A Embalagem de Conservas na Conserveira Pinhais, por Sara Monteiro - CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 04
A EMBALAGEM DE CONSERVAS
Tipologias e sistemas de abertura das latas de conserva de peixe
TIPOLOGIAS E SISTEMAS DE ABERTURA DAS LATAS DE CONSERVA DE PEIXE
As primeiras embalagens de conservas realizadas por Appert, no início das suas experiências, por volta de 1802, datam de fundação da sua primeira fábrica em Massy, e eram simples recipientes em vidro. Segundo Brandão (2010), partindo do modelo das garrafas de champanhe de vidro espesso, Appert terá requisitado a um vidreiro garrafas com um bocal mais largo que o habitual, para facilitar a introdução dos alimentos, que seriam depois lacradas com tampa de cortiça e cera.
O início de uma nova geração de embalagens de conserva, ocorre em 1810, quando um outro material é empregue na sua produção. Nesse mesmo ano, em Inglaterra, a patente pelo emprego de folha de estanho para a produção de embalagens cilíndricas foi entregue pelo rei George III a Peter Durand. Na realidade, de acordo com o pesquisador Norman Cowell, professor aposentado do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos na Reading University, um outro francês, o inventor Philippe de Girard, terá patenteado a sua ideia através de Durand. Este último terá, por sua vez, vendido a sua patente ao engenheiro Bryan Donkin por 1.000 libras. Mas terá sido Donkin, quem refinou o método, procedendo de seguida à sua utilização em 1813. Juntamente com os seus sócios Sir John e John Gamble construiu uma fábrica em Bermondsey, no sul de Londres, considerada a primeira fábrica de produção em massa de latas de conserva. (Geoghegan, 2013)
A lata cilíndrica em folha de flandres, opaca e resistente, era realizada em três peças, e durante anos permaneceu inalterável. (Desnier & Hagene, 1994)
Naquela época (1814) faziam-se as latas cortando os corpos e as tampas com tesouras manuais de cortar metais, tendo as tampas um diâmetro um pouco maior do que o correspondente ao recipiente acabado, as quais, por meio de martelo e cinzel, se dobravam sobre o corpo da lata para depois serem soldadas. (…) para encher as latas fazia-se na tampa um orifício de 7 a 8 cm (…) pelo qual se introduzia o produto em pedaços, fechando-se depois este orifício com um pequeno disco de folha soldado. (Capont, 1960)
De acordo com Capont (1960) algumas inovações quanto aos métodos de produção da embalagem metálica foram desenvolvidas, como a automatização dos cortes das peças e a soldagem mecanizada dos mesmos.
É de realçar também a dificuldade de abertura destes primeiros recipientes, entre as instruções presentes no rótulo era possível ler: ‘Cortem a tampa em redondo, utilizando um martelo e um cinzel’. Segundo Desnier (1994), durante cinquenta anos ninguém se preocupou em encontrar um utensílio que facilitasse a abertura das latas, no entanto é importante relembrar que na época e desde o início, as conservas eram destinadas principalmente aos exércitos, marinheiros ou equipas de expedições, que precediam à abertura das mesmas utilizando um canivete ou uma baioneta. Assim, ainda segundo Desnier (1994), a primeira tentativa de solucionar este problema parte do americano Ezra J. Warner, que requisita em 1858 uma patente para um abre latas que se parece tanto com uma focilha e uma baioneta, no entanto o primeiro abre latas considerado realmente funcional, com uma roda cortante que gira em torno do rebordo da lata, foi patenteado pelo americano William Lijman em 1870.
68 Nicolas Appert, Philippe de Girard e Bryan Donkin, foram figuras históricas que influenciaram a evolução da embalagem de conservas, da garrafa de vidro à lata metálica.
Quanto aos formatos, os primeiros recipientes metálicos eram cilíndricos e como já foi mencionado, tendo em conta o seu destino ser o provisionamento das tropas, deduzimos que o seu tamanho não deveria tratar-se de dose individual. As denominadas ‘refeições de campanha’ de 1Kg tratavam-se talvez, de recipientes similares aos destinados à restauração na actualidade.
Durante a guerra mundial de 1914/1918 as conservas proliferaram (…) a situação de conflito exigia o lançamento no mercado de refeições de campanha (latas de 1 quilo), iguais às utilizadas pelos ingleses nas suas tropas de terra e mar, mas adaptadas ao paladar português: bacalhau guisado com batatas (ou grão); carneiro guisado com batatas, vitela à jardineira; bacalhau com arroz; (…) A sua utilização obedecia às seguintes regras: “é preferível usarem-se aquecidas, emergindo a lata em água a ferver durante trinta minutos, ou então a fogo vivo por espaço de dez minutos, devendo neste caso ser a lata aberta previamente”. (Gaio, 1984)
Referente às tipologias de abertura, tendo em conta a pesquisa elaborada, a alusão às tipologias mais antigas, denominadas ‘à decollage’ e ‘à bande’, são situadas depois de 1870. (Desnier & Hagene, 1994) Tendo em conta que o método de Appert foi introduzido em Portugal em finais do séc.XIX (Tato, 2008), a indústria conserveira portuguesa terá beneficiado das inovações ocorridas naquele período de sessenta anos. Deduzimos assim, que as tipopogias ‘à decollage’ e ‘à bande’ serão então as mais antigas utilizadas pela indústria portuguesa.
Para melhor perceber as tipologias e sistemas de abertura dos recipientes metálicos a análise realizada por José Dias, funcionário e investigador do I.P.C.P., provou-se essencial, no entanto o autor não faz menção à tipologia ‘à bande’, advertimos assim que a explicação que se segue não se baseia somente neste autor, mas também de informação que pudemos inferir da nossa pesquisa em geral.
Ambas as tipologias acima mencionadas possuem sistema próprio de abertura, recorrendo a uma chave (estas variam de tamanho adequando-se à lata), e tendo em conta que na época a solda era utilizada no fabrico dos recipientes ambas deveriam partir de três peças (dois tampos e uma tira), as diferenças entre ambos consistem na abertura.
Assim, a lata ‘à decollage’ abre pela deslocação de todo o tampo, existindo, dentro do que pudemos apurar, duas diferenças quanto à posição da patilha de abertura, pode então encontrar-se na lateral do tampo ao centro, ou numa das esquinas do tampo.
A lata ‘à bande’ por sua vez, abre pela tira da lata, ou seja na lateral, é lá que se encontra a patilha e também com a utilização da chave procede-se ao deslocamento da mesma “rasgando”, como se de uma fita se tratasse, parte da lateral da lata. (Dias, 1976/77)
69 Exemplar de uma lata de conserva de vitela assada datada de 1825.
“Esta lata foi deixada no Ártico quando Parry abandonou o HMS Fury em 1825, tendo sido descoberta quatro anos depois, pelo capitão Sir John Ross, que a levou para Edimburgo onde a utilizou como batente para a porta de sua casa.
Os cientistas abriram-na em 1958, 135 anos depois de ter sido feita (…)” (Geoghegan, 2013, tradução livre).
70 Fotografia da autoria de Aurélio da Paz dos Reis, conceituado fotógrafo e cineasta português, que retrata a oficina de soldadores da fábica de conservas Brandão Gomes, Espinho, 1908.
É de referir que estas tipologias de abertura de todo o tampo facilitavam a introdução dos alimentos, em comparação com as primeiras latas que possuíam um simples orifício de 7 a 8 cm no tampo, estas passaram então a possibilitar a conservação de alimentos sólidos, e de maiores dimensões. (Budd, 1937)
A estas tipologias segue-se a lata embutida, uma embalagem revolucionária que vem resolver o problema da contaminação dos produtos associados à solda e portanto à confecção das tipologias antecedentes. Esta nova tipologia diferencia-se das anteriores principalmente por não possuir soldagem, mas distingue-se também quer no sistema de abertura, quer na sua confecção. A lata embutida é dividida em duas secções, corpo e tampo, sendo o corpo formado pelo fundo e tira que formam uma só peça, obtida pela operação de cunhagem da folha. A ligação do corpo da lata ao tampo é feita pela operação de cravação evitando assim a solda. Quanto ao sistema de abertura, o tampo possui uma linha de enfraquecimento (um meio corte), e uma patilha ao centro de um dos lados do tampo, pelo qual se inicia a abertura com o auxílio de uma chave (similar às utilizadas nas tipologias anteriormente descritas) e que se completa pela linha de enfraquecimento, paralela aos bordos do tampos. (Dias, 1976/77)
NOTA: ver 2009 Phaidon DESIGN 1000 Objectos de Culto – Lata de conservas de abertura com chave (1866)
Uma outra tipologia é a lata cravada, que podemos considerar uma variante da lata embutida pela similaridade partilhada. O que a diferencia da embutida é a divisão em três peças, uma tira e dois tampos, possuindo assim uma construção diferente, existindo uma dupla cravação dos tampos à tira. O sistema de abertura é em tudo similar ao embutido, o tampo possui linha de enfraquecimento, patilha, sendo também necessário recorrer à chave. (Dias, 1976/77)
A lata sanitária é a tipologia que se segue e é considerada um apuramento da tipologia embutida, pois diferencia-se desta por uma inovação técnica. Em 1896, um composto líquido foi criado por Charles M. Ams, que tomou o lugar da junta de borracha utilizada na cravação da lata embutida. Considerada em 1937, a última conquista da lata, num artigo da revista ‘Modern Mechanix’.“A lata sanitária foi indiscutivelmente o principal factor de espantosa magnitude na transposição da produção da lata para o presente, além de ter sido a última conquista, de aspecto revolucionário, da história da lata”. (Budd, 1937, p. 166, tradução livre)
71 Cartaz informativo, da conserveira Brandão Gomes (n.d.), do modelo da lata embutida, que também ilustra o modo de abertura do sistema ‘à decollage’. Uma versão colorida deste cartaz pode ser visualizada no Museu de Espinho.
72 Explicação ilustrada do método de cravação, que vem substituir o uso de solda na fabricação de latas de conserva. Esta imagem foi utilizada no artigo intitulado ‘The Romance of the Tin Can’, na revista Modern Mechanix, em 1937.
Na actualidade, a tipologia utilizada é denominada ‘easy open’, e varia da lata sanitária quanto ao seu sistema de abertura. Assim, parte também de duas peças, um corpo e um tampo, sendo construída por meio de cravação, possuindo no entanto uma abertura através de uma anilha que é aplicada ao tampo, feita através da linha de enfraquecimento. A única referência a esta tipologia, que nos pudesse indicar a sua periodicidade, é datada de 1970, e trata-se de um artigo na revista Conservas de Peixe, intitulado ‘Inovação de embalagem’, onde é feita a referência a uma conferência de imprensa convocada pelo director do I.P.C.P., onde foi anunciado o lançamento no mercado, a título experimental de uma embalagem de conservas em alumínio com o sistema de abertura ‘easy open’.
Quanto à indústria portuguesa, pudemos verificar que a introdução e actualização das tipologias das latas revelou-se um processo demorado, talvez pela necessidade de adaptação da maquinaria envolvente. Conforme um relatório oficial em 1905, fazia-se referência a mais de 100 formatos diferentes de latas, pois eram os fabricantes de conservas que decidiam, consoante as conveniências do momento, o tamanho a dar às mesmas, havendo variações de um a dois milímetros. “O Consórcio estabeleceu então (1932) a existência de 17 formatos ‘à decollage’ e de 6 formatos de latas ‘à bande’ (…)”(Cordeiro, 1989, p. 45)
Assim, tendo em conta que a lata sanitária foi criada em 1896 e a ela antecede a lata embutida, em Portugal estas tardam a chegar, pois as tipologias com solda ainda eram utilizadas em 1932.
Ainda de acordo com Cordeiro (1989), foi na década de trinta que a indústria portuguesa começou a adoptar as tipologias embutida e cravada, devido à dificuldade de comercialização no mercado americano, que se queixava da dificuldade de abertura das latas, tendo-se tornado corrente naquele país a expressão “é quase tão difícil como abrir uma lata de sardinhas portuguesas”(Cordeiro, 1989, p. 51).
73 Publicidade (1940) de uma empresa de chaves para abertura de latas de conservas, que tira partido da dificuldade de abertura das mesmas.
Assim, tendo em conta que a lata sanitária foi criada em 1896 e a ela antecede a lata embutida, em Portugal estas tardam a chegar, pois as tipologias com solda ainda eram utilizadas em 1932.
Ainda de acordo com Cordeiro (1989), foi na década de trinta que a indústria portuguesa começou a adoptar as tipologias embutida e cravada, devido à dificuldade de comercialização no mercado americano, que se queixava da dificuldade de abertura das latas, tendo-se tornado corrente naquele país a expressão “é quase tão difícil como abrir uma lata de sardinhas portuguesas”(Cordeiro, 1989, p. 51).
Estes novos métodos de enlatamento tinham sido já adoptados pelos seus principais fornecedores – a Noruega e o Estado norte-americano do Maine – os quais, além disso, passaram a utilizar também folha mais fina, mais maleável, menos solda e, portanto, proporcionando uma abertura mais fácil. Pelo contrário, a folha que a nossa indústria então usava era demasiado pesada e consistente, circunstância que acrescia à excessiva quantidade de solda, dificultava a abertura da lata, pois a chave partia-se frequentemente. Quando acontecia a felicidade da chave resistir, a lata rasgava-se irregularmente, dificultando a extracção do peixe. (Cordeiro, 1989, p. 51).
Podemos inferir que os grandes problemas enfrentados pela indústria em relação ao embalamento, foram primeiramente de carácter funcional e material, quer pela dificuldade de abertura quer pela contaminação causada pela utilização de solda no fabrico das mesmas. E somente após as diferentes inovações técnicas e tipológicas alcançadas, é que o aspecto gráfico da embalagem se tornou relevante e alvo de discussão, como factor importante de imposição das marcas no mercado.
As transformações que ocorreram nas embalagens são mais evidentes a nível das tipologias e não tanto a nível formal, embora seja notória a tendência para a sistemática normalização das latas, sendo o formato ¼ club, o formato mais usual. De acordo, com o Dr. Castro e Melo, secretário-geral da ANICP (Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe) nos mercados externos, este formato é normalmente o mais associado às conservas portuguesas.
As sistemáticas actualizações na indústria ocorreram também por via da maquinaria a utilizar, propiciando a separação dos sectores de produção de latas e do sector de produção das conservas. Esta reorganização estratégica originou para cada actividade a necessidade de estabelecer diferentes empresas. É exemplo a Conserveira Pinhais, que cessou o seu sector de latoaria e passou a recorrer a empresas externas para a produção das suas embalagens.
“Lacas, esmaltes e litografia têm vindo a adornar e embelezar as latas, mas o seu valor principal foi e sempre será a sua viabilidade, utilidade e conveniência.” (Budd, 1937, p. 166, tradução livre)
74 Publicidade ao leite ‘Carnation’, onde a embalagem se sobrepõe a uma paisagem de pastos verdes com animais saudáveis, retratando assim o ambiente em que o leite é produzido, que se torna acessivel ao consumidor numa lata. (n.d.)
75 Embalagem vintage da mesma marca. The American Package Museum (n.d.).
76 Nesta publicidade as crianças antecipam o pequeno almoço, uma refeição composta pelos alimentos preferidos, que estão ilustrados em baixo, uma variedade de produtos Monarch. (n.d.)
77 Os frutos e vegetais da ‘Lin-Can’ são promovidos pela frescura inerente dos mesmos. (n.d.)
78 A excitação das crianças pela salada de fruta ‘Lokwoods’, é a melhor publicidade que esta poderia ter. (n.d.)
79 Nesta publicidade da ‘Campbells’ não há necessidade de mostrar o produto, o reconhecimento da marca, pela sua embalagem e rótulo é suficiente. (n.d.)
80 A sopa de tomate da ‘Campbells’ servida em pratos e de modos variados, mostra-nos que é um produto acessível a todos, não esquecendo, no entanto, a individualidade de cada um. (n.d.)
81 Nesta publicidade, através de uma alusão a um raio x de uma lata de conservas, ficamos a saber que todos aqueles alimentos saudáveis, próprios para uma criança, vieram de latas. (n.d.)
82 Nesta publicidade de vegetais da ‘Batchelors’, as cores são evidenciadas, tornando os produtos e rótulos vibrantes e chamativos. (n.d.)