A Embalagem de Conservas na Conserveira Pinhais, por Sara Monteiro - CAPÍTULO 02

CAPÍTULO 02

A CONSERVEIRA PINHAIS

Fábrica de Conservas Pinhais & C.ª L.ª

As marcas da Conserveira Pinhais & C.ª L.ª

Processo de fabrico tradicional na Pinhais & C.ª L.ª

FÁBRICA DE CONSERVAS PINHAIS & C.ª L.ª

A Conserveira Pinhais & C.ª L.ª é fundada em 1920, pelos irmãos Manuel e António Pinhal em conjunto com Luiz da Silva Rios, que se crê ter lançado o desafio aos dois irmãos pescadores, de constituírem uma sociedade vocacionada para o fabrico de conservas de peixe, aos quais se juntou posteriormente Luís Sousa Ferreira.

A estratégia empresarial dos irmãos Pinhal passou por apostarem numa equipa de trabalhadores esforçados e com experiência no sector. A sua política interna também passava pela escolha do melhor peixe para as suas conservas, sem condicionalismos de preços. “De acordo com José Matos Pinheiro, um dos maiores e mais importantes produtores de peixe de Matosinhos,“ (…) a Pinhais e a La Gondola como é sabido, apenas compram o peixe que está em muito bom estado para as suas conservas (…)” (Amorim, 2007, p.27)

O edifício da fábrica, que conhecemos hoje, na Avenida Menéres número 700, foi somente edificado em 1926, tendo a primeira fábrica de conservas sido sediada na Avenida Serpa Pinto. Fábrica essa que recorria, segundo Amorim (2007), ao processo de conservação herdados da presença romana no litoral ibérico, a salmoura. É de mencionar ainda, que a fábrica acompanhando a expansão do negócio, foi sofrendo alterações, e após algumas ampliações adquire por volta de 1945 a actual volumetria.

Este ano, é também marcado por um período de alterações significativas na gerência da empresa. Amorim (2007) refere que a 14 de Maio de 1945 com o falecimento de AntónioPinhal, e com a posterior morte de seu irmão Manuel Pinhal, associada à ausência dos restantes sócios, terá António Pinhal Júnior, sucessor de António Pinhal, de assumir a direcção geral da fábrica, decorria o ano de 1946. António Pinhal Júnior, com trinta anos de idade, após já ter dedicado alguns anos de trabalho na mesma, nomeadamente à actividade de compra de pescado na lota, viria a assumir este desempenho até meados dos anos 80, tendo falecido em 2010. 

“António Pinhal Júnior nunca se desviou dos propósitos iniciais que presidiram à fundação da ‘Pinhais’: produzir sempre com a melhor qualidade.” (Amorim, 2007, p.63) Assim, quando vários empresários do norte, como é exemplo a Lopes, Coelho Dias, adoptaram o revolucionário método de fabrico, o sistema Massó, o gerente da Pinhais procurou manter o processo tradicional. Esta decisão revelou-se acertada, pois apesar dos aparentes benefícios do inovador sistema, que propunha um acréscimo de qualidade do produto, assente na mecanização de algumas tarefas, como o descabeço e a evisceração do peixe, muitos acabaram por descapitalizar as empresas com os investimentos realizados, “(…) sem nunca conseguirem aproximar-se dos preços baixos marroquinos, mas, ironia das ironias, foram capazes de os igualar na inferior qualidade das conservas.” (Amorim, 2007, p. 63)

Podemos dizer que o sucesso da Pinhais tem por base a qualidade das suas conservas, conseguida em parte, pela tradição mantida no processo de fabrico das mesmas, e pontualmente durante a nossa pesquisa é referida a relação de cordialidade mantida entre a gerência e os funcionários da fábrica. 

O êxito da empresa foi na realidade desde cedo reconhecido, como é possível verificar num artigo publicado na Revista Conservas, um periódico fundado pelos industriais de Matosinhos. 

16 Manuel Pinhal, António Pinhal, Luiz Silva Rios e Luís Sousa Ferreira, fundadores da Conserveira Pinhais. (n.d.)

Em 1940 escrevia-se assim: 

Esta firma é um exemplo vivo do que vale a tenacidade metódica, o trabalho honesto e o esforço consciente. Durante 20 anos de perseverança, cuidados e atenção meticulosa, a Fábrica Pinhais construiu serenamente um edifício grandioso não só pela extensão material das suas instalações, como também pelo êxito incomparável das suas iniciativas. A marca Pinhais é hoje em todo o mundo uma garantia de qualidade, e em Matosinhos um penhor de esmêro e um modelo de fabrico. É a fábrica de maior produção e a que, em condições normais, atinge as mais elevadas cifras de exportação. (“Revista Conservas” Nº60,1940, p. 20-21)

Actualmente quem dirige o destino da fábrica é António Manuel Pinhal, que passou a gerente no ano de 1983. O seu filho, António Manuel Pinhal também se encontra a trabalhar na fábrica, estando encarregue das exportações, dispensando algum do seu tempo na ajuda da concretização deste nosso projecto, principalmente na recolha das embalagens do espólio da Pinhais.

A contínua tradição da denominação dos seus herdeiros com o nome António Manuel, está por detrás de algumas confusões no seio da empresa. Como explica Maria Emília Costa, encarregue dos Recursos Humanos na Pinhais, numa entrevista a Amorim (2007), “(…) Mais tarde, ambos viemos a saber que a requisição fora feita por outro senhor Pinhal, o Dr. António Pinhal ‘filho‘. E há cá mais um – António Pinhal ‘neto‘!”. (Amorim, 2007, p. 79) Assim, o facto da Pinhais se ter mantido um negócio de família, pode ter, na nossa opinião, influência nos seus produtos, explicando a transmissão e continuidade das denominações das marcas da empresa, e de um modo geral do grafismo a elas associado.

17 Embalagem de venda da Conserveira Pinhais, de um conjunto de três latas de conservas variadas.

AS MARCAS DA CONSERVEIRA PINHAIS & C.ª L.ª

Tradição, palavra que se tornou para nós sinónima desta empresa, é visível, nos seus produtos. Desde as embalagens cartonadas, ou de celofane, às latas, que vão adquirindo, ao longo dos anos da empresa, diferentes formatos e métodos de abertura, a envolvente gráfica mantém-se praticamente inalterada. (Temática desenvolvida no capítulo dedicado à análise dos rótulos das embalagens da Conserveira).

Optamos por mencionar aqui as marcas mais emblemáticas associadas à Pinhais: ‘Anteo’, ‘ Amourette’, ‘Buzon’, ‘Cibeles’, ‘Cisne’, ‘Cometa’, ‘Edusa’, ‘Hebe’, ‘Hio’, ‘Les Ailes’, ‘Mabuti’, ‘Marinheiro’, ‘Mascato’, ‘Matapan’, ‘Matusa’, ‘Nuri’, ‘P.’, ‘Pescador’, ‘Pinhais’, ‘Rios’, ‘Sailor’, ‘Semper Idem’, ‘Yo’, e por fim a marca ‘10’. 

Das vinte e quatro marcas seleccionadas, no espólio da Pinhais e da litografia Amorim & Amorim, como pela pesquisa na revista Conservas de Peixe, é de notar que muitas viram cessada a sua produção. Podemos ainda destacar atualmente as marcas ‘Pinhais’ e ‘Nuri’ como as mais populares. 

Também de mencionar as marcas da exportadora Luiz Viana & C.ª L.ª que desde sempre teve uma parceria com a Conserveira Pinhais, empresa onde eram produzidas as conservas que exportava, as marcas desta exportadora acabariam por ser cedidas à ‘Pinhais’ após o seu encerramento. Apesar da quantidade das mesmas ser superior, decidimos mencionar aqui somente três das marcas mais emblemáticas, ‘Nuri’, ‘Amourette’ e ‘Matusa’, por ainda hoje serem produzidas.

Tivemos oportunidade, em conversa com António Pinhal, de perceber algumas curiosidades associadas a algumas das marcas, como é o caso da ‘Rios’. Esta marca foi assim denominada, inspirada no último apelido de um dos fundadores da empresa, Luiz da Silva Rios. A marca ‘Mabuti’ dirigida ao mercado filipino, foi por sua vez inspirada no dialecto indígena, onde ‘mabuti’ se traduz por ‘muito bom’. A sua embalagem também tem a particularidade de ser mais achatada, pensada no consumidor que transporta uma lata de conservas consigo. A ‘Nuri’, foi baptizada por um dos irmãos fundadores, Manuel Pinhal, que segundo o seu sobrinho António Pinhal “ (…) foi uma pessoa viajada, arranjando mercado para a casa “, e numa das suas viagens terá conhecido uma bela espanhola com o nome de Nuri, dando assim origem ao nome da marca. Segundo Amorim (2007), esta marca atingiu tal notoriedade, tendo inclusive surgido uma marca concorrente de nome muito semelhante, ‘Turi’, no mercado, crê-se no entanto, que esta marca cessou a sua comercialização.

PROCESSO DE FABRICO TRADICIONAL NA PINHAIS & C.ª L.ª

Não imagina o leigo, enquanto come o seu hors-d’oeuvres ou a sua sardinha no pão, nem por um minuto tudo o que se passa por detrás da iguaria que está a saborear.

Para aqueles que não sabem, esta constatação resume-se ao fornecedor cuja única preocupação é comprar uma lata de sardinhas a baixo custo, abri-la e servir o peixe de qualquer maneira que o agrade. O consumidor come o peixe e pode, eventualmente, comentar se a marca é boa ou má.

Aqui cessa o conhecimento geral, pois a maioria das pessoas está completamente inconsciente da quantidade de trabalho e problemas envolvido na preparação de uma lata de sardinhas, e das diferentes fases pelas quais o peixe tem de passar, desde que sai da rede de pesca até ser hermeticamente selado numa lata e colocado no mercado para venda e eventual consumo. (“Revista Conservas” Nº43, 1939, p.19, tradução livre)

Por curiosidade procuramos sintetizar o processo de fabrico tradicional das conservas, utilizado ainda hoje pela Pinhais & C.ª L.ª. Segundo António Pinhal a Conserveira Pinhais apresenta-se como a fábrica do país com o método mais tradicional, “Algumas podem fazer a mistura dos dois, do artesanal com o industrial, mas a maior parte delas é tudo máquinas e máquinas…”.

“Começa na lota quando a vendedeira com um sorriso e boas maneiras e em voz feliz, diz ao comprador da Fábrica, é do senhor este peixe.” (Tato, 2008, p.19) A compra da matéria prima na lota, antes de dar entrada na fábrica é sujeita a uma criteriosa selecção, pois determinará a qualidade do produto final. Transportado para a fábrica, o peixe é descarregado numa antecâmara da linha de fabrico seguindo depois para as grandes bancas de mármore, a zona do descabeço.(Amorim, 2007) Aqui, as mulheres, com mãos ágeis, procedem à operação que consiste em tirar a cabeça e as vísceras do peixe.“O excedente recolhe a grandes e modernas câmaras frigoríficas, onde é armazenado à temperatura de -4º ou -5º.” (Tato, 2008, p.19)

Posteriormente o peixe é submerso em grandes tanques de salmoura (solução de água e sal a 25º de salinidade), onde repousa durante um tempo variável de acordo com o seu tamanho. Aí ele é dessangrado e adquire paladar. Retirado deste banho é engrelhado, ou seja, o peixe é colocado ordenadamente em grelhas, onde é lavado com água doce corrente. O peixe ainda nas grelhas é depois transportado em carros próprios para os cozedores, também conhecidos por estufas. Tratam-se de grandes fornos, onde o peixe é cozido a vapor durante um tempo e temperatura variável.

18 Conserveira Pinhais, 2014. Quando o peixe chega à fábrica este é transportado e depositado nas bancas de mármore. De seguida, procedesse ao descabeço e evisceração do mesmo.

19 Conserveira Pinhais, 2014. O peixe é colocado em tanques de salmoura, onde é dessangrado e adquire paladar. Após algum tempo em repouso é de seguida engrelhado.

“Há dois tipos distintos de cozedores: um a ar quente (com irradiador) e outro a vapor directo; o seu uso ou emprego depende de diversos factores.” (Tato, 2008, p.20) Depois de cozido o peixe é espalhado para proceder à secagem, libertando a gordura que resultou da cozedura. Entretanto, noutra linha, vão sendo preparados os condimentos (cenoura, pepino, cravinho, pimenta em grão, loureiro e malagueta) que serão colocados no fundo das latas de conserva. Depois de seco o peixe segue para as mesas de enlatamento, onde é colocado na latas em número variável, conforme o tipo de lata. 

As embalagens tradicionais são feitas em folha de flandres ou alumínio. A sua forma é habitualmente rectangular com as quinas arredondadas, e os tamanhos mais correntes oscilam entre 1/10 de club, a que correspondem 65gramas (peso bruto). Contudo o tamanho mais difundido para todos os tipos de conserva é o chamado 1/4 club a que correspondem aproximadamente um peso bruto de 165 gramas e um peso líquido de 125 gramas. Quanto aos molhos o azeite é o mais usado. (Tato, 2008, p.20) 

Continuando, as funcionárias procedem ao enlatamento, aparam o peixe e colocam-no dentro da lata. Uma curiosidade nesta fase do processo, mencionada por Tato (2008), é o cuidado das funcionárias que fazem por colocar o peixe com a melhor apresentação possível no fundo da lata, pois este há de ser no final a face da abertura da mesma. Tendo em conta o que pudemos constatar na visita ao sector de latoaria da Rio Caima S. A., pela tipologia das latas, onde o tampo, pelo qual se procederá à abertura posterior das latas, é cravado no final, a situação descrita acima inverte-se, o cuidado da apresentação é dado no final, depois de o fundo da lata estar preenchido. Ainda no enlatamento, (…) as empreiteiras têm de proceder a uma escolha rigorosa do peixe, visto que algum sai marcado pelo arame das grelhas e terá, no entanto, de ser introduzido na lata de tal modo que essas marcas não se vejam. É para elas poderem fazer isto que, na operação de engrelhamento, se coloca o peixe nos canais com a barriga para a direita nuns e para a esquerda noutros, alternadamente. Segue-se a fiscalização pelas levantadeiras que rigorosa e conscientemente, verificam o trabalho das empreiteiras. (Tato, 2008, p.21) 

Segue-se o transporte, em lotes (grupos de vinte) para o azeitamento, nesta fase as latas são mergulhadas numa tina de azeite puro. (Amorim, 2007) De acordo com Tato (2008) o azeite em excesso transborda para as vasilhas de aço sendo posteriormenterecuperado, aquecido em banho-maria a 100ºC ou em água com sal, atingindo uma temperatura de 110ºC. As latas são de seguida cravadas na cravadeira, processo mecanizado de colocar o tampo nas latas. Este trabalho era antigamente efectuado pelos soldadores, e é no início do século XX que se dá esta substituição. “As cravadeiras cravavam cerca de 700 latas por hora, o equivalente ao trabalho de 10 soldadores.” (Tato, 2008, p.21)

As latas fechadas são direccionadas a uma máquina que procede a uma primeira limpeza por acção de água, de modo a retirar o azeite que se encontra no exterior das latas, sendo depois esterilizadas. Aqui as conservas permanecem durante um tempo determinado consoante o tamanho da lata e do peixe. Segue-se uma nova e final lavagem da lata, prosseguindo para a zona de embalamento onde se espera o arrefecimento das mesmas. Aqui repousam por um período de quinze dias para precaver e detectar fermentações indesejáveis. Após este intervalo de tempo é realizado o teste final de controlo de qualidade, onde a lata é batida. Esta fase consiste em bater uma lata na outra e verificar pelo som, se elas têm água em vez de azeite ou molho, dir-se-ia então que a lata estava baixa. 

A linha de fabrico termina quando as latas de conservas são encaixotadas. As caixas dispõem-se em lotes de dez e, os lotes não podem exceder as dez caixas de altura nem o número total de quinhentas caixas. Assim é esperada a fiscalização por parte do I.P.C.P (Instituto Português de Conservas de Peixe), que procede mediante a apresentação de um boletim com as características do produto, afim de poder ser exportado. (Tato, 2008)

20 Conserveira Pinhais, 2014. O peixe é submerso em água doce e transportado para carros próprios.

21 Conserveira Pinhais, 2014. Colocação do peixe nas estufas.

Após esta viagem pelos sectores da cozinha e do enlatamento podemos ainda mencionar o sector da latoaria que existiu num primeiro período da fábrica, desde a época de 1926.

De início pensamos que se trataria de um sector de litografia, conforme as fábricas mais antigas possuíram, como já mencionamos, mas após a explicação de António Pinhal devemos denominá-lo como sector de latoaria, pois eles nunca chegaram a imprimir as latas na Pinhais. 

Embora não menos importante para a Pinhais, a “folha ilustrada” vinha impressa da litografia Amorim & Amorim, e na fábrica era feito o corte da folha no ‘balancé’ de modo a ficar com os tampos e as tiras realizadas na ‘máquina redonda à língua de fogo’. Tudo isto se passava na época das embalagens à decollage, segundo António Pinhal a partir do momento em que a solda foi proibida, devido às propriedades da mesma que poderiam afectar os micro-organismos do trato alimentar, temática muito discutida no seio da indústria, como podemos ver pelos variados artigos que origina nas revistas Conservas e Conservas de Peixe. Assim, a partir do momento em que a tipologia da lata muda para a lata embutida, a Pinhais deixa de possuir um sector de latoaria. Segundo António Pinhal, “(…) a lata vem toda feita, não tem solda, e nós só cravamos o tampo, então deixamos de ter oficina, não havia justificação para tal.”. As máquina já inutilizadas foram reposicionadas num outro armazém e segundo o gerente da Pinhais chegaram a ser local de visitas de estudo feitas pelas escolas.

A Conserveira Pinhais apresenta-se como uma das fábricas mais antigas do centro conserveiro de Matosinhos, com quase 95 anos de existência. Superou muitas das crises que já assolaram a indústria, mantendo-se em laboração de entre as 54 unidades fabris que já existiram em Matosinhos, fazendo parte das quatro que ainda persistem. Um negócio que partiu de dois irmãos pescadores e que tem passado de geração em geração desde 1920.

22 Conserveira Pinhais, 2014. Zona da colocação dos condimentos nas latas, onde depois de arrefecer o peixe é aparado e adicionado.

23 Conserveira Pinhais, 2014. Embalamento das latas com envoltório de papel.

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