1913 Almanaque do Portugal
Almanaque do PORTUGAL – 1918
Propaganda Portugueza
Praias – Furadouro
M. Ferreira de Castro
Almanaque do PORTUGAL – 1918
Propaganda Portugueza
Praias – Furadouro
Intentemos uma viagem. Dura uma hora aproximadamente este passeio. Larguemos Ovar, com as altas chaminés das suas diversas fabricas de vidro, de conservas, de cortumes e com os seus caminhos de ferro e tomamos a estrada do Furadouro. Um carro puchado a bois e próximo á chegar á vila, carregado de mexoalho, geme nos seus eixos. O sol ainda baixo envia raios dispersos atravez dos pinheiros que marjinam a estrada. Um cheiro a folhas-de eucaliptos, a chorõis e a agua salgada chega tênue até ali.
Aproximamo-nos: o caminho está a meio. Mulheres, vestidas de grossas lãs, chapelinho mitrado na cabeça, gigas dentadas salientemente nos extremos, debaixo do braço, fachas rodeando em muitas voltas a cintura, descalças, cruzam a estrada, cantando ou falando mutuamente em bom timbre.
O sol vai-se elevando pouco a pouco, os raios já deixam de atravessar a caule para atravessarem a copa dos pinheiros. O cheiro á agua marítima perpetua-se. Dezaparecem agora os pinheiros e em duas filas, semelhando as colunas dos claustros, marjinam a via eucaliptos grossos, luzentes, macios, tão altos que parecem finos, de ramajem transparente, deixando ver atravez da copa pedaços do azulino ceu do Furadoro. Atravessa a estrada, ou antes a estrada atravessa a ria de S. Paio da Torreira. Barracas dispersam se pelas marjens, ao lonje adivinham-se velas de barcaças, de barcos e botes.
A agua cristalina, deixa espelhar a ponte e pedaços dos sobranceiros galhos de eucaliptos e correndo em calmaria arrasta folhas amarelas pela velhice que as obrigou a deixarem a arvore-mãi. O cheiro da agua marítima perpetuou-se os pulmõis respiram dilatados. A arajem é eterna, como eterno é o bulicio das folhas e dos galhos, que ela própria move. Dezaparecem os últimos eucaliptos, cazas artísticas, com jardins na frente, palmeiras em leque aos lados, seguem-se de espaço a espaço.
Principia o ruido dos sapatos na areia, ouve-se o espraiar das ondas e avista-se lá no alto da rua Central a capela padroeira. As cazas unemse, evoluem-se os jardins na frente.
Furadouro, apezar de pequena, é uma linda praia. Tem ruas muitas, bem alinhadas, as cazas na maior parte de pedra são de gosto artistico.
Diversos hotéis e cassinos oferecem perenes distrações aqueles que não se contentam só com a Natureza. Entre estes deve-se destacar o hotel Cerveira, dum aprimoradissimo gosto e situado na rua principal. Tem duas capelas, uma feita e acabada, mas pequena, a outra, espaçoza, mas a concluir, ou antes a reparar.
Diversas fabricas de conservas acentuam o seu nome de praia sadia, comercial e elegante, destacando-se entre elas a «Varina», propriedade da firma Brandão & Cª. Esta fabrica que vizitamos quando ainda não funcionava defenitivamente, é montada com aparelhos modernissimos, desafiando as congêneres francezas.
A’s seis horas da manhã. O mar, o imenso mar, está alvo de espuma, o sol ainda não apareceu.
Na praia estendem-se sem linha pequenas cazitas de madeira pintada, assemelhando-se ás guaritas do caminho de ferro. Senhoras, saem delas, vestidas de roupa preta com listas brancas, em caminho ao mar. As mais levam pela mão as crianças que, profissionais, tomam e metem nas debaixo da primeira onda a espraiar-se.
Veem-se caritas pequenas, vermelhas, abrindo a boca e muitas encarnadas, chorarem, porque tomaram um boa doze de agua salgada.
Nos extremos da praia, barcos de grandes bicos á popa e á proa, e com dizeres carateristicos, como: «Fé em Deus», «Milagre de Santo Antônio», «Deus me guie», etc. Geralmente estes nomes, são acompanhados de figuras de santos, tornando-sem verdadeiramente singulares pela «maestria » do pintor. Grandes rolos de cordame amontoam-se em cima da rede á popa. Remos enormes pendem das beiras tocando com as extremidades na areia. Os barcos vão largar. Homens de carapuça embarcam. As mulheres ajudam-nos, heroicamente, mas como uma heroicidade costumada. Momentos depois o sol aparece paralelo á agua, as familias retiram-se pouco a pouco e os barcos, alem, parecem um escuro pequeninissimo numa folha de papel azul.
Cinco horas da tarde. Os barcos já regressaram.
Senhoritas, formozas senhoritas místicas, sentadas em grupos de trez ou mais, ou menos, fazem pocinhos na areia, conversam, respiram alegremente, olham a imensidade do azul encrespado das águas. Outras sujeitando-se a molharem os sapatos correm a beira-mar, na busca de conchas e de búzios.
Nos extremos, bois são acorrentados á corda da rede a puchar do mar, arrastam-na até no cimo da praia, volvem outra vez á beira, param tornarem a subir. A azafama do pescado nos extremos, emquanto no meio os olhares languidos da mocidade distraída, estendem-se atravez de tanta simplicidade, de tanta maravilha da deuza Natura.
Do «PORTUGAL»
M. Ferreira de Castro