvoir pour les 200 caisses Saupiquet, 5/6, déjà preparées pour être expediées mais nous n’avons pas aucunes instructions pour embarquement. Nous vous preions de faire de necessaire.» 29
23 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 03-01-63
24 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 04-01-63
25 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 09-01-63
26 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 09-01-63
27 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 15-01-63
28 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 17-01-63
8. «Anvers – Ficaram prontas as duas ordens de 114 e 130 caixas para Anvers, que hoje pretendemos apresentar a despacho, mas por informação do Agente do Vapor, não se sabe se este poderá receber a vária carga que se encontra dentro das lanchas, devido ao mau tempo que continua assolando a costa algarvia, o que se prolongar, fará com que siga a sua rota, ficando a referida carga para ser transferida para outro vapor anunciado para 25 do corrente, que é o alemão “Varmland”. Desta forma, já diferente da que nos foi apresentada ontem, fez com que achassemos preferível aguardar o outro próximo navio, tanto mais que Vas. Sas. aguardam instruções quanto às 200 caixas para a Suiça – via Anvers.» 30
9. «Neste momento continuamos sem notícias do vapor “Anglia”, parecendo-nos assim ter sido prudente mantermos por mais uns dias as caixas debaixo de nossas telhas de preferência a tê-las dentro de qualquer lancha, no rio, sob mau tempo.» 31
10. «Suiça – Notámos que as 200 caixas são destinadas a Bale – via – Rotterdam. O vapor “Varmland” pode recebê-las.» 32
11. «Atrasou o vapor alemão “Vermland” que também deve receber as 200 caixas para a Suiça, prevendo-se agora a sua vinda lá para 2/3 de Fevereiro, devido ao mau tempo que continua assolando a costa algarvia.» Segue-se uma descrição do mau tempo. 33
12. «Os despachos para Anvers e Rotterdam deverão efectuar-se no próximo dia 1 de Fevereiro, devendo a mercadoria ser embarcada no vapor alemão “Varmland”.» 34
13. «Recebemos hoje a ordem de 100 caixas para Anvers. A verificação deverá ser feita no dia 1 de Fevereiro e toda a documentação, já pronta, será entregue amanhã no IPCP [Instituto Português de Conservas de Peixe] pelo que agradecemos seja feita a necessária comunicação à Delegação daqui, para efeito dos BRL, porquanto estamos em regra para as outras 3 ordens. É natural que nos seja pedido o número do conhecimento da Contribuição Industrial, razão porque agradecemos esta informação na volta do correio.»
29 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 18-01-63
30 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 18-01-63
31 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 19-01-63
32 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 21-01-63
33 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 21-01-63
34 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 29-01-63
14. «Anvers-Rotterdam – Foi-nos dito que o despacho deverá ser feito na próxima 2a feira, por atraso do vapor.» 36
15. «Vapor alemão Varmland – São 19 horas e as 344 caixas para Anvers e 200 para Rotterdam (em trânsito para a Suiça) estão neste momento a serem metidas nas barcaças, para embarque na próxima 2a feira, pelo que juntamos 4 boletins de registo de exportação. Oportunamente, na forma habitual, tencionamos telefonar.» 37
16. «Vapor Varmland – Embarcámos hoje as 200 caixas para Rotterdam em transito para a Suiça, assim como 344 para Anvers, pelo que juntamos 4 jogos de conhecimentos e 1 detalhe das expedições.» 38
17. «Nous avons embarqué hier à Portimão ces caisses pour la Suisse, via Rotterdam, sur le S.S. “Anglia”, de la compagnie de navigation “Neptun”, suivant les instructions de M. Taner et avons avisé télégraphiquement notre Agent.» 39
18. «Expeditions Hollande et Suisse – Nous vous remercions des renseignements que vous nous avez fournis et que nous avons immédiatement transmis à nos acheteurs pour procéder à l’assurance des merchandises.» 40
2.3. Informação estratégica
As cartas não se limitavam aos procedimentos operacionais. Serviam igualmente para a troca de alguma informação estratégica. Entre as fábricas de Setúbal e Portimão a informação desta natureza era sobretudo sobre o pescado. De facto, era frequente a fábrica de Portimão enviar descrições da captura e das vendas das lotas nas cartas dirigidas à fábrica de Setúbal. Estas descrições serviam para a fábrica de Setúbal tomar decisões em relação ao que comprar e por que preço sempre tendo em conta as instruções da sede em Nantes. Serviam igualmente para posteriormente informar Nantes.
35 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 30-01-63
36 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 31-01-63
37 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 02-02-63
38 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 04-02-63
39 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 14-02-63
40 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 20-02-63
Alguns exemplos:
«Pesca: houve hoje algumas cavalas caras e destas igualmente misturadas com carapaus. Poucas sardinhas de fraca qualidade, pelo que com mágoa nada comprámos. Com as sardinhas de ontem, de boa aguagem, fizemos uma fabricação económica, com o condão de nos agradar, isto em relação ao que é habitual.» 41
«Pesca – Confirmamos as nossas conversas telefónicas sobre o assunto. Desde que as sardinhas nos permitam a fabricação das nossas marcas extras, especialmente St. Louis, teremos que acompanhar a lota, embora dentro dos limites da prudência. Não havendo sardinhas comprarão cavalas afim de fabricarem filetes sem sargacho destinadas ao mercado belga.» 42
«A marca Saupiquet, equivalente ao Robert, será fabricada com bons peixes, pois destina-se a impor-se no futuro, para as vendas no estrangeiro (fora de França).
«Pesca – Necessitamos que os vossos Boletins de pesca nos sejam remetidos depois de vistos por vós, afim de mantermos Nantes devidamente informados.» 43
«Nous n’avons pas de sardines à Portimão. Les petites quantités que arrivent sont vendues terriblement chères. Nous les achetons dès que nous prissions profiter une partie pour nos fabrications extras.
Par contre les maquereaux sont abondants et nous avons donné des instructions pour faire quelques achats, dans les jours sans sardines, pour fabrication “sans sangacho” destinée à la Belgique.» 44
«À Setúbal le poisson est de bonne qualité et moule, mais le prix est tellement elevé que nous l’achetons seulement dès que nous ayant la possibilité de fabriquer un percentage raisonnable de qualités extra. Un panier de sardines dont le prix normal sera de Esc. 100$00 se vend actuellement à Esc. 200$00, à cause de la faute de poisson.» 45
A fábrica de Setúbal pedia também outras informações, por exemplo, sobre navios e companhias de navegação.
41 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 23-08-63
42 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 29-07-63
43 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 24-04-63
44 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 30-07-63
45 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 21-08-63
Na correspondência entre a fábrica de Setúbal e a sede de Nantes, a informação estratégica incluía, além da referente ao pescado, dados sobre os preços praticados em Portugal, os concorrentes, a regulação e legislação e artigos sobre a indústria conserveira publicados em Portugal:
«Filets Maquereaux – Nous préparons 50 caisses pour la France. Les fabricants portugais demandent actuellement 320$00 à 350$00 par caisse 1/4 Club 30 mm.
Anchois – Nous avons vendu à Haerten 7 caisses d’allongés et 8 caisses de roulés aux câpres au même prix que nous avons fait précédement (285$00 FOB – 4% de comission). Nous avons fort besoin de nous débarrasser de ce que nous reste d’anchois que sont déjà trop mûrs.» 46
«Il estime que ce prix est beaucoup trop élevé – Auriez-vous connaissance de cours qui auraient été pratiqués par d’autres fabricants portugais sur l’Autriche?» 47
«Étant les pays de Est les grands consommateurs de notre liège le Gouvernement portugais a été obligé d’autoriser les exportateurs a negocier avec ces pays. Nous pensons qu’aujourd’hui será déjà possible négocier directament les conserves, ce que n’était pas défendu mais dificile car la correspondance n’arrivait jamais soit d’un coté soit de l’autre.» 48
«M. Tanner nous signale qu’une marque Feel Sardines Portugaises offre en nouvelle pêche $9, soit en francs suisses 39 par caisse, connaissez-vous cette marque? – Est-elle cotée?» 49
«Notre usine de Setúbal n’a pu que vous confirmer ce que vous avions déjà dit par courrier précédent, à savoir qu’il est impossible d’expédier des marchandises du Portugal, sans paiement, au préalable, par overture de crédit irrévocable. C’est une mesure driaconienne qui est imposée par l’Institut Portugais des Conserves de Poissons, nous n’y pouvons malhereusement rien.» Carta em anexo dirigida a M.C., Chipre 50
46 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 25-02-63
47 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 22-06-63
48 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 27-06-63
49 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 17-07-63
50 MTMG-AS, Cx 2, NTS-STB 11-07-63
2.4. Gestão e documentação
A documentação das fábricas de Setúbal e de Portimão era organizada de acordo com a documentação da sede em França, ou seja, tudo estava definido segundo o esquema de gestão da sede. Os modelos de formulários vinham de França para serem preenchidos e reenviados para a sede. Por exemplo, a fábrica de Setúbal enviava periodicamente uma folha com os stocks. Por seu lado, a sede em Nantes fazia as contas através das facturas e ia verificar se ambas as contas batiam certo. Quando não batiam certo, pediam esclarecimentos a Setúbal.
«Inventaire de fin d’exercice – Nous vous rappelons de nous adresser le plus tôt possible tous les documents habituels qui nous sont nécessaires. Ayez l’obligeance de les adresser en deux exemplaires, l’un pour la Comptabilité l’autre pour les dossiers de la signataire.» 51
Esse controlo foi mais intenso em 1963, possivelmente devido à recente absorção da empresa Delory pela Saupiquet. O que significa que os documentos de gestão e controlo eram tratados para aplicações estratégicas.
«Balanço em 30 de Setembro de 1963 – Como já nos referimos na nossa carta do 25 do corrente, a situação portuguesa está sendo seguida de muito perto pel administração de Nantes. Isso terá, evidentemente, o valor que nós merecemos e da ajuda que a pesca nos proporcionar. Assim, recomendamos-lhes:
1o- De não atrasarem a remessa da documentação habitual de fim do corrente mês;
2o- De juntarem uma nota das matérias primas, etc. em 30 do corrente, como já fizeram em relação a 31 de Julho popo, conforme vos fora solicitado pela nossa carta de 7 de Agosto findo;
3o- De incluirem, igualmente, uma relação do vosso stock de lata cheia em 30 do corrente, segundo o modelo junto, mas sem indicação de quaisquer valores.» 52
De facto, todas as decisões estratégicas eram da responsabilidade da sede em França. Era a sede quem decidia o que fabricar e, consequentemente, que peixecomprar na lota. Igualmente decidia qual o preço máximo que a empresa estava disposta a pagar por esse peixe.
51 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 26-12-63
52 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 27-09-63
«Plan de Fabrication – La signataire part en vancances du 5 au 20 Janvier, mais dès sons retour nous étudierons un plan de fabrication auquel vous voudrez bien réfléctir de votre côté et nous vous écrirons.» 53
«Nous comptons demander aujourd’hui à Portimão, ayant donné des instructions pour acheter plus cher dès que le poisson soit convenable. Nous n’avions pas encore commencé la fabrication à Portimão car les apports sont trop petits et le poisson se vend à Esc. 80$00 la caisse (…) nous avions donné des instructions pour l’acheter qu’à Esc. 50$00.» 54
Tal como foi dito anteriormente, a fábrica de Setúbal geria à distância a fábrica de Portimão, incluindo o Caixa. A fábrica de Portimão pedia o envio de cheques (com a indicação do devido valor) para pagamentos como a caixa sindical, as contribuições, o imposto profissional (E.P.C.O.), entre outros, e dava conta dos cheques que recebia. Enviava também uma relação detalhada das compras e dos consumos efectuados.
«Recebemos da Sociedade Industrial de Farinhas e Óleos de Peixe, Lda. a quantia de Esc.12.000$00 (doze mil escudos), valor do cheque no 635808 à nossa ordem sobre o Banco Nacional Ultramarino, desta cidade, por conta dos detritos de peixe que fornecemos em 1962.» 55
«Consumos – Gastámos no ano de 1962 as quantidades seguintes: Pregos – 80 ks; Arame – 458,250» 56
Por outro lado, a fábrica de Portimão relatava todos os acontecimentos, com pormenores, incluindo os processos legais a serem realizados em Portimão e a fiscalização à fábrica. A fábrica de Setúbal funcionava como o centro de informação dos negócios Saupiquet em Portugal. Deste modo, também fazia sentido que fosse a fábrica de Setúbal a tratar a informação oficial, como, por exemplo, para efeitos estatísticos (entregue ao Instituto Nacional de Estatística).
53 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 04-01-63
54 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 20-05-63
55 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 04-01-63
56 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 18-03-63
«Imposto profissional – Como Vas. Sas. devem compreender, e tentar explicar nas Finanças de Lagos, não podemos integrar o pagamento do vosso imposto conjuntamente com o nosso, porquanto o nosso é liquidado em nome da Saupiquet, não havendo já em Setúbal qualquer empregado de Delory. Se esse argumento não for suficiente convém dizer-lhes que não existe nenhuma sede de Delory em Setúbal, nem mesmo em parte alguma, pois essa firma desapareceu em resultado duma fusão com Saupiquet, que está a ser oficilizada no nosso país. Devolvemos a documentação que nos enviaram.» 57
«Fiscalização – Tivemos ontem a visita de 2 funcionários da Direcção Geral das Contribuições e Impostos (Serviço de Divulgação e Esclarecimento). Verificaram os recibos selados referentes aos ordenados, selagem de folhas de férias de pessoal assim como os depósitos referentes ao Imposto Profissional. Mostrámos também os documentos do Caixa, de Março, cujos recibos [eram] superiores a 200$00, também selados e informámos que dos demais meses seguiram para Setúbal e d’aí para a nossa Sede em França. Com satisfação informamos que tudo estava dentro na legalidade, na forma habitual.» 58
«Fiscalização de Finanças – Esteve neste escritório uma inspecção que tomou conhecimento dos nossos documentos de Caixa, relativos a Março findo, encontrando um recibo não selado, de valor superior a Esc. 200$00, a falta de selos cortados e outros sem data. Embora a nossa documentação se destine a Nantes, convém manter a documentação segundo o que se encontra legislado.» 59
«Com destino ao Instituto Nacional de Estatística, referente ao ano de 1962, vimos enviar incluso a Vas. Sas. o documentos seguintes: Nota de Consumo, Verbete de Pessoal, Força Motriz Instalada, Máquinas Operatórias. No primeiro impresso está por preencher a coluna “Valores” no que se refere ao vasio comprado.» 60
57 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 12-03-63
58 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 20-03-63
59 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 10-04-63
60 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 19-02-63
Os documentos referentes à remessa de mercadoria (boletim de registo de exportação, detalhe de exportação) eram enviados por Portimão para Setúbal e Setúbal enviava os Boletins de Registo de Lote para serem entregues ao Instituto Português de Conservas de Peixe (IPCP) em Portimão:
«Junto remetemos a V.Sas. o Boletim de Registo de Lote No 168, relativo a 100 caixas de 1/4 Club 30 mm. sardinhas Robert, embarcadas para Israel, afim de ser apresentado na Delegação do IPCP, dessa cidade, terminando assim o compromisso assumido.» 61
Os documentos que Portimão mais frequentemente enviava eram os seguintes: folha diária, verbete de pessoal (mensal), facturas, folhas de pagamento (semanal), stocks de cheio (semanal), cartas (ex: H&T Walker Ltd. de Londres, FAP, Sociedade Comercial Cotandre), recapitulação de entradas (mensal), stocks dos azeites (mensal), stocks do cheio (mensal), stocks do vasio (mensal), movimento do cheio (mensal), extracto do Caixa (mensal), documentos comprovativos/ do Caixa (mensal), recapitulação dos pagamentos e descontos (mensal), recapitulação das exportações (mensal), stocks de boites pleines, recapitulação de salários, ordenados e descontos (mensal), movimento de conservas, entrada de diversos, saídas de diversos, inventaire des enveloppages papier et étiquettes, verbete de sociedade.
2.5. Recursos humanos
Através da correspondência não se consegue perceber totalmente como se processava a gestão dos recursos humanos. Pressupõe-se que cada fábrica era responsável pela contratação e gestão do seu pessoal. Os salários dos trabalhadores eram propostos pela fábrica de Setúbal requerendo a aprovação da sede em Nantes. Quanto a gratificações e bónus, era a sede de Nantes quem decidia.
61 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 4-01-63
«Comprador – todos ganham mais de 1.000$00 e nós para não perdermos o nosso, já o ano passado lhe fomos pagando particularmente esta verba, que desejamos oficializar logo após o início das compras, pelo que solicitamos o acordo que achamos útil.» 62
«Entrennes du Personnel – Monsieur Raynaud, actuellement à Paris, nous demande de vous donner son accord pour la reconduction pure et simple des gratifications de l’année derniére» 63
«Pouvez-vous également nous adresser le détail de votre prix de revient concernant plus particulièrement la main d’oeuvre que nous ne pouvons pas déterminer.» 64
Por outro lado, tal como em relação a tudo, a fábrica de Portimão relatava à fábrica de Setúbal as decisões tomadas sobre este assunto e dava algumas informações.
«Adiamos as férias do pessoal devido a este embarque mas, não obstante, efectuaremos no próximo Sábado o pagamento das Férias a todo o pessoal, que as gozará logo que possível.» 65
«Da nossa sede acabamos de receber um pedido para passarmos a ventilar o pagamento da Mão de Obra em quatro contas principais (…) É necessário que V.Sas. no fim de cada mês nos enviem um dos modelos inclusos, devidamente preenchidos. Para os salários de 1 de Janeiro a 29 de Agosto de 1963, rogamos o favor de nos enviarem, o mais rapidamente possível, um quadro para cada mês, com as colunas devidamente preenchidas. Este pedido é-nos formulado em virtude da Administração desejar seguir atentamente a marcha das fábricas portuguesas, através dum cálculo nacional de preços de custo (prix de Revicat).» 66
«Pessoal – o pessoal feminino é um problema muito sério, pois as mulheres são poucas e quase todas em declinío e por mais que queiramos não podemos fazer melhor. Todas gostam de trabalhar aqui mas as mais novas safam-se para fábricas onde no inverno trabalham o biqueirão (e praticamente são todas), não se sujeitando a viver durante o inverno com um triste dia de subsídio.» 67
62 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 09-04-63
63 MTMG-AS, Cx 1, NTS-STB 16-12-63
64 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 20-11-63
65 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 08-02-63
66 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 25-09-63
67 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 14-10-63
2.6. Qualidade
Como foi referido no capítulo 1, a Saupiquet pretendia fabricar produtos de grande qualidade. Através da correspondência não é claro como era feito o controlo da qualidade da produção. Provavelmente cabia a cada fábrica fazê-lo.
No entanto, em Fevereiro de 1963 a Saupiquet recebeu uma reclamação de um cliente, do Sr. Jurriaanse, dizendo que as sardinhas, originárias de Portugal, sabiam mal. A sede em Nantes enviou de imediato uma cópia da reclamação à fábrica de Setúbal a pedir esclarecimentos. A fábrica de Setúbal respondeu dizendo que foram verificar as conservas do lote em questão e que a qualidade era irrepreensível. A sede, alarmada, pediu amostras à fábrica de Setúbal.
«Cette affaire est très important pour l’avenir de la marque Saupiquet em Hollande que nous avions déjà eu des difficultés à placer pour les Vinet et il serait vraiment désastreux que les observations de Jurriaanse soient, même en partie, fondées.» 68
Neste ano, houve um problema na qualidade do azeite que foi utilizado nas conservas produzidas em Portimão, fornecido pela empresa SICA. A Saupiquet não foi a única empresa prejudicada. O assunto envolveu mesmo a fiscalização estatal.
«Veio a fiscalização que desselou o lote, retirou 6 latas e só muito depois nos foi dito que em face do inquérito a que estão procedendo devido aos azeites, não poderiam sair as 100 caixas do azeite SICA, que voltaram novamente a ser seladas, sendo imediatamente substituídas por fabricação feita com azeite da Sociedade Fabril.» 69
«Azeite – Certamente Vsas estão ao corrente do que se passou no último Conselho Geral. Foi dito pelo presidente do nosso Grémio ser de toda a vantagem serem declaradas todas as existências de conservas, ao Grémio ou ao IPCP fabricadas com os tais azeites duvidosos.» 70
68 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 04-02-63
69 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 04-05-63
70 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 09-04-63
É possível que a reclamação do Sr. Jurriaanse estivesse ligada ao processo SICA pois na carta de 30 de Dezembro a fábrica de Portimão informou a sede em França que tinha falado com o Sr. Jurriaanse a propósito da qualidade do azeite:
«Diverses lettres ont été échangées entre nous au sujet de l’huile d’olive, toujours évitant une collison avec M. Jurriaanse. Finalmente M. Jurriaanse nous a demandé notre accord pour discuter directement avec l’Institut Portugais de Conserves de Poisson, ce qui nous avons fait volontiers.» 71
Além desta reclamação houve outro alerta de falta de qualidade:
Gerde Newman – New Orleans «Les échantillons de sardines Tomate en Vinet … La qualité étant insuffisant (…) Il semble que les Messieurs feraient, de toute façon, très peu de tomate mais souhaiteraient exactement la qualité que vous leur donnez en Gillet.» 72
2.7. Tecnologia, equipamento e infra-estruturas
Embora houvesse uma gestão local das fábricas, a gestão geral era feita na sede em Nantes. Assim, era a sede quem decidia qual a tecnologia a utilizar e a comprar. Porém, e como o ano de 1963 foi um ano de mudanças devido à fusão das empresas Saupiquet e Delory, a fábrica de Setúbal pôde distribuir a tecnologia e o material existente nas três fábricas como melhor conviesse, principalmente depois da decisão de fechar a fábrica da Rua da Rasca.
«Caisses Bois – Caisses Carton – Nous pourrons demander à notre fournisseur la substitution des caisses que vous voudrez. Une caisse bois coût Esc. 5$00 et une caisse carton Esc. 4$50. Nous rembourserons $50.» 73
71 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 30-12-63
72 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 08-02-63
73 MTMG-AS, Cx 3, STB-NTS 01-03-63
«Não podemos estudar o assunto do cozedouro enquanto não formos autorizados pela Sede a transferir a actividade em Setúbal para a antiga fábrica Delory, o que esperamos se verifique de um momento para o outro.» 74
«Cozedouro – Esperamos dentro em pouco podermos enviar-lhes um cozedouro. Possivelmente estará em mau estado, como, de resto, todo o material que pertencia a Delory.» 75
«Máquina para fabricação de chaves – Tomamos boa nota e proporemos oportunamente o assunto à Sede.» 76
Por seu lado, a fábrica de Portimão quase que tinha de pedir autorização à fábrica de Setúbal para fazer obras e reparações e o equipamento era enviado pela fábrica de Setúbal. Embora na correspondência houvesse referências frequentes à necessidade de comprar equipamento novo, é notório que a sede em França ou não dava o dinheiro que pudesse permitir essas compras ou não as autorizava.
«Draps à copier – Em 12 de Janeiro de 1962 mandámos para aí a título de amostra uma toalha, pedindo o envio de 24 iguais, cujo fornecedor foi: Broches des Combes, Villeneuve-les-Avignon, France, pedido que confirmamos.
Sirene – Para economia de lenha, esperamos que Vas. Sas. nos forneçam antes do inicío da temporada, uma forte Sirene.» 77
«Carrões: – Conforme aqui pessoalmente combinámos com Vas. Sas. e os nossos Directores, achamos util modificar o velho sistema de condução por via Décauville, aliás já demasiadamente gasta e, assim, estamos modificando as rodas e encomendámos uma dúzia de novas e tudo o que é necessário de modo a podermos transportar o peixe para o cozedouro e levá-lo depois para onde for necessário, com supressão das pesadas padiolas, transportadas a braço dos operários.
Para tudo isto, que requer muito tempo, contratámos um ferreiro- serralheiro, a 37$00 diários, para auxiliar o nosso mecânico Esmeraldo, cujo trabalho nas peças das cravadeiras está de facto demorado. A este homem pagaremos pelo Caixa, evitando-se mais despesas com os impostos normais.
74 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 09-02-63
75 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 12-03-63
76 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 11-02-63
77 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 11-02-63
Temos apenas 6 carrões e se Vas. Sas. podessem dispôr de outros tantos da fábrica Delory, com as respectivas chapas, agradecíamos o seu envio, assim como as prometidas cravadeiras e um cofre, sendo possível, de modo a melhoramos as condições de trabalho, simplificando-o e tornando-o mais económico.» 78
Em relação a material para produção e de escritório, era também a fábrica de Setúbal quem fornecia a fábrica de Portimão. Algum desse material, como por exemplo azeite e caixas, era comprado em Portugal mas havia material, como os formulários e carimbos, que era fornecido pela sede em Nantes. O desenho das embalagens era decidido pela sede em Nantes, embora pedisse opinião à fábrica de Setúbal.
«Vamos dar instruções à Sociedade Mecânica Setubalense, Lda. Para vos enviar mais algum vazio da marca “Robert”, com fundos já marcados com o “3”.» 79
«Impressos – No caso que não recebamos até à próxima 2a feira os impressos com o movimento Mensal das Conservas, terão Vas. Sas. que se contentarem com um semelhante que improvisaremos.» 80
«Recebemos os envelopes; igualmente os carimbos, o que agradecemos» 81
«Folhas de Férias – Para efeitos de contabilidade de Nantes, é necessário que as folhas de férias indiquem a que género de trabalhos se destinaram os salários pagos (…) Nestas condições, agradecemos que nos indiquem, para classificarmos, a que se destinaram os salários pagos em Fevereiro e Março (por semana).» 82
«Nous les avons examinés et, si la présentation des Robert nous satisfait (…) la présentation des Saupiquet n’est pas correcte. (…) Nous vous remettons sous ce pli photographie exacte du graphisme.» 83
78 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 29-01-63
79 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 18-05-63
80 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 01-03-63
81 MTMG-AS, Cx 2, PTM-STB 01-03-63
82 MTMG-AS, Cx 2, STB-PTM 10-04-63
83 MTMG-AS, Cx 3, NTS-STB 13-05-63
Capítulo 3
A SAUPIQUET NOS ANOS 70 E 80: AS MUDANÇAS VISÍVEIS A PARTIR DE SETÚBAL
Nas décadas seguintes o meio de comunicação privilegiado continuou a ser a correspondência postal, dactilografada, complementada pelo telefone e pelo telegrama. A partir dos anos 80 começou também a ser utilizado o telex, ainda que ocasionalmente.
Os procedimentos na comunicação entre as duas fábricas portuguesas mantiveram-se praticamente inalterados. Ambos os gerentes das fábricas eram os detentores de toda a informação relacionada com a gestão da fábrica. Eram eles que recebiam a informação, quer do exterior quer do interior, e que tomavam e executavam as decisões. A diferença é que o gerente da fábrica de Portimão mantinha um nível de decisão menos autónomo. Muitas decisões, principalmente as relacionadas com produção, tecnologia, equipamentos e material, continuaram a depender da supervisão de Setúbal. O gerente da fábrica de Portimão apenas tomava as decisões diárias relativas à organização do trabalho e ao embarque das mercadorias, decisões que eram reportadas à fábrica de Setúbal.
Por seu lado, a fábrica de Setúbal, para além desta relação de supervisão que tinha em relação a Portimão, tinha uma relação de subordinação em relação à sede em Nantes. A fábrica de Setúbal tinha autonomia para decidir questões locais e puramente operacionais. Toda a estratégia e as opções não operacionais eram definidas pela sede em França. Porém, o gerente da fábrica de Setúbal era motivado a dar as suas opiniões. Além disso, era visto como uma fonte de informação estratégica pois possuía uma visão priviligiada do mercado português e das ligações dos concorrentes face ao mercado externo.
A informação foi sempre muito importante para a Saupiquet e a empresa esteve constantemente atenta a novos concorrentes, novas marcas, nova legislação, novas oportunidades de negócio. Igualmente importante eram os documentos de controlo como os de stoks e da contabilidade, bem como as estatísticas e os relatórios de pesca. Ou seja, a sede acompanhava de perto a situação das suas fábricas, colectando permanentemente dados internos e externos.
3.1. Reestruturação da empresa e do sector
Como foi dito no capítulo 1, Marcel Raynaud, Director-Geral da Saupiquet em 1963, assumiu a presidência da empresa em 1969 e decidiu reestruturar a empresa. Em 1975, o Presidente enviou uma carta a informar os quadros (os gerentes das fábricas e os presidentes das empresas do grupo Saupiquet 84) sobre os novos departamentos autónomos e respectivos directores: Sector de Finanças, Sector de Recursos Humanos, Divisão respeitando a actividade de peixe e Divisão respeitando a actividade de legumes e pratos 85. A departamentalização foi o primeiro passo para a descentralização das responsabilidades e a criação de uma hierarquia de gestão.
84 Ver nota 14 da p. 39.
85 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 24-01-75
Essa transformação alterou o sistema de informação, nomeadamente a comunicação entre Nantes e Setúbal. A partir dos dados analisados, conclui-se que Marcel Raynaud optou por continuar a correponder-se directamente com o gerente da fábrica de Setúbal, mantendo a relação de proximidade e amizade construída nos anos anteriores. O conteúdo dessa correspondência relacionava-se maioritariamente com informação estratégica, incluindo, por exemplo, informação sobre o estado das capturas:
«Campagne de Peche – Ici em France la pêche est très, très mauvaise. Il semble d’autre part que les négociations CEE/ Portugal soient sur la point d’aboutir, mais tant que rien n’est officiel nous ne pouvons naturellement pas faire de projects à long term.» 86
A correspondência postal entre Marcel Raynaud e João da Silva servia também para estudar possibilidades de novos negócios. Por exemplo, em 1972 colocou- se a hipótese de abrir uma fábrica em Angola («nous étudions – avec prudence – la possibilité d’une base en Angola» 87) e de fazer um contrato para fornecimento de conservas com os supermercados Pão-de-Açúcar («Super- Marchés Pão de Açúcar – Aprés plusieurs péripéties, il me semble que nos produits vont franchir les portes de cette entreprise.» 88). Nas cartas analisadas não estão explícitos os pormenores destes negócios.
Mlle Burlot continuou a corresponder-se com o gerente da fábrica de Setúbal mas já inserida da Direcção de Vendas da empresa e com uma comunicação mais focada nas mercadorias. Por exemplo, numa carta de 18 de Setembro de 1973 ela apresentou a situação comparativa de 73 e 72 em termos de vendas e preços em Portugal, por marcas 89.
Pierre Graciet, Director Geral de Divisão respeitando a actividade de peixe, passou a ter as funções que tinham sido de Mlle Lamotte em 1963. Porém, enquanto Mlle Lamotte apenas se limitava a enviar os documentos necessários, Pierre Graciet era também responsável por outras decisões como a aprovação dos salários dos trabalhadores da fábrica de Setúbal. É ainda de referir que a Divisão respeitando a actividade de peixe se encontrava situada em Paris.
86 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 10-07-72
87 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 15-09-72
88 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 21-09-72
89 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 18-09-73
«J’ai bien noté les réajustements de salaire de vos collaborateurs.» 90
«Vente des Anchois en France – (…) nous n’avons pas encore décidé definitivement si nous le lancerons sous la marque GRACIET ou sous la marque SAUPIQUET, et nous préférerions donc commencer à travailler sous une autre marque, ce qui nous permettrait ultérieurement d’opter pour GRACIET ou pour SAUPIQUET, sans avoir l’air vis-à-vis de la distribuition, de changer notre fusil d’épaule.»91
Em 1963 a informação era frequentemente individualizada, isto é, era dirigida a cada um dos quadros da empresa consoante lhe interessava ou não especificamente. No início dos anos 70, Marcel Raynaud introduziu o hábito de enviar informação geral para todos os quadros promovendo a partilha da informação entre os seus quadros, através de comunicados e relatórios, sobre o que se passava na empresa, quais os resultados obtidos e quais as estratégias a adoptar. O objectivo era dar a conhecer à generalidade dos quadros dirigentes as actividades do grupo, mesmo quando essas actividades não influenciavam directamente as unidades que geriam.
«La Presse va diffuser une information dont je souhaite que vous ayez la primer [sic], ne serait que pour vous permettre de faire de part du vrai et ce que certains peut-être se croiront autorisés à interprêter.
Les Sociétéss Generale Alimentaire et Olinda Caby Associés, qui en 1966 avaient pris une participation minoritaire (10% chacun) dans le capital de notre Société ont decidé, en raison d’investissements prioritaires propres à leur activité principale, de céder leurs participants. (…)
Je suis en ce qui me concerne pleinement satisfait de la façon dont s’est réglée cette mutation dans le capital de la Société, qui correspond à une nouvelle phase de dévelopment de l’entreprise.» 92
Além disso, a partilha não era unidireccional. Instalara-se também a prática de conhecer a opinião dos quadros. Instituiu-se mesmo uma reunião anual entre todos os quadros para discutir a situação do Grupo tendo em conta todas as particularidades das diferentes empresas que o compunham.
90 MTMG-AS, Cx 6, Paris-STB 1977
91 MTMG-AS, Cx 6, Paris-STB 01-07-77
92 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 31-01-73
«La réunion annuelle des Cadres aura lieu le Lundi 28 Mai 1973, comme l’année derniére, au Parc de la Beujoire (Parc des Expositions), à Nantes.» 93
Estas reuniões anuais tinham a duração de um dia inteiro. Havia uma parte geral, dirigida a todos os quadros, e uma componente temática que se desenvolvia pela constituição de grupos de trabalho. Os critérios de constituição de cada grupo e respectivo tema eram definidos pela sede. O objectivo destes grupos de trabalho era aprofundar um aspecto específico da futura estratégia da empresa. Portugal era representado pelo gerente da fábrica de Setúbal 94.
Estas reuniões não só serviam para delinear caminhos de acção de todo o Grupo como também permitiam convívio e aproximação entre os quadros. Até então, a mobilidade consistia apenas em visitas de pessoas da sede às diferentes fábricas e dos quadros à sede.
No início dos anos 70, a indústria conserveira portuguesa encontrava-se em crise e estava em marcha uma nova reestruturação com vista ao redimensionamento do sector, promovendo-se o encerramento de fábricas mediante compensações estatais. A propósito deste assunto, João da Silva enviou vários documentos, incluindo legislação, a informar Marcel Raynaud sobre o curso dos acontecimentos. Um desses documentos, de Agosto de 1971, foi a tradução de uma circular do IPCP com a listagem das fábricas fechadas e respectiva compensação 95 (não foi encontrada uma cópia desta listagem no arquivo).
Meses depois, em Fevereiro de 1972, remeteu ao presidente da Saupiquet a tradução da análise da situação da indústria de conservas de peixe feita pelo IPCP, onde se apresentavam as causas dessa crise e as possíveis soluções.
93 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 28-05-73
94 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 21-05-73
95 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 10-08-71
Segundo este documento, a crise da indústria conserveira portuguesa derivava do aumento do preço de venda dos produtos portugueses, dos elevados direitos de importação da CEE, da quebra nas capturas de peixe, da contaminação com mercúrio do atum capturado e o boicote por parte dos países africanos e dos países de leste. As soluções apontadas incluíam a permissão do acesso às mesmas matérias-primas que a concorrência, autorizar embarcações com arcas frigoríficas, fixar um preço fixo mínimo para as conservas de sardinhas na CEE, assinar um acordo de associação com o Mercado Comum e melhorar as condições tecnológicas de fabrico. 96
Cerca de um mês após o envio desta análise, Marcel Raynaud colocou a hipótese de fechar uma das fábricas em Portugal para rentabilizar recursos 97. O gerente de Setúbal, João da Silva, propôs que fosse encerrada a unidade de Portimão, aproveitando as indeminizações facultadas pela 2a fase da reestruturação da indústria conserveira nacional 98. O debate sobre esta questão foi decorrendo pelos meses seguintes e a decisão foi sendo adiada: «Compte tenu de la sortie de toute l’équipe du Ministère de l’Economie, Monsieur Paulino Pereira m’a dit qu’une lettre lui demandant quoi que ce soit pour la fermeture de l’usine de Portimão est maintenant inutile.» 99
Porém, o gerente da fábrica de Setúbal não desistiu, e em Março de 1973 enviou uma carta a justificar o encerramento da fábrica de Portimão. Entre as razões expostas é referida a necessidade de recursos para efectuar obras de melhoramento na fábrica de Setúbal.
«L ’usine de Portimão, dont l’IPCP me relance à cause de son archaisme et le personnel n’est pas du tout facile, me donne beaucoup de soucis et je serais heureux de m’en débarrasser, mais la perspective de voir partir une trentaine de femmes m’inquiète sans pouvoir former un cadre de personnel à Setúbal nous permettant de répondre à une toujours possible augmentation de ventes en vertu de l’accord avec la CEE et de l’overture du marché d’Israel dont nous parle notre agent. Tout ce long verbiage pour vous dire que je suis vraiment dans une situation perplexe et qu’il faut que vous me poussez à prendre une décision.» 100
96 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 15-02-72 – ver anexo 1
97 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 29-03-72
98 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 16-06-72
99 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 02-09-72
A 10 de Maio de 1973 a fábrica de Setúbal enviou à sede em Nantes uma cópia e respectiva tradução do Decreto-Lei no 160/73 de 10 de Abril dos Ministérios das Finanças e da Economia sobre a reestruturação da indústria de conservas de peixe onde se descrevem os benefícios previstos: redução dos encargos fiscais e concessão de subsídios. 101
Entretanto, o acordo de associação entre a CEE e Portugal foi comentado através da correspondência:
«Marché Commun – Je vous prie de bien vouloir trouver ci-joint une circulaire de l’IPCP et tradution, concernant l’accord CEE Portugal.» 102
«Marché Commun – Ceci confirme donc ce que nous pensions. On ne voit pas encore très clair sur les répercussions, d’autant que les relations France – Maroc restent pratiquement inchangées et qu’un arragement semble intervenir pour, en contre-partie d’une autorisation de pêche des sardiniers-clippers français dans les eaux Marocaines, que le contingent marocain soit augmenté de 170.000 caisses environ. Les quantités vont évidemment peser sur le marché de la sardine qui n’est pas très brillant en France.» 103
Em 1974 o regime político mudou em Portugal. A correspondência entre 1974 e 1976 sugere que os anos revolucionários que se seguiram foram muito difícieis para a empresa Saupiquet. Foram extintos os organismos oficiais que regulavam a actividade da indústria conserveira de modo que não existia qualquer instituição para autorizar as exportações, não se faziam as estatísticas de peixe (necessárias à sede) e foram iniciadas várias reestruturações, incluindo na indústria conserveira. Assim, outras empresas do Grupo vieram em auxílio das fábricas de Setúbal e Portimão, nomeadamente os Estabelecimentos Marítimos Bascos em St. Jean-de-Luz, cujo Presidente Director Geral era Pierre Faure. 104
100 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 07-03-73
101 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 10-05-73
102 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 13-01-73
103 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 24-01-73
Em França, prosseguiram as reformas na empresa. A departamentalização foi acompanhada por mudanças e actualização nos procedimentos operacionais. Em 1976 a empresa percebeu a importância e a utilidade dos computadores e anunciou que a captação e o tratamento de informação deixaria de ser feito por uma entidade externa e que seria constituído um Departamento Informático autónomo dentro da empresa 105. Segundo o organigrama da Direcção Financeira e Contabilidade e Controlo de Gestão, enviado em Março de 1977, o Departamento Informático fazia parte da secção Controlo de Gestão 106, o que indica que a informatização começou apenas por ser a um nível operacional.
A reunião anual dos quadros de 1977, que passou a ser denominada Assembleia Geral Ordinária, centrou-se na análise dos novos meios e métodos de gestão já introduzidos na empresa mas ainda não adoptados de forma homogénea por todas as unidades do Grupo. A solução adoptada era a de uma organização conduzida pela regra da descentralização das responsabilidades, o que implicava que os objectivos passassem a ser fixados para cada unidade e os resultados controlados. Para o sucesso deste novo modelo de gestão fixaram-se três linhas de acção: desenvolver a informação a todos os níveis; adoptar um estilo de direcção associativa; e generalizar a prática da delegação. Estas eram as novas regras do jogo, que deveriam não apenas propocionar à empresa realizar com eficácia o seu plano de desenvolvimento mas também melhorar «la satisfaction et l’intérêt au travail de l’ensemble de notre personnel, demaintenir et de développer un espirit d’équipe et un climat de travail motivant.» 107
104 MTMG-AS, Cx 6, várias cartas
105 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 02-09-76 – ver anexo 2
106 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 20-09-76
Mais uma vez se constata o quanto a informação era considerada importante na Saupiquet. É também interessante verificar que o aumento da circulação da informação esteve associado à descentralização e delegação de responsabilidades.
Uma das medidas adoptadas, relacionadas com o aumento da circulação da informação, foi o envio a todos os quadros dos relatórios anuais da actividade do grupo, elaborados pelo Conselho de Administração resultantes das Assembleias Gerais Ordinárias, que eram realizadas por volta de Junho. No relatório de 1977 relatou-se a situação de Portugal, mostrando que a sua situação fora debatida na reunião de quadros desse ano:
«Enfin, pour la première fois depuis de très nombreuses années, nous enregistrons une double perte au titre de nos Établissements Portugais: En effect, ces derniers souffrent des conditions économiques chaotiques qui caractérisent ce pays depuis deux ans et qui ont rendu l’exploitation déficitaire; d’autre part, nous avons tenu compte de la dévoluation de l’escudo, ce qui déprécie l’expression en francs de notre avoir au Portugal.» 108
De facto, pela correspondência é perceptível que a situação das fábricas em Portugal não era muito boa:
«Monsieur Graciet m’a communiqué qu’un certain nombre de modifications sont intervenues dans notre Groupe et que le rattarchement de Saupiquet – Portugal n’est pas encore décidé. C’est porquoi vous avez pas de nouvelles de ce malheureux pays, comme vous savez.» 109
«Il est probable que j’irai en Afrique avant cette date, et j’envisage de faire escale au Portugal pour vous rencontrer et faire un point sur les différents problèmes: techniques de gestion, personnel, évolution des rémunérations du personnel Employé, Ouvrier et Encadrement?» 110
107 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 04-04-77 – ver anexo 3
108 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 16-06-77
109 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 02-02-79
Porém, com todas as modificações em progresso na sede em França, as decisões relativas a Portugal eram sistematicamente adiadas. Numa carta de Pierre Graciet, então Director Geral do Grupo Saupiquet, Divisão Peixe, o gestor afirmou que a estratégia para Portugal se mantinha: «Cela cependant ne doit pas entrainer la modification de notre stratégie au Portugal et il est important de continuer à pouvoir fabriquer des sardines et des anchois.» 111
Alguns meses mais tarde, após a insistência por parte da fábrica de Setúbal, Nantes enviou uma carta onde era clara a incapacidade de dar respostas concretas devido às grandes mudanças que estavam a ocorrer. Foi nomeado um novo Vice-Presidente-Director-Geral, Sylvain Wibaux, que introduziu bastantes alterações nas áreas industrial e administrativa de todo o Grupo. A adaptação a estas mudanças tornou difícil a resolução dos problemas portugueses. 112
Finalmente, em Janeiro de 1979, a fábrica de Setúbal foi finalmente esclarecida sobre o futuro da Saupiquet em Portugal. Tal como em 1963, a fábrica de Setúbal continuava a sua actividade em duas vertentes. A primeira era o envio de mercadorias para França, que em 1963 era tratada através da correspondência com Mlle Lamotte, uma secretária do Director-Geral, a partir de meados dos anos 70 com o Director da Divisão Peixe, Pierre Graciet, e mais tarde da responsabilidade do Director das Operações, Yves Audidier 113. A segunda vertente relacionava-se com o envio de mercadorias para outros países, que em 1963 era da responsabilidade operacional de Mlle Burlot, outra secretária do Director-Geral, e a partir de 1977 passou a ser da responsabilidade de Pierre Graciet, Director do Desenvolvimento.
110 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 24-04-81
111 MTMG-AS, Cx 6, Paris-STB 03-07-78
112 MTMG-AS, Cx 6, Paris-STB 16-10-78 – ver anexo 4
113 MTMG-AS, Cx 6, Paris-STB 09-01-79 – ver anexo 5
Como se pode verificar no organigrama no anexo 5, em 1979 a estrutura da empresa era bastante mais complexa e descentralizada que a de 1963. Na altura em que Henri Polo era Presidente, existia a figura do Director-Geral, Marcel Raynaud, que tinha várias secretárias, como por exemplo Mlle Lamotte e Mlle Burlot. Ao assumir a Presidência, Marcel Raynaud manteve-se como Director- Geral, ou seja, acumulou ambos os cargos. Em 1979, voltou a existir um gestor intermédio entre a Presidência e a parte mais operacional, o Vice-Presidente- Director-Geral, e as secretárias foram “substituídas” por departamentos.
De referir ainda a existência de dois novos departamentos e um novo eestabelecimento-departamento: o Laboratório Central, o Departamento de Desenvolvimento e a Saupiquet Armement. Os dois departamentos parecem ser claramente direccionados para a pequisa, controlo e desenvolvimento de novos produtos. A empresa Saupiquet Armement refere-se à frota de pesca da Saupiquet.
3.2. Consolidação de uma organização diversificada
Segundo Mintzberg (1989) existem sete tipos de organizações:
- a organização empreendedora, que se caracteriza pela sua estrutura simples, com pouca hierarquia e burocracia;
- a organização máquina, que é altamente hierarquizada e burocratizada;
- a organização diversificada, que tem duas componentes – a sede e as divisões que são empresas com autonomia operacional;
- a organização profissional, que se baseia nos conhecimentos dos profissionais que aí trabalham;
- a organização inovadora, que serve para desenvolver novos projectos e emprega profissionais altamente qualificados;
- a organização ideológica, que gere um sentimento de missão e lealdade;
- a organização política, que se guia pelas influências de poder informal.
De acordo com estas definições, pode dizer-se que as fábricas de Setúbal e Portimão, em 1963 e nos anos 70 e 80, funcionavam de acordo com a estrutura de uma organização máquina. Segundo Mintzberg (1989), nesta organização todos os procedimentos estão descritos de forma a reduzir ao máximo a incerteza e os conflitos. Cada departamento tem a sua tarefa muito bem definida e as tarefas são organizadas de forma bastante simples e rotineira. Os problemas são resolvidos pelo superior hierárquico e, se não for possível, vai-se subindo na hierarquia até ser resolvido como último recurso pelo director executivo. Existem muitos gestores intermédios cuja principal tarefa é o controlo das actividades que estão a seu cargo. A comunicação dentro da empresa é feita formalmente e respeitando as hierarquias.
Através da correspondência, é perceptível o enorme respeito pelas hierarquias que existe entre Portimão e Setúbal e entre Setúbal e Nantes. Os problemas de Portimão seguiam para Setúbal para serem resolvidos e os que Setúbal não conseguia resolver, eram apresentados a Nantes. Embora não sejam descritos nas cartas, nota-se que dentro de cada uma das fábricas o procedimento hierárquico é semelhante. Sendo unidades de produção, as tarefas estavam muito bem definidas e existiam supervisores para controlarem o trabalho em progresso.
Por seu lado, a sede da Saupiquet em Nantes, em 1963, tinha uma estrutura de organização empreendedora. Segundo Mintzberg (1989), neste tipo de organização a comunicação é feita de forma mais informal e normalmente reporta-se ao director executivo, os procedimentos são pouco formais e a informação que é transmitida às outras pessoas é bastante reduzida e tem um carácter mais operacional. Além disso, o director executivo tem um conhecimento vasto do meio onde a organização se move, de modo que a estratégia e as decisões são feitas de forma intuitiva.
De facto, o director executivo, Marcel Raynaud, Director-Geral da empresa, tinha várias secretárias que o apoiavam na gestão. Pressupõe-se que a comunicação entre o Director-Geral e as secretárias fosse informal. A comunicação com a fábrica de Setúbal era personalizada mas altamente operacional. Apenas era transmitida a informação necessária para o funcionamento das fábricas e segundo as directrizes da sede. Através da correspondência, é perceptível que Marcel Raynaud tinha bastantes conhecimentos sobre a indústria conserveira no seu todo e que tinha capacidade de decidir de forma instantânea.
Durante os anos 70, a sede em Nantes transformou-se numa organização diversificada. Segundo Mintzberg (1989), nesta organização é a sede quem controla tudo o que se passa nas divisões: estabelece os objectivos de cada divisão, controla os resultados obtidos, define a estratégia global, decide quais as divisões a investir e quais a fechar. Como tem uma visão de conjunto, tem a facilidade de mobilizar fundos de uma divisão para a outra consoante os lucros e as perdas de cada uma. Por outro lado, cabe à sede criar e gerir departamentos que sejam comuns a todas as divisões. Assim, com todo este controlo, as divisões acabam por funcionar como organizações máquinas, ou seja, criam rotinas de forma a cumprir os objectivos traçados pela sede.
Esta estrutura está bem patente no documento do anexo 3, o documento onde se apresenta a estratégia futura da empresa, delineado pela sede, quando se diz que os objectivos serão fixados a cada divisão e os seus resultados controlados.
Esta forma de organização é também notória quando em 1974 as fábricas portuguesas estavam a passar dificuldades e foi decidido que seriam os Estabelecimentos Marítimos Bascos St. Jean-de-Luz que iriam apoiar essas unidades. Por fim, refira-se que os novos sectores e departamentos criados neste período são unidades de controlo a todas as fábricas e empresas do Grupo.
A partir de 1980, Sylvain Wibaux consolidou as mudanças efectuadas por Marcel Raynaud. A partilha da informação foi sendo institucionalizada, formalizando cada vez mais a comunicação. Praticamente deixaram de existir cartas pessoais entre a sede e a fábrica de Setúbal. Por outro lado, o novo Presidente intensificou o envio de informação sobre as actividades do Grupo e as decisões estratégicas para todos os quadros.
«Nous nous proposons dons de créer six centres de distribution répartis à travers la France en fonction de l’implementation de la clientèle. Ces centres seraient livrés par rail, et permettraient une rédution importante de nos frais de transport.» 114
«A la suite du Conseil d’Administration qui arrête les comptes de l’exercise, qui s’est tenu le mecredi 20 Avril 1983, vous trouverez ci- joint, le texte du communiqué financier qui sera diffusé dans la presse cette semaine.» 115
«A la suite du départ de Bernand Polo, Paul Antonietti a pris, à compter du 1er Janvier, la Direction des Achats de thon du Groupe.»116
Em Março de 1983 Pierre Graciet sai da Saupiquet. Tal como era hábito, Sylvain Wibaux enviou um comunicado com essa informação:
«Au cours de sa carrière chez Saupiquet, et notamment pendant les cinq années où a assuré la Direction de la Division Poissons, Pierre Graciet a apporté une contribution déterminante au développement de l’Entreprise.» 117
114 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 04-01-80
115 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 21-04-83
116 MTMG-AS, Cx 6, NTS-STB 10-01-84
Pierre Graciet enviou em Maio uma carta de despedida a todos os quadros. Nessa carta, Pierre Graciet descreve sucintamente o seu percurso no Grupo Saupiquet que teve início numa das empresas do Grupo e teve fim na administração da sede social. Refere algumas das particularidades do negócio e reconhece que fazia parte da geração antiga da empresa e que novos tempos começavam, daí as divergências com a nova presidência que originaram a sua saída. 118
Com a saída de Pierre Graciet, o elo de ligação priviligiado entre as fábricas de Portugal e a sede em França passou a ser apenas Yves Audidier. É com ele que a fábrica de Setúbal trata de assuntos como a produção, os balanços anuais, a tecnologia, os salários e os relatórios de pesca:
«Depuis quelques temps je cherche une machine à laver les boîtes et une chaudière d’occasion pour l’usine de Portimão, dont je vous ai demandé accord.» 119
Em 1987, João da Silva demitiu-se, numa carta dirigida a Jean-François Bauer, Presidente da Saupiquet desde 1985. Nessa carta, o gerente a fábrica de Setúbal enumerou as razões que o fizeram tomar essa atitude mas essencialmente o grande problema era que a fábrica era “pobre” em equipamento e não havia investimento por parte de França. No ano seguinte, ambas as fábricas em Portugal fecharam definitivamente. 120
117 MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 31-03-83
118 MTMG-AS, Cx 6, Paris-STB 02-05-83 – ver anexo 6
119 MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 19-10-83
120 MTMG-AS, Cx 6, STB-NTS 08-04-87 – ver anexo 7
CONCLUSÃO
Durante os seus 123 anos de existência como empresa independente, a Saupiquet passou por quatro fases. A primeira fase consistiu no arranque e na primeira expansão, com carácter regional. A empresa francesa começou por ser uma empresa familiar mas logo nesta fase foi transformada numa sociedade anónima. A segunda fase consistiu na segunda expansão que se caracterizou pela diversificação de produtos, pela modernização das fábricas existentes e pela abertura de novas fábricas, incluindo fora de França, dando assim início à sua internacionalização.
A terceira fase caracterizou-se pela transformação da empresa num Grupo e pelo reforço da internacionalização com a aquisição de novas empresas. Após a 2a Guerra Mundial, a indústria conserveira francesa encontrava-se em grandes dificuldades e o governo francês, para fomentar a reestruturação da indústria, criou incentivos à concentração das fábricas de conservas. Esta foi uma das linhas estratégicas adoptadas pela Saupiquet que, através de várias aquisições em Nantes, constituiu um grande Grupo que se tornaria rapidamente líder de mercado das conservas de peixe e legumes. Por fim, a quarta fase consistiu na absorção do Grupo Saupiquet pelo Grupo Bolton.
Uma das empresas absorvidas pela Saupiquet durante a sua terceira fase foi a Delory. A Delory já tinha apostado na internacionalização, por exemplo, abrindo fábricas em Portugal. Em 1961, quando da junção das duas empresas, a Delory tinha duas fábricas em Portugal (Setúbal e Portimão) e a Saupiquet tinha apenas uma em Setúbal. Uma das fábricas em Setúbal fechou e a que ficou em funcionamento ficou como uma espécie de sede portuguesa. No entanto, esta “sede nacional” tinha uma autonomia muito limitada e em rigor dependia da sede francesa, como se fosse uma fábrica francesa. Por outro lado, a fábrica de Portimão dependia da fábrica de Setúbal e não comunicava com a sede francesa. Ou seja, a Saupiquet em Portugal, embora teoricamente fosse considerada uma filial, na prática era uma dependência multi-estabelecimento.
Esta foi notoriamente uma importante opção estratégica da Saupiquet para se adaptar às mudanças em curso nos mercados da Europa Ocidental. Em 1960 constituiu-se a EFTA e, três anos antes, havia sido criada a CEE. Enquanto a França fazia parte da CEE, Portugal fazia parte da EFTA. Dois dos principais países para onde a Saupiquet exportava pertenciam à CEE (Países Baixos e Bélgica) e outros dois faziam parte da EFTA (Reino Unido e Suiça). Assim, sendo parte da CEE e tendo fábricas num país da EFTA, a Saupiquet podia benefiar das vantagens de ambas as organizações.
Tal como foi mencionado, na perspectiva da sede da Saupiquet, as duas fábricas portuguesas constituíam uma unidade multi-estabelcimento de autonomia limitada. O sistema de informação interno, visto a partir da fábrica de Setúbal, tinha duas componentes. Uma delas era nacional e estava relacionada com a comunicação entre a fábrica de Setúbal e a fábrica de Potimão. A informação trocada referia-se exclusivamente a questões operacionais. A outra componente era internacional e estava relacionada com a comunicação entre a fábrica de Setúbal e a sede em Nantes. A informação transmitida tinha duas vertentes: a referente aos procedimentos operacionais e a informação estratégica.
As decisões locais tinham uma dimensão operacional, mas eram controladas pela sede. Tudo tinha de ser reportado à sede. Por exemplo, como se verificou no capítulo 2, todo o processo do envio de mercadorias era minunciosamente descrito por correspondência. Quando era necessário modificar as instruções previamente fornecidas, era a sede que tomava a última decisão.
Além disso, era enviada toda a documentação interna à sede. Ou seja, embora as fábricas tivessem que seguir a regulamentação portuguesa, as regras internas eram as francesas. A sede também fazia o controlo dos stocks, da produção, dos recursos humanos e da qualidade, elementos que eram geridos localmente. Se algo não batia certo, eram pedidos esclarecimentos. Toda esta informação servia para acompanhar o desempenho das fábricas e tomar decisões quanto ao seu futuro, como, por exemplo, em relação aos investimentos a nível de tecnologia, equipamento e infra-estruturas.
A vertente da informação estratégica tinha várias dimensões. Uma delas era o pescado. Através da correspondência discutia-se a quantidade, o preço, a qualidade e mesmo o tipo de peixe a comprar. Era frequente circularem relatórios de pesca onde se descrevia as condições atmosféricas, o volume de captura e o que se passava nas lotas.
Outra das dimensões era a informação sobre os concorrentes e as oportunidades de negócio. Era frequente a sede pedir informação sobre marcas ou mesmo empresas que ainda desconhecia. Também perguntava quais os preços praticados pelas outras empresas portuguesas, quando exportavam, para onde e como. A fábrica de Setúbal enviava igualmente informação sobre novas oportunidades de negócio para serem analisadas pela sede. Conclui-se que estas informações eram comparadas com outras que seriam recolhidas pela sede através das outras fábricas.
Essencial era o envio de legislação e regulamentação portuguesa, assim como toda a informação sobre a situação política e social do país. Esta informação foi especialmente requerida no início dos anos 70.
Nesta altura, a CEE consolidava-se. De tal forma que dois dos países fundadores da EFTA aderiram à CEE e os restantes países fizeram acordos de associação. Assim, criou-se um espaço privilegiado de trocas comerciais entre os países de ambas as associações. Apesar do seu regime político, Portugal também assinou um acordo de associação com a CEE. Em parte decorrente deste acordo, o governo português promoveu uma reestruturação da indústria conserveira, criando incentivos ao encerramento de fábricas. A Saupiquet considerou aproveitar os incentivos para reestruturar a componente portuguesa (através do encerramento da fábrica de Portimão) mas acabou por manter as duas unidades em funcionamento.
A prioridade tornou-se a reestruturação do Grupo, reforçando a departamentalização e a hierarquia de gestores profissionais. Em consequência, a Presidência ficou mais afastada da parte mais opercional e administrativa, promovendo a descentralização das responsabilidades. Por outro lado, a informação foi institucionalizada, ou seja, as decisões estratégicas e as mudanças no Grupo passaram a estar acessíveis a todos os gerentes das fábricas e presidentes das empresas. Simultaneamente, foi pedido aos gerentes e presidentes que opinassem e participassem mais nas decisões estratégicas. Para tornar isso operacional, promoveu-se uma reunião anual dos quadros. Destas reuniões, saíam relatórios sobre as actividades do Grupo e sobre os caminhos a seguir no futuro.
O gerente da fábrica de Setúbal participava nestas reuniões como representante das fábricas portuguesas. Porém, não chegou a ter mais responsabilidades delegadas. De facto, a reestruturação da Saupiquet nos anos 70 repercutiu-se apenas superficialmente em Portugal porque as fábricas nunca chegaram a ter autonomia. Por outro lado, quando Portugal pediu a adesão à CEE, a Saupiquet deixou de investir nestas fábricas numa clara opção de encerramento após a adesão.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
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MTMG-AS, Caixa 2: Janeiro 1963 a Dezembro 1963 – Fábrica de Portimão – Correspondência expedida para Setúbal
MTMG-AS, Caixa 3: Janeiro 1962 a Dezembro 1964 – Correspondência
MTMG-AS, Caixa 4: Janeiro de 1963 a Dezembro de 1967 – C.H. Haerten, S.A. – Correspondência
MTMG-AS, Caixa 5: Outubro de 1962 a Abril de 1977 – S.J. Jurriaanse – Navex – Correspondência
MTMG-AS, Caixa 6: Sede Social em França – Maio 1974 a Maio 1987 – Correspondência
MTMG-AS, Caixa 7: Maio 1972 a Dezembro 1981 – Situação Crítica da Indústria Conserveira
MTMG-AS, Caixa 8: Janeiro de 1970 a Novembro de 1985 – Correspondência Portugal / Diversas Empresas Estrangeiras
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ANEXOS
ANEXO 1 – MTMG-AS, Cx 8, STB-NTS 15-02-72
Carta dirigida a Marcel Raynaud de João da Silva
15 Fevereiro 1972
Anexo – “Analyse de l’Industrie de Conserves de Poisson” (tradução) do IPCP
«De son analyse on concluit que le Portugal laisse d’être le principal fournisseur de cet espace d’intégration économique, bien que soient sensibles les variations entre nos éléments statistiques, d’ailleurs corrects puisqu’ils furent faits sur les exportations effectivement réalisées, et ceux divulgués dans les publications du Marché Commun.
Compte tenu de ce que nous vous présentons, facilment on pourra comprendre que notre industrie de conserves de poisson marche à grands pas vers sa ruine économique, traînant après soi des problèmes soiaux très graves et de solution difficile, si rien n’est pas fait pour combatte la situation actuelle.
2. CAUSES (…)
2.1. Augmentation du prix de vente de nos produits, par suite de l’augmentation progressive du prix de revient. (…)
2.2. Élévés droits d’importation das la C.E.E. (…)
2.3. Pénurie accentuée de matière prémière-poisson (…)
2.4. L’ “Apparition” de mercure dans le thon et son incidence dans les exportations (…)
2.5. Boycottage des pays afro-asiatiques et du Rideau de Fer au placement dans ces marchés de nos conserves (…)
3. POSSIBLES SOLUTIONS (…)
3.1. Permettre l’accessibilité de l’industrie aux mêmes matières premières de la concurrence (…)
3.2. Autorisation pour l’industrie avoir sa flotte de bateaux congélateurs ou la création d’associations mixtes (…)
3.3. La fixation d’un prix minimum pour les conserves de sardine dans le C.E.E. (…)
3.4. Accord d’association avec la Marché Comum (…)
3.5. Amélioration des conditions technologiques de la fabrication (…)»
ANEXO 2 – MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 02-09-76
NOTE D’INFORMATION
A L’ATTENTION DES CADRES DU GROUPE SAUPIQUET
Object: EVOLUTION DU DEPARTMENT INFORMATIQUE
Vouz savez qu’actuellement, nous sous-traitons la saisie et le traitement des informations dans une société extérieure.
Depuis que cette décision a été prise, un certain nombre d’éléments, et plus particuliérement des évolutions techniques récents (à titre d’exemple: par rapport à 1973 et à coût égal, le matériel actuel est deux fois plus puissant), nous ont amené, aprés une étude approfundie, à prendre la décision d’installer dans nos locaux, un matériel de saisie et un ordinateur, afin d’avoir un Département Informatique autonome.
Cette installation se déroulera selon les modalités et le planning suivants:
– Démarrage du service de saisie vers mi-november 76, avec du matériel I.B.M. 3740
– Mise en place d’un ordinateur I.B.M. 370-115 prévue en Juin/Juillet 1977.
Nous espérons que cette décision permettra certaines contraintes actuelles recontrées dans la solution de sous-traitance, et de faire face au développment des besoins en informations de notre Groupe.
M. RAYNAUD
Nantes, le 2 Septembre 1976
ANEXO 3 – MTMG-AS, Cx 8, NTS-STB 04-04-77
De : M. Raynaud (Président Directeur Général)
«(…) Une de nos préoccupations majeures actuelles, le but de l’entreprise et ses objectifs ayant été précisés, est de définir avec quels moyens et quelles méthodes de gestion et de travail nous pourrons efficacement réaliser notre plan de développement.
(…) La conserve est un secteur d’activité où les marges sont faibles, et la rigueur en matiére de gestion doit être une des régles fondamentales à respecter, faute de quoi SAUPIQUET n’aurait rapidement plus les moyens de ses ambitions.
D’autre côté, un de nos objectifs fondamentaux reste de souci d’amélioner la satisfaction et l’intérêt au travail de l’ensemble de notre personnel, de maintenir et de développer un espirit d’équipe et un climat de travail motivant.
Pour atteindre ces buts, notre organization doit avoir pour règle la descentralisation des responsabilités.
Cela implique:
– que des objectifs soient fixés à chancun; – que les résultats soient contrôlés.
Ce type d’organisation basée sur la décentralisation, ne put se conevoir que dans un cadre approprié, et nécessite:
– le développement de l’information à tous les nivaux, – l’adoption d’un style de direction associative,
– la généralisation de la pratique de la délégation.
Tout ceci est la responsabilité de l’ensemble de l’encadrement.
Certaines cellules de l’entrerpise ont déjà adopté en tout ou partie ces règles et principes de fonctionnement.
Mais la situation n’est pas homogène partout; or, plus que jamais la cohésion à tous les niveaux est nécessaire.
Au cours de la réunion du 28, nous avons à nous assurer que l’ensemble des Cadres a perçu clairement les régles du jeu, et les objectifs à atteindre pour pouvoir apporter ensuite sa contribuition à l’élaboration d’un programme d’actions dont nous souhaitons la mise en oeuvre le plus rapidement possible.
Quelques jours avant la réunion, vous recevrez comme l’an dernier l’ensemble des documents concernant le détail de l’organisation de cette journée.
Néanmois, je vous invite d’ores et déjà à réfléchir à ces différents thèmes, car les 28 au soir, nous aurons à nous assurer que l’ensemble des Cadres du Groupe a perçu clairement les objectifs à atteindre, et, est à même d’apporter sa contribuition au succés de ce project.»
ANEXO 4 – MTMG-AS, Cx 6, Paris-STB 16-10-78
Cher Monsieur,
Je m’excuse de ne pas avoir répondu plus tôt à votre courrier, mais nous avons en ce moment beaucoup de changements dans la société.
En effect, les difficultés de la blanche légumes ont conduit nos actionnaires à nommer un Vice-Président-Directeur-Général, Monsieur Sylvain
WIBAUX qui vient d’entrer en fonction.
Il a décidé un certain nombre de modifications nécessaires pour faire face aux problémes qui étaient posés. L’ensemble de ces modifications, qui touche à la fois le domaine industriel et le domaine administratif, perturbe à l’heure actuelle le travail de qui rend difficile de solutionner vos próblemes dans des délais rapides. Je ne les ai cependant pas perdus de vue et j’interviens énergiquement dans le sens que vous souhaitez.
Veuillez croire, cher Monsieur, en mês sentiments les meilleurs.
P. GRACIET
Paris, le 16 Octobre 1978 P. GRACIET A J. DA SILVA
ANEXO 5 – MTMG-AS, Cx 6, Paris-STB 09-01-79
De: Division Poisson (Pierre Graciet), Paris, 9 Janeiro 1979
«Comme vous le savez un certain nombre de modifications sont intervenues dans notre Groupe. Je pense que vous avez reçu le nouvel organigramme et vous en joint une copie à tout hasard.
Nous n’avons pas encore décidé du rattachement de SAUPIQUET – PORTUGAL dont l’activité industrielle devrait normalement dépendre du Directeur des Óperations, Mr. Yves AUDIDIER, et l’activité exportatrice de moi-même.
Toutefois, comme il s’agit d’une petite unité où les deux fonctions sont intégrées, nous essayerons, dans la mesure du possible, de conserver une unité d’actions. (…)»
ANEXO 6 – MTMG-AS, Cx 6, Paris-STB 02-05-83
(carta dirigida a todos os gerentes)
Amies et Amis,
Comme vous le savez je quitte, après de nombreuses années, le Grouppe Saupiquet. Nos chemins divergent pour des raisons qu’il suffit de constater.
J’ai participé activement au développement de ce qui est aujourd’hui un Grouppe. J’ai consacré à Graciet S.A. d’abord, à Saupiquet ensuite, beaucoup d’énergie, d’entêtement et aussi un peu de réflexion.
En contrepartie, j’ai également beaucoup reçu et j’en suis reconnaissant à tous ceux qui, avant moi et avec moi, ont participé à cette aventure. J’ai appris à bien connaître ce métier de la conserve et plus particuliérement celui du poisson qui n’obéit pas toujours aux règles de la logique, et se rit souvent des mises en équation.
J’ai eu sourtout beaucoup de joie à travailler avec la plupart d’entre vous, en découvrant la richesse du travail des autres et le sens de l’humour.
Le temps a passé vite à courir aprés les succés qui ont flatté mon orgueil, et quelquefois les échecs qui ont permis à ma modestie de voir le jour.
Les moments les plus pénibles je les ai connu lorsque les équipes qui se sont constituées aux différents standes de ma carrière dans le Grouppe ont été bouleversées ou détruites. Mais j’ai appris aussi à accepter le changement qui oblige à se remettre en cause.
C’est pourquoi je pars aujourd’hui sans regrets et avec beaucoup de sérénité pour une nouvelle aventure, en vous souhaitant bonne chance et en espérant vous revoir.
Amicalement Pierre GRACIET
Le 2 Mai 1983
ANEXO 7 – MTMG-AS, Cx 6, STB-NTS 08-04-87
Setúbal, le 8 Avril 1987 Monsieur Jean-François BAUER Président-Directeur Général De la Compagnie SAUPIQUET
Monsieur le Président,
La situation de la pêche et l’industrie de conserves de poisson est, sans pousser les choses au pire, vraiment désastreuse. Il est très connu qu’on est en face d’un état généralisé de faillite.
Nous avons pu, jusqu’à présent, résister surtout grâce à une trésorerie saine, car l’outil est plus que modeste. Il est pauvre.
Les perspectives de cet exercice, ayant un stock de sardines “Robert”, qui semble, en début de campagne, déjà supérieur à vos besoins d’importation jusqu’à la fin de l’année (1), sans anchois en saumure (2) pour nous permettre utiliser toute la main d’ouvre, car tout le personnel est payé au mois, ne poussent vers une impasse dont je ne pourrai pas me sortir.
Votre décision de repartier [sic] 35 millions d’escudos, transformant à l’envers notre situation en Banque (3), plus le paiment de royalty par l’utilisation des marques, précipiterait les événements, car je ne saurais pas m’échapper à ces écueils.
Dans ces conditions, je suis navré qu’aprés avoir attendu longtemps, dans l’espoir d’une bonne solution pour quitter la société, me trouver forcé de vous donner ma demission.
En accord avec la loi, je cesserai mês fonctions fin du mois de Juin 1987.
Avec mes regrets, veuillez agréer, Monsieur le Président, l’expression de ma considération très distinguées.
J. DA SILVA
(1) Vos achats de sardines “Robert” ont baisse 36,5% en 1986, par rapport à la moyenne des trois années précédentes;
(2) L’Espagne a acheté presque la totalité de notre pêche d’anchois en 1986;
(3) Les intérênts sont actuellement à 20%.